
Ao pedirmos ao aluno que pintasse na
tela um objeto, a partir de figuras geométricas,
representando o que gosta de fazer nas horas de lazer,
rapidamente separou as figuras geométricas necessárias para
fazer um computador
RESUMO
A arte possibilita ao indivíduo o desenvolvimento
da percepção, da imaginação, da análise crítica
da realidade, uma aprendizagem contextualizada,
crescimento pessoal e a consciência da sua cidadania.
Os objetivos deste estudo foram: trabalhar
através da arte o conteúdo do currículo escolar
relacionado a formas geométricas; desenvolver
potencialidades do aluno com deficiência visual
que contribuem para a consciência do seu lugar
na sociedade. Tratou-se de uma pesquisa de delineamento
AB. Para coleta de dados foram utilizados
intervenções pedagógicas baseadas em
trabalhos com arte, através da utilização de diversos
materiais. O participante foi um aluno com
baixa visão matriculado na etapa b asicaíI, na rede
municipal de ensino, atendido na sala de recursos
do município. Concluiu-se que o aluno assimilou os
conceitos relacionados as formas geométricas
apropriados a sua s erie escolar eídade, aumentou
sua autoestima, sua concentração e apresentou
satisfação por ter aprendido os mesmos conteúdos
que os demais alunos.
Arte e o contexto educacional
A arte é considerada, uma “ferramenta” que pode ser utilizada
por qualquer profissional cujo objetivo de trabalho
esteja voltado para ajudar a resgatar o que há de mais
humano, no ser humano. Tendo em vista que, aguc a os sentidos
da pessoa, al em de possibilitar a transmissão de significados
que, muitas vezes não são expressos poríntermédio de
nenhum outro tipo de linguagem, enfatiza Barbosa (2007).
Loureiro (2000) ressalta que todo ser humano tem capacidade
artística de criar e recriar os signos da natureza, da
cultura, e capaz produzir, conhecer, experimentar, fazer
diversas representações, de exprimir e projetar a vida
interior utilizando a sua capacidade criadora, a suaímaginação. E, na medida em que este produz artisticamente,
experimenta emoções, sentimentos, capazes de ajud a-lo
transcender suas próprias barreiras existenciais em busca
de equilíbrio, de felicidade, de alegria.
Nesta perspectiva, várias reflexões acerca das contribuições
que o “fazer artístico” propicia ao desenvolvimento dos
alunos, também vêmm sendo discutidas no contexto educacional,
aos longos dos anos. Seus fundamentos têm sofrido
modificações significativas, conforme apontam Pontes and
Pernambuco (2010), dentre estas, citam-se:
-
Entre os anos de 1979/1980 – as produções artísticas dos alunos eram consideradas “adornos” para decorar a sala de aula;
-
De 1981 a 1984 – as atividades artísticas dos alunos passaram a ser voltadas para o desenvolvimento da criatividade, e ainda, eram consideradas “fonte de prazer” nas horas vagas;
-
Nos anos de 1985/1986 – os professores utilizavam as produções artísticas dos alunos para observar os seus conflitos
internos;
-
De 1987 a 1991 – as obras artísticas se apresentavam esteticamente melhoradas, porém, o foco de sua aplicação na sala de aula ainda era voltado para o desenvolvimento da criatividade;
A partir dos anos de 1996, o ensino da arte se constituiu
componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da
educação b asica, de forma a promover o desenvolvimento
global do aluno. Desde então, muitos professores ainda
sentem dificuldade em perceber a arte como area do
conhecimento, devido ao fato de não terem tido a oportunidade
de vivenciar na pratica tal experiência, aponta
Macedo (2010).
Destarte, Pimentel (2010) ressalta a necessidade de o professor
reconhecer a importância do ensino da arte proposto
no contexto educacional, pois, a arte também contribui para
a construção daídentidadeíndividual e coletiva, para a formaçãoíntegral do aluno. Não se trata apenas de um tempo
dispensado para mero “relaxamento”, mas sim, uma atividade
que propicie “sentido”, “significado” consistente ao
aluno. “O ensino de arte deve possibilitar a todosós alunos
a construção de conhecimentos queínterajam com sua
emoção, através do pensar, do contextualizar e do fazer
arte” (Pimentel, 2010, p. 182).
O ideal seria, de acordo com Barbosa (2005, p. 3) que a
arte suscitasse no aluno, diferentes formas “de pensar, de
diferenciar, comparar, generalizar,ínterpretar, conceber possibilidades,
construir, formular hip oteses e decifrar
met aforas” e ainda, que este aprendesse segundo Pimentel,
Cunha and Moura (2006), relacionar a arte com os
diferentes tipos de registros que compõem o nosso cen-
ario mundial, entre eles: registros sonoros, registros gestuais,
registros gr aficos, visuais, espaciais, culturais,
socioecon^omicos, hist oricos, políticos, entre tantos outros.
Mediante ao exposto, Ribeiro (2002) afirma que o conceito
de arte precisa ser ampliado, não deve ficar só no
âmbito do “fazer por fazer”, do “fazer sem reflexão”. As
produções artísticas devem envolver, íncluir a todo e qualquer
ser humano, os tornando mais sensíveis e criativos.
Devem ser propostas atividades que agreguem a todos,
inclusive osíndivíduos com necessidades educacionais
especiais considerando suas particularidades, suas singularidades,
suas potencialidades, suas habilidades e dificuldades.
Importa ressaltar que, entende-se por pessoas com
deficiência, segundo Nogueira (2008, p. 27), Artigo I:
-
(. . .) são aquelas que têm ímpedimentos de longo prazo
de natureza física, mental,íntelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas.
Nesta perspectiva, o professor deve oportunizar ao aluno
com necessidade educacional especial a descoberta dos
objetos, das formas que compõem o mundo, tendo em
vista que na maioria das vezes, este e apresentado de
forma restrita, destacam Perondi, Tronca and Tronca
(2001). Na realidade, de acordo com Baptista and Bertoletti
(2002, p. 131) o “aluno deve ser estimulado a expor
suas ideias, a ouvir e a respeitar as ideias dos outros, a
discutir e trocar experiências”.
Arte e deficiência visual
Em se tratando de o trabalho de artes desenvolvido com
alunos deficientes visuais, Ballestero-Alvarez (2003) ressaltam
que os resultados podem ser excelentes. Mesmo
que estes não possuam a recepção deínformação visual
e necessário apenas que se fac a uma adaptação ao sentido
de percepção sensorial mais adequado.ímporta ressaltar,
que o conceito de deficiência visual de acordo
com o Decreto nº 5296 de 02 de Dezembro de 2004,
Art 5, Capítulo II – Do atendimento Prioritário, § 1 ,
preconiza:
-
c) deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade
visual eígual ou menor que 0,05 no melhor olho,
com a melhor correção optica; a baixa visão, que
significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor
olho, com a melhor correção optica; os casos nos
quais a somat oria da medida do campo visual em
ambosósólhos forígual ou menor que 60o; ou a
ocorrência simultânea de quaisquer das condições
anteriores (grifo nosso), (BRASIL, 2004).
Munster and Almeida (1984) ressaltam que a acuidade
visual, capacidade de discriminação de formas, e medida
por oftalmologistas por meio de apresentações de linhas,
símbolosóu letras em tamanhos diversificados. Em se tratando
de uma pessoa com baixa acuidade visual, esta
apresenta dificuldade de discriminar formas. Neste sentido,
Pereira (2000, p. 50) cita que “A visão e o orgão do
sentido que permite ao homem a apreensão de formas,
cores e fenómenos possibilitando a verificaçãoímediata
dos fatos e aímpressão de elementos que estimulam a
curiosidade e oínteresse”.
Isto posto, na ausência total ou parcial da visão e
necessário que se recorra aosóutrosórgãos do sentido a
fim de que oíndivíduo deficiente visual aprenda, assimile
e se relacione com o mundo que o cerca. Eímportante
que o profissional que desenvolve atividades com deficiente
visual conhec a como este observa os objetos ao seu
redor, comoínterage verbalmente com os demais, seu
repertorio de vida, sua linguagem, suas formas de
expressão, seusínteresses. Acções estas, que evitam atitudes
preconceituosas, ao mesmo tempo em que potencializam
o deficiente visual e humanizam sua condição de
cidadão (Gil, 2000).
No contexto escolar, por exemplo, o professor pode utilizar
a arte como recurso a fim de que o aluno obtenha
novos conhecimentos, desenvolva sua sensibilidade, sua
criatividade,ínvente e reinvente o mundo que o cerca,
transcenda os próprios limites, adentre ao mundo das
demais pessoas, desenvolva seus aspectos afetivos, emocionais
eíntelectuais (Ribeiro, 2002).
Fenske, Capote and Costa (2006) destacam que o professor
que ensina artes para alunos com deficiência visual
deve priorizar que estes participem da mesma atividade
proposta para os demais alunos da sala de aula, bem
como oferecer a oportunidade de exploração de materiais
de diferentes texturas, formas, relevos, permitir que este
tenha contato com a tesoura, cola, papel, tintas porque as
tintas têm textura, cheiro e temperatura. Nenhum tipo de
informação deve ser omitido de uma pessoa com defici^
encia visual, pois, o universo que a cerca tem cor, tem
forma, tem textura diferenciada, entre outros. Oídeal e
que o professor, antes de apresentar um desenho ao aluno
deficiente visual, apresente-o através de formas tridimensionais
como as miniaturas em diferentes materiais e texturas,
permitindo que este explore o material, reconhec a
suas formas, entre outros.
Nesta perspectiva, Ribeiro and Soares (2006) apontam que
o ambiente e suas formas devem ser estudados, explorados
a partir de objetos que o represente, a partir do estudo e
confecção de obras de artes, poríntermédio da pintura, da
manipulação e confecção de esculturas e artesanatos, de
modo que o aluno consiga estabelecer conexões,ínclusive,
entre as diversas areas do conhecimento.
No caso específico do ensino de conceitos de geometria,
a habilidade de visualização assume importância fundamental,
pois, ao visualizar um objeto geométrico o
indivíduo passa a ter controle sobre o conjunto dasóperações mentais b asicas exigidas no trato da geometria, gerando
outrasímagens mentaisóu representações do objeto
e a partir de então, tais representações podem ser expressas
através de um desenho, por exemplo. Lembrando que,
as figuras geométricas surgiram a partir da observação
das diversas formas existentes na natureza e dos objetos
produzidos pelo homem (Kaleff, 1998).
Sendo assim, uma vez que estamosínseridos em um
mundo composto por formas, tamanhos, texturas e
cores diversificadas, entre outras características
próprias, justifica-se aímportância de propiciar ao
aluno com deficiência visual a oportunidade de aprender
formas geométricas, poríntermédio de materiais
concretos manipul aveis, e ensin a-los a relacion a-las
com os objetos que o cercam, através da arte, por
exemplo.
Objetivos Trabalhar através da arte o conteúdo do currículo escolar
relacionado a formas geométricas, tendo como base o
contexto do aluno, desenvolver potencialidades do aluno
com deficiência visual, como percepção, observação,ímaginação e sensibilidade que podem contribuir para a consci^
encia do seu lugar na sociedade.
Método
Participantes e procedimento de triagem dos
participantes O participante foi um aluno com baixa visão matriculado
na etapa b asica íI, na rede municipal de ensino, atendido
na sala de recursos do município. Foi selecionado pela
Secret aria de Educação do referido município.
Ambiente, situação ou local
O trabalho foi desenvolvido na Sala de Recursos de uma
escola municipal localizada em uma cidade de médio
porte, no interior de São Paulo, Brasil.
Instrumentos de coleta de dados
Figuras geométricas, em especifico: círculo, quadrado,
retângulo e triângulo, recortadas em diversos tamanhos,
diferentes tipos de papéis, cores e texturas; tela para pintura;
pincéis; tintas tipo guache; cola branca; reservatório
plástico; objetos de madeira; desenhos impressos; pedestal
para tela; filmadora.
Etapas do desenvolvimento do trabalho
Contato com a Secretaria da Educação do Município;
Contato com a Professora da sala de recurso; Seleção do
participante; Contato com o participante; Assinatura do
TCLE; Agendamento dos encontros.
No total foram realizados seis encontros: cinco para
coleta de dados e um para confraternização junto a todos
os alunos da sala de recurso. Nos referidos encontros: o
aluno manipulou figuras geométricas recortadas em diversos
materiais, a fim de reconhec^e-las; manuseou desenhos
impressos (de diversos objetos que fazem parte da sua
vida cotidiana) e suas respectivas formas geométricas;
foram apresentados ao aluno objetos em madeira (miniaturas
de objetos que compõem o ambiente em que habita)
de forma que pudesse manipul a-los eídentificar suas formas
geométricas; distribuímos diversos materiais para
pintura; o aluno pintou livremente; socializamos suas
produções; realizamos as intervenções necessárias.
Análise de dados
Foi realizada a análise das filmagens dos encontros, tendo
em vista a evolução da aprendizagem e capacidade de abstração do aluno em foco, levando em consideração desde
a primeira intervenção realizada até à última. Tratou-se de
uma análise comparativa dos trabalhos produzidos.
Resultados
Primeiro encontro
observamos que o aluno conhecia as formas geométricas,
porém, não sabia relaciona-las aos objetos presentes no
ambiente que o cerca. Não foi realizada intervenção, pois,
o objetivo era conhecer e observar se o aluno realizava
tais relações. Segue a imagem da tela produzida pelo
aluno (figure 1):
Figure 1: Linha de base: “Sem tema especifico”

Segundo encontro
focamos o contexto de Lazer. Cabia ao aluno reconhecer
as formas geométricas presentes nos desenhos impressos,
sendo que estes, continham figuras relacionadas ao contexto de lazer. A fim de
estabelecer tais relações,
manipulava formas geométricas recortadas em diversos
materiais, texturas e cores. Depois de realizada as intervenções com todas as formas geométricas e figuras (desenho),
observamos que o aluno abstraiu totalmente os
objetivos propostos nas intervenções. Ao pedirmos ao
aluno que pintasse na tela um objeto, a partir de figuras
geométricas, representando o que gosta de fazer nas horas
de lazer, rapidamente separou as figuras geométricas
necessárias para fazer um computador (gosta de ficar no
computador nas horas de lazer). Segue a imagem da tela
produzida pelo aluno (figure 2):
Figure 2: Tema “Lazer”: “Computador”.

Terceiro encontro
realizamos os mesmos procedimentos descritos anteriormente
(no segundo encontro), porém, o contexto abordado
foi o Escolar. Depois de realizadas as intervenções,
pedimos ao aluno que escolhesse um objeto que gostaria
de pintar na tela e que representava o seu ambiente escolar.
O aluno nos disse que faria a própria escola, denominou
a sua obra: “Escola de formas geométricas”, com
telhado, parede, porta e janela. Segue a imagem da tela
produzida pelo aluno (figure 3).
Figure 3: Tema “Contexto Escolar”: “Escola de formas
geométricas”

Quarto encontro
o contexto abordado foi o Familiar. Cabia ao aluno reconhecer
as formas geométricas presentes nos objetos de
madeira, sendo que estes, eram os mesmos que compõem
o ambiente familiar, porém, em miniatura, como por
exemplo: geladeira, fogão, cama, tapete, pia, entre outros.
A fim de estabelecer tais relações, manipulava formas
geométricas recortadas em diversos materiais, texturas e
cores. Depois de realizadas as intervenções com todas as
formas geométricas e objetos de madeira, observamos que
o aluno abstraiu totalmente os objetivos propostos nas
intervenções. Foi o encontro em que o aluno realizou as
relações entre as formas geométricas e os objetos de
madeira, de forma mais rápida. Ao pedirmos que pintasse
objetos com formas geométricas que representavam o seu
ambiente familiar, o aluno fez a TV da sua casa, com
vários botões e controle remoto. Imagem da tela produzida
pelo aluno
(figura 4):
Figure 4: Tema “Contexto Familiar”: “TV”.

Quinto encontro
o denominamos “Tema Livre”, pois, deixamos o aluno manipular as formas
geométricas recortadas em diversos materiais, texturas,
cores e sugerimos que pintasse na tela, o que
quisesse. O objetivo era observar o quanto o aluno havia
conseguido, de facto, abstrair o conceito de que as formas
geométricas estão presentes nos diversos objetos dos
ambientes em que habitamos. O aluno escolheu pintar a
sua casa, e ainda enfatizou que toda a sua família está
dentro: seu pai, sua mãe, seus imãos. Imagem da tela
produzida pelo aluno (figura 5):
Figure 5: Tema “Livre”: “Casa”

No sexto encontro, realizamos uma
confraternização onde estavam presentes todos os alunos com deficiência visual,
que frequentam a mesma sala de recurso onde desenvolvemos
este estudo.
Conclusão
Concluímos por intermédio da realização deste estudo,
que o aluno conseguiu assimilar o conteúdo do currículo
escolar relacionado a formas geométricas, e ainda, aprendeu
aídentificá-las no ambiente que o cerca, por intermédio do uso da arte. E ainda,
é possível afirmar que
através do seu contato com a arte, desenvolveu algumas
de suas potencialidades, tais como: percepção,
observação, imaginação e sensibilidade; obteve aumento
significativo da sua autoestima, da sua concentração, dos
seus conhecimentos, entre outros. Nesta perspectiva, afirmamos
que a arte realmente pode garantir ao sujeito uma
aprendizagem contextualizada em relação a valores, atitudes
e costumes que permeiam o meio sociocultural do
aluno. Devendo ser explorada de maneira interdisciplinar
em vários momentos da escola e não somente como uma
disciplina obrigatória e fragmentada do currículo.
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Daniella Simões Benetti
UFSCar: Universidade Federal de São Carlos
Journal of Research in Special Educational Needs
Volume 16 Number s1 2016 544–549
DOI: 10.1111/1471-3802.12315
2016 NASEN
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