
.jpg)
IMAGEM: Treino de mãos e braços para rapazes cegos - Imperial Royal Institute for the
Education of the Blind, Vienna (1878-1898)
Autores como (AMIRALIAN, 2013; SOLER, 1999; CAIADO,
2006; DIAS, 2013) são unânimes em afirmar que os atrasos de cognição
em pessoas com deficiência, especialmente as sensoriais (visão e
audição), não ocorrem em virtude da deficiência de determinado
sentido, mas, antes, à falta dos chamados inputs, estímulos que recebem
advindos de experiências que vivenciam. Desse modo, o grau de
dificuldade não é evidenciado pela deficiência que eventualmente
possua, mas pela falta de oportunidades de vivenciar experiências que
permitiriam uma apropriação maior e mais bem elaborada de seu
conhecimento e do contexto que o cerca.
Uma das grandes barreiras para o indivíduo cego é a
compreensão de seu entorno, do espaço que o rodeia (PEREIRA et al,
2013), daí a importância de um conteúdo curricular que incentive a
criança ou o jovem com deficiência ao entendimento do que o cerca.
Nesta esteira, surgem outros problemas mapeados especialmente no
âmbito escolar. Ventorini (2009) identificou, inclusive, que a falta de
flexibilidade dos professores em relação ao aluno cego na sala de aula é
fonte, para este, de grande sofrimento.
Para entender o que a cerca, a pessoa com deficiência visual deve
buscar entender os processos de representação, o que exige uma
facilidade em abstrações (ABBAGNANO, 2007). Porém, novo
problema é colocado no caso à pessoa com deficiência congênita: como
não possui memória visual, essa construção se torna mais difícil e é
realizada com a aplicação dos sentidos remanescentes. Daí a
importância maior no sentido de buscar entender o espaço que a cerca, a
partir de uma base de habilidades espaciais obtidas com a observação
paulatina de atividades escolares e do próprio cotidiano (FEÉ, 2013).
Embora não haja consenso entre os pesquisadores, Caiado (2006)
já observou e argumenta que a chamada "compensação" de um sentido
por outro não existe como tal, isto é, a falta de um sentido não torna
outro melhor automaticamente. Isso ocorre mais na esfera da
experimentação e do uso e não como decorrência natural de um
acontecimento. Para Caiado (2006), os deslocamentos e vivências é que
proporcionarão aprendizagem, ocorrendo em um nível social e não
orgânico. São tais deslocamentos e aberturas nos diferentes espaços que
proporcionarão à pessoa cega maior interação com a sociedade
(BOURDIEU, 1990).
A explicação para o facto de os sentidos remanescentes serem
mais desenvolvidos do que o "faltante" reside na ocorrência de que
outros sentidos acabam sendo mais utilizados (SÁ, CAMPOS E SILVA,
2007). Por tais motivos, Ventorini (2009) lembra que questões simples
no campo da Pedagogia, como o esforço do professor em buscar o que o
aluno necessita em material didático e equipamentos e estímulos verbais
que ponderem sobres seus acertos são fundamentais na forma de
aprendizagem do aluno cego.
Assim sendo, torna-se obrigação do poder público oferecer
oportunidades de educação e trabalho às pessoas com deficiência. De
acordo com Pastore (2000, p. 43), esse atendimento realizado pelo
Estado deve ser amplo:
[...] criar programas de prevenção e atendimento
especializado para os portadores de deficiência
física, sensorial ou mental, como a integração
social do adolescente portador de deficiência,
mediante ao treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens de
serviços coletivos, com a eliminação de
preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
No que tange o processo de inclusão social, entende-se que a
sociedade como um todo deve adaptar-se para incluir as pessoas até
então marginalizadas historicamente. Conforme Oliveira, Araújo e
Romagnoli (2006, p.81), "(...) a modernidade, com a sua busca de um
código mestre, produz excluídos, enquanto a pós-modernidade, na
aceitação da diferença, busca a inclusão". Entretanto, a falta de
perspectivas de trabalho disseminada na sociedade produz um
contingente de marginalizados, que não encontra perspectivas para se
preparar e atuar no mercado de trabalho.
Isso gera uma ambiguidade: de um lado, o processo de
humanização impulsiona o indivíduo para o convívio social, porém, de
outro, as limitações biológicas de mobilidade e de recepção visual
dificultam os processos sociais. Também é preciso ater-se ao fato de que
embora o estigma possa ter mudado em virtude de um novo discurso na
sociedade e seu tempo de transformações, as dificuldades de convívio
em sociedade persistem.
Para muitas famílias ter um filho com deficiência ainda é um
"estorvo", um "castigo". De acordo com Ventorini (2009), os principais
fatores que dificultam a integração de um aluno com deficiência visual
na escola são a não aceitação, o não reconhecimento e a não
flexibilidade do professor à limitação visual do aluno. Outro valor
cultuado pela sociedade é o sucesso: para chegar-se ao estereótipo social
almejado, é necessário ser perfeito, completo, forte, ter tudo em ordem.
Assim, por suposto, quem não tem alguma parte do seu corpo,
não pode chegar ao sucesso e, por conseguinte, não obter ordem, nem
progresso, o que o leva a outro estigma: o de ser dependente, com
necessidade de tutela (FERNANDES, 2013). Pessoas com cegueira – e
deficiências de modo geral – costumam ser rotuladas como usuárias de
serviços assistenciais, pois com frequência carregam o estereótipo do
desamparo. Isso as impede de desenvolver e exercitar a pleno as
aptidões e competências que lhes habilita a tornarem-se seres
independentes em uma cultura que privilegia a normalidade
(BIANCHETTI, 1998).
1. Aprendizagem e desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo da criança cega vem sendo
observado há décadas por muitos pesquisadores (VEIGA, 1983;
VENTORINI, 2007). Veiga (1983), ele próprio cego, descreve que o
bebê que não enxerga fica imóvel no berço já nos cinco primeiros meses
de vida. É diferente do bebê que consegue ver, pois este logo recebe
inúmeros estímulos visuais. O bebê cego identifica vozes, sabe quem o
cuida e reage a esse som, enquanto fica quieto em relação a vozes de
estranhos. Também para o bebê cego, seu desenvolvimento cognitivo
dependerá dos estímulos que vier a ter.
Haverá outras diferenças entre crianças cegas e não cegas em se
tratando da cognição. Segundo Ochaíta e Espinosa (2004), as crianças
que veem apontam os objetos que desejam, enquanto as cegas pedem a
interferência de um adulto. Estas, afirmam as pesquisadoras, também
apreciam jogos simbólicos por poderem atribuir novos sentidos a
objetos do cotidiano (OCHAÍTA E ESPINOSA). De acordo com
Almeida (2003), o domínio da postura corporal é, igualmente, de
fundamental importância já no primeiro ano de vida, uma vez que por
meio dela se depreendem as informações do entorno.
De acordo com Moraes (2005), a exploração do espaço para a
compreensão de conceitos, mesmo de conceitos que envolvam
expressões corporais e faciais, ocorre por meio da imitação. A descrição
verbal é muitas vezes insuficiente para a compreensão da criança. A
criança não cega pode visualizar e imitar; a cega precisa vivenciar. De
modo geral, a pessoa com deficiência visual, que mantém um resquício
de visão, ou mesmo completamente cega, tem no processo de busca de
referências espaciais um desafio permanente ao longo da vida.
Além das experiências sociais, um ponto importante é o uso da
linguagem. Estudos de Vygotsky (1896-1934) apontam que as fontes de
apoio à prática do experimento para o cego estão na linguagem (LEME,
2003). As linguagens falada e escrita proporcionam acesso à cultura e ao
contexto. Assim, um gênero muito peculiar de tipologia textual, a
descrição, adquire importância na aprendizagem da pessoa cega.
Mas será preciso ponderar sobre sua utilização, pois, se de um
lado ela pode ser insuficiente para ocasionar sensações (a visualização é
um dos sentidos mais completos para absorção de determinadas
estéticas), de outro, seu excesso conduzirá à confusão e ambiguidade.
Por isso recomenda-se seu uso de modo harmonioso em palavras e
expressões (COIMBRA, 1993). Há na descrição o aspecto subjetivo de
quem a faz. É necessário contemplar elementos descritivos, como
fragmentos portadores de informação que conferem verossimilhança,
um "efeito de real" à descrição.
Blocos descritivos de textos – trechos compactos e contínuos de
descrição – são, igualmente, importantes para a boa apresentação do
conteúdo. Coimbra (1993) refere-se ainda à existência dos chamados
elementos articuladores de imagem: comparação, detalhamento e
metáfora. Segundo Coimbra (1993, p. 94), ao estabelecer a comparação
a partir de um elemento conhecido do leitor, o autor "dá condições a
este de aprender melhor os traços do objeto descrito. O leitor poderá
inserir tais traços em seu universo de conhecimento".
Já o detalhamento, na produção da descrição, oferece a
possibilidade de "efeito real". "Por enraizarem o que é descrito em um
tempo e espaço precisos, os detalhes, chamados de "informantes" por
Barthes, aumentam o grau de credibilidade do texto e se tornam "operadores de verossimilhança" (COIMBRA, 1993, p.95). Assim, a
descrição para o cego torna-se uma peça chave de presença e locomoção
no mundo.
As palavras adquirem significado a partir do momento em que o
cego compreende os contextos objetivos e subjetivos em que elas se
inserem. Porém, como ressalta Amiralian (2003), a falta de visão
impede uma atribuição rica de significados, ou abre a brecha a um
significado diverso do que se pretende informar. É por isso que os
diálogos verbais com cegos devem ser estimulados desde cedo, com os
pais buscando marcar para a criança objetos e pessoas em seu entorno.
Com relação à língua materna, as pesquisas demonstram que o
aprendizado dos pronomes pessoais e possessivos "eu", "você", "meu" e
"seu" apresenta problemas de uma compreensão desenvolvida de forma
muito lenta para o cego. Nesse sentido, Santin e Simmons (1996)
observam que esse aprendizado só acontece a partir do momento em que
o cego compreende que fora dele existe um mundo complexo e pronto
para qualquer interação.
Sob o aspecto do uso da linguagem, seu excesso pode conduzir ao
chamado "verbalismo", recurso utilizado para explicar formas,
representações, distribuição espacial, fenômenos e paisagens, entre
outras questões. Na área da Psicologia, como Warren (apud
VENTORINI, 2007) coloca, muitos pesquisadores referem-se ao
verbalismo com a expressão "parroting", o que permite bem o uso da
metáfora do papagaio (parrot, em inglês).
Ou seja, o cego corre o risco de repetir conteúdos sem entender o
significado do que fala. Ao não compreender, não transforma
informação em conhecimento. A crítica feita é que essas descrições são
realizadas a partir da valorização de uma espécie de 'visuocentrismo'.
Conforme Feé (2013), especialmente em relação ao material didático
ocorre uma valorização das imagens, com livros e demais recursos
pedagógicos carentes de orientações descritivas, o que prejudica a
aprendizagem do aluno cego.
2. A importância da representação espacial
Quando falta a visão, referências auditivas, proprioceptivas
(ligadas à capacidade de reconhecer a localização espacial do próprio
corpo), vestibulares (equilíbrio) e táteis convergem para uma
representação espacial subjacente ao processo de localização e
referenciais espaciais (GERENTE, PASCOAL E PEREIRA, 2013). Em
crianças que enxergam essa consciência constrói-se de modo lento até a
adolescência, quando o indivíduo elabora por completo seu "esquema
corporal" (ALMEIDA, 2003, p.37). Segundo Almeida (2003), isso
ocorre em função do amadurecimento do sistema nervoso, da relação
com os outros e da representação que a pessoa faz de si mesma e do
mundo em relação a ela.
É entre 11 e 12 anos que o ser humano desenvolve o pensamento
formal que permite a 'axiomatização' do espaço (PIAGET E
INHELDER, 1994). Isto é, quando o jovem passa a entender a
existência de proposições tão evidentes que não precisam ser
demonstradas. É durante a "fase operacional formal", no momento da
adolescência, que o jovem consegue lidar com a ideia de espaços
abstratos, com regras formais governando o espaço.
Desse modo, a geometria passa a ser apreciada pelo adolescente,
que se torna capaz de relacionar o mundo de imagens figurativas a
afirmativas proposicionais e raciocinar sobre as implicações de diversos
tipos de transformação (GARDNER, 1994). Ao longo de sua vida, o
indivíduo cego terá que aprender a lidar com os sentidos de percepção
de modo vigoroso, a fim de que os moldes feitos da representação
espacial que o cerca sejam algo a contribuir em sua trajetória.
Os sentidos de fundamental importância para o cego são o tato e a
audição. No caso do tato, é por meio dele que o cego reconstitui
mentalmente determinado objeto a partir de suas impressões. Por este
motivo, as formas dos objetos devem ser com menos detalhes. O
excesso deles pode levar à incompreensão (VENTORINI, 2007).
Assim, os objetos que fazem parte de seu cotidiano deveriam
permitir que ele entendesse e se apropriasse de uma representação. Tais
objetos exigem dimensões pequenas, em diferentes formas e texturas,
simples o bastante para uma rápida compreensão. O nível de
complexidade desses objetos, recomendam as pesquisas (VENTORINI,
2007), deve ser gradual, de acordo com a idade e a experiência que cada
um tiver vivenciado.
Já a audição permite introjetar o mundo exterior. É por meio da
audição que o ser humano aprende a falar. E, por conseguinte,
desenvolver sua cognição. Diferente do surdo, o cego pode comunicarse
por meio de linguagem sonora, o que é determinante para o
aprendizado da língua. Veiga (1983) e Soler (1999) consideram ainda o
olfato e o paladar como sentidos importantes à percepção do cego.
Especialmente no que tange às relações sociais
A rigor, diferente do surdo, o cego pode estabelecer relações
sociais com muito mais facilidade, pois não tem o limitador de não
conseguir comunicar-se por meio da língua com a sociedade
hegemônica que vê. Porém, um grande questionamento ainda diz
respeito às abstrações mentais para quem nunca viu. As cores, por
exemplo, precisam ser descritas.
Leme (2003) realizou estudos com quatro adolescentes do sexo
feminino que tinham cegueira congênita. Seu objetivo foi o de investigar
o significado de palavras abstratas, como arco-íris e transparente. Sua
conclusão foi de que os significados dessas palavras para elas eram os
mesmos de pessoas videntes.
Tato, audição e olfato foram os sentidos que mais pesaram na
pesquisa de Ormelezzi (2000). Nunes (2014) também analisou a
definição de 15 conceitos, entre concretos e abstratos, identificando
formas diferenciadas de sua definição e utilização da percepção junto a
sete crianças entre 8 anos e 13 anos. O pesquisador concluiu que as
diferenças entre cegos e não cegos em relação a capacidades conceituais
estão relacionadas a modos alternativos de processamento cognitivo das
informações sensoriais (NUNES, 2004).
Entra aí em jogo a peculiaridade de cada pessoa, o modo como
processa as informações que recebe e a frequência com que isso
acontece. Pessoas mais estimuladas em linguagens ganham mais
predisposição para o entendimento de significados de representações,
espaços e contextos. De acordo com Ventorini (2009), as formas de
organização do espaço para o indivíduo cego trazem as marcas de sua
vivência.
Assim, ele organiza o espaço expressando rotas ou ambientes que
possuam significativa vivência. Quanto mais constante e intensa for a
sua troca, mais constantemente o cego irá reestruturar suas formas de
representação espacial. Essa organização espacial se dá por meio da
aprendizagem e constituição de rotas e da chamada organização da
configuração a seu redor. (HUERTA, OCHAÍTA, ESPINOZA, 2013).
A constituição de rotas estabelece um caminho com pontos de
chegada e partida. São informações espaciais sequenciais, em que o
cego busca designar os objetos existentes entre esses pontos. A
representação por meio da organização da configuração faz com que ele
se volte à observação dos objetos em seu entorno e suas relações.
Crianças e adolescentes representam ambientes maiores e com menos
vivência por organização de rotas e, por organização da configuração, os
ambientes pequenos e conhecidos.
Por isso a confecção de maquetes é considerada uma atividade
extremamente atraente para a aprendizagem do aluno cego. As maquetes
permitem ao cego observar a distribuição espacial e a proporção entre os
objetos, fazendo com que ele aprenda localizações, distâncias e formas
(HUERTA, OCHAÍTA, ESPINOZA, 2013).
Da mesma forma, é fundamental que ocorra um planejamento
pedagógico específico para o atendimento do aluno cego. Conforme
Carvalho et al (2013), os professores devem estar atentos a seu próprio
desempenho em sala de aula. Precisam conhecer os estímulos ópticos
que podem ou não funcionar com seu aluno, devem estimulá-lo
verbalmente nos acertos, e sua localização na sala deve ser em frente e
ao centro em relação ao local da exposição da aula.
Entra em cena a questão que envolve o acesso à leitura. Sendo o
tato um sentido prioritário, o Sistema Braile tornou-se um instrumento
de fundamental importância para a prática escolar do aluno cego.
Segundo Pereira et al (2013), por meio do Braile o aluno cego tem
condições de cumprir com tarefas na mesma posição do aluno não cego.
Aqui há novamente diferenças entre cegos e não cegos. Não
cegos no mundo ocidental leem no formato de uma grande letra "z": os
olhos de quem vê se movimentam da esquerda para a direita e em
sentido diagonal. A leitura é feita em pequenos saltos denominados
"movimentos sacádicos", captando informação a cada fixação em um
fragmento de texto, o que constitui a unidade de percepção. Já para o
cego, a leitura tátil do Braile é contínua e sequencial, fazendo uma
espécie de "varrimento" da linha.
FIM
ϟ excerto de
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA
VIDA PROFISSIONAL DO CEGO CONGÊNITO
autor: Airton José Santos
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Engenharia e Gestão do
Conhecimento
para a
obtenção do grau de Mestre em
Engenharia e Gestão do
Conhecimento
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis
2015
Δ
|