A presente reflexão
surge no seguimento do
convite
que me foi dirigido pela
presidência da
Subcomissão
para a Igualdade de
Oportunidades, no
sentido de
poder prestar testemunho
sobre a situação da
Educação
Especial em Portugal,
particularmente no que
diz
respeito à educação das
crianças e adolescentes
com
necessidades educativas
especiais (NEE).
Assim sendo, o enfoque
deste trabalho terá a
ver
com os direitos das
crianças e adolescentes
com NEE,
cujas condições
específicas, emocionais,
intelectuais
e físicas, tantas vezes
as impedem de atingir o
seu
potencial máximo, caso
não lhes seja
proporcionada
uma educação de
qualidade, apropriada às
suas capacidades
e necessidades.
Será, portanto, numa
perspectiva de respeito
pela
diferença e pelo direito
a uma igualdade de
oportunidades
em educação que pautarei
as minhas palavras,
embora consciente de que
a promoção de um sistema
educativo que permita
educar todos, ou quase
todos
os alunos, nas escolas
regulares, não é tarefa
fácil. E
não o é, na minha
óptica, porque, de entre
outras razões,
Portugal ao subscrever o
movimento da inclusão
decidiu enveredar por um
discurso retórico,
palavroso,
sem muita substância,
que só tem servido para
desculpabilizar
quem o profere. E, neste
caso, em que está
em jogo o futuro de
dezenas de milhares de
crianças
e adolescentes,
favorecer a retórica em
detrimento da
ciência, pode dar lugar
a reestruturações,
reorganizações,
ou até, reformas
sedimentadas em ideias
pouco
claras que, geralmente,
levam a tomadas de
decisão
simplistas cujas
consequências se vêm a
repercutir
nas vidas dessas dezenas
de milhares de crianças
e
adolescentes.
É, a meu ver, este
cenário que envolve
presentemente
o atendimento
educacional aos alunos
com
NEE, estando os
resultados à vista de
todos: alunos
com NEE vendo, todos os
dias, os seus direitos desrespeitados
e coarctados; pais pouco
envolvidos na
educação dos seus filhos
com NEE; e educadores e
professores, confusos e
desmotivados, sem
perceberem
o que se está a passar à
sua volta. Tudo isto
fruto
das imprecisões e das
tomadas de decisão
precipitadas
que, paulatinamente, se
vão sucedendo, dando
origem a políticas
educacionais geradoras
de práticas
educativas desadequadas
às necessidades dos
alunos
com NEE e aos anseios
das suas famílias.
Começo por referir as
prevalências avançadas
pelo
Ministério da Educação
que nos diz que o número
de
alunos com NEE ronda os
1,8% 1, sem ter tido
feito
qualquer estudo de
prevalência credível
para justificar
tal percentagem. Na
maioria dos países de
vanguarda,
as prevalências actuais,
fruto de estudos de
prevalência
fidedignos, situam-se
entre os 10 e os 12%
2
(Figura 1). E, se assim
é, no caso português
ficam fora
do alcance dos serviços
de educação especial
mais
de 100 000 crianças e
adolescentes, com as
respectivas
consequências negativas
que esta situação gera,
o insucesso e o abandono
escolares.
Figura 1:
Necessidades especiais:
prevalências estimadas
NEE:
10% - 12% DA POPULAÇÃO
ESTUDANTIL
|
Dificuldades de
Aprendizagem: 48%
Problemas de
Comunicação: 22%
Deficiência Mental: 14%
Problemas de
Comportamento: 10%
Outros: 6%
|
OUTROS: Multideficiência 1.95%
Defª auditiva 1.30%
Problemas motores 1.10%
Outros prob. saúde 1.00%
Defª visual 0.50%
Autismo 0.12% Cegos-surdos 0.02%
Traumatismo craneano
0.01%
|
ALUNOS
SOBREDOTADOS: cerca de 5
a 12%
ALUNOS EM RISCO
EDUCACIONAL: cerca de 10
a 20%
|
E por quê? Porque
desde sempre o sistema
educativo português tem
menosprezado
continuamente os
direitos dos alunos com
dificuldades de
aprendizagem específicas
(DAE) devido a três
razões fundamentais:
-
(1) por confundir o
termo dificuldades de
aprendizagem
com problemas de
aprendizagem que, na sua
óptica, não necessitam
de serviços de educação
especial 3;
-
(2) por
desconhecimento do que
realmente são
dificuldades de
aprendizagem específicas
4 que, aproveito
para esclarecer, são
desordens neurológicas
que interferem com a
recepção, integração ou
expressão de informação,
reflectindo-se numa
discapacidade ou
impedimento para a
aprendizagem da leitura,
da escrita ou do
cálculo, ou para a
aquisição de aptidões
sociais, sendo as mais
frequentes a dislexia, a
disgrafia, a discalculia
e as dificuldades de
aprendizagem não-verbais;
-
(3) ou, por razões
economicistas, até
porque este grupo de
alunos perfaz cerca de
metade
do número de alunos com NEE, rondando, a meu
ver, cerca de 75 000
alunos.
Esta posição
educacional e política
por parte do Ministério
da Educação, carece de
esclarecimento,
uma vez que a atenção
que lhe foi dada por
parte das autoridades
educacionais portuguesas
foi, até ao momento,
nula
5, continuando o
Ministério da Educação,
provavelmente dentro de
uma política
economicista, como
referi, a ignorar as
necessidades dos alunos
com DAE, impedindo, de
certa forma, o seu
crescimento educacional,
social e emocional e,
mais grave ainda,
ajudando a promover a
erosão da sua
auto-estima, tendo como
consequência, como atrás
referi, o seu insucesso
e abandono escolares.
Para além deste
pressuposto que
configura um enorme
desrespeito pelos
direitos dos alunos com
DAE, coarctando-lhes o
acesso a práticas
educativas
em que impere a
igualdade de
oportunidades, o
Ministério da Educação
está à beira de cometer
mais
um erro de palmatória,
traduzido na utilização
da
Classificação
Internacional de
Funcionalidade,
Incapacidade
e Saúde, vulgo CIF
(Organização Mundial
de Saúde/OMS, 1981),
para classificar alunos
com
NEE. Situação caricata,
esta, uma vez que se
trata
de uma classificação que
diz respeito à saúde e
que
a maioria dos
profissionais de saúde
nem sequer usa,
dado não existir ainda
um caudal de
investigação que
comprove a sua eficácia.
Contudo, e mesmo
sabendo-se que a CIF emana de
uma instituição
especializada
das Nações Unidas, a
Organização Mundial de
Saúde
(OMS), cujo objectivo é
o de “dirigir e
coordenar as
actividades
internacionais relativas
a questões sanitárias
e de saúde pública”, que
ao referir-se-lhe diz
que
“Como novo membro da
Família de
Classificações
Internacionais
da OMS, a CIF descreve a
forma como os
povos vivem com as suas
condições de saúde… A
CIF
é útil para se
compreender e medir os
resultados de
saúde…” (ICF Home page,
2006), o Ministério da
Educação,
à revelia dos muitos
pareceres em contrário
de
cientistas e
investigadores nacionais
e estrangeiros de
que dei conhecimento à
Senhora Ministra da
Educação,
insiste em usá-la para
determinar a
elegibilidade
de alunos com possíveis
NEE para os serviços de
Educação Especial. À luz
da investigação e de
todos
os pareceres que
recolhi, não é difícil
compreender-se
que o uso da CIF para
fins educacionais será
deveras
prematuro, e nada ético,
correndo-se o risco, se
o
fizermos, de, como nos
diz o Professor James
Kauffman,
“estarmos a cometer um
sério erro, mesmo
trágico”
que, com certeza, poderá
trazer consequências
desastrosas para os
alunos com NEE e para as
suas
famílias, sendo
altamente lesivo dos
seus interesses e
dos seus direitos.
Um outro ponto que
merece destaque tem a
ver
com a ausência de um
modelo e de um processo
de
atendimento que possam
garantir respostas
educativas
eficazes para os alunos
com NEE, salvaguardando,
assim, o princípio da
igualdade de
oportunidades.
Ora, para assegurar este
princípio, não basta que
nos
apoiemos num discurso
social que vise a defesa
dos
direitos dos alunos com
NEE. É ainda importante
que,
para além desse discurso
eminentemente social,
que
pretenda materializar o
respeito pelos direitos
dos alunos
com NEE, condição
inequívoca numa
sociedade
democrática, se
considere também o tipo
de respostas
educativas que irão ser
as mais adequadas às
suas características e
necessidades. E, sendo
assim,
a existência de um
modelo e de um processo
que
pressuponha esse fim
constitui-se como uma
condição
inequívoca a ter em
conta. Contudo, a
legislação
portuguesa que diz
respeito a esta matéria,
não só é
confusa, como também,
face às práticas actuais
de
atendimento a alunos com
NEE, é inadequada. E,
por
conseguinte, posso
afirmar com alguma
segurança,
que não existe um modelo
que favoreça a
elaboração
de respostas educativas
eficazes para alunos com
NEE. Porém, como tive a
oportunidade de, a
pedido da Secretaria de
Estado da Educação
6,
apresentar um modelo que
designei por Modelo de
Atendimento à
Diversidade (MAD), penso
que não será despiciendo
apresentá-lo a seguir,
ainda que de uma forma
sucinta.
O MAD pretende
afastar-se de um
posicionamento
clínico, centrado no
défice do aluno,
alicerçando-se
num modelo de
consultoria e, quando
necessário, de
acção directa, tendo por
base a colaboração e a
retro
comunicação entre todos
os indivíduos implicados
no processo de
aprendizagem dos alunos
com NEE.
Assim, ele foi pensado
para possibilitar a
construção
de intervenções para
todos os alunos com
necessidades
especiais (risco
educacional, NEE,
sobredotação),
embora, no caso
presente, esteja a
reportar-me
aos alunos com NEE.
O MAD (Figura 2) tem por
base
quatro componentes
essenciais: uma que diz
respeito
ao conhecimento, do
aluno e dos seus
ambientes
de aprendizagem; outra
que se refere a uma
planificação
apropriada, com base
nesse conhecimento;
uma outra que se
relaciona com uma
intervenção
adequada que se apoie
nas características e
necessidades
do aluno e dos ambientes
onde ele interage
(conhecimento) e numa
listagem coerente de
objectivos
curriculares
(planificação) e ainda
uma outra que
diz respeito à
verificação, ou seja, a
um conjunto de
decisões relativas à
adequação da programação
delineada
para o aluno.
Figura
2 – Modelo de
Atendimento à
Diversidade
O MAD, como modelo de
intervenção faseado,
parece-nos adequado para
intervir com alunos com
NEE, dado que procura
encontrar soluções
apoiadas nas boas
práticas educativas,
antes de o encaminhar
para os serviços de
Educação Especial. É um
modelo essencialmente
preventivo, sendo que
engloba três
níveis de prevenção
(primário, secundário e
terciário), embora se
preocupe também com a
transição do aluno com
NEE para a vida activa.
Apesar de ter pensado
este modelo há mais de
15 anos, ele
assemelha-se ao método
designado por
response-to-intervention
(resposta-à-intervenção)
(Fuchs,
Mock, Morgan, & Young,
2003; Gresham, 2002;
NRCLD, 2004; Vaughn,
2003) destinado a
identificar
alunos com DAE, uma vez
que usa três níveis de
intervenção,
sendo crescente a
intensidade do ensino em
cada um dos níveis.
O MAD chama também a
atenção para a
importância
de se intervir
precocemente, quando o
aluno
começa a experimentar
problemas nas suas
aprendizagens,
certificando-se de que
ele venha a receber
apoios adequados
baseados no uso de
estratégias
apoiadas pela
investigação (Gresham,
2002; Correia,
2005, Heward, 2006).
Permite, ainda, que o
aluno tenha
acesso a intervenções
especializadas numa fase
mais precoce do seu
percurso escolar, mesmo
antes
de ele ser encaminhado
para os serviços de
educação
especial, aliás como é
proposto pelo método
resposta-
-à-intervenção (NJCLD,
2005).
Contudo, a implementação
de um processo que tenha
por base um modelo de
atendimento
eficaz, promotor de boas
práticas educativas
para os alunos com NEE,
depende,
em muito, da posição e
das tomadas de
decisão do poder
político que, até à
data,
se tem furtado à
discussão destes
assuntos,
ignorando as posições
tomadas pelos
investigadores e
especialistas
portugueses,
os resultados da
investigação e os
apelos dos professores e
dos pais dos
alunos com NEE que,
dia-a-dia, vêem a
educação dos seus filhos
cada vez mais
desconsiderada. É
preciso que o Ministério
da Educação fomente um
processo
que permita a elaboração
de respostas
educacionais eficazes
para estes alunos,
crie redes de recursos
especializados a nível
nacional
e proponha legislação
adequada. Seria
aconselhável,
também, que para a
planificação e
implementação do
que atrás se propõe,
fosse criado um grupo de
trabalho
que envolvesse os
investigadores e
especialistas
mais destacados nesta
matéria.
Um outro aspecto que
deve merecer a nossa
atenção
é o que diz respeito à
formação de professores
e
outros agentes
educativos tendo por
base a filosofia da
inclusão. Assim sendo,
parece-me evidente que
todas
as escolas se devem
preocupar com a formação
do
seu pessoal de acordo
com os objectivos
educacionais
por elas traçados. No
caso da inserção de
alunos com
NEE no seu seio, esta
formação torna-se
praticamente
obrigatória, sob pena
de, se assim não for,
assistirmos
a prestações
educacionais inadequadas
para tais
alunos. Pelo menos, os
educadores, os
professores e
os
assistentes/auxiliares
de acção educativa
necessitam
de formação específica
que lhes permita
perceber
minimamente as
problemáticas que os
seus alunos
apresentam, que tipos de
estratégias devem ser
consideradas
para lhes dar resposta e
que papéis devem
desempenhar as novas
tecnologias nestes
contextos.
Isto não quer dizer que
muitos outros
profissionais (ex.
psicólogos, terapeutas,
técnicos de serviço
social) não
tenham de adquirir e/ou
aperfeiçoar as suas
competências,
sendo para isso
necessário valorizar a
oferta
de oportunidades de
desenvolvimento
profissional.
Assim sendo, preparar
convenientemente os
profissionais
para estas novas funções
e responsabilidades
exige a implementação de
um modelo de formação
em contexto,
consistente, planificado
e seleccionado
de acordo com a
filosofia comum definida
pela e para
a escola. A formação em
contexto deve ser
planeada
cuidadosamente e ter por
base uma avaliação das
necessidades dos
profissionais
envolvidos. Por outro
lado, como o termo deixa
perceber, este género de
formação deverá ter
lugar, sempre que
possível, no
próprio local onde o
professor exerce a sua
actividade,
através de cursos de
curta duração, jornadas
de
trabalho, mesas
redondas, ciclos de
conferências, colóquios,
simpósios e seminários.
É também necessário, na
minha óptica,
reconsiderar
a formação inicial,
através da análise dos
planos de
estudos das
licenciaturas em
educação, comparando
os seus conteúdos com as
competências
profissionais
exigidas pela escola de
hoje, onde se pretende
que os
alunos com NEE recebam
uma educação apropriada
às suas necessidades.
Todos sabemos que,
dentro
do espírito do movimento
da inclusão, a formação
de
educadores e
professores, que
diariamente têm de lidar
com alunos com NEE, é um
dos pressupostos
fundamentais
para o seu sucesso.
Constato, no entanto,
que em Portugal este não
está a ser o caso. Numa
altura em que noutros
países se chama a
atenção
para o facto de que os
novos professores do
ensino
regular devem adquirir
experiência em como
trabalhar
com alunos com NEE
7, o
nosso país não está para
aí
virado. Pelo contrário,
ao abrigo do Processo de
Bolonha,
tivemos, nesta matéria,
uma oportunidade única
de melhorar
significativamente a
qualidade dos cursos
que dão acesso à
docência. No entanto, o
Decreto-Lei
que define as condições
necessárias à obtenção
de
habilitação profissional
para a docência,
recentemente
publicado, não refere
nem uma palavra sobre o
assunto,
chegando ao cúmulo de
revogar o Artigo 15.º,
Ponto 2, do Decreto-Lei
n.º 344/89, de 11 de
Outubro,
que determinava que “Os
cursos… de formação de
educadores e de
professores dos ensinos
pré-escolar,
básico e secundário
devem incluir preparação
inicial
no campo da Educação
Especial”. Resultado:
Muitos
dos cursos de formação
de professores
eliminaram
essa preparação em
educação especial dos
seus planos
de estudos.
Quanto à formação
especializada, o ponto
da
situação é o de que se
pretendermos basear-nos
numa
política que tenha por
base o binómio
saberes-experiência-competência versus
formação de qualidade,
então, pese embora os
resultados positivos que
até à
data, em alguns casos,
se têm observado, uma
parte
significativa da
formação especializada é
deficitária.
Assim sendo, para que o
sistema possa responder
às
necessidades dos alunos
com NEE que tem a seu
cargo,
é necessário que se
repense a formação
especializada,
tendo por base as
prevalências de alunos
com
NEE, o tipo e a
qualidade das
especializações. Nesta
ordem de ideias, e mesmo
que se pretenda
continuar a
usar nomenclaturas
próximas dos domínios,
então há
que perceber que os
problemas dos alunos com
NEE
se enquadram no domínio
do pensamento, cognição
e
aprendizagem (problema
intelectual e/ou
desenvolvimental,
dificuldades de
aprendizagem
específicas), do
controlo de emoções e
comportamentos
(perturbações
emocionais e problemas
de comportamento), da
comunicação (problemas
de comunicação), da
audição
e visão (surdez,
hipoacusia, cegueira e
visão reduzida),
da mobilidade e saúde
física em geral
(problema
motor e de saúde), ou
qualquer combinação de
duas
ou mais destas áreas.
Assim, os domínios
deveriam
designar-se por,
cognição e aprendizagem,
emocional
e comportamental/social,
da comunicação,
sensorial,
motor e de saúde. As
especializações deveriam
ter a
duração de um/dois anos
e incluírem, para além
do
elenco das disciplinas,
um projecto, de carácter
prático,
traduzido na elaboração
de, por exemplo, um
estudo
de caso ou de um estágio
no terreno. Os planos
de estudos dos cursos só
deveriam ser acreditados
se obedecessem a
determinados critérios
propostos
por uma entidade
reguladora que, para o
efeito, deveria
considerar a opinião dos
especialistas na
matéria,
neste caso ligados à
educação especial.
Passo agora a tratar um
último ponto que se
refere
à criação de legislação
que favoreça a
implementação
de boas práticas
educativas. A meu ver, a
legislação
e o comportamento de
todos aqueles envolvidos
na
educação dos alunos com
NEE’s são elementos
fundamentais
que devem nortear a
implementação de
boas práticas
educativas. Assim sendo,
e no que diz
respeito à educação
especial, essas
práticas, que se
pretenderiam eficazes,
têm sido moldadas pelo
preceituado
na Constituição da
República Portuguesa, na
Lei de Bases do Sistema
Educativo, no
Decreto-Lei
n.º 319/91, de 23 de
Agosto, e num conjunto
de peças
avulsas (Despachos e
Portarias) que têm vindo
a ser
publicados nos últimos
anos. Têm ainda sido
fruto de
um conjunto de critérios
emanados do órgão da
tutela,
da ética e deontologia
dos profissionais
envolvidos na
educação dos alunos com
NEE’s e da conduta dos
pais. A Figura 3 dá-nos
uma ideia da relação
existente
entre estes elementos.
Figura 3:
Bases em que
assentam os serviços de
educação especial
No que respeita à
legislação, muito
haveria para
dizer. No entanto, há
uma peça de legislação
ainda
em vigor, o Decreto-Lei
n.º 319/91, de 23 de
Agosto,
e um caudal de
legislação,
designadamente Despachos
e Portarias, cujo
preceituado, fruto de um
conjunto
de imprecisões e
contradições que contêm
e de
interpretações
infundadas, não se
coadunam com os
interesses dos alunos
com NEE, por não
precisarem
um processo de
atendimento eficaz, por
considerarem
a educação especial como
um sistema paralelo ao
ensino
regular, por descurarem
o princípio da
confidencialidade,
enfim, por todo um
conjunto de
circunstâncias
que leva a atendimentos
ineficazes promotores
de insucesso. Há ainda o
Decreto-Lei n.º 6/2001,
de
18 de Janeiro, que
também ele considera a
educação
especial como uma
“modalidade” de ensino
destinada
aos alunos com “NEE
permanentes” (Artigo
10.º), esquecendo-se que
neste grupo deveria ter
incluído os
alunos com autismo e com
dificuldades de
aprendizagem
específicas. Um outro
exemplo, ainda, é o da
própria Lei de Bases do
Sistema Educativo que
considera
a educação especial como
uma das “modalidades
especiais
de educação escolar”.
Perante esta situação
é necessário que se
revogue
muita da legislação
existente, sendo
desejável que se
crie uma só peça de
legislação, bem
fundamentada,
que venha a ser
impulsionadora de boas
práticas educativas.
Contudo, ao analisar o
que penso ser o
articulado
do ante-projecto de
Decreto-Lei que virá a
reger
os serviços de Educação
Especial, fiquei
espantado
com a proposta do uso da
CIF para avaliar e
promover
a elaboração de
programas educativos
individuais
para os alunos com NEE
quando, como já referi,
o uso
da CIF para fins
educacionais será
deveras prematuro,
e nada ético, conforme
pareceres formulados por
especialistas nacionais
e internacionais. Isto,
só por
si, evidencia a
necessidade de se
proceder a uma revisão
do referido
ante-projecto antes de
ser aprovado
e publicado. Aliás,
espera-se que antes da
aprovação
ele seja posto a
discussão pública.
Quanto às Orientações
emanadas do órgão da
tutela,
tem-se assistido a uma
catadupa de orientações,
muitas delas sem
fundamento legal e/ou
contrariando a
legislação em vigor, que
mais confundem os
professores e os pais do
que ajudam na
implementação de um
processo coerente
conducente à elaboração
de programações eficazes
para os alunos com NEE.
São disto exemplo as
orientações que dizem
respeito
às Necessidades
Educativas Especiais de
Carácter
Prolongado (www.dgidc.min-edu.pt/especial/areasintervencao_
NEECP.asp) onde se
insere a dislexia, a
disgrafia e a dispraxia
no Domínio da
Comunicação,
Linguagem e/ou Fala, e
as que dizem respeito à
reorganização
da Educação Especial,
onde, num documento
enviado às Escolas Sede
e não Agrupadas
(DREN), se apresenta um
formulário de avaliação
em
que impera o recurso à
subjectividade, à
confusão e,
até, à falta de ética,
se usa terminologia
diferente para
dizer a mesma coisa
(numa das páginas pode
ler-se
alunos com necessidades
especiais de educação e
noutra lê-se
necessidades educativas
especiais), se
afirma que o Decreto-Lei
n.º 6/2001, de 18 de
Janeiro,
usa a designação de “NEE
de Carácter Prolongado e
de Carácter Temporário”,
quando, na realidade só
usa
a designação de “NEE de
Carácter Permanente”, se
apela ao uso da CIF, a
meu ver erradamente,
como
já tive a oportunidade
de o afirmar
anteriormente. O
documento engloba,
ainda, um “Pedido de
Avaliação
pelo Encarregado de
Educação” que suscita
muitas
dúvidas por omissão de
clarificação de
conceitos e do
processo que deve levar,
por exemplo, à
elaboração
de uma programação
específica.
Conclusão
A educação tem como
objectivo fundamental a
preparação
do aluno para um dia
poder participar e
contribuir
activamente para a
sociedade onde se vier a
inserir. Assim sendo,
uma das grandes
preocupações
nacionais deve ser a de
se implementar um
sistema
educativo que permita,
dentro do princípio da
igualdade
de oportunidades, o
acesso a uma educação de
qualidade para todos os
alunos.
Até à data, em matéria
de educação, não nos
parece
ter sido esta a política
seguida pelos governos.
E
muito menos no que
respeita a respostas
educativas
para alunos com NEE.
Aqui, a meu ver, a
política tem
sido desastrosa,
culminando em
atendimentos
deficitários
a estes alunos ou, pura
e simplesmente, na falta
deles. E, mais grave,
esta situação parece ter
vindo a
agravar-se como o
demonstram, por exemplo,
a publicação
do Decreto-Lei que
define as condições
necessárias
à obtenção de
habilitação profissional
para
a docência, omisso no
que respeita às
necessidades
de formação dos docentes
da educação pré-escolar
e
dos ensinos básico e
secundário, e o uso da
CIF para
classificar alunos com
NEE.
Neste sentido, só uma
reestruturação
consciente
e fundamentada dos
serviços de educação
especial
poderá pôr cobro a uma
situação tão calamitosa
de
desrespeito pelos
direitos de um grande
número de
alunos com NEE, cujo
direito a uma educação
igual e
de qualidade lhes é
garantido nos artigos
71.º e 74.º
da Constituição da
República Portuguesa,
cuja preocupação
se deve inserir no
programa do Governo e a
que a Escola, pedra base
da formação pedagógica,
cívica e moral, não
deve, nem pode,
exonerar-se da
sua quota-parte de
responsabilidade, tanto
mais que
os alunos abrangidos, de
uma forma ou de outra,
nesta
área tão descurada,
superam, como já foi
dito, a
centena de milhar.
Esta reestruturação,
desde que pensada por
elementos
com aptidão para dar
parecer sobre estas
questões, o que não
parece ter sido o caso
até então,
afigura-se-nos pouco
onerosa, tendo em conta
o
elevado número de
crianças e adolescentes
com NEE
que se propõe servir;
muito actual, tendo em
conta os
princípios que hoje
regem a educação destas
crianças
e adolescentes; e de
inteira justiça social,
tanto mais
que todos os cidadãos
nascem iguais em
direitos, direitos
esses que a sociedade ou
quem a lidere, deverá
assegurar, pondo, assim,
cobro a situações de
negligência
e de exclusão
experimentadas por um
número
considerável de crianças
e adolescentes com NEE.
Recomendações
Propor recomendações
que impliquem mudança
de um sistema que se tem
revelado ineficaz, no
que
concerne ao atendimento
a alunos com NEE, exige
o conhecimento desse
mesmo sistema, a
preocupação
de criar situações
educacionais que
proporcionem
uma igualdade de
oportunidades para esses
alunos e
a vontade de se tomarem
decisões que favoreçam o
seu desenvolvimento.
Face a esta
realidade, impõe-se
considerar um
conjunto de mudanças que
permitam criar um clima
de confiança e de
cooperação entre todos
aqueles
que lidam com alunos com
NEE, para que seja
possível
implementar em todas as
escolas do país um
modelo
de atendimento que se
revele adequado. Neste
sentido, é imperativo
que se estabeleça uma
simbiose
entre as políticas e as
práticas educativas para
que a
prestação de serviços e
apoios aos alunos com
NEE
reflicta os
conhecimentos mais
actuais, gerados quer
pelas experiências já
vividas quer pela
investigação
mais recente.
Com isto em mente, e
tendo por base o exposto
neste trabalho,
propõe-se o seguinte:
-
Que, gradualmente,
o sistema se empenhe em
responder às
necessidades de todos os
alunos
com NE, designadamente
dos alunos com NEE,
nas escolas das suas
residências.
-
Que se encontre um
consenso quanto aos
conceitos a considerar
para que a articulação
escola/
pais/serviços possa ser
feita de uma forma
homogénea e esclarecida.
Como aqui já foi dito a
CIF não serve este
propósito, uma vez que
foi desenvolvida
para fins clínicos.
Existem, no entanto,
conceitos pensados para
fins educacionais que,
na
sua maioria, já
receberam consenso por
parte da
comunidade
internacional, estando a
ser usados
na maioria dos países
ocidentais que tratam
estas
matérias.
-
Que se adopte um
modelo de atendimento
com o fim de se
uniformizar, a nível
nacional, a
prestação de serviços
para os alunos com NE.
-
Que se considere um
processo, similar ao
apresentado neste
artigo, que tenha em
conta três
níveis de atendimento
que possibilitem dar
respostas
adequadas às
necessidades dos alunos
com
problemas ligeiros de
aprendizagem, em risco
educacional, com
necessidades educativas
especiais
e sobredotados.
-
Que se criem redes
de recursos,
constituídas
por psicólogos,
terapeutas e técnicos de
serviço
social, em zonas
geográficas específicas,
preferencialmente
nos agrupamentos, sempre
que estes ofereçam
condições físicas que
permita aí
a sua locação. Nestas
redes deve ainda
considerar-se a inserção
de docentes
especializados em
problemas motores,
deficiência visual,
deficiência
auditiva e
multideficiência, uma
vez que a prevalência
de alunos que se
enquadram nessas
problemáticas
é reduzida e as
assimetrias são grandes.
-
Que se repense a
formação especializada
tendo em conta as
prevalências dos alunos
com NEE.
-
Que se crie uma só
peça de legislação que
venha
a ser orientadora de
boas práticas educativas
para os alunos com NEE e
se revogue muita da
legislação
existente sobre a
matéria, designadamente
o Decreto-Lei 319/91, de
23 de Agosto, dado que
ela não se coaduna com
os interesses dos alunos
com NEE e sobredotados,
sendo até contraditória
no que diz respeito aos
apoios a prestar.
-
Que se criem
quadros para os serviços
especializados,
designadamente para
psicólogos, terapeutas
e técnicos de serviço
social.
Propõe-se, ainda,
para uma maior eficácia
dos serviços
de Educação Especial,
que se considere:
-
A criação de um
Conselho Consultivo para
a
Educação Especial, cujas
funções seriam as de
dar parecer sobre as
políticas e práticas
subjacentes
a um bom atendimento
educativo para os alunos
com NEE.
-
A criação de uma
Comissão
Interministerial
para a Educação Especial
destinada a propor
as acções e estratégias
adequadas a assegurar a
coordenação e cooperação
entre o Ministério da
Educação e os demais
Ministérios ligados à
prestação
de serviços para os
alunos com NEE.
-
A criação de um
Gabinete ou Divisão de
Educação
Especial cujo objectivo
primordial seja o de
reorganizar os serviços
de Educação Especial no
âmbito do Ministério da
Educação, bem como
dirigir,
orientar e coordenar
esses mesmos serviços.
Para finalizar, direi
apenas que será trágico
se não
conseguirmos encontrar
formas de congregar
esforços
para colocar acima de
tudo um diálogo que se
preocupe com a defesa
intransigente dos
direitos e
dos interesses dos
alunos com NEE e das
suas famílias.
O nosso país não se pode
dar ao luxo de
menosprezar,
diria até, de alienar
milhares de crianças e
adolescentes,
mantendo um
indiferentismo
sociopolítico e
educacional que em nada
favorece os seus
direitos e
o seu futuro.
-
Notas:
-
1 Entrevista recente
(2006) dada pelo
Director Geral da DGIDC
a uma estação de rádio,
reflectindo a política
do ME no que respeita ao
atendimento a alunos com
NEE que parece estar só
orientada para o
atendimento a alunos que
designa por alunos
com deficiência
(deficiência mental,
visual e auditiva,
problemas
motores graves e
multideficiência), termo
obsoleto em educação
desde que, em 1978, Mary
Warnock propôs o termo
necessidades
educativas especiais.
-
2 Kirk e Gallagher
(1979), 8,2-16,2%;
Kneedler (1984), 8,52-
13,65%; Heward e
Orlansky (1988), 11%;
Bullock (1992), 10-12%;
Gearheart, Weishahn e
Gearheart (1992),
9,48-19,12%; Giangreco
(2002), 10-12%; Hallahan
e Kauffman (2002),
10-12%; Heward
(2005), 10-12%.
-
3 A legislação mais
recente apenas prevê que
estes alunos recebam
apoios educativos
similares às estratégias
usadas na sala
de aula, realizados por
professores não
especializados, ou seja,
não considera a
necessidade de se fazer
apelo aos serviços e
apoios de educação
especial, quando
necessário.
-
4 O Ministério da
Educação inclui,
erradamente, a dislexia,
a disgrafia e a dispraxia
nos problemas de
comunicação (DGIDC,
2004)
-
5 Em Fevereiro de
2006, preocupado com a
situação dos alunos
com DAE, enviei à
Secretaria de Estado da
Educação um documento
intitulado “Para uma
definição portuguesa de
dificuldades
de aprendizagem
específicas” ao qual
nunca recebi resposta.
-
6 Relatório
solicitado pelo Senhor
Secretário de Estado da
Educação
entregue P.M.P. em
Outubro de 2005.
-
7 São disto exemplo,
as posições tomadas
pelos departamentos
de educação de vários
Estados dos EUA que
exigem que “todos
os professores sejam
versados em todas as
facetas da educação,
incluindo a da educação
especial” (Independent,
28 de Junho de
2006) e pelo governo
britânico que, de acordo
com um relatório
elaborado pelo “Commons
Education Skills Select
Committee”, refere
que “A preparação em
Necessidades Educativas
Especiais deve ser uma
parte integrante da
formação de professores”
(The Guardian, 2 de
Julho de 2006).
-
ϟ
Luís de Miranda Correia
Professor Catedrático
da Universidade do Minho
Diretor
da Área de Educação
Especial do IEC -
Universidade do Minho
in
Revista
Diversidades
- ano 5, n.º 17
- 2007
Δ
24.Jan.2012
publicado
por
MJA
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