
Quando desejamos
assegurar que algo é efetivamente verdadeiro, dizemos ser
"evidente” e sem "sombra" de dúvidas, reafirmando a certeza
de que o conhecimento verdadeiro equivale à visão perfeita.
Em nossa mente identificamos o não-ver com a incompreensão,
incompetência, ou incapacidade de compreender e conhecer com
perspicácia e profundidade as verdades do mundo. Talvez esta
seja uma explicação para as dúvidas a respeito do
desenvolvimento intelectual dos cegos e para grande
quantidade de estudos e pesquisas sobre suas funções
cognitivas. E também o olhar considerado a via por
excelência para a compreensão e expressão dos desejos mais
profundos do ser humano, sendo possível por seu intermédio
conhecer os desejos e as características das pessoas
(JAKUBOVICZ, 1997).
A visão como uma extensão do tato, transforma a proximidade
em distância, proporciona um espaço facilitador para as
representações mentais, que pode nos remeter à idéia de
maior racionalização. Sua ausência, por outro lado, nos fala
de um incremento ao contato primitivo, inocente, e talvez,
por essa razão, de um maior contato com as forças
instintivas e com o inconsciente.
O desejo e a ânsia de se comunicar existe também na criança.
A alegria de falar e o instinto de imitação ajudam a
aprendizagem da língua. A criança cega vive pelo ouvido, sua
imitação se restringe ao uso da fala.
No início do desenvolvimento lingüístico, a criança recebe
os sons que ela mesmo exprime. A linguagem é uma troca;
receber impulsos e enviar mensagens. Será através dessa ação
que a criança irá confirmar o mundo exterior; o mundo dos
objetos, das relações afetivas e sociais. (JAKUBOVICZ,
1997).
No princípio, o pranto e o choro são os principais meios de
comunicação pelos quais o bebê expressa suas necessidades,
bem como o sorriso, apresentando respostas de bem-estar.
Existem diferenças individuais entre as crianças quando
apresentam mal-estar: alguns produzem um pranto contínuo,
são difíceis de acalmar, trazendo às mães, sérias dúvidas
sobre sua competência como tal. Isto pode interferir nas
suas interações e dificultar a comunicação entre os dois
(mãe e filho).
Zeskind e Lester (1989, apud LEONHARDT, 1992) realizaram
registros de bebês de alto e de baixo risco, solicitando a
interpretação de adultos, segundo diversas dimensões. Estas
pessoa não conheciam nem haviam sido informadas a respeito
dos bebês. A comparação das avaliações efetuadas por cada
participante revelou que os adultos percebiam os gritos dos
lactentes de alto risco como mais “urgentes”, mais
doloridos, e mais penetrantes.
Pesquisadores realizaram um estudo sobre os efeitos de um
vídeo com lactantes. Havia dois grupos de lactentes
videntes: nascidos a termo e prematuros. Imagens e sons
foram apresentados de bebês chorando de diversas formas e
julgado por pais. Os gritos dos bebês prematuros causaram
reações vegetativas mais intensas e afetos mais negativos
nos bebês prematuros. Estas respostas alcançaram o nível
máximo quando as imagens e os gritos dos bebês prematuros
combinavam-se em um único registro.
Estas pesquisas ajudam a compreender as dificuldades que as
mães possuem em entender não só os sinais que eles produzem,
como também o “pranto” contínuo que apresentam, no princípio
e, em especial, os prematuros. A comunicação que se
estabelece pode tomar-se precária ou muito distorcida,
proporcionando às mães uma regularidade e prontidão de
respostas frente às necessidades de seus filhos (LEONHARDT,
1992). Em princípio, esta comunicação pode ser corporal e
não serve de signos semânticos e nem, portanto, de palavras,
pois com o tempo, se transformará cada vez mais em
comunicação verbal.
Comunicação na Criança cega: aquisição e desenvolvimento
da linguagem
Não podendo ver os órgãos da fala, convém sempre falar com
clareza e corretamente imitará com uma pessoa cega. A
criança cega instintivamente imitará o modo de falar
daquelas pessoas que mais ouve. Ao contrário, existirá o
perigo de um atraso na linguagem, não inerente à criança
cega, mas à falta de estimulação e descuido das pessoas que
com ela convivem.
Ao iniciar-se a época da freqüência escolar não deverá haver
grande diferença entre uma criança vidente e uma cega no uso
da língua ou no seu vocabulário. A criança cega “vê” com a
sua audição e o tato, por isto toma-se atenta ao som da voz,
à entonação que lhe transmite mensagens de amor e de
carinho, bem como a atenção e a curiosidade (apalpar) em
conhecer os objetos que estão ao seu redor. E através da voz
e da fala que atingem a alma da criança e estabelecem a
importância da interação diante da comunicação com ela
(HEIMERS, 1970).
Embora a aquisição da linguagem envolva claramente o
aprendizado por imitação, de acordo com Kandel et al.
(1997), os estudos sobre a localização anatômica da
linguagem e do desenvolvimento da mesma em crianças fornecem
diversas indicações de que grande parte desses processos é
inata.
O autor afirma que em contrapartida é obvio pensar que a
língua tem de ser aprendida. Também é exposto que a
linguagem não é ensinada, muitas vezes, no sentido comum de
ensino. E ao lembrarmos da afirmação de Noam Chomsky,
lingüista inglês, argüiu que os humanos possuem um mecanismo
inato para a aquisição da linguagem, um programa neural que
os prepara para o aprendizado da linguagem. Um infante
aprende uma língua ao testar o que ouve diariamente contra
um sistema de regras geneticamente determinadas, ou uma
gramática universal.
Portanto, Chomsky (1997) afirma a possibilidade de existir
um órgão cerebral específico para a linguagem e que
existiriam mecanismos neurais específicos para a aquisição
da linguagem.. Assim, lingüistas e psicólogos acreditam
atualmente que determinados aspectos universais da aquisição
da linguagem sejam determinados pela estrutura inata do
cérebro humano. O cérebro humano está preparado para
aprender e usar a fala. A língua específica que é falada,
bem como o dialeto e o sotaque, é determinada pelo ambiente
social.
O autor afirma que a linguagem tem papel crucial em todos os
aspectos da vida, do pensamento e da interação humana e que
pode razoavelmente ser considerada como “órgão lingüístico”.
A língua determina um conjunto de expressões infinito, cada
um com seu som e sua significação, por este motivo, a língua
“gera” as expressões da sua língua, denominado então o
gerativismo (CHOMSKY, 1997).
Além disso, algumas crianças passam por essas etapas com
maior rapidez que outras, mas a idade média para cada etapa
é a mesma em todas as culturas. Ainda mais, Kandel et. al.
(1997) afirmam que existe um período crítico para o
desenvolvimento da linguagem, seja ela verbal ou gestual, da
mesma forma como ocorre para a percepção. Esse período
perdura da idade de dois anos até a puberdade.
Em relação ao tipo de comunicação que sofre modificações, ou
seja, (PIAGET, 1999) questiona, se é com o adulto ou com
seus semelhantes que a criança começa a socializar seu
pensamento, no sentido da troca ou da cooperação, tampouco
procura comunicar algo de preciso à sua mãe. Não se pergunta
se ela escutou ou não. Fala para si mesma, como o adulto
quando fala interiormente. O adulto, neste caso, tem,
contudo, a impressão de estar só ou discutir, como na
realidade, com interlocutores fictícios, enquanto a criança
não sente nesses enunciados nenhuma dessas impressões.
Então, o pensamento da criança distingue o eu e o outro e,
assim socializa-se.
Na teoria sócio-construtivista do desenvolvimento e
especificamente cognitivo proposta por VYGOTSKY (1998/1934
apud ENUNO S. et. al., 2005) e especificamente nos seus
conceitos de “aprendizagem mediada” e “zona de
desenvolvimento proximal”, assim resumida pelas autoras:
existem dois níveis de desenvolvimento, o real, representado
pelo que somos capazes de fazer sozinhos, sem ajuda; e o
nível “potencial”, demonstrado após o fornecimento de um
suporte instrucional temporário, por parte de uma pessoa
melhor informada ou habilitada.
Para Vygotsky (1998) a linguagem exerce duas funções
básicas: comunicação e pensamento generalizante, o que a
coloca como centralmente envolvida em uma das principais
funções mentais superiores: a formação de conceitos. Sendo
assim, centrada na busca de superação do “defeito”, como uma
perspectiva de compreensão do fenômeno que se volta,
principalmente para o futuro, além de analisar sua relação
com o passado.
Segundo Martin & Salvador (2003) a falta de visão não impede
a comunicação normal, pois a habilidade de produzir sons é
inata, mas tampouco a propicia. Como já foi explicado que o
processo de aprendizagem também se envolve pela imitação,
reportamos a diferença na criança cega para essa capacidade.
A cegueira tem forte impacto sobre o estabelecimento do
vínculo mãe-filho e a forma através da qual mãe e filho se
comunicam especialmente se a mãe não souber como se
relacionar com seu bebê, e como interpretar seus sinais,
como já citado anteriormente.
A mãe, além de manifestar afeto e proporcionar cuidados à
criança cega, fala com ela, constituindo, portanto, a sua
voz como uma forma de presença (MARTIN & SALVADOR, 2003).
Para um observador não experiente no trabalho com crianças
cegas, uma das primeiras dificuldades que encontra em suas
primeiras observações é a confusão e inibição que sofre em
seu próprio código de sinais comunicativas sociais.
Fraiberg (1965) nos fala da impressão que produzem os olhos
do cego ao não conectar com outros, ao não visualizar outro
rosto, ou seja, sem contato visual. Esta impressão é vivida
a princípio como uma negação da presença do outro e,
portanto, como uma rejeição por parte da mãe do bebê.
Como mencionado no desenvolvimento afetivo a respeito da
interação diádica que se estabelece entre a mãe e o filho
por meio do olhar e que dá lugar a uma espécie de “dança de
valsa”, ocorre um jogo social muito intenso entre os seres
humanos de idade distinta. A mãe da criança cega em suas
primeiras interações também busca este olhar fisicamente e
continuamente. Uma mãe dizia: “Meu filho sempre está com os
olhos fechados, eu não consigo adivinhar quando está
acordado ou dormindo” (LEONHARDT,1992, p.82).
Magalhães (2000) diz que o papel importante na comunicação e
interação social para evitar os efeitos na carência de
visão, é estabelecer o elo interativo como esta “dança”
citada anteriormente, na qual há o entrosamento dos
comportamentos de ligação afetiva. Isto leva tempo e muitos
ensaios. No início, os pais iniciantes não sabem interpretar
as pistas fornecidas pelo bebê vidente e a interação não
terá as características ótimas de sintonia e sincronicidade,
mas, brincam e falam com ele, o processo se aperfeiçoa.
Quanto mais fácil e previsível se tornar o encaixe dos
comportamentos, maior satisfação os pais parecem sentir e
mais forte se toma a ligação afetiva com o filho. No caso do
bebê cego, evidentemente, esta situação está dificultada,
pois ele carece da visão para perceber as reações maternas e
produzir comportamentos contingentes às mesmas. Por esta
razão podemos encontrar a falta de estímulo e resultados
traumáticos para o desenvolvimento do bebê cego, resultando
no atraso em muitos aspectos com um futuro comprometedor.
Fala e linguagem são incalculavelmente importantes no
desenvolvimento da criança cega. A linguagem amplia seu
desenvolvimento, em primeiro lugar, porque envolve relações
pessoais, e segundo, porque fornece um meio de controle
remoto sobre objetos fora de alcance. Não obstante, é muito
fácil aceitarem os óbvios valores sociais e objetivos da
linguagem, como os dotados de visão os experimentam, sem
avaliar, criticamente, o lugar que ocupam na vida da criança
cega.
Nome de objetos circulam entre a criança cega e seus
companheiros, dotados de visão, como se tivessem o mesmo
significado, para ambos. Mas o nome do objeto observado,
apesar de ser a mesma palavra, pode ter uma significação
diferente do nome do objeto sentido ou ouvido.
Possivelmente, dentro de um alcance muito maior do que para
o dotado de visão, as palavras tornam-se uma fonte de
auto-estímulo, fazendo a criança novamente se voltar para
ela mesma, tomando-a, como as suas experiências táteis a
fazer, quase exclusivamente, seu próprio meio - ambiente.
Portanto, a aquisição da fala serve, tanto para objetivar e
socializar a vida da criança cega, como ao mesmo tempo, para
isolá-la ainda mais do mundo da visão no qual ela vive. Este
é o começo do que o autor chama de irrealidade verbal
(CUTSFORTH, 1969).
Comunicação verbal na criança cega
O começo de balbuciar, segundo a maioria dos estudos,
verifica-se na mesma época que as crianças dotadas de visão,
Isto é entre os seis e os sete meses de idade. (MARQUES &
OLIVEIRA, 2005), assinalou, baseando-se na observação de um
grupo de lactentes, que o balbuciar persistiu por um prazo
mais longo que nos lactentes providos de visão. Isto sucedeu
juntamente com o retardo notado na aquisição das primeiras
palavras.
Contudo, os autores não especificam o tamanho do seu grupo
de lactentes e, ademais, os dados concernentes à aquisição
das primeiras palavras que estão de tal modo misturados que
não parece justo afirmar-se que o período de balbuciar
encontra-se geralmente prolongado (LOOTS et al. 2003).
Há uma descontinuidade entre o período do balbucio e o
período do desenvolvimento do som da fala, com seu valor
fonêmico associado. Neste último, faltam à fala da criança
sons que foram produzidos no primeiro e, além disso,
Jakobson discerniu uma ordem sistemática no aparecimento dos
contrastes fonêmicos durante o último período enquanto que
todas as ordens de aquisição foram registradas no período
balbucio (ELLIOT, 1982).
Outros autores relatam que talvez exista entre os dois
períodos um vínculo mais estreito do que o implicado por
Jakobson, pois, embora a ordem de surgimento dos sons
durante o balbucio varie, existem mudanças na freqüência com
que são produzidas consoantes dotadas de certas
características.
Quanto à percepção do som, não se dispõe de muitos estudos
sobre esse assunto, mas para Mills (2002), pode-se esperar
que a discriminação auditiva seria mais refinada e sutil nas
crianças cegas, pelo menos naquelas de mais idade, porquanto
elas, e proporção muito maior que as crianças providas de
visão, têm que depender e confiar nas pistas propiciadas
pela audição. Para Elliot (1982) indagar se as crianças
pré-verbais são capazes de perceber distinções fonéticas na
fala adulta é uma pergunta que precisa ser esclarecida,
antes que seja possível respondê-la e antes que se possa
fazer uma comparação com dados posteriores da percepção da
fala. A percepção geralmente se bifurca em dois processos
extremos: de discriminação, em que meramente se detecta
alguma distinção, e de compreensão, em que a distinção é
confrontada com um maior corpo de conhecimentos armazenados
e é interpretada de acordo com ele.
Os únicos dados disponíveis sobre a produção dos sons da
fala em crianças cegas de pouca idade provêm de um estudo de
três lactentes cegos que estavam aprendendo a língua alemã
(MILLS, 2002). Estas três crianças foram comparadas com três
outras equivalentes, dotadas de visão, na faixa etária de um
ano e zero meses a dois anos e um mês. Após a análise, a
pesquisa revelou que, na produção dos sons-alvo (para esse
estudo: bilabiais e labiodentais /b/, /m/, /f/ e movimentos
de articulações escassamente visíveis, lingnoalveolares,
lingnopalatais, lingnochares e glotais, /t/, /j7, /k/, /x/,
/h/), providos de articulação visível, as crianças com
deficiência visual cometiam mais erros do que as crianças
videntes: 41% comparativamente a 21%.
Todavia a diferença entre os dois grupos no que tange à
produção de sons-alvo com articulação não visível, não foi
significativa, fato que demonstra não evidenciarem que, as
crianças cegas, um retardamento generalizado na aquisição
sonora (MILLS, 2002 p. 210).
Em relação ao desenvolvimento morfológico, alguns estudos
examinaram o aspecto da sobre-regularização de morfemas em
cegos (MAGALHÃES, 2000). Este fenômeno faz parte da
linguagem em crianças videntes e manifesta-se nitidamente na
conjugação “regular” de verbos irregulares, como, por
exemplo, quando a criança conjuga o verbo “caber” na 3a
pessoa do singular dizendo “cabeu” em vez de “coube”.
A criança respeita as regras de conjugação do respectivo
grupo de verbos, e portanto, o seu erro tem lógica. A
ausência deste fenômeno em crianças cegas levou estes
autores a considerarem que elas não analisam a linguagem.
A aquisição dos pronomes pessoais em crianças cegas foi
descrita como atrasada em relação às videntes. Crianças
videntes aos dois anos não produzem erros neste aspecto e,
aos três anos, dominam completamente o sistema de pronomes.
Porém, as crianças cegas geralmente não usam os pronomes de
modo criativo antes da metade do terceiro ano, sendo que
antes apresentam um uso sincrético através de formas para
expressar desejos (“Eu quero...”) e erros de inversão, tais
como dizer “este é o teu cavalinho” em vez de “este é o meu
cavalinho” (MAGALHÃES, 2000).
Fraiberg e Adelson (1965) encontraram também um atraso
significativo das crianças cegas no uso estável da primeira
pessoa do pronome pessoal (eu) e outras formas de
auto-referência (me, mim, meu). Nos estudos as crianças
cegas adquiriram estas formas quase dois anos depois das
crianças videntes.
Os pesquisadores interpretaram que isto decorre de uma
dificuldade na construção do eu, pois a imagem corporal
ajudaria neste processo. Por outro lado, pode-se argumentar
que devem ser analisadas as circunstâncias de imitação de
adultos, quando estes, aproveitando o exemplo anterior,
aproximam-se da criança e comentam “este é o teu cavalinho”.
Além disso, não são todas as crianças cegas que produzem
erros de inversão (PÉREZ-PERE1RA, 1997 apud MAGALHÃES,
2000).
Em relação ao desenvolvimento sintático, a complexidade
morfossintática mensurada pela extensão média dos enunciados
é um pouco maior entre os cegos comparado aos videntes.
Algumas pesquisas relatam que a utilização mais freqüente de
rotinas e repetições no dia a dia, para o cego, pode ser
interpretado como indicativo de que a linguagem, para ele, é
como a de um papagaio que não analisa o que diz.
Entretanto, Pérez & Deixis (1999) considerou que estas
formas podem ter uma função mais específica no
desenvolvimento da linguagem na criança cega e que não
representaria uma forma inferior de expressão lingüística.
Este autor considerou que as rotinas são usadas por crianças
cegas com uma função de orientação na realidade, por serem
frases pertinentes a contextos determinados, servem para
identificar e diferenciar situações, fomentam a interação
social e desenvolvem a linguagem.
Uma criança cega pode aprender rapidamente, nomear os sons e
indicar suas fontes em termos convencionais, sem
necessariamente entendê-los. Pode reconhecer um toque
freqüente e nomeá-lo de “telefone”, assim como fazem os
outros membros da família.
Mas, até tomar-se fisicamente amadurecida o suficiente para
localizar o telefone na parede ou na mesinha, e examiná-lo
com suas mãos, a palavra “telefone” significa para ela,
relativamente a distancia e função, o mesmo que a palavra
“lua” para uma criança dotada de visão que aprende a
aplicá-la a um certo ponto brilhante, que freqüentemente vê.
A criança cega pode aprender a denominar e imitar o apitar
da sirene de incêndio e o cocoricar do galo, e poderá fazer
ambos os sons corretamente, quando lhe pedirem, mas se lhe
derem a oportunidade de tocar poderá não ter idéia de qual
seja o galo e qual seja o carro de bombeiro. Portanto, no
inicio da vida começa o problema que é conhecido como
irrealidade verbal.
Os pais, freqüentemente, sentem que, para a criança sem
visão, o único caminho aberto à estimulação é o da audição.
Serão tentados a falar, quase incessantemente com a criança
acordada, para impedi-la de sentir-se só.
A maior parte desta estimulação, como no caso do tato, será
muito complicada, mas servirá para organizar as primeiras
respostas sociais da criança e encorajará o uso da
vocalização para auto- estimulação. Em um estágio mais
avançado de desenvolvimento, a criança reproduzirá para si
mesma, esta conversação constante, na forma de rimas sem
significado e frases sem sentido.
Depende, portanto, do estímulo a ser dado para criança
porque a aquisição da fala serve, tanto para objetivar e
socializar a vida da criança cega como, ao mesmo tempo, para
isolá-la ainda mais do mundo da visão em que ela se insere
(CUTSFORTH, 1969).
Em relação ao desenvolvimento da linguagem na criança cega,
o desenvolvimento normal faz-se quando há o bom
funcionamento e a interação de um grande número de
estruturas anatômicas e fisiológicas, além de condições
favoráveis, tanto cognitivas como sociais.
A linguagem organiza-se em parte pelo equipamento geral do
indivíduo (mecanismo fisiopsicobiológico), mas ela é
reanimada, ou melhor, realimentada, pelas pulsões reacionais
internas. Parece, pois, evidente que se for interrompida, a
criança poderá reagir procurando satisfações fora da
linguagem oral, que poderá ser através da ação, da
manipulação ou do mutismo total (JAKUBOVICZ, 1997).
As pesquisas sobre a linguagem das crianças cegas só em
ocasiões relativamente raras têm focalizado as questões
teóricas concernentes à aquisição e desenvolvimento da
linguagem. Para Mills (2002), num contexto teórico empírico,
as crianças cegas têm forçosamente que aprender a linguagem
de maneira diferente da que o fazem as crianças dotadas de
visão, uma vez que é bem outra experiência do mundo.
Para outros autores como Enuno e Cunha (2003), atualmente
ainda tem idéia sobre o desenvolvimento da criança com
deficiência que segue uma seqüência diferente de
desenvolvimento, ou seja, os comportamentos são aprendidos
em uma ordem própria, diferentemente da literatura antiga
que insistia em afirmar que a criança com deficiência seguia
a mesma seqüência de desenvolvimento, porém mais lento, do
que uma criança “normal”.
Diversos estudos referentes ao período de desenvolvimento
pré-verbal, por exemplo, nas crianças cegas também
reforçaram, em geral, o achado constatado nas crianças
providas de visão de que a interação bem-sucedida representa
fator importante para determinar o início da linguagem
(M1LLS, 2002).
O desenvolvimento do aspecto léxico da linguagem tem sido
abordado a partir de duas perspectivas distintas sobre como
se dá a construção do significado das palavras. A primeira,
com base em teorias da cognição, considera que as palavras
projetam os conceitos que as crianças formaram, em seus
intentos de compreensão da realidade. Portanto estabelecem
uma seqüência na qual os processos de formação de conceitos
devem preceder a projeção dos membros na linguagem.
Considerando que a informação visual tem papel central em
nosso conhecimento da realidade, as teorias de aquisição da
linguagem que dão prioridade ao desenvolvimento cognitivo
atribuem também um papel capital à informação visual no
desenvolvimento da linguagem.
A segunda abordagem considera que o significado das palavras
pode ser deduzido a partir da informação que oferece a
posição da palavra na oração, como por exemplo, os adjetivos
após os substantivos (MAGALHÃES, 2000).
Dentro da perspectiva cognitivista, disseram que as crianças
cegas “contextualizam as palavras”, isto é, associam
determinadas palavras e determinados contextos e desta forma
aprisionam seu uso a determinadas situações, não permitindo
o processo de generalização intrínseco à formação dos
conceitos (MAGALHÃES, 2000).
Por outro lado, Barret (1989 apud MAGALHÃES, 2000) observou
que as crianças videntes, em seu repertório de 10 a 15
primeiras palavras, usam estas em contexto muito definidos,
pois estão relacionadas a contextos definidos de interação
entre pais e filhos e representam eventos ou aspectos das
situações freqüentemente vivenciadas na vida familiar.
Porém, nas crianças cegas, isto se prolonga pelo menos até
quando atingem 50 palavras de repertório léxico. O autor
ainda relata que no caso das crianças cegas é absolutamente
lógico encontrar problemas nesta área, pois a falta do canal
visual diminui a possibilidade de formar categorias mediante
a generalização. Basta imaginar as dificuldades que hão de
ter uma criança cega para, com os dados auditivos e táteis,
formar categorias do tipo “veículos” ou “animais”.
O fato de ter que recolher a informação mediante o tato
resulta que a criança cega, nas primeiras fases de aquisição
da linguagem, nomeie preferentemente os objetos com os quais
tenha experiência direta, como são os móveis e utensílios
domésticos. Ocorrendo o contrário com os nomes de animais os
quais é mais difícil discriminar sem o canal visual.
O fenômeno da sobreextensão, tão característico, e
expressivo nas crianças videntes, não é claramente
evidenciado nas crianças cegas. Quando uma criança vidente
chama uma vaca de “au, au” está provavelmente generalizando
o fato de ambos terem quatro patas. Não obstante, (OCHAÍTA,
1993; apud MAGALHÃES, 2000) argumentou que a “sobreextensão”
de crianças cegas teria de ser efetuada a partir de dados
táteis, gustativos ou sonoros, tomando difícil o
reconhecimento deste fenômeno.
Em relação às “palavras de ação”, durante o período em que
emitem uma única palavra, a criança cega refere-se somente
às suas próprias ações e nunca às ações de outras pessoas.
Sendo assim, pesquisadores consideram a fala da criança cega
como egocêntrica ou não descentrada até o período em que
emitem um repertório de 100 palavras. Estes pesquisadores
apelam para uma explicação em termos das dificuldades
cognitivas decorrentes da ausência de visão como sendo a
causa do atraso no desenvolvimento da linguagem nas crianças
cegas (MAGALHÃES, 2000).
Pode não ser tão evidente quanto imagina que a cegueira seja
capaz de afetar o desenvolvimento da linguagem. Mills
(2002), traz algumas questões interessantes a esse respeito:
será que as crianças cegas enfrentam uma tarefa mais árdua e
difícil de aprender o sistema sonoro, porquanto são
incapazes de ver os lábios que articulam o som? Que sistemas
de comunicação não-verbais são utilizados pelas crianças
cegas e como afetam eles seus padrões precoces de interação?
Será que os adultos ao falarem para as crianças cegas o
fazem de maneira diferente? E quais os efeitos exercidos por
estas diferenças? Questões pertinentes e imbricados ao
raciocínio para esta pesquisa.
VÍNCULO MÃE-BEBÊ
Muitos estudos vieram confirmar que a potência deste
vínculo afetivo estabelecido é tão forte que é a partir dele
que a criança passa a estabelecer suas futuras relações e se
toma apta a adquirir a noção de si mesma e de suas
potencialidades.
Para Spitz (2004), a partir do início da vida, é a mãe, o
parceiro humano do filho, que serve de mediador a toda
percepção, toda ação, todo insight, todo conhecimento. A
prova que o autor apresenta é basicamente pela visão, quando
os olhos do bebê seguem cada movimento da mãe e é quase
desnecessário acrescentar que é a voz materna que oferece ao
bebê, estímulos vitais, que são os pré-requisitos para o
desenvolvimento da fala. Nesse sentido questionamos a
temática da cegueira, como ocorre esse vínculo?
Basicamente, a primeira comunicação da criança com a mãe é
feita por gestos, por olhares, por toques suaves e pela
sensação de odor e calor. Como a criança saiu de um meio
liquido e frio, esse fator de aconchego e de sensações terá
de ter forçosamente um valor altamente favorável e positivo
para ela.
A segunda comunicação entre a mãe e o filho acontece durante
a alimentação do bebê. É o gesto de aconchegar o filho no
colo, dar o seio e satisfazer uma exigência muito primária;
saciar a fome, de acordo com Jacuboviscz (1997). Respeitamos
essa avaliação considerando também para a criança cega,
mesmo que a autora fale em seus estudos sobre o
comportamento da criança vidente.
De acordo com Leonhardt (1992), para a criança cega, seus
olhares vazios e sem objetivos não encontram respostas e
causam freqüentemente um efeito contrário, evitando a troca
de olhares e a inibição nessa interação mãe-bebê. Por esta
razão, deverá aprender, a mãe e a criança, a utilizar outra
série de condutas sociais e substituindo o fitar mútuo,
realizando com grande intensidade o principio da vida do
filho.
Observar, manter o olhar, é compromisso da mãe em fazer um
esforço e tentar entender como é o seu filho, que tipo de
sensações ou sinais comunicativos ele apresenta, como ocorre
e quais necessidades apresentam em suas mensagens e
respostas.
Assim, em geral, os bebês realmente se encontram em
condições bastante favoráveis quando estão num estado de
dependência absoluta; há, entretanto, bebês com os quais
isto não acontece. Bebês que não recebem este tipo de
cuidados suficientemente bons não conseguem se realizar, nem
mesmo como bebês. A mãe brinca novamente em “ser bebê’, mas
o seu filho, claro, nunca foi mãe, e nem mesmo foi,
anteriormente um bebê.
Para ele, tudo é uma primeira experiência. Portanto, a
capacidade que a mãe possui de ir ao encontro das
necessidades em constante processo de mutação e
desenvolvimento deste bebê permite que a sua trajetória de
vida seja relativamente contínua; permite-lhe, também,
vivenciar situações fragmentárias ou harmoniosas, a partir
da confiança que deposita no fato concreto de o segurarem,
juntamente com fases reiteradas da integração que faz parte
da tendência hereditária de crescimento (WINNICOTT, 1988).
As primeiras relações de uma mãe para com o seu filho, para
Leonhard (1992), em geral, cerca-se de ternura e afeto
tornando uma forma de comunicação que irá corresponder de um
aspecto global. Para o bebê, essa relação é básica, pois
trata-se de seu primeiro vínculo e que sempre afetará de
alguma maneira a formação de relações posteriores.
É de extrema importância que a linguagem possa desenvolver
dentro de um marco de intersubjetividade e que a criança
cega descubra o valor da comunicação.
ϟ
Análise da aquisição e desenvolvimento de linguagem durante a interação
mãe-criança com cegueira congênita
-Capítulo 5-
Wanessa Moura da Silva
2009
|