

Casinhas de brincar concebidas e executadas por meninas
cegas | Oklahoma School for the Blind | fotografia de Lewis
Hine, 1917
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RESUMO: os estudos
sobre o brincar e o desenvolvimento de crianças com
deficiência visual tem destacado os obstáculos que podem
surgir na interação com parceiros. No presente estudo,
buscou-se analisar as formas de interação entre as
crianças e de atuação do adulto, em situação de
brincadeira faz de conta, identificando possíveis
dificuldades e soluções para as mesmas. Foram observadas
duas crianças de cinco anos, com deficiência visual
(cegueira e baixa visão) e dificuldades escolares. As
sessões foram filmadas e foram selecionados episódios de
interação entre os participantes, com foco nas
capacidades e dificuldades no contexto grupal. A análise
foi baseada em categorias referentes à intervenção do
adulto pesquisador e à interação entre crianças nas
brincadeiras infantis. A análise dos dados indicou
exemplos de habilidades e iniciativas das crianças na
elaboração de cenas e enredos, bem como algumas
dificuldades na interação entre elas. Destacou a atuação
da pesquisadora na promoção da brincadeira, a partir de
necessidades identificadas a cada momento da interação,
como, por exemplo, a descrição de ações e objetos para a
criança cega e a intervenção em caso de disputas.
Considerou-se que grupos de brincadeira favorecem a
interação entre crianças com deficiência visual e
destacou-se o papel do adulto nesse contexto. Esses
aspectos foram considerados relevantes para o
planejamento pedagógico no contexto da educação
inclusiva.
1 Introdução
Diversos estudos têm buscado discutir a importância do brinquedo e da
brincadeira
para o desenvolvimento de crianças que apresentam alguma deficiência. Bomtempo
(2000)
destaca que, para se conhecer bem uma criança, deve-se conhecer seus brinquedos
e suas
formas de brincar. Esta abordagem vem da compreensão sobre a relação entre
brincar e o
desenvolvimento infantil. Huizinga (2008) sugere que a espécie humana seja
identificada
como Homo Ludens, tamanha a importância e presença do jogo na vida humana. O
historiador aborda contribuições do jogo em todas as fases da vida, sua estreita
relação com a cultura, e dá
ênfase ao seu caráter livre. Kishimoto (1994) destaca o brincar e o jogo
vinculados ao sonho, à imaginação, ao pensamento e ao símbolo. A autora discute uma concepção de ser
humano
como ser simbólico, que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar
está ligada à capacidade de sonhar, imaginar e jogar com a realidade. A autora vê o jogar como
gênese da “metáfora” humana. “Ou, talvez, aquilo que nos torna realmente humanos”
(KISHIMOTO, 1994, p. 21).
Ao abordar o brincar da criança, Vygotsky (1998) considera a brincadeira de faz
de conta como atividade que satisfaz necessidades da criança, contribuiu para o
desenvolvimento do pensamento e lhe permite vivenciar situações da vida adulta e interpretar a
realidade que a cerca. Afirma que o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na
criança, de forma que “no brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento
habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se fosse maior
que na realidade” (VYGOTSKY, 1998, p.134).
Situações de brincadeira, e, em especial, da brincadeira faz de conta na fase da
Educação Infantil, são consideradas por muitos autores como promotoras do
desenvolvimento
da criança. Isso é especialmente verdadeiro quando a atividade assume um caráter
relativamente
livre (uma vez que crianças estão sempre sob supervisão), com possibilidade de
iniciativas
e elaboração de diferentes modalidades de brincadeira. Entretanto, essa
atividade pode ser
prejudicada em crianças com deficiência, dentre as quais se destacam, no
presente trabalho, as crianças com deficiência visual. Diferentes estudos buscam compreender
especificidades no
desenvolvimento de crianças cegas e com baixa visão, destacando, de um lado, a
potencialidade
desses sujeitos e, de outro, as barreiras que encontram nas relações com o outro
e no ambiente, que dificultam seu pleno desenvolvimento. Warren (1994) sugere que estudos sobre
deficiência visual tenham como foco possíveis diferenças entre pessoas com essa deficiência,
e a busca de análise de casos bem sucedidos, que podem apontar para potencialidades e para a
identificação de circunstâncias que favorecem ou dificultam seu desenvolvimento.
Preisler (1997) relata um estudo longitudinal qualitativo realizado na Suécia
com oito crianças com cegueira congênita, desde o nascimento até os seis anos, com
um follow up aos 10 anos. Observou-se que, ao longo de todo o período pré-escolar, as
crianças do estudo
encontraram dificuldades na participação em atividades de brincadeira livre com
crianças videntes
e se limitaram a interagir com o adulto ou a brincarem sozinhas. Segundo a
autora, isso aconteceu
devido a pouca disponibilidade de brinquedos interessantes para as crianças
cegas, já que na
maioria deles predominavam pistas visuais, e ao fato de que, na brincadeira
livre, era difícil para
a criança cega acompanhar os movimentos das crianças videntes e perceber pistas
não verbais da
interação. Essas observações evidenciam a necessidade de melhor compreensão
dessas relações, que levem a novas formas de proporcionar um ambiente mais inclusivo para estas
crianças.
O estudo de Silveira, Loguercio e Sperb (2000), realizado em grupos de crianças
com
deficiência visual em momentos de brincadeira simbólica em contexto espontâneo e
proposto, destaca que as crianças apresentaram condições para se engajar em brincadeiras
simbólicas
nos dois contextos e apresentaram mais situações de brincar simbólico no
contexto proposto pelo adulto. Consideraram que é importante o estímulo às
brincadeiras e, mesmo, ensinar as
crianças com deficiência visual a brincar.
Em situações de brincadeira faz de conta, é importante pensar na maneira como
a criança cega pode participar das mesmas. Hueara et al. (2006) observaram
crianças com
deficiência visual, algumas com outros problemas de desenvolvimento de origem
orgânica, em pequenos grupos, em que foram encorajadas a brincadeiras de faz de conta. As
autoras
constataram várias capacidades nas crianças, relativas a reconhecimento de
objetos, criação de
cenas e criação de narrativas. Desse modo, sugerem que as situações de
brincadeira de faz de
conta proporcionam o reconhecimento de habilidades que normalmente não seriam
notadas
em atividades cotidianas e/ou totalmente dirigidas. Consideram, também, que a
interação
entre parceiros e a situação de brincadeira, mediada por adultos, proporcionaram
um ambiente
favorável às múltiplas elaborações das crianças.
Oliveira e Bomtempo (2009) em considerações sobre o processo lúdico e o
desenvolvimento de crianças com deficiência visual, ressaltam a importância da
“automotivação
lúdica”, momentos criados espontaneamente no brincar, sem a tutela diretiva do
adulto.
Explicam que o brincar livre favorece a reorganização dos sistemas sensoriais,
na medida em que
a criança se movimenta e experimenta novas situações. Nesse sentido, a motivação
intrínseca
do brincar favorece a espontaneidade do movimento e o desenvolvimento de novas
habilidades.
Em vários dos estudos revisados, o olhar para a deficiência visual muda,
deixando o
aspecto de defeito ou perda. Passa-se a valorizar o entendimento sobre as formas
de organização
do conhecimento e experiências desse indivíduo. Desse modo, o foco muda: do
indivíduo e seu
problema, para o indivíduo e sua relação com o ambiente, que pode propiciar o
desenvolvimento
de seu potencial.
Nessa direção, Vygotsky (1997) afirma que a pessoa cega recebe informações
por meio dos sentidos remanescentes, e as organiza por meio da linguagem. Para o
autor:
“A cegueira, ao criar uma configuração da personalidade nova e peculiar, dá
origem a novas
forças, modifica as direções normais das funções, reestrutura e forma a psique
do homem de
modo criativo e orgânico”. (VYGOTSKY, 1997, p. 99 (3)). Segundo sua concepção, a
cegueira
não deve ser considerada somente um problema, mas também uma fonte de
manifestação
das capacidades. Considerando a cegueira sob este ponto de vista, é importante
entender os
processos de reorganização do indivíduo que apresenta esta deficiência e como o
ambiente em
que está inserido pode interferir nesse processo.
Ao abordar a relação da pessoa com deficiência visual com sua forma particular
de aprender, Masini (2007) considera que as questões que dizem respeito às
percepções dos
sujeitos com deficiência sensorial têm sido retomadas, com foco na complexidade
dos processos
de construção da autopercepção e da construção do mundo ao seu redor. Assim,
oferecer
condições para o desenvolvimento e educação de uma pessoa com deficiência
sensorial requer
que se entre em contato com seu viver, em diferentes momentos e situações.
A partir dos estudos revisados, pode-se afirmar que as possibilidades de
desenvolvimento da pessoa com deficiência visual dependem do entendimento sobre
como ela aprende e de como é concebida em relação a seu valor social. Seu
desenvolvimento depende, em grande parte, das experiências sociais com parceiros, mediadas por adultos.
Ao longo dessas
interações, quanto mais a criança puder construir uma imagem positiva de si
mesmo, com foco
em suas capacidades, mais terá possibilidades de desenvolvimento e engajamento
social. Nesse
sentido, é importante analisar as formas como a criança com deficiência visual
se relaciona com
parceiros e que mecanismos facilitam seu engajamento nos grupos e sua
participação ativa.
Em relação ao papel do adulto nesse processo, Nunes e Lomônaco (2010) também
retomam a ideia de que as relações com a pessoa cega não devem estar centradas
nos limites
e déficits. Afirmam ser importante que o adulto procure entender as limitações
da ausência
de visão e analise as condições de vida na família, escola e em outros grupos de
referência, para buscar facilitar o desenvolvimento desse indivíduo. Para os autores, quando
o adulto
compreende as formas como a criança com deficiência visual aprende, pode
orientá-la de forma
mais específica e de acordo com as necessidades dessa criança.
Quando se compreende a importância das relações e das experiências em situações
de
convívio social, é possível favorecer esses momentos e permitir que a criança
tenha mais contato
com ambientes sociais diversificados. Nesse sentido é importante que as relações
no grupo
possibilitem situações que evidenciem as potencialidades dessas crianças.
Batista e Laplane
(2007), ao discutirem modalidades de atendimento em grupo para crianças com
deficiência
visual, abordam questões relacionadas ao “isolamento social”. Discutem as
dificuldades que
a criança com deficiência visual tem em experimentar lugares e papéis sociais
valorizados, citando como exemplo o papel da liderança. Relatam experiências documentadas nos
grupos
de atendimento e, a partir da análise sistemática dos dados das sessões,
apresentam exemplos de
situações em que os participantes se revezam para auxiliar uns aos outros, e em
que vivenciam
papéis de liderança e sucesso.
A partir dessas considerações, observa-se que é nas relações com o meio social
que a
pessoa com deficiência visual vai construir uma imagem de possibilidades ou
dificuldades em
sua estruturação como ser social. As ações de inclusão, nesse sentido, devem ser
baseadas em
estudos que busquem compreender a forma como essa pessoa se constitui, como se
relaciona e
percebe o mundo em que vive. Dessa forma, pode-se otimizar a orientação dos
grupos de que
ela participa (família, escola, comunidade), visando facilitar seu
desenvolvimento
Essa preocupação foi adotada no presente estudo, que descreve e analisa as
formas de
brincar entre as crianças com deficiência visual, assim como a atuação do adulto
neste contexto.
2 Método
O estudo foi realizado em um Centro de Apoio Educacional para crianças com
dificuldade de aprendizagem de um município de porte médio do estado de São
Paulo. O
projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM-UNICAMP (parecer nº
1126/2009) e os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As
crianças
participantes foram referidas por nome fictício nos relatos.
2.1 Participantes
O estudo completo abrangeu dois grupos de crianças, com um total de sete
participantes.
Para o presente relato, foram selecionadas duas crianças do Grupo 1, com
diagnóstico de
deficiência visual e queixas relativas a dificuldades de aprendizagem, descritas
a seguir.
Guilherme, cinco anos e seis meses. De acordo com relatório médico, apresentava
cegueira, devido à retinopatia da prematuridade por descolamento de retina e
nascimento
prematuro (sete meses). Tinha percepção de luz e de alguns vultos. Nas
observações em
atendimento no serviço, reconhecia as letras do primeiro nome em Braille e
montava seu
nome com letras móveis Braille. Manuseava tipos variados de brinquedos (jogos de
encaixe, miniaturas de animais, carros, instrumentos musicais, bolas, massa de modelar,
entre outros), principalmente os que emitiam algum som. Em alguns atendimentos realizava as
atividades, criando personagens e fazendo de conta que era outra pessoa (amigos,
professores, etc.). Estava
matriculado no último ano da Educação Infantil. A professora relatou que sentia
dificuldades
em prover materiais adaptados para G, devido ao pouco conhecimento sobre
recursos, e porque
ele reclamava quando repetiam muito o mesmo material ou quando não recebia
tarefas, como
os colegas. No parque costumava brincar com a monitora, sozinho ou com uma amiga
da sala.
Vivia com a mãe, o irmão gêmeo, avó materna, tia materna e primo. A mãe relatou
que buscou
orientações desde o nascimento, tais como, terapias de estimulação precoce e
fisioterapia, em decorrência de uma dificuldade motora apresentada, na lateral esquerda do
corpo de G.
Mostrou preocupação nos momentos em que o irmão não deixava G fazer algumas
ações, afirmando que não podia por ser cego.
Carlos, cinco anos e 10 meses. Constava em relatório médico o diagnóstico de
baixa visão e quadro de microcefalia (4). Nas descrições diagnósticas
relatava-se palidez nas papilas
e alterações no desenvolvimento global. Segundo observações em atendimento no
serviço, dispersava-se com frequência numa conversa ou atividade escolar, fazendo
perguntas fora do
contexto. Mostrava-se agressivo em algumas situações, esquivando-se de contato
físico e do
envolvimento com o grupo, procurando brincadeiras individuais. Escrevia o
primeiro nome
em letras grandes e seus desenhos eram garatujas (sem formas definidas). Estava
matriculado
no último ano da Educação Infantil, período em que a escola solicitou um
acompanhante
escolar para auxiliá-lo nas atividades, por apresentar muita agitação, pouca
concentração e
dificuldades na realização das atividades escolares. Vivia com a mãe e dois
irmãos mais velhos.
A mãe relatava que C era muito agitado, e não costumava seguir as orientações e
ordens dela.
Segundo seu relato, “só para um pouco para assistir desenhos e jogar vídeo
game”. Afirmou que
ele costumava ficar com os irmãos, enquanto ela trabalhava (trabalho remunerado,
realizado
em casa) e que se desentendiam muito.
2.2 Procedimentos de coleta de dados
A pesquisadora apresentou a proposta de estudo para a coordenação do serviço,
que
permitiu que a pesquisa fosse realizada com as crianças atendidas no local.
Foram organizados
dois grupos de crianças, em uma das salas da instituição.
Foram realizadas oito sessões, por um período de três meses, ao longo de um
semestre
letivo, e todas foram filmadas e transcritas. A pesquisadora em atuação no grupo
tinha como
proposta dispor condições para brincadeiras entre as crianças (o que envolveu o
planejamento do
espaço e a escolha dos brinquedos), e acompanhar as atividades de forma a
permitir iniciativas
por parte do grupo. Os brinquedos foram escolhidos de acordo com algumas
características:
tamanho (maior que 15 cm), cores contrastantes, sonoridade, textura.
2.3 Procedimentos de análise de dados
A transcrição e análise das filmagens basearam-se na análise microgenética de
caráter histórico-cultural, conforme descrito por Góes (2000). Foram
selecionados episódios
significativos, considerando-se como episódio uma sequência interativa ou trecho
de registros
em que se pode delimitar um grupo de crianças pela organização espacial ou
participação
em uma atividade (adaptação de CARVALHO; PEDROSA, 2002). Como os temas das
brincadeiras elaboradas pelo grupo desta pesquisa tinham uma duração longa, a
ponto de ter
continuidade em dias subsequentes à sessão iniciada, foi necessário organizar
recortes por temas
das brincadeiras e dentro dos temas, selecionar episódios. As filmagens foram
assistidas repetidas
vezes e as cenas foram transcritas de forma a detalhar os acontecimentos do
enredo elaborado.
Para isso foram transcritas também algumas ações não verbalizadas pelos
participantes, de
modo a preservar a compreensão do enredo organizado durante as sessões e
propiciar melhor
análise das interações.
3 Resultados
A partir da análise dos episódios e dos objetivos do estudo, foram organizados
sistemas
de categorias, centrados nos tipos de interação e no uso de objetos. São
apresentados a seguir os
Sistemas de Categorias de Interação Criança-criança e Adulto-criança, foco do
presente relato.
Categorias de Interação criança-criança
1. Atividade individual: atuação da criança sem relação aparente com as ações
dos parceiros.
2. Atividade dirigida ao parceiro - afinidade: comentário e/ou atuação da
criança em direção ao parceiro ou ao grupo, sem configurar uma ação conjunta.
3. Atividade dirigida ao parceiro - Oposição: comentário e/ou atuação da criança
que mostre oposição em relação às atividades desse(s) parceiro(s), sem
configurar uma ação conjunta.
4. Atividade Conjunta: atuação das crianças com elaboração conjunta de
brincadeira, que pode ser só verbal ou incluir execução.
Categorias - Interação Adulto-Criança
1. Comentário: pergunta, constatação, explicação, expansão relativas às ações da
criança, sem uma avaliação do que está sendo feito.
2. Avaliação positiva: comentários relativos às ações da criança, envolvendo
aprovação/elogio.
3. Desaprovação: comentários relativos às ações da criança, envolvendo
advertência sobre riscos, informação e explicação sobre erros, ou desaprovação.
4. Sugestão para uso e localização do objeto: comentários relativos às ações da
criança, com sugestão para busca, exploração/montagem de objetos, não confi
gurando faz de conta.
5. Sugestão para faz de conta: comentários relativos às ações da criança, com
sugestão para a realização de brincadeiras de faz de conta (sem foco na
integração entre crianças).
6. Sugestão para Integração: comentários relativos às ações da criança, que
indicam a intenção de integração das crianças presentes no grupo na mesma
brincadeira e/ou diálogo.
Para o presente relato foram escolhidos três episódios da primeira sessão. Defi
niuse
como critério de escolha que os episódios contassem com a participação do maior
número
possível de crianças e que contivessem ações categorizadas como Atividade
Conjunta.
Análise de Episódios
G1-sessão - o Lobo e o Porquinho
Crianças presentes: Guilherme (G), Carlos (C), Pesquisadora (P).
Brinquedos disponíveis: blocos de madeira, bonecos de pano, casa de plástico com
encaixes no telhado, carros em miniatura.
Figura 1 - Sequência e duração dos temas das brincadeiras (Fonte: Ruiz, LC
Batista, CG, 'O brincar em grupos de crianças com alterações visuais'.)
Descrição breve da sessão, relativa aos diferentes temas.
Exploração: As crianças estão sentadas sobre um tapete de EVA. C vai até os
brinquedos primeiro. P descreve os brinquedos que estão disponíveis. C pega um
boneco de
pano e observa. G encontra os blocos de madeira e começa e empilhá-los. C pega o
“Lego” e
começa a encaixá-los.
O assalto: brincadeira individual: G empilha os blocos de madeira (“Pequeno
Engenheiro”) dizendo ser um muro. G dialoga com P enquanto C brinca também com
peças
de encaixe em plástico (“Lego gigante”). G se mantém na atividade de construir e
derrubar o
muro, e diz que alguém quer assaltar o muro.
O lobo: C pega a “Casa das Chaves” e um boneco que diz ser o lobo. C começa a
brincadeira, movimentando o boneco no papel de lobo fazendo uma voz grossa.
Aproxima o
lobo da casa e sopra a casa, dizendo que vai derrubá-la. G chama por C e pede
que mande o
lobo embora. Iniciam um diálogo sobre o lobo, organizando um enredo que lembra a
história
dos “Três Porquinhos”.
O lobo e o porquinho: C sugere que G chame o porquinho. G chama e C pega outro
boneco para representar o porquinho. G segue dialogando com C sobre a forma como
o porco
vai espantar o lobo. C simula brigas entre o porco e o lobo.
O lobo, o porquinho e a polícia: G segue dramatizando, chamando a polícia para
prender o lobo. C manipula um boneco de pano, no papel da polícia, brigando e
tentando
pegar o lobo e o porquinho.
O lobo, caçador e a polícia: C pega um boneco e diz que é o caçador que vai
matar
o lobo. No enredo de C, o boneco que representa a polícia prende o boneco que
representa o
caçador, que também é preso pela polícia por matar o lobo (na casa de plástico
representando
a prisão).
Episódio 1: O caçador e a polícia
(incluído no tema - O lobo e o porquinho)
Contexto: G e C estão sentados num tapete de borracha. G dialoga com C sobre uma
maneira
de se livrar do lobo. C manipula o boneco, fazendo som de “urros” do lobo e G
mostra-se assustado
com a brincadeira que elaboram.
C: Espera! Sabe quem você pode chamar?
G: Quem? Silêncio por alguns segundos. O caçador! Grita entusiasmado.
C: Não, o caçador não tem...
G: Quem eu posso chamar? Hein? A polícia pode prender o lobo!
C: Não....
Faz-se silêncio por alguns segundos.
G: Por...
P: Quem, Carlos? Quem que vai chamar?
G: Chamar quem?
C: Ninguém.
G: E agora o lobo vai derrubar a minha casa. O que que eu faço? Diz mexendo os
dedos dos pés, mostrando tensão.
C: Você chama o porquinho que fica nessa casa. Aponta e põe a mão na casa de
plástico.
G: Ah tá! Então eu vou construir outra. Se o lobo vier eu chamo logo o
porquinho.
C: esconde dois bonecos de pano atrás do corpo.
C: Vai vim dois lobos. Olha para G e sorri, preparando a chegada dos lobos
escondidos atrás de
seu corpo.
[...] C diz que os lobos não aparecerão mais e abruptamente tira os bonecos de
trás do corpo, fazendo som de urro. G continua empilhando os blocos de madeira.
C: URRRRRRR. Faz som do lobo bravo.
G: Se assusta e derruba os blocos que estava empilhando.
G: Eu já derrubei minha casa! Ele nem deu tempo de derrubar. E agora? O que que
eu faço Carlos?
Análise do Episódio
Interação criança-criança
C e G seguem construindo uma brincadeira conjunta de acordo com a categoria
Atividade Conjunta (1 a 19), em que G sustenta a brincadeira dialogando com C, e
C faz maior
uso dos brinquedos para representar os personagens da cena.
Interação adulto-criança
P (8) faz uma intervenção no momento em que o enredo parece decrescer. Faz-se
silêncio já que C não responde aos questionamentos de G, nem aceita suas
sugestões para se
livrar do lobo. P, que até então observava a brincadeira organizada por C e G,
faz Comentário/
Pergunta (8) incentivando C a responder e dar continuidade à brincadeira.
Comentários sobre o episódio
G faz algumas sugestões para afastar o lobo, dizendo que poderiam chamar a
polícia
ou o caçador. C não aceita as sugestões de G, e propõem alternativas. G segue as
sugestões de C.
C movimenta o boneco, simulando uma luta. G fica parado e faz perguntas sobre o
que está acontecendo. C não responde. Em momentos de movimentação como nesse
caso, em
que o parceiro não verbaliza o que está acontecendo, a criança cega perde
algumas informações, o que pode ser um empecilho para a continuidade da brincadeira.
Nesse momento a pesquisadora interfere, fazendo perguntas para que C faça mais
descrições sobre o que ocorreu na ação com as personagens. É importante que o
adulto dê
algumas orientações e faça algumas interferências para que a criança que faz uso
da visão
compreenda os meios que facilitam a compreensão da criança cega. Quando a
pesquisadora
interfere com perguntas que esclarecem o que está havendo, mostra também para G
como ele
pode formular essas perguntas. Em situações semelhantes em outros episódios, P
estimula G
a fazer perguntas, a pedir mais informações sobre o que está acontecendo, de
forma a ter mais
autonomia na brincadeira. Dessa forma auxilia a continuidade da brincadeira
conjunta e a
interação entre as crianças.
Episódio 2: Chamando a polícia
(incluído no tema - O lobo e o porquinho e a polícia)
Contexto: G segue tentando se livrar do lobo e chamar ajuda. Pede ajuda a P para
dar sugestões
de quem pode chamar para pegar o lobo. C olha o boneco próximo dos olhos.
G: E agora? O que que eu vou fazer?
G: Tia vem dar uma ajuda, por favor?
P: O que que eu faço?
G: Chama a polícia.
P: Tem um telefone aqui...
G pega o telefone: A eu vou ligar para a polícia. Cadê a polícia? (faz movimento
com os dedos, como se digitasse os números) Pan, pan, pan, pan, pan, pan. Alô, quem fala? Ah,
é a polícia? Tudo
bem. Ah... vem prender esse lobo? Tá bom.
G desliga o telefone e muda o tom de voz
G: Já to indo! Pum. (faz movimento com a mão como se estivesse batendo em
alguém)
C olha para G e ri.
P: Tem um boneco aqui se você quiser que seja a polícia G pega o boneco de pano
sugerido por P.
C bate na construção de G com seu boneco de pano.
G: Não. Pára... (muda o tom de voz) Já prendi o lobo.
[...] G segue dialogando e dizendo que vai ligar para a polícia novamente,
enquanto C movimenta
os bonecos, fazendo som de urro.
Análise de Episódio
Interação criança-criança
C e G seguem em Atividade Conjunta (1 a 14). C movimenta os bonecos e bate na
construção de G. G usa um telefone em miniatura para ligar para a polícia.
Interação adulto-criança
P faz um Comentário/Pergunta (3), procurando a resposta de G sobre a maneira
como
poderia ajudá-lo. P segue fazendo Sugestão para uso de objeto (5, 9) para que G
use os brinquedos
que estão disponíveis para apoiar o diálogo com C.
Comentários sobre o episódio
G inicia o episódio pedindo ajuda à P que procura estimular G a buscar soluções
para
a dificuldade que encontra na cena criada. Estimula sua participação e faz
perguntas de modo
a estimular G a pensar, evitando dar as repostas prontas. Oferece um objeto para
facilitar a
participação de G no enredo e a interação com C na brincadeira. C não atende à
ideia de G de
prender o lobo, já que o boneco que representa o lobo continua em sua mão. G faz
sons e diz
que prendeu o lobo apenas de forma verbal, o que dificulta a compreensão de C
sobre a prisão
do lobo. P procura estimular G a utilizar mais os brinquedos, de forma que
compreenda como
a brincadeira se organiza e melhore sua interação com C.
Episódio 3: Chamando a polícia mais uma vez
(incluído no tema - O lobo e o porquinho e a polícia)
Contexto: G segue ligando para a polícia e C não atende seu pedido de prender o
lobo.
G: Ah , tá bom, eu chamo a polícia, ela que prende.
P: Ah...que tal?
G: Ah, tá. Eu vou chamar a polícia ela que prende. Aí ela vai prender o lobo e
viveram felizes para
sempre na sua casinha. (G bate palmas em sinal de comemoração). E o lobo nunca
mais veio. (G
faz um ritmo com a mão e canta, quando pára o ritmo pergunta). Cadê a polícia?
C observa um boneco de pano e o coloca dentro da Casa das Chaves.
G: Cadê o telefone? G procura o telefone. Encontra próximo de sua perna. Pi, Pi,
Pi, Pi...Polícia?
Vem aqui prender esse lobo?Políciaaa?Vem aqui prender! Vem! (G muda o tom de
voz, para uma
voz mais grave)Tô indo, to indo!
P: Cadê a polícia?
G faz movimento batendo uma mão na outra. Prendi esse lobo.
P: Cadê o lobo?
G: Cadê o lobo?
C: Tá dentro da casa.
G: Cadê?
P: Mostra a casa pro Gui, Carlos!
G: Não, mostra a casa pra polícia, pra ela prender já.
P: Cadê a polícia?
G: Tá aqui. Ela já chegou.
P pega a mão de G e diz: Então, a casa é aqui ó...
P leva a mão de G até a casa.
G: Mostra pra Polícia. Eu prendo, prendo. (G coloca a mão no boneco que C diz
ser o lobo).
Prendi já.
C: Errei...
G: Prendi, prendi, Carlos!Prende esse lobo! Prende, prende!
C: Fecha a porta da casinha. Prendi na cadeia! E coloca o boneco dentro da casa.
Análise do episódio
Interação criança-criança
C e G continuam em Atividade Conjunta (1 a 21). G procura uma maneira de prender
o lobo e neste episódio G consegue prender o lobo, pedindo para que C faça isso,
já que até este
momento C não acata a maneira de G prender o lobo, sem retirar o boneco de sua
mão.
Interação adulto-criança
P faz uma Avaliação Positiva da fala de G (2). P faz Comentários (6, 8,14)
incentivando
G a usar os bonecos para representar os personagens. Depois faz uma Sugestão
para uso e
Localização do objeto (12,16) e mostra para G a casa que C está usando para
representar a
cadeia, levando sua mão para explorá-la (17).
Comentários sobre o Episódio
G insiste pela prisão do lobo e busca formas para que isso aconteça. P faz
perguntas
para C de forma a buscar explicações sobre o que está acontecendo e manter a
atenção de G na
brincadeira. G mostra atenção após a resposta de C. C participa da brincadeira
manipulando
os brinquedos, enquanto G manuseia pouco o brinquedo e neste episódio encontra
uma
alternativa para que o lobo seja preso: pede que C coloque o lobo na prisão. C
atende ao pedido
de G e o problema da prisão do lobo é resolvido.
4 Discussão
A partir da análise dos episódios e do exame da transcrição da sessão completa, observou-se que os participantes, nessa sessão, criaram enredos elaborados e com
crescente
colaboração entre si. C busca os brinquedos primeiro e G precisa da descrição de
P sobre
quais brinquedos estão disponibilizados e sua localização para iniciar a
brincadeira. A descrição
do adulto nesse momento é importante para o engajamento de G no brincar.
Inicialmente
G manipulou pouco os brinquedos e fez perguntas procurando entender algumas
ações que
não foram verbalizadas por C. Alguns questionamentos de P também contribuíram
para essa
compreensão. Silveira, Loguercio e Sperb (2000) destacaram em estudos com
crianças cegas
que o brincar simbólico ocorreu de forma mais elaborada a partir da intervenção
do adulto, que inicialmente fazia as propostas para a brincadeira de faz de conta.
Observou-se que a
pesquisadora, no presente estudo, fez perguntas e intervenções, porém a
interação ocorreu de
forma articulada entre os próprios participantes. Observou-se que G e C criaram
um enredo
conjunto com a colaboração ora de um, ora do outro, com pouca interferência do
adulto nessa
elaboração. A ideia inicial para a organização do enredo partiu das crianças. A
intervenção de P foi centrada nas formas para que G compreendesse as ações não
verbalizadas por C e no
incentivo a maneiras de brincar que favorecesse o brincar conjunto.
Conforme descrito anteriormente, Preisler (1997) destacou algumas dificuldades
na relação entre crianças cegas e videntes. No presente estudo, em alguns
momentos das
brincadeiras no grupo, C mostrou brinquedos para G, procurando a atenção visual
de G ou
realizou ações sem verbalizar o que estava acontecendo. G fez perguntas que
inicialmente
não foram respondidas por C. Nesse momento P reforçou as perguntas de G ou fez
outras, buscando a continuidade da interação de G com o parceiro. É importante destacar
que, com o
decorrer das sessões, G utilizou mais o diálogo, intensificou as perguntas, se
movimentou mais
e buscou brinquedos para participar das brincadeiras.
Foi possível observar que G fez uso da linguagem como forma de buscar
informações
sobre o ambiente, sobre o enredo e para compreender as ações de C. Durante a
composição
do enredo, G fez perguntas para compreender as ações de C com os brinquedos (EP
1, EP 2), quando estas não eram verbalizadas. É um recurso que possivelmente tenha
aprendido no
relacionamento cotidiano para melhor compreender o que acontecia à sua volta. É
importante
destacar que, segundo a mãe, a família recebeu orientações relativas à
deficiência visual, desde
os primeiros meses de vida de G. De forma geral, as pessoas não descrevem suas
ações, o que
dificulta a compreensão do que está ocorrendo para as pessoas cegas. Essa
descrição pode surgir
como resposta ao pedido da pessoa cega, e pode gerar um hábito de descrição de
ações, nos
parceiros mais constantes. Vygotsky (1997) destaca que a pessoa cega recebe
informações por
meio dos sentidos remanescentes, e as organiza por meio da linguagem. Por isso,
a iniciativa
de G de perguntar se torna relevante para sua autonomia na busca de informações.
Deve-se
destacar, também, a importância do conhecimento das pessoas que convivem com a
criança cega
sobre a descrição de situações e ações. Nesse sentido, Nunes e Lomônaco (2010)
discutem que
o indivíduo cego vai precisar de um ambiente diferenciado e adaptado, que
propicie a satisfação
de suas necessidades. Nesses momentos, a forma de apresentar a informação
constitui-se em
um recurso importante e diferenciado para melhorar o entendimento de G sobre as
ações de C.
No desenvolvimento das sessões, foi possível ainda perceber momentos em que G
liderou a brincadeira, utilizando a linguagem como meio para participar. Batista
e Laplane
(2007) abordam questões relacionadas ao isolamento social e o quanto a criança
com deficiência
visual tem dificuldades em experimentar papéis valorizados socialmente, como o
da liderança.
Notou-se o entusiasmo de G em várias situações em que suas solicitações foram
atendidas, na
exposição de novas ideias para o enredo e na representação de papéis relativos à
cena elaborada.
Na participação de C, observou-se a elaboração de enredos e a busca pela
integração
com G de forma crescente. Inicialmente, C atuava de forma menos colaborativa,
desmontando
as construções de G, aceitando poucas ideias de G e P. A análise dos registros
das sessões
subsequentes mostrou que passou a aceitar com mais frequência as sugestões de G,
a responder
às intervenções e às sugestões de interação de P e a participar na construção
conjunta dos
enredos. Inclusive, foram registrados exemplos de sessões em que buscou
brinquedos, com
a intenção de continuar o enredo de sessões anteriores. Observou-se, também,
crescente
coerência nos enredos elaborados. No episódio (EP1) em que C assustou G com a
chegada
abrupta dos lobos, elaborou uma situação para ludibriar o parceiro. Mesmo não
sendo uma elaboração que favoreça a continuidade da brincadeira, destaca-se a
habilidade de C para tal
elaboração e a possibilidade de direcionar esta habilidade para situações mais
colaborativas. De
forma geral, foram observadas mudanças nas formas de brincadeira de G e C, o que
é relevante, conforme destacado, entre outros autores, por Vygotsky (1998), quando destaca o
brinquedo
como uma atividade condutora do desenvolvimento da criança.
É relevante, também, discutir o papel da pesquisadora nessas interações. P,
durante
a sessão, descreveu os brinquedos e sua localização para que G iniciasse a
brincadeira, orientou
C quanto a alguns comportamentos facilitadores na interação, esteve atenta às
formas de
organização da brincadeira em grupo (categoria Comentários), e, de forma geral,
procurou
encorajar a interação entre os participantes. Nesses momentos, orientou as
crianças, buscando
formas de compreensão de aspectos menos identificáveis da elaboração do enredo
ou da
interação. A intervenção de P, observada nos momentos de dificuldade de
entendimento das
ações de G sobre o enredo ou as ações de C, pautou-se, centralmente, por induzir
C a descrever
suas ações, ao invés de fazer essas descrições. Outra ação importante de P foi a
escolha dos
brinquedos com atenção às características que poderiam facilitar a manipulação e
o interesse
dos participantes, considerando as especificidades em decorrência da deficiência
visual. Embora
não tenha havido adaptação de brinquedos e tenha-se utilizado brinquedos
encontrados no
comércio comum, houve o cuidado com as cores contrastantes, o tamanho das
miniaturas, a
presença de brinquedos sonoros e a disponibilização de materiais que permitissem
a elaboração
do brincar simbólico. A descrição inicial dos brinquedos disponibilizados na
sala auxiliou G a
escolher e a se dirigir ao que lhe despertou interesse. No decorrer das sessões
subseqüentes, foi
possível observar em G, maior movimentação e manipulação dos brinquedos e, em C,
mais
exemplos de permissão para que G tocasse nos brinquedos que estava utilizando,
possivelmente
como decorrência da atuação de P.
Observou-se, ao longo das sessões, uma evolução no que diz respeito à interação
entre os participantes, com maior alternância no papel de liderança, crescente
colaboração
entre os parceiros e maior duração dos enredos propostos a partir da
contribuição entre eles.
A criança com deficiência visual mostrou condições de brincar como qualquer
criança, uma
vez oferecidas condições de interagir com parceiros. Aprenderá a brincar se
tiver parceiros
para brincar com ela, que compreendam que sua forma de interagir pode ser
diferente. E ser
diferente não quer dizer que seja inferior.
5 Conclusões
A partir dos dados observados, conclui-se que o grupo de brincadeiras pode ser
considerado um ambiente que favorece a interação entre crianças com deficiência
visual e que
constitui uma situação dinâmica, na qual as formas de participação da criança
podem mudar, de modo que obstáculos sejam superados.
O papel do adulto é central, na escolha e disposição de materiais, na descrição
inicial
dos brinquedos disponibilizados, no favorecimento da participação da criança com
deficiência
visual, no respeito às iniciativas das crianças e na intervenção em caso de
disputas.
A participação da criança no grupo de brincadeira, de forma ativa, com a
intermediação
do adulto, contribui para sua formação global, com destaque para a autonomia e
autoconfiança.
Os dados do estudo são relevantes para o planejamento de atividades no contexto
da educação
inclusiva, uma vez que salientam capacidades das crianças com deficiência visual
e formas
para superar dificuldades na interação, a partir da intervenção do adulto no
planejamento da
situação de brincadeira e no acompanhamento da mesma.
Referências
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-
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-
WARREN, D.H. Blindness and Children:An Individual Differences Approach.
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Cambridge University Press, 1994.
ϟ
-
1 Pedagoga, Mestre em Saúde, Reabilitação e Interdisciplinaridade. Universidade
Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências
Médicas, Campinas, SP, Brasil. letsruiz@yahoo.com.br
-
2 Professora doutora em Psicologia, Departamento de Desenvolvimento Humano e
Reabilitação, Centro de Estudos e Pesquisa em
Reabilitação, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, Brasil. cecigb@fcm.unicamp.br
-
3
Tradução do texto original em Espanhol
-
4 Microcefalia (2012): é uma doença neurológica caracterizada pelo tamanho muito
pequeno da cabeça em relação à idade ou
ao sexo do bebê ou da criança. A microcefalia pode ser congênita, adquirida ou
desenvolver-se nos primeiros anos de vida. O
desenvolvimento das funções motoras e da fala pode ser afetado. A hiperatividade
e o retardo mental são comuns. Podem ocorrer
convulsões, fraqueza dos membros, quadriplegia e paralisia.
ϟ
'Interação entre crianças com deficiência visual em grupos de brincadeira'
Relato de Pesquisa
autoras:
Letícia Coelho Ruiz & Cecília Guarnieri Batista
Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 20, n. 2, p. 209-222
Abr.-Jun., 2014
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