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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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Contributos da Ciência no Estudo do Sofrimento Emocional na Deficiência Visual

Ana Sofia Teixeira, Anabela Sousa Pereira & Ana Torres Pires

Universidade de Aveiro, Portugal

Soldado cego com a mãe - Kosovo, 1928
fotografia : Soldado cego trabalha a terra com a ajuda da mãe - Kosovo, 1928


A deficiência visual (DV) é uma redução severa na visão que não pode ser corrigida com óculos, lentes de contacto ou cirurgia (Dibajnia, Moghadasin, Madahi, & Keikhayfarzaneh, 2013). Entende-se por sofrimento emocional a presença de sintomas de ansiedade e de depressão, bem como, de dor psicológica. Estudos mostram que existe uma forte relação entre a DV e o sofrimento emocional (Evans, Fletcher, & Wormald, 2007; Walker, Anstey, & Lord, 2006).

No que se refere à influência da depressão na DV, a literatura mostra que existe uma grande associação entre ambas, estimando-se que a sua prevalência na população adulta com DV seja de aproximadamente 14%, sendo mesmo considerada como o preditor mais poderoso de incapacidade funcional (Dibajniaet al., 2013; Walker et al., 2006).

Vários estudos têm encontrado associação da DV com à ansiedade e com à depressão (Lotery, Xu, Zlatava, & Loftus, 2007; Walker et al., 2006), sendo evidente que a presença destes indicadores de sofrimento emocional tem um impacto negativo na vida das pessoas com DV (Silveira & Sequeira, 2002; Walker et al., 2006) e interfere negativamente no bemestar geral (Foggitt, 2001).

No que toca à associação da dor psicológica com à DV, não se conseguiram encontrar estudos, o que se pode dever ao conceito de dor psicológica ser emergente (Shneidman, 1999, citado por Flamenbaum & Holden, 2007).

Em relação à natureza da DV, a literatura comprova que as pessoas com DV adquirida apresentam maior sofrimento emocional do que as pessoas com DV congénita, sendo este evidente ao nível da ansiedade e da depressão (Hooper et al., 2008; Williams et al., 1998).

Tal pode dever-se à perda de visão que a pessoa vivencia, e ainda ao facto de a DV adquirida surgir como um acontecimento emocionalmente devastador (Hooper et al., 2008; Silveira & Sequeira, 2002).

Existem também estudos que avaliam a associação do sofrimento emocional nesta população com variáveis sociodemográficas, designadamente com o estado civil, dando assim especial destaque a um estudo que mostrou que tanto os homens como as mulheres casadas apresentam menos sintomas de ansiedade e de depressão do que as pessoas viúvas e solteiras (Leach, Butterworth, Olesen, & Mackinnon, 2013).

Em Portugal ainda são escassos os estudos sobre o sofrimento emocional na DV. Neste sentido, surgiu a necessidade de se estudar a associação da DV com o sofrimento emocional na população adulta Portuguesa. Assim, o presente estudo teve como principal objetivo avaliar o sofrimento emocional (sintomas de ansiedade, de depressão e de dor psicológica) na DV.


MÉTODO

Participantes

Participaram, neste estudo, através de uma amostra de conveniência, 208 pessoas da população adulta Portuguesa, com idades compreendidas entre os 18 e os 73 anos, sendo que a sua média de idades foi de 39,72 (DP=13,66). Quanto às restantes variáveis sóciodemográficas, há a destacar o seguinte: sexo, masculino (n=109, 52,4%); e estado civil, solteiro (n=100, 48,1%).

Relativamente à natureza da DV, foi prevalente a DV adquirida (n=127, 61,1%).


Material

Quanto aos instrumentos aplicados, utilizou-se: um questionário sociodemográfico; a Escala da Dor Psicológica (Holden, Metha, Cunningham, & McLeod, 2001; versão Portuguesa de investigação de Pereira, Santos & Pereira, 2014); a Escala de Ansiedade e de Depressão Hospitalar (EADH) (Zigmond & Snaith, 1983; versão Portuguesa de Pais-Ribeiro et al., 2007); e o Questionário de Saúde do Paciente (PHQ-9) (Kroenke, Spitzer, & Williams, 2001; versão Portuguesa de Torres, Pereira, Monteiro, & Albuquerque, 2013).

O questionário sociodemográfico teve em vista a recolha de dados sociodemográficos, tais como a idade, o sexo, o estado civil, e a natureza da DV.

A EDP é um instrumento de autorresposta utilizado para avaliar o grau da dor psicológica (Pereira, 2013). Esta escala apresentou na presente investigação uma boa consistência interna, tendo sido obtido um alfa de Cronbach de 0,94, o que vai de encontro com o estudo original (α=0,92) (Holden et al., 2001), como aconteceu com a tradução feita para a população Portuguesa (α=0,95) (Santos, citado por Pereira, 2013).

A EADH possui 14 itens distribuídos por duas subescalas: 7 para a avaliação da ansiedade (EADH-A); e 7 para a avaliação da depressão (EADH-D) (Pais-Ribeiro et al., 2007). Para identificar a consistência interna das duas subescalas (ansiedade e depressão) foi identificado o alfa Cronbach. O resultado para a ansiedade foi de 0,76 e para a depressão foi de 0,81 (Pais-Ribeiro et al., 2007). Ambas as subescalas também apresentaram uma boa consistência interna na presente investigação: EADH-A α=0,84; e EADH-D α=0,78.

O PHQ-9 é uma escala tipo Likert, breve, constituída por um subconjunto de 9 itens da versão completa do PHQ (Torres et al., 2013). A validação Portuguesa deste instrumento revelou boas caraterísticas psicométricas, nomeadamente um alfa de Cronbach de 0,86 (Torres et al., 2013), sendo também o mesmo evidente na presente investigação, α=0,84.


Procedimento

Começou por se enviar uma ligação de internet dos questionários online, para todos os estabelecimentos de ensino superior de Portugal, bem como para centros de reabilitação e associações que atuam em Portugal na área da DV. As escalas foram preenchidas a partir de uma plataforma online do Google. O tratamento estatístico dos dados foi realizado com o Statistical Package for Social Sciences (versão 20.0) para o Windows. Os dados foram sujeitos a análises estatísticas descritivas, correlacionais e inferenciais (ANOVA e teste t para amostras independentes).


RESULTADOS

Pôde-se observar que os participantes apresentaram mais sintomas de ansiedade do que de depressão (Quadro 1).

Quadro 1: Sofrimento emocional dos participantes


Os resultados encontrados mostraram que existe uma relação entre a natureza da DV e a dor psicológica. Contudo, o mesmo não se verificou em relação à depressão e à ansiedade (Quadro 2).
 

Quadro 2: Relação entre a natureza da DV e o sofrimento emocional


Os resultados mostram ainda que não existe nenhum efeito significativo entre os diferentes subgrupos do estado civil (solteiro, casado, união de facto, divorciado e viúvo) e o sofrimento emocional medido através das escalas: EDP F(4,21)=0,22, p=0,92; EADH – ansiedade F(4,21)=1,18, p=0,31; EADH - depressão F(4,21)=0,58, p=0,99; e PHQ-9 F(4,21)=1,18, p=0,32. Porém, verificou-se uma relação significativa entre o estado civil ao nível da interferência dos sintomas de depressão na vida dos indivíduos, medido com recurso ao item do PHQ-9B, χ2(1, N=178)=4,08, p=0,04, pois o subgrupo das pessoas solteiras referiu que os sintomas de depressão interferem mais na vida.


DISCUSSÃO

Verificou-se que os participantes apresentaram mais sintomas de ansiedade do que de depressão, o que vai de encontro ao estudo de Lotery et al. (2007).

No que concerne à natureza da DV, os resultados encontrados mostram que as pessoas com DV adquirida apresentaram mais dor psicológica do que as pessoas com DV congénita, tendo estes resultados ido de encontro ao esperado. Contudo, na literatura consultada, não se encontraram estudos centrados na avaliação da dor psicológica em pessoas com DV, o que se pode dever à emergência do conceito de dor psicológica (Shneidman, 1999, citado por Flamenbaum & Holden, 2007).

No que toca ao estado civil, o presente estudo mostrou que os indivíduos solteiros pontuaram de forma mais significativa no item do PHQ-9B, o que mostrou que estes apresentam uma maior interferência dos sintomas de depressão na vida do que a restante amostra. Tal vai de encontro com o defendido por Leach et al. (2013) que mostraram que as pessoas viúvas e solteiras apresentam mais sintomas de depressão do que as pessoas casadas. É ainda de referir que os resultados obtidos foram de encontro ao esperado.

Como limitações do estudo, apresentam-se as seguintes: a pouca literatura disponível sobre a associação da DV com o sofrimento emocional; o método de aplicação do questionário (on-line); o não se ter distribuído os participantes por tipos de patologias oftalmológicas e por condição de deficiência (cegueira ou baixa visão); o não se ter avaliado o tipo de ocupação da pessoa (empregada, desempregada, reformada); e a inexistência de estudos centrados na DV com os instrumentos utilizados.

Em futuras investigações será pertinente continuar-se a estudar a associação da DV com diversas variáveis, tais como a ansiedade, a dor psicológica, o nível de escolaridade, o estado civil, a ocupação profissional e a QDV, pois os estudos desenvolvidos neste sentido são escassos. Do mesmo modo, propõe-se que se realizem estudos comparativos entre pessoas com DV reabilitadas e pessoas com DV não reabilitadas. Será de igual modo pertinente realizarem-se estudos comparativos entre pessoas com baixa visão e pessoas cegas.

Tendo em conta a literatura consultada, faz-se notar que este estudo se poderá revelar um grande contributo para a investigação, para o contexto clínico e para o contexto social.

Do conhecimento de que dispomos, este estudo é inovador na associação da DV com a dor psicológica, bem como fortalece o estudo centrado na associação da DV com o sofrimento emocional medido através dos sintomas de ansiedade e de depressão. No contexto clínico, este estudo apresenta diversos contributos: urgência de se reforçarem as intervenções centradas na prevenção do sofrimento emocional nas pessoas com DV; necessidade de se disponibilizarem mais programas de reabilitação e mais medidas de apoio psicológico, dirigidas de modo especial às pessoas com DV adquirida, e às pessoas solteiras, sendo assim possível que estas consigam melhorar as suas habilidades e o seu nível de autonomia, pois é nestes 2 grupos que coexiste mais sofrimento emocional; e urgência de os profissionais de saúde, educadores e docentes terem formação especializada. Ao nível social, aprecia-se que é necessário aumentarem-se os apoios do estado na aquisição de materiais de auxílio, na aquisição de equipamentos electrónicos, bem como, é necessário uma maior realização de atividades culturais e de lazer de caráter inclusivo (cinema e teatro com áudio-descrição), com vista à diminuição da interferência da DV na vida das pessoas e, consequentemente, à diminuição do sofrimento emocional.


REFERÊNCIAS

  • Dibajnia, P., Moghadasin, M., Madahi, M. E., & Keikhayfarzaneh, M. M. (2013). Depression among low vision patients. HealthMED, 7, 832-836.

  • Evans, J. R., Fletcher, A. E., & Wormald, R. P. L. (2007). Depression and anxiety invisually impaired older people. Ophthalmology, 114, 283-288. doi: 10.1016/j.ophtha.2006. 10.006

  • Flamenbaum, R., & Holden, R. R. (2007). Psychache as a mediator in the relationship between perfectionism and suicidality. Journal of Counseling Psychology, 54, 51-61. doi: 10.1037/0022-0167.54.1.51

  • Foggitt, P. S. (2001). Anxiety in cataract surgery: Pilot study. Journal of Cataract & Refractive Surgery, 27, 1651-1655. doi: 10.1016/S0886-3350(01)00859-8

  • Hooper, P., Jutai, J. W., Strong, G., & Russell-Minda, E. (2008). Age-related macular degeneration and low-vision rehabilitation: A systematic review. Canadian Journal of Ophthalmology, 43, 180-187. doi: 10.3129/i08-001

  • Leach, L. S., Butterworth, P., Olesen, S. C., & Mackinnon, A. (2013). Relationship quality and levels of depression and anxiety in a large population-based survey. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 48, 417-425. doi: 10.1007/s00127-012-0559

  • Lotery, A., Xu, X., Zlatava, G., & Loftus, J. (2007). Burden of illness, visual impairment and health resource utilisation of patients with neovascular age-related macular degeneration: Results from the UK cohort of a five-country cross-sectional study. British Journal of Ophthalmology, 91, 1303-1307. doi: 10.1136/bjo.2007.116939

  • Silveira, M., & Sequeira, A. (2002). A saúde mental na inserção social da pessoa com cegueira adquirida. Análise Psicológica, 20, 449-470.

  • Torres, A., Pereira, A., Monteiro, S., & Albuquerque, E. (2013). Preliminary psychometric characteristics of the portuguese version of patient health questionnaire 9 (PHQ-9) in a sample of portuguese breast cancer women. European Psychiatry, 28 [Suplemento1], 1. doi: 10.1016/S0924-9338(13)77209-2

  • Walker, J. G., Anstey, K. J., & Lord, S. R. (2006). Psychological distress and visual functioning in relation to vision-related disability in older individuals with cataracts. British Journal of Health Psychology, 11, 303-317. doi: 10.1348/135910705X68681

  • Williams, R. A., Brody, B. L., Thomas, R. G., Kaplan, R. M., & Brown, S. I. (1998). The psychosocial impact of macular degeneration. Archives of Ophthalmology, 116, 514- 520. doi: 10.1348/135910705X6868 World Health Organization. (2014). 10 facts about blindness and visual impairment. Disponível em http://www.who.int/features/factfiles/blindness/en/#

  • Zigmond, A. S., & Snaith, R. P. (1983). The hospital anxiety and depression scale. Acta Psychiatrica Scandinavica, 67, 361-370. doi: 10.1111/j.1600-0447.1983.tb09716.x



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in Actas do 11º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde
Organizado por Isabel Leal, Cristina Godinho, Sibila Marques, Paulo Vitória e José Luís Pais Ribeiro
Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde
Lisboa, 2016

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8.Out.2018
Maria José Alegre