Crianças cegas na Royal Victoria
School for the Blind Benwell -
fotografia de J. K. Bone, 1950s
O que é que realmente sabemos sobre a Deficiência Visual
Cortical? Sabemos, com certeza, que sabemos pouco. Existem, contudo,
tantas crianças com Deficiência Visual Cortical
ou DVC, que devemos tentar coligir todo o conhecimento disponível.
O facto de a criança reagir visualmente a riscas pretas ou cinzentas de diferentes larguras ou a objectos variados, grandes ou pequenos indica apenas que ela viu alguma
coisa, não indica se viu a totalidade do objecto ou a totalidade da área das riscas. Mesmo que a criança seja capaz de acompanhar visualmente um objecto, que se move à sua frente, ainda assim é impossível dizer se a criança viu todo o
objecto ou se foi capaz de ver detalhes.
Durante os últimos 10 anos tornou-se comum decorar o quarto ou a sala de brincar de uma criança com deficiência visual com papel de parede às riscas brancas e pretas ou com mantas de retalhos de tecidos com bolas pretas
sobre um fundo branco ou riscas pretas horizontais, verticais e diagonais sobre fundo branco. Às vezes, até o biberão tem sido coberto com um saco de malha tricotado às riscas pretas e brancas. Ou dão-se à criança figuras
mostrando círculos, quadrados e triângulos pretos e brancos num fundo branco e preto. Em algumas escolas e instituições foi mesmo criada uma sala especial para treino da visão. Aqui a criança com deficiência visual é bombardeada
com estímulos visuais sofisticados, todos baseados nos materiais usados para testar se uma criança pode ver ou não.
Em primeiro lugar, o bombardeio de informações visuais parece ser tão grande que a criança se recusa a olhar para ele. Em segundo lugar, pode ser difícil, mais tarde, reavaliar a capacidade da criança para ver,
porque a criança ou se recusa a olhar para os materiais de teste ou porque os materiais de teste se tornaram tão familiares para a criança que deixam de constituir um desafio visual. Em terceiro lugar parece sem sentido rodear uma
criança de ambientes que ela nunca vai encontrar fora da sala de treino da visão.
Uma das condições características de uma criança com deficiências múltiplas é que tem dificuldade em generalizar o que aprende num ambiente a outros ambientes, ou generalizar o que aprendeu durante a sua interacção com uma pessoa à
interacção com outra pessoa. Portanto, se o seu ambiente para brincar e aprender tiver um aspecto que ela nunca irá encontrar e experimentar em outros lugares fora do seu ambiente de aprendizagem, estaremos a tornar desnecessariamente
difícil para a criança, a generalização da função visual.
Tendo em conta estudos sobre a Deficiência Visual Cortical (Groenveld et.
Al. 1990, Morse 1990, Steendam 1989) e de acordo com observações minhas e de outros colegas sobre o funcionamento
visual de crianças que sofrem de DVC, o diagnóstico "Deficiência Visual Cortical ou DVC" significa que as partes do cérebro que
recebem e processam informações visuais do olho e
do nervo óptico não funcionam normalmente.
Este mau funcionamento resulta em que a criança, ou é totalmente
incapaz de ver ou, de alguma maneira, tem uma visão
parcial.
Algumas crianças com DVC também sofrem de
atrofia do nervo óptico ou têm um pobre
desenvolvimento deste. Pode também
ocorrer que a criança tenha uma disfunção ocular ou da retina. À medida que crescem, muitas crianças com DVC desenvolvem alguma
habilidade visual. Mas esta habilidade manifesta-se, frequentemente, de uma maneira claramente diferente das crianças que têm deficiências visuais causadas apenas por uma afecção ocular, ou do
nervo óptico ou da retina.
Em primeiro lugar, durante os primeiros anos de vida, as crianças com DVC são totalmente cegas ou têm apenas
percepção de luz. Eventualmente, algumas podem
chegar a ver mais e mais, mas provavelmente nunca
terão visão normal. O processo descrito é,
às vezes, relatado como constituindo um atraso ou
desenvolvimento lento da habilidade de ver.
Em segundo lugar, o aumento da habilidade de ver
não funciona sempre. De dia para dia ou de hora para
hora, a criança pode flutuar entre a cegueira total ou
alguma capacidade de ver – maior ou menor.
Morse (1991) explica isso sugerindo que o núcleo geniculado lateral localizado no tálamo possa ter
pobre capacidade. O tálamo é um órgão localizado fundo no cérebro, que distribui as mensagens sensoriais aos vários centros corticais. Se o núcleo geniculado lateral tiver essa pouca
capacidade começa a ficar sobrecarregado e pode,
então, suprimir mensagens visuais. Provavelmente isto é verdade para algumas crianças com DVC. Em outras crianças com DVC,
especialmente aquelas que não parecem ter
problema com mensagens tácteis ou auditivas,
pode ser que o problema esteja noutro lugar
que não na capacidade funcional do tálamo. Pode ser que a visão central no córtex tenha pouca capacidade para interpretar mensagens que são enviadas pelo núcleo geniculado lateral dentro
do tálamo.Durante o trabalho diário com a criança com DVC, pode parecer uma questão puramente académica, se a habilidade flutuante da criança de ver é causada pela pouca capacidade do tálamo, ou do núcleo geniculado lateral ou do
centro visual no córtex. Contudo, uma vez que a habilidade de integrar
informações de diversas modalidades sensoriais
é de grande importância para aprender a
entender o que foi visto, torna-se
essencial verificar se é o corpo genicular
lateral no tálamo ou o centro cortical para a visão
que tem uma capacidade pobre. Se é o corpo
genicular lateral no tálamo, a criança
provavelmente terá dificuldades específicas em
combinar várias experiências sensoriais, porque
deve ser esperado que o tálamo, de tempos em
tempos, fique sobrecarregado de informações
quinestésicas, auditivas e tácteis, tornando mais difícil para a criança aprender a integrar as
informações que recebe. Se é o centro
visual que tem uma pobre capacidade, a criança
terá uma melhor possibilidade de juntar a
informação visual à combinação de experiências
quinestésicas, auditivas e tácteis que ela talvez tenha
já estabelecido. Neste caso considera-se mais
fácil para a criança aprender a entender o que vê. Do mesmo modo, quanto mais cedo
se iniciar o processo de aprender a ver, mais fácil será,
provavelmente, para a criança considerar
útil a informação visual. Crianças mais velhas podem
ter aprendido a conviver com a
combinação de informações auditivas, tácteis e
quinestésicas a tal nível, que terão dificuldades
em confiar na informação visual que estão, lentamente, começando a obter de tempos a
tempos.
Baseando-me nos 25 anos que levo de trabalho com crianças
com DVC gostaria de sugerir que a razão porque
algumas crianças de repente começam a ver alguma coisa, por volta dos 7 ou 10 anos é que as oportunidades
para aprender terão sido fortalecidas por meio de actividades ou jogos baseados em experiências
auditivas, tácteis e olfactivas. O “bombardeamento” de
informações sensoriais a que o córtex está exposto
por estas fontes provavelmente teve o efeito de fazer o
centro visual começar a reagir, possibilitando que a
criança combine a informação das modalidades
sensoriais visual e quinestésica, possibilitando, desta
maneira, à criança olhar numa certa direcção ou
reagir de alguns dos modos que nós normalmente
interpretamos como ela ter visto algo.
Talvez o diagnóstico precoce seguido por uma
intervenção precoce, cause um início precoce do
desenvolvimento da habilidade de ver.
Aquelas
crianças com DVC que têm diagnóstico visual por
outra patologia, é claro que têm, mais dificuldades
em aprender a ver e menor possibilidade de
aprender a entender o que vêem do que
crianças com “que só têm” o diagnóstico de DVC.
A criança com DVC é frequentemente uma criança
com deficiências adicionais. Se o centro visual no
córtex está danificado, outras partes do córtex
normalmente também estão danificadas, de modo
que a criança pode também ter epilepsia, ser espástica,
ter uma perda auditiva ou apresentar uma fraca
capacidade geral para aprender. A criança também
pode ter problemas emocionais, talvez sintomas
como medo ou um distúrbio de comportamento, ou
pode ser que o seu comportamento seja
marcado por movimentos estereotipados.
Qualquer
uma destas deficiência irá ter alguma influência, quer no
processo de aprender a ver bem quer em
aprender a entender o que foi visto.
No trabalho de cuidar e educar a
criança, deve ser levado em conta qualquer factor que possa prejudicar o seu processo de aprendizagem, incluindo aprender a ver, de modo a optimizar as oportunidades - que a qualquer momento se apresentem - de utilizar e
desenvolver a habilidade de ver.
Como conseguiremos nós pais
e/ou professores fazer isto e o que é que nos
deveríamos abster de fazer?
Talvez as respostas para estas questões possam
ser encontradas no modo como as crianças não deficientes aprendem a ver e
aprendem a entender o que vêem.
Aprender a ver é um processo dinâmico. Numa
criança não deficiente que ainda não é capaz de
se movimentar, este processo acontece passo
a passo aproximadamente na seguinte sequência:
-
Percepção visual.
-
Olhar alternadamente para uma pessoa, um objecto e as próprias mãos.
-
Variar a duração do período de tempo gasto a olhar para um objecto - de breve para prolongado.
-
Mostrar preferência por uma experiência
visual específica tal como por algo que se
move.
-
Inclinar-se na direcção da pessoa
ou objecto para o qual se está a olhar.
-
Empurrar um objecto e observar o
resultado.
-
Tentar agarrar o objecto observado.
-
Agarrar e largar o objecto observado.
-
Virar um objecto enquanto se olha para ele.
-
Procurar um objecto perdido sem o encontrar.
-
Olhar ou procurar outro objecto.
-
Comparar experiências visuais.
-
Seguir visualmente uma pessoa ou um
objecto que se afasta.
-
Procurar um objecto perdido, encontrá-lo e
tentar agarrá-lo se estiver ao seu
alcance.
-
Olhar para detalhes de rostos e objectos.
Por meio de centenas de repetições das
experiências visuais pertencentes a cada um
destes passos, a criança aprende a ver e começa a combinar a informação visual com a informação
obtida através dos outros sentidos.
Gradualmente a criança torna-se capaz de distinguir
entre as várias pessoas e objectos sem ter que tocá-los
ou ter o apoio de informação auditiva. A criança
sabe o que pode fazer com os objectos com que interagiu e reconhece certas pessoas somente por olhar para elas.
Quer a criança com DVC comece a mostrar atenção visual com a
idade de quatro, oito ou dez anos, ela tem sempre de passar
pelo mesmo processo dinâmico de aprender a ver e
aprender a entender o que vê. Em minha opinião é impossível treinar ou ensinar uma criança a ver. O cavalo beberá se tiver sede, mas só poderá beber se houver água no bebedouro e se o bebedouro estiver localizado suficientemente baixo.
Do mesmo modo podemos colocar a criança com DVC num ambiente visualmente estimulante, mas não podemos forçá-la a ver e a criança somente
começará a ver se o ambiente incluir algo motivador
para ela olhar. Além disso, nós podemos estar
expondo a criança a uma situação difícil ao pressioná-la
a ver ou, de algum modo, mostrar que esperamos
que ela veja porque isso pode estar a acontecer numa altura em que ela esteja a funcionar como cega.
Pressionar a criança para que ela utilize a visão mais
do que ela quer, pode levá-la a evitar utilizar a
sua habilidade de ver ou estar contribuindo para que
ela se volte para dentro e desligue a atenção do que a rodeia – pessoas bem como objectos e eventos.
Enquanto a criança não deficiente é amamentada ao peito ou com biberão e quando o adulto
está cuidando dela e curvando-se sobre ela a uma
distância de 30-40 centímetros, a criança tem a
oportunidade de ver o rosto do adulto. Neste nível do
processo de aprendizagem a criança não vê
os detalhes das feições dos adultos. É para a parte
escura do rosto como os olhos, boca, narinas e
cabelo que a criança olha. (Blanksby, 1992; Slater,
1989) Quando estiver por volta dos três meses
de idade ela não somente olhará, mas tentará
esticar-se em direcção ao rosto do adulto,
especialmente em direcção à boca e aos olhos em
movimento.
Mas quando é que uma criança com quatro, oito ou
dez anos com DVC tem esta oportunidade?
Quando a criança com DVC finalmente começa a
ver, confrontada com partes
de rostos, ora móveis ora imóveis, ela tem poucas oportunidades de
aprender a discriminar. Os rostos aproximam-se e afastam-se demasiado rapidamente para lhe permitir vê-los. O
mesmo se passa com os objectos. Deste modo, orientar-se por meio da visão pode não ter muito significado para a
criança com DVC.
Talvez seja mais útil a esta criança dar-lhe a
oportunidade de olhar para um
pedaço circular de cartão amarelo, em que de cada lado se pinta cabelo preto, olhos e boca. Se
este “rosto” estiver pendurado num fio e a virar-se, talvez “se mova” o suficiente para incentivar
a criança a olhar para ele. Este “rosto” deveria
ser pendurado o mais perto possível da criança, de modo a que - quando estiver pronta para isso - ela o possa agarrar e estabelecer contacto táctil.
Bibliografia:
-
Blanksby, D.C. (1992): VAP-CAP Handbook. Royal Victorian Institute for the Blind, Burwood, Australia.
-
Groenveld, M., Jan,J.E. & Leader,P. (1990): Observations of the Habilitation of Children with Cortical Visual Impairment. Journal of Visual Impairment & Blindness. January.
-
Morse, M.T. (1990): Cortical Visual Impairment in Young Children with Multiple Disabilities. Journal of Visual Impairment & Blindness. May.
-
Slater, A. (1989): Visual Memory and Perception in Early Infancy. In Infant Development (Ed. Slater, A. & Bremner, G.). Lawrence Erlbaum Associates, London.
-
Steendam, M. (1989): Cortical Visual Impairment in Children. Royal Blind Society, New South wales, Australia.
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Cortical Visual Impairment: Causes and Manifestations
Lilli Nielsen, PhD
Refnaesskolen, Denmark
Este artigo foi pela primeira vez publicado na Revista Refsnaes-Nyt, n.º 38, em Set. 1993
Tradução: Maria José Alegre
Δ
25.Jul.2011
publicado
por
MJA
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