Ξ  

 Sobre a Deficiência Visual

Desenvolvimento da Criança Cega

Wanessa Moura da Silva

Jardim Sensorial de Rio Preto, Brasil
Criança no Jardim Sensorial de Rio Preto

1. DESENVOLVIMENTO GLOBAL
2. DESENVOLVIMENTO SENSORIAL
3. DESENVOLVIMENTO MOTOR
4. DESENVOLVIMENTO AFECTIVO
5. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO


1 DESENVOLVIMENTO GLOBAL DA CRIANÇA CEGA

Para Fraiberg (1965) as primeiras fases de desenvolvimento dos bebês cegos são cheias de riscos. Na população geral de crianças cegas existe uma alta incidência de desvios, personalidades não diferenciadas e desenvolvimento reprimido do cego (mesmo quando excluímos os casos de lesão cerebral e de múltiplas deficiências que são também comuns neste tipo de população).

A partir do primeiro mês de vida, o bebê cego começa a realizar suas primeiras adaptações à cegueira, aprendendo a utilizar, de forma seletiva, os sentidos que lhe permitem reconhecer melhor a informação que lhe é proporcionada pelo mundo ao redor de si (COBO et al.. 2003).

O sujeito que nasce cego, que estabelece suas relações objetais, estrutura o seu ego e organiza toda a sua estrutura cognitiva a partir da audição, do tato, da cinestesia, do olfato e da gustação, difere daquele que perde a visão após seu desenvolvimento já ter ocorrido (WINNICOTT, 1975).

Em contrapartida, para (ENUNO E BATISTA, 2000; ENUNO E CUNHA, 2003) esse enfoque pode ser consubstanciado pelos pressupostos teóricos de Vygotsky (1998). Na perspectiva da teoria vygotskiana, não existem diferenças básicas no impulso para o desenvolvimento da criança, seja ela cega ou vidente, já que as forças do desenvolvimento são dinâmicas e buscam, através da compreensão, uma superação de um estado de insegurança e de inferioridade que a condição da criança impõe. Igualmente, Vygotsky (1998) considera que toda criança, tanto a criança cega quanto a criança normal, tem a sua disposição a linguagem, principal fonte de conteúdos de desenvolvimento.

2 DESENVOLVIMENTO SENSORIAL

A visão não pode ser considerada isoladamente, mas somente conforme a sua contribuição ao funcionamento sensorial total. A visão é o elo primário de ligação com o mundo objetivo, proporcionando informações constantes e verificação imediata, e permitindo que os elementos sejam apreendidos de forma integrada Piaget (1952 apud FRAIBERG, 1965).

Faltando a visão, os demais sentidos - audição, tato, olfato e paladar, têm de funcionar sem a informação e integração que a visão proporciona. Com efeito, inicialmente, os outros sentidos parecem diminuídos na ausência da visão e as crianças cegas, freqüentemente, parecem não ter a percepção de seu ambiente, necessitando de estimulação adicional, como por exemplo:

2.1 Olfato

O recém nascido revela desde seu segundo dia de vida sua capacidade olfativa. O primeiro contato com um objeto novo pode provocar uma primeira reação olfativa em que no indivíduo que tenta recorrer a uma primeira informação. O odor de uma bola de encher, de uma toalha, das teclas de um piano, tudo lhe serve e ajuda em suas percepções.

2.2 Paladar

As sensações gustativas que os recém nascidos apresentam é também de grande importância, pois que trazem experiências de alimentos para o bebê cego, fazendo parte da primeira etapa de vida. Diferentes experimentos na vida uterina permitem conhecer as quantidades de líquidos amnióticos deglutidos pelo feto que variam em função do sabor que este apresente observaram o mesmo fenômeno em seus estudos com recém nascidos, quando comprovaram que a deglutição era mais ativa quando lhes eram oferecido uma solução açucarada.

Por outro lado, ao mencionar sobre a amamentação, considerando as vantagens do leite humano, imagina-se as dificuldades que encontram as mães de bebês cegos para amamentá-los. As dificuldades para as mães em alimentar dessa forma seus filhos são, na maior parte dos casos, devido a grande depressão que, normalmente as mães possuem (LEONHARDT, 1992).

2.3 Percepção Tátil

A modalidade tátil é de ampla confiabilidade. Vai além do mero sentido do tato; inclui também a percepção e a interpretação por meio da exploração sensorial. Esta modalidade fornece informações a respeito do ambiente, menos refinadas que as fornecidas pela visão. As informações obtidas por meio do tato têm de ser adquiridas sistematicamente, e reguladas de acordo com o desenvolvimento, para que os estímulos ambientais sejam significativos (GRIFFIN & GERBER, s. d.).

Embora não pense no tato como o substituo para a visão, é importante compreender de que forma pode obter informações através deste órgão dos sentidos.

As mãos dos bebês começam a se especializar com o contato com suas mães. Por isso, é necessário que elas lhe passem afeto, comunicação, calor, suavidade, sensações placentárias, informações aos filhos. O neonato manifesta prazer quando lhe beijam e acariciam as mãos, quando a mãe toca com a mão o seu filho, tranqüiliza cessando seu pranto, inclusive no silêncio (LEONHARDT, 1992).

2.4 Percepção Auditiva

O sentido da audição permite a recepção das experiências sonoras. Boa parte dos conhecimentos que temos acerca do mundo, nos chega por via auditiva. Basicamente, ela tem origem no momento em que a criança associa os sons aos objetos que os emitem, e tem como meta que a criança adquira símbolos auditivos que lhe permitam formar idéias abstratas. Seu papel é de especial importância para as pessoas com baixa visão graves ou cegos, é triplo: proporciona a informação do meio que deveria ser recebida pelo sistema visual; serve de meio para orientação; proporciona dados para uma atuação independente no ambiente (COBO et al., 2003).

O bebê cego seleciona e elege a via auditiva como canal privilegiado que lhe permite criar caminhos alternativos de conhecimento mediante a percepção da informação global que recebe, estabelecendo assim, as primeiras diferenciações. A forma com que o bebê cego transfere sua experiência perceptiva de uma modalidade sensorial a outra, ajuda na visão à medida que lhe permite construir um sistema de percepção.

Que qualidades perceptivas poderiam abordar a percepção auditiva? Seria a freqüência, ritmo, seqüência temporal e duração do som? Todas as crianças cegas estariam igualmente dotadas da habilidade de reconhecer as modalidades equivalentes as quais são percebidas de forma entrecruzada? São diversos os experimentos realizados com os bebês videntes, no entanto, as investigações com bebês cegos, ainda são incipientes.

Dentre as outras modalidades sensoriais, a audição é o único sentido de distância que os cegos dispõem e que tende a funcionar de maneira inteiramente diferente, sem a informação da visão. Inicialmente, o bebê cego não tem controle sobre a presença ou ausência do som em seu ambiente (FRAIBERG, 2004).

A exploração ativa ocorre somente quando a criança cega de desloca no sentido de descobrir o mundo exterior, e este desenvolvimento de mobilidade depende, principalmente, da informação fornecida pela audição.

Dias (1995) explica a sua hipótese com a observação teórica de que na primeira fase a boca é o mais importante órgão de exploração, tanto para os cegos quanto para os videntes; mas, na segunda fase, a mão assume este papel e a visão toma-se fundamental para na direção da função exploratória das mãos.

Normalmente, isto leva a uma diferenciação entre o próprio corpo da criança e o mundo externo. Neste processo, a criança cega fica impedida porque, embora a visão possa ser substituída pela audição, esta não fornece a continuidade sensorial dada pelo sentido visual. A criança cega, ficando por muito mais tempo privada das satisfações dos estímulos externos, volta-se para um comportamento repetitivo, no fím do primeiro ano, diferenças substanciais nos bebês cegos: acredita que uma excelente matemagem pode levar a uma regressão desta tendência autocentrada, mas afirma: “É inevitável que produza um profundo efeito sobre os estágios posteriores do desenvolvimento” (DIAS, 1995 p.49).

As primeiras respostas no sentido do recém-nascido cego constituem em um giro lateral da cabeça, orientando seu rosto de acordo com a voz do outro. Ao término de algumas semanas, o bebê fica com a cabeça imóvel e vai girando somente os olhos em busca do som produzido no ambiente.

Ele parece estar colocando em marcha mecanismos adaptativos que lhe permite uma melhor orientação do seu olho para reconhecer uma maior quantidade de informações adquiridas. A partir de então, observa-se que a criança cega realiza, com êxito, sua primeira adaptação.

Em bebês mais precoces, esta adaptação apresenta-se em torno de trigésimo quinto dia de vida. Assim mesmo, temos observado que, em geral, predomina mais um olho do que o outro e que costuma ser uma primeira impressão de lateralização auditiva do bebê cego.

Esta conduta, que marca um dos primeiros ganhos adaptativos do bebê cego, muitas vezes, é mal interpretada pelos pais porque eles consideram como uma rejeição o ato da criança girar a cabeça no sentido contrário a sua fala. Em muitos casos, as mães obrigam o seu bebê a olhar nos seus olhos, quando ele não pode ver. No entanto, é importante esclarecer que esta é uma conduta adaptativa muito importante para seu desenvolvimento.

Após alguns meses, a criança será mais flexível em sua utilização. Em situações conhecidas e familiares ao bebê, este pode girar a cabeça para o som com seu ouvido e o rosto, permanecendo em uma postura intermediária, em geral, com a cabeça inclinada para o seu peito. No entanto, em situações desconhecidas ou diante de sons novos que provocam maior alerta, a postura lateralizada é a que predomina no bebê cego.

Por outro lado, temos observado uma sensibilidade especial, seletiva e diferenciadora que apresentam estas crianças desde as primeiras semanas de vida. Elas gostam da voz suave, agudas, moduladas em distintos ritmos. A voz da mãe lhe proporciona tranqüilidade, segurança, prazer, entre outros. Assim, por exemplo, um bebê cego de quatro meses que ouve os passos de sua mãe que se aproxima em seu ambiente, imobiliza seu brinquedo, fica alerta, escuta com o seu ouvido predominante e, ao perceber que se aproxima, gira seu corpo pondo-se a disposição para o colo e sorri amplamente, antes que sua mãe possa lhe falar (LEONHARDT, 1992).

3 DESENVOLVIMENTO MOTOR

O bebê encontra-se imerso em um universo relacional, e estas relações com os demais estão estritamente ligadas a sua atividade motora e sensório motora. Pouco a pouco, graças a sua movimentação, vai adquirindo experiência, ao tempo que desenvolve comportamentos que dão suporte a uma relação inteligente com o que o rodeia.

Esta atividade permite conhecer o mundo não só pelas pessoas, mas também pelas coisas, de tudo aquilo que, em definitivo, configura seu pequeno universo e o ajuda a diferenciar e, progressivamente, adaptar-se e integrar-se ao mundo.

Assim, em sua realização, o bebê precisa que se respeite e potencialize duas necessidades fundamentais: segurança e autonomia progressiva. Estas necessidades são sempre atendidas desde que vividas em sua relação afetiva.

Existe uma interação muito intensa entre a vida psíquica da criança com a força motora, mostrando a satisfação e a rejeição mediante o movimento. Este, em definitivo, constitui um vínculo de expressão de toda vida afetiva - sentimentos, emoções, desejos, conflitos, preocupações etc.”

O tônus muscular desempenha um papel muito importante em toda consciência do esquema corporal. Segundo Leonhardt (1992), a criança que domina precocemente seu tônus muscular e a coordenação de seus gestos, terá uma vivência em que a ansiedade estará dominada, permitindo, assim, um maior domínio em seu desenvolvimento.

Por outro lado, é cada vez maior, a convicção de que as estritas relações que unem as alterações psíquicas e as alterações motoras são uma expressão desse compromisso profundo entre o movimento e o pensamento.

Em qualquer atividade, o comportamento da criança reage em uma união psico-afetivo- motora, sendo realmente imprescindível para a sua normal evolução.

Quanto ao desenvolvimento motor, a visão desempenha um papel crucial, que a audição só poderá suprir, e apenas parcialmente, a partir dos dez meses, embora o desenvolvimento postural seja semelhante ao da criança vidente. Ao nível da mobilidade, a criança cega, segundo (FRAIBERG et al. 9 1965) por falta de estímulos do mundo exterior experimenta dificuldades tanto no engatinhar como no início da marcha.

4 DESENVOLVIMENTO AFETIVO

As primeiras relações de uma mãe com seu filho se acham preenchidas, em geral, de ternura e afeto e também de grande comunicação. Para a criança, os sinais de toque afetivo de sua mãe constituem uma forma de comunicação que ela lhe corresponderá de uma forma global. No bebê, esta relação é básica porque se trata do seu primeiro vínculo que sempre afetará, de alguma maneira, a formação de relacionamentos posteriores.

A vinculação afetiva é um processo de interação em que o bebê pode manifestar suas capacidades inatas como participante ativo da relação com sua mãe. Leonhardt (1992), sintetiza este processo considerando o resultado da interação que se dá em um sistema diádico total em que ambos atuam em mútua sincronização.

A sincronização pressupõe o estabelecimento de uma correspondência entre tudo aquilo que cada parte espera do outro, entre o movimento de sua mãe e o movimento do bebê e pelas mensagens que sobressaem, trazendo um diálogo corporal que entre ambos se estabelecem.

O bebê há de oferecer e responder com alguns sinais, em sua interação com a mãe. Carícias, beijos, olhar, situações em que ambos cara a cara têm suaves contatos, são imprescindíveis ao desenvolvimento afetivo. A voz da mãe é como um tom agudo que acaricia o ouvido do bebê.

Para poder entender melhor a sincronia que se produz entre ambos, Stem (1999, apud LEONHARDT, 1992) propõe uma analogia a uma dança de valsa, em que cada parte conhece o passo correspondente e sabe de memória a música, podendo, então, evoluir ao mesmo tempo que o outro.

De acordo com algumas pesquisas relevantes e citadas em Enuno e Cunha (2003), a criança cega, desde as idades mais precoces, mostra repetidamente para o adulto o que ela quer e necessita, demonstrando suas intenções através de gestos e expressões faciais combinadas com verbalizações.

Logo, a interação entre a mãe e a criança deve ser considerada como fundamental no desenvolvimento da criança cega. Sendo necessário, portanto, para interação social que o adulto ofereça situações de convivência formal e informal que promovam a percepção dos sinais de comunicação na criança cega, e, até alguns casos ser utilizado formas alternativas de apresentação e interpretação das mensagens comunicativas.

Em todo repertório de comunicação, podemos observar que o contato ocular ocupa um lugar privilegiado em sua interação, configurando uma forma de comunicação fundamental e, por sua vez, muito especial e única para o bebê.

5 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Evidências modernas indicam que as funções cognitivas não estão restritas aos córtices de associação, mas envolvem uma variedade de áreas corticais. As áreas de associação estão implicadas em diferentes funções cognitivas: cada área de associação parece ser especializada quanto à função, apesar de todas as três áreas participarem de mais de uma função cognitiva, inclusive de movimento voluntário, percepção sensorial, comportamento emocional e da linguagem.

O córtex pré-frontal está imbricado no planejamento e na execução de ações motoras complexas e memória operacional. A área parietal-temporal-occipital se encontra na integração de funções sensórias, visuais e na linguagem. E a área límbica com a memória e com os aspectos emocionais e motivacionais do comportamento (KANDEL et al., 1997).

A maturação relacionada ao desenvolvimento do sistema nervoso central é dependente das ações e experiências vivenciadas pelo indivíduo. Assim, a coordenação visão-preensão, no vidente, ocorre em tomo dos quatro meses.

Por não dispor do canal visual, a coordenação visão-preensão no bebê cego se dá através da coordenação audição-preensão que acontece, aproximadamente, aos seis meses de vida. Mas, isto depende da estimulação e o que o ambiente proporciona para este bebê.

Uma questão que parece ser prioritária, ocupando a atenção de muitos estudiosos, foi a compreensão dos efeitos da cegueira sobre o desenvolvimento cognitivo. A formação de conceitos, a capacidade classifícatória, o raciocínio, a representação mental, e outras funções cognitivas, constituíram-se como fatores críticos para a educação da criança cega, exigindo estudos e pesquisas que se desenvolveram sob o referencial piagetiano.

Estas questões levaram também à preocupação com a avaliação diagnóstica dos sujeitos cegos que, acrescida do momento histórico da psicologia voltada para a psicometria, criou um outro campo de estudos: adaptação e organização de testes para cegos (LEONHARDT, 1992).

No caso da formação de conceitos, a visão tem um papel evidentemente integrador. Por exemplo, a formação do conceito de cão dependerá da apreensão de diferentes estímulos, sensações táteis, auditivas, olfativas e visuais, que geram informações que, através da visão, serão integradas, estabelecendo, assim, o conceito propriamente dito.

Para criança vidente além de tocar no corpo todo do cão, ouve os latidos e concomitantemente vê a imagem do cão. Na criança cega, isso será feito de forma alternativa, através dos adultos que apontam os aspectos mais relevantes dos objetos e a partir desses aspectos será formado o conceito (ENUNO & CUNHA, 2003).

A análise da literatura que efetuamos sobre este tema, mostra que não havendo muita investigação, os trabalhos realizados na sua maioria, seguem fundamentalmente duas correntes. Uma baseia-se num quadro piagetiano como referência para a compreensão das manifestações no comportamento do funcionamento cognitivo.

Paralelamente, uma outra corrente inspirada no modelo analítico, que culmina com a obra de Selma Fraiberg (2004), considerada uma peça chave para a compreensão do desenvolvimento da criança cega, incidindo especialmente no período do desenvolvimento sensório-motor. Dos vários autores que realizaram estudos de investigação com crianças cegas, encontramos entre eles, um nível moderado de concordância com incidência nos pontos que passamos a referir (DIAS, 1995).

Dias (1995) relata que tendo um desenvolvimento aproximado do bebê vidente nas duas primeiras etapas do período sensório-motor, o bebê cego, a partir da atividade reflexa inata, vai organizando tipos ou seqüências de ação, com exclusão das referentes ao sentido da visão, começando a partir dos quatro ou cinco meses a registrarem-se diferenças nítidas da sua evolução relativamente ao bebê vidente.

Confirmando esta diferença (DIAS, 1995) verifica que a coordenação auditivo-manual se processa, no bebê cego, entre os oito e os dez meses, o que significa um atraso considerável em relação à coordenação visual-manual no bebê de visão.

Enquanto a coordenação visuo-manual levanta um problema de ordem sensório-perceptiva simples, já a coordenação auditiva manual só é possível após a resolução de um problema de ordem conceptual, ou seja, os sons produzidos pelos objetos que começam a possuir “substancialidade” quando nos primórdios do conceito de permanência do objeto, a cada som pode ser atribuído um objeto exterior ao sujeito.

A respeito da problemática do desenvolvimento da criança cega e das áreas mais afetadas em termos da sua adaptação ao meio e da sua aprendizagem, podemos facilmente deduzir sobre a importância da implementação de programas educativos adequados às suas necessidades básicas.

Através de estudos longitudinais (FRAIBERG et al., 1965) obtiveram dados sobre os problemas de adaptação no período sensório-motor e das limitações colocadas pela cegueira. Verificaram que algumas das perturbações profundas do Ego, assim como deficiências a nível cognitivo encontradas têm a sua origem nos primeiros dezoito meses de vida, durante o período crítico de estruturação do Ego.

Concluíram que a deficiência mais profunda que uma criança cega pode ter é ficar privada de relações humanas significativas. Estudos realizados por (FRAIBERG & FREEDMAN, 1964) com população cega privada de intervenção adequada durante o primeiro ano de vida, revelaram claramente, que em tais circunstâncias pode sofrer atrasos notáveis em termos do desenvolvimento cognitivo.

Muitas das crianças observadas nos estudos desses autores, apresentavam um quadro de atraso mental e citando (FRAIBERG & FREEDMAN, 1964, p.75) “25% das crianças cegas de nascença apresentavam comportamentos autistas”, contrastando com o perfil de desenvolvimento dos bebês cegos que seguiam uma estimulação adequada.

Tais dados colocam em evidência a pertinência de programas educativos adequados, iniciados precocemente que possam fornecer à criança cega os estímulos necessários à relação o mais equilibrada possível, com o mundo que a rodeia. Mais tarde, essa criança necessitará se beneficiar de estratégias de ensino que facilitem, basicamente, a sua interação espontânea com o meio.

Não deixando de ter como referência os princípios de Piaget, que em relação à criança cega foram esclarecedoramente sintetizados por (SPITZ, 2004), conceituada especialista americana, no campo da educação das crianças deficientes visuais e que pela sua pertinência, passamos a enunciar:
 

  1. O desenvolvimento cognitivo é um processo gradual, em evolução, que depende do desenvolvimento social, emocional e físico e não pode ser entendido isoladamente.

  2. As diferenças e padrões individuais de crescimento influenciam o funcionamento, mas são também afetados pela seqüência, variedade e qualidade das experiências simbólicas.

  3. O conhecimento da realidade deve ser descoberto e construído através das atividades da criança ao nível da sua estrutura cognitiva.

  4. Em todos os níveis deverão surgir atividades que promovam a exploração espontânea, tanto física como intelectual (paralelamente, não deve minimizar-se o papel da mediação verbal na resolução de tarefas).

  5. Um programa orientado cognitivamente desenvolve e reforça continuamente o raciocínio espaço-temporal e o lógico-matemático.

  6. A aprendizagem dinâmica, geradora, apoia-se na espontaneidade e na criatividade da criança, enquanto que a aprendizagem de fatos vem através da prática, da repetição e da memorização. Por consequência, os professores devem estabelecer os seus programas e estruturar as suas aulas prudentemente.


Assim como Cutsforth (1969), citou em sua pesquisa clássica “O Cego na Escola e na Sociedade - um estudo Psicológico” a finalidade não está em criticar as instituições educacionais para cegos e sim discutir os aspectos da vida institucional que, mais diretamente, contribuíram para deturpar a personalidade dos alunos e que tolheram o seu ajustamento social subseqüente.

Mostrará que aquelas condições, que desabonam as instituições, têm origem na própria natureza do sistema institucional, tal qual ele é organizado pela sociedade. Os métodos educacionais, altamente usados, são suficientes para fornecer ao cego todas as informações de que necessita. Muitos jovens estão aprendendo Braille antes da hora, esquecendo de explorar em outras maneiras, como através de brincadeiras por exemplo, o desenvolvimento deles.

O problema que está desafiando os educadores dos cegos, que eles percebam ou não, é a tarefa de reformular seu treinamento afim de capacitar os cegos a viverem harmoniosamente, consigo mesmos, e com conforto, social e mental, dentro da sociedade dos que enxergam, na qual em última análise, deverão viver (CUTSFORTH, 1969).

Na escola primária, onde os problemas de personalidade pareciam a um observador casual como os menos importantes, ocorrem algumas das mais flagrantes violações da higiene educacional. A criança chega à idade, na fase pré-escolar, com desenvolvimento muscular proporcionalmente inferior aos da criança dotada de visão. Não obstante, os professores destes departamentos parecem obcecados com a presumida necessidade de iniciar-se, imediatamente, a educação literária da criança.

Para a maioria dos professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental, educar uma criança cega significa ensinar-lhe, sem demora, ler e escrever em Braille e aprender intrincados e complicados trabalhos manuais, até o limite de sua capacidade. Apesar de centenas de crianças cegas demonstrarem, todos os anos, ser isto possível, a conveniência e o critério definitivo podem ser questionados. Qual o preço pago, em termos de saúde mental e felicidade, por esta imposição prematura de tarefas complexas?

Desta forma, a criança sofre muito pela falta de estimulação motora e motivações para a atividade física. As atividades que fornecem à criança um grau de amadurecimento, proporcional à idade, são aquelas que a criança normal, da mesma idade já adquiriu.

Decididamente não são: ler e escrever Braille, bordar contornos de cartões ou mesmo modelar com argila e fazer esteiras de junco. Mas sim, correr, pular, jogar bola, manusear aviões, e outros instrumentos grosseiros. Em resumo, uma escola sem uma esteira, uma mesa de carpinteiro e ferramentas é um quarto de tortura e uma diminuta fábrica de personalidades neuróticas (CUTSFORTH, 1969).

Estudos feitos sobre esses efeitos no desenvolvimento do bebê cego, (Bulingham, 1961 apud Dias, 1995) faz observações sobre este assunto: “Retardo e restrições de realização muscular são comuns às crianças cegas... e embora os bebês cegos não sejam intencionalmente restringidos se comportam como as crianças videntes restringidas em sua movimentação (p. 123 In: p. 46)

Segundo a autora, a cegueira é responsável por esta condição, por “impedir” que as crianças cegas sejam estimuladas para a procura de objetos, além de não serem incentivadas a repetir as ações pela aprovação materna. Refere-se a uma grande dificuldade na relação das mães com seus bebês cegos, e à ausência nelas das recompensas e prazeres presentes nas relações das mães com seus bebês videntes.

Dias (1995) aponta a restrição da mobilidade como uma das principais razões para a maior dependência da criança cega. O estágio de dependência da mãe é maior e mais prolongado, e esta condição é favorecida pelas atitudes maternas. Assinala ainda que as crianças cegas mostram menos expressões agressivas e mais medo da agressão externa, e sentem necessidade de controlar sua agressão por maior dependência dos videntes.

FIM

 

ϟ


excerto do Cap. 4 da Dissertação de Mestrado
"Análise da aquisição e desenvolvimento de linguagem durante a interação mãe-criança com cegueira congênita"
autora: Wanessa Fernandes Moura da Silva
Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciência do Comportamento
Universidade Federal de Pernambuco
Recife, 2009

 

Δ

10.Nov.2024
Maria José Alegre