
Aula de Ginástica na Escola para Cegos
em Budapeste (gravura)
A deficiência visual (DV)
caracteriza-se por uma limitação sensorial na qual estão incluídas as
pessoas cegas e as que possuem baixa visão. Entende-se por cegueira a perda
total da visão até à ausência de projeção de luz. Já a baixa visão
consiste na alteração da capacidade funcional da visão (BRASIL, 2006).
Em condições normais os órgãos da visão contribuem com 85% dos estímulos
encaminhados ao cérebro e são responsáveis pelo desenvolvimento e
realização dos movimentos. Portanto, a falta da visão implica um
comprometimento de atividades básicas que envolvem questões de segurança,
integridade, autoimagem, orientação, perceção e aprendizagem, prejudicando a
interação social e possíveis oportunidades de estimulação motora, presentes
na vida quotidiana (Corazza et al, 2016).
Na ausência da visão a apreensão de informações do ambiente ocorre através
de outras vias sensoriais principalmente o tato e a audição (Torres et al,
2016). É fundamental ter em conta este aspeto nomeadamente nas questões de
adaptação do espaço e treino das pessoas com DV, questão que será abordada
mais à frente.
É sabido que o exercício físico regular promove muitos benefícios, entre
eles, o aumento da saúde física e psicológica, a redução do risco de
doenças cardíacas, diabetes, pressão alta, obesidade e doenças relacionadas
com o stress. Relativamente às pessoas com DV estudos comprovam que estas
apresentam, de facto, níveis de condição física mais baixos relativamente
às pessoas normovisuais nomeadamente força muscular, resistência muscular,
resistência cardiovascular, composição corporal e flexibilidade (Lieberman,
2002). De facto, quanto mais ativas forem as pessoas com DV, mais facilmente se
movimentam nas atividades da vida diária melhorando, por sua vez, a sua
qualidade de vida (Lieberman, 2002).
Tendo em conta as características da população com DV acima descritas, são
necessárias algumas adaptações, para que o seu treino seja, acima de tudo,
seguro, eficaz e promova a sua autonomia.
Assim podemos encontrar três tipos de adaptações distintas:
Adaptações do espaço de treino e dos espaços circundantes (Lieberman,
2002)
✓ Acessibilidades e mobilidade: tanto quanto possível, os acessos ao ginásio
devem ser simples;
✓ Todo o ginásio, incluindo os equipamentos, devem estar sinalizados e
identificados com meios de leitura apropriados – indicações com letra
aumentada e/ou braille, principalmente as áreas mais utilizadas: receção,
balneários, sala de exercício, etc;
✓ Também devem existir indicações táteis no solo, criando percursos seguros
e livres de barreiras para acesso aos locais preferenciais, como por exemplo,
linhas guias.
De realçar que, a não existência destas adaptações físicas, do meio, não
são impeditivas para receber pessoas com DV no ginásio. No caso de não termos
estes elementos facilitadores, devemos assegurar ainda mais a segurança das
deslocações da pessoa dentro e nas áreas circundantes ao ginásio.
Adaptações ao treino (Lieberman, 2002)
✓ Antes de iniciar o treino propriamente dito, devemos garantir que a pessoa
sabe chegar com autonomia e em segurança à sala;
✓ Na sala onde vai treinar, o praticante deve explorar livremente o espaço,
tantas vezes quantas necessárias, de início com auxílio do profissional;
✓ De acordo com as características do praticante o plano de treino deve estar
em letra aumentada ou em braille;
✓ O profissional que acompanha a pessoa deve assegurar-se que a pessoa entendeu
os exercícios: pode demonstrar, dar ajudas físicas, explicar o objetivo do
exercício e os grupos musculares envolvidos, garantir que a pessoa compreendeu
e consegue ter um desempenho seguro;
✓ Nos equipamentos em que seja necessário controlar o tempo de uso, deve-se
incentivar a pessoa a usar, por exemplo, o seu relógio ou telemóvel para
promover a autonomia;
✓ Nas aulas de grupo, o praticante deve estar acompanhado por um profissional
que assegure que a pessoa consegue fazer os exercícios, sem perturbar o
funcionamento habitual da mesma: dar ajudas físicas, demonstrar, simplificar o
exercício se necessário, ajudar o professor da aula.
Adaptações e Estratégias de comunicação para os profissionais
✓ Quando se inicia um diálogo o profissional deve identificar-se;
✓ A voz é o fator determinante na comunicação. Não é necessário alterar o
tom de voz habitual;
✓ Quando se dá alguma indicação de orientação, devem utilizar-se
expressões precisas;
✓ Todas as orientações devem obedecer à posição de corpo da pessoa com DV;
✓ Não existem palavras tabus. As palavras ver e olhar devem ser usadas com
naturalidade;
✓ Manifestações de afirmação/negação devem ser pronunciadas oralmente e
nunca transmitidas apenas por um gesto;
Estas adaptações e estratégias são indispensáveis para que a pessoa com DV
treine em segurança e eficácia. Dependem exclusivamente do profissional que
acompanha o praticante.
✓ Quando guiadas, a maioria das pessoas com DV vão segurar no braço do
profissional. É o movimento do corpo que lhes dá a orientação de que
precisam;
✓ A planificação da aula não deverá ser alterada pela presença da pessoa
com DV. O professor deve individualizar apenas se necessário e de acordo com a
condição física da pessoa e não a DV;
✓ Deve-se permitir que seja a pessoa com DV a escolher o lugar que irá ocupar
no ginásio. Faça recomendações e não “caia na tentação” de excesso de
proteção – nunca esquecer que o objetivo é sempre a autonomia dos
praticantes;
✓ Utilizar uma referência táctil – como por exemplo um colchão – para
garantir a orientação espacial da pessoa com DV. Ao perceber como se deve
posicionar perante o colchão será mais fácil manter-se na posição correta
ao longo da aula
Estas estratégias são muito benéficas, no entanto, tratando-se de questões
de comunicação acabam por ser muito pessoais. Acima de tudo dependem da
relação estabelecida entre o profissional e o praticante e devem ser
flexíveis e adaptadas a cada um.
Para concluir queremos reforçar que qualquer profissional qualificado de
exercício físico está habilitado a prescrever o treino a todas as pessoas,
independentemente da sua condição e características, baseando-se nos dados
recolhidos durante a avaliação inicial e nos objetivos de cada um. Qualquer
condição de DV deve estar aqui incluída.
Referências Bibliográficas
-
Brasil. (2006). Saberes e práticas da
inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades
educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. Secretaria
de Educação Especial, Brasília.
-
Corazza, S. et al. (2016). Benefícios do Treinamento Funcional para o
Equilíbrio e Propriocepção de Deficientes Visuais. Rev Bras Med Esporte,
Santa Maria. 22.
-
Lieberman, L. (2002). Fitness for individuals who are visually impaired or
deafblind.34(1), 13-8023.
-
Torres, J. Costa, C. e Lourenço, G. (2016). Substituição Sensorial
Visuo-Tátil e Visuo-Auditiva em Pessoas com Deficiência Visual: uma Revisão
Sistemática. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília. 22: 605-618.
-
U.S. Department of Health and Human Services (2018). Physical Activity
Guidelines for Americans, second edition. Washington, DC: U.S. Department of
Health and Human Services.
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título do artigo: Estratégias e adaptações no treino da pessoa com
deficiência visual
autoras: Ana Loureiro, Técnica Superior de
Reabilitação Psicomotora no projeto SPORTS4ALL – Ginásio Clube Português; e
Sara Jorge, Técnica Superior no projeto MOV IN –
Ginásio Clube Português
publicação: Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal
Lisboa, 17 de março de 2023
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