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 Sobre a Deficiência Visual

Célula e Inclusão Escolar: Proposta Didática para Alunos com Deficiência Visual

Edilaine Morais de Souza & Jorge Cardoso Messeder

Modelo celular e organelas.


Resumo: A citologia é um dos conteúdos mais abstratos da Biologia. A referência a micrografias e fotografias é recorrente no ensino deste conteúdo. O objetivo deste trabalho foi trazer uma proposta de atividade que promova o ensino de citologia de uma forma diferenciada, com a utilização de um modelo celular didático artesanal e aulas dialogadas, na integração de alunos deficientes visuais. Neste trabalho são propostas quatro atividades que envolvem o ensino de citologia direta ou indiretamente. O potencial destas atividades para promover a inclusão fundamenta-se no modelo utilizado, que tem estímulo tátil/visual, além de suas características específicas. Destacamos aqui a preocupação com o Ensino de Ciências no cenário inclusivo, especialmente nos conteúdo mais abstratos, que demandam uma combinação de recursos para que promova não só a inclusão, mas que facilite o aprendizado de todos os alunos.


1. INTRODUÇÃO

O mundo é composto de fenômenos que tocam a sensibilidade e exigem compreensão dos que nele vivem. Para tal, os órgãos dos sentidos se abrem como receptores de sensações que nos permitem conhecer este mundo ao qual chegamos e do qual partimos. A ausência de funcionamento de um destes órgãos leva o organismo a se adaptar ao mundo e a percebê-lo de forma diferente. (DICKMAN; FERREIRA, 2008).

As diferentes formas de perceber o mundo em função das características de cada indivíduo podem, se bem trabalhadas, enriquecer e engrandecer um grupo social. Da mesma forma, alunos com diferentes condições contribuem para que todos tenham novas impressões sobre a vida e o mundo.

Na última década, a abertura das Escolas regulares para o processo de inclusão demanda uma mudança significativa na Escola, desde a estrutura até a prática do professor e os recursos por ele utilizados. Segundo Campbell (2009), o hábito de os professores fundamentarem suas práticas e argumentos pedagógicos no senso comum se torna um obstáculo para a explicação dos problemas de aprendizagem de seus alunos.

Tomando por foco a Educação Inclusiva, repensar a prática sobre a ótica da necessidade dos alunos, é caminhar para o ensino de todos. É necessário conhecer a deficiência com que irão se defrontar em seu cotidiano, buscando leituras sobre o tema, participando de encontros de discussão e sabendo como trabalhar o conteúdo (CAMPBELL, 2009).

Ao se tratar das abordagens pedagógicas para um ensino inclusivo, é importante frisar que não existem diferenciações curriculares, quando se faz uma comparação aos demais níveis de ensino. O que importa é que os sistemas de ensino estejam preparados para práticas pedagógicas que foquem a diversidade. De acordo com Mello e Messeder (2019, p. 4), as “estratégias curriculares devem ser propostas, no sentido de que sejam realizadas as adequações necessárias, em termos de objetivos, conteúdos, metodologias, atividades, materiais, recursos, avaliação, etc.”.

Nesse sentido, o estudo apresentado neste artigo teve como objetivo elaborar um recurso didático que pudesse integrar alunos deficientes visuais em sala de aula, visto que a autora atua como professora de Ciências e Biologia na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Verificou-se, a partir da prática pedagógica da autora desse artigo que no processo de inclusão, em muitos momentos, o recurso didático precisa ser específico para as necessidades dos alunos, para que assim, sejam inseridos e incluídos em turmas regulares. Com isso, como conclusão de uma dissertação de mestrado profissional em Ensino de Ciências, houve a elaboração de modelo celular tridimensional que possibilita ao aluno maior interatividade (SOUZA, 2017).

Para que a proposta aqui apresentada possa ser mais bem compreendida, discutiremos, brevemente, o processo de inclusão e as dificuldades encontradas no Ensino de Ciências, especialmente no Ensino de citologia, onde a literatura já relata dificuldades no ensino de turmas regulares que possuem alunos sem necessidades educacionais especiais.

O que diz a lei sobre a Educação Inclusiva?

A evolução da legislação brasileira sobre o ensino de pessoas com necessidades educacionais especiais foi lenta. Apesar das dificuldades encontradas pelos alunos com necessidade educacionais especiais, o direito deles é garantido pela lei. Segundo a Constituição Federal Brasileira no capítulo III seção I art. 205 “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

A inclusão depende do conhecimento sobre a necessidade do aluno e de sua deficiência. Pessoas com necessidades educacionais especiais são aquelas que possuem altas habilidades/superdotação, deficiências cognitivas, Físicas, psíquicas e sensoriais (BRASÍLIA, 2003). A Educação Especial é aquela destinada exclusivamente a alunos que apresentem alguma dificuldade de aprendizagem decorrente de condições, disfunções, limitações ou deficiências (CAMPBELL, 2009) e é necessária para que se atinjam os preceitos da Escola inclusiva, que parte do princípio que haja alunos com necessidades educacionais especiais convivendo em turmas regulares.

Por décadas em nosso país atuamos sob o princípio de “integração Escolar”, até que emergiu o discurso em defesa da “educação inclusiva” a partir de meados da década de 1990 (MENDES, 2006). A integração Escolar retirou as crianças e os jovens em situação de deficiência das instituições de ensino especial, em defesa da sua normalização, o que lhes permitiu o usufruto de um novo espaço e novos parceiros de convívio, de socialização e de aprendizagem, a Escola regular (SANCHES; THEODORO, 2006). Ainda assim, a integração representa uma inserção superficial dos alunos especiais. Apenas o espaço físico da Escola era utilizado, e os alunos eram educados para uma melhor adaptação na sociedade. Sendo uma educação voltada para a diminuição das diferenças, para que as pessoas com necessidades especiais se encaixem na sociedade e não para que a sociedade, com toda sua diversidade, atenda às necessidades de todos.

Um marco histórico na perspectiva inclusiva foi a produção de um currículo oficial em Educação Especial realizado pelo Centro Nacional de Educação Especial – Cenesp, existente de 1973 a 1986, e reestruturado em 1990 com o nome de Secretaria de Educação Especial, ligada ao Ministério da Educação - MEC, e hoje extinta (MOREIRA; BAUMEL, 2001). A Educação Especial se integra hoje à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI – também ligada ao MEC. Santos (2010) discorda dessa vertente de adaptação do currículo para alunos com necessidades especiais, pois acredita que a ideia do currículo adaptado está ligada à exclusão na inclusão, visando a acomodação de alunos que não conseguem acompanhar o progresso dos demais colegas na aprendizagem. Defendemos não a mudança curricular, mas sim um processo de ensino aprendizagem diferenciado e individualizado, que abarca alunos com diferentes necessidades educacionais, sejam elas especiais ou não, gerando assim um processo de inclusão real.

No capítulo V, Art. 58, da Lei de Diretrizes Bases - LDB 9.394/96 encontra-se o seguinte trecho: “Entende-se por educação especial, para efeitos desta Lei, a modalidade de educação Escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.” (BRASIL, 1996).

Assim como o documento, Libâneo (2006) considera a Educação Especial como parte integrante da Educação Inclusiva. Entretanto, esta participação não se mostra de forma clara no documento e nem nas políticas públicas educacionais. A inclusão educacional não é um termo abordado claramente nos documentos educacionais, sejam de legislação como a LDB ou de orientação como os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN. Santos (2010) ainda discute a contradição posta com a aprovação e a certificação por terminalidade específica, da LDB/1996, quando se entende que a aprendizagem é diferenciada de aluno para aluno, sendo um processo que não pode obedecer a uma terminalidade prefixada com base na condição intelectual de alguns.

Em 2008 surge a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva com uma inovação, o Atendimento Educacional Especializado – AEE – que se trata de um serviço de Educação Especial que complementa e/ou suplementa a formação do aluno, visando a sua autonomia na Escola e fora dela. No documento, encontramos o seguinte texto sobre a Educação Especial no ensino regular: “Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os estudantes.” (BRASIL, 2008, p. 11).

Este documento assegura a promoção da aprendizagem a todos os estudantes, convergindo para a ideia de um processo de aprendizagem individual, como Santos (2010) defende.

As Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN – (BRASIL, 2013) trazem, no item nove, a Educação Especial como recurso de intensificação do processo de inclusão educacional e social, garantindo os direitos de alunos com necessidades educacionais especiais em Escolas regulares públicas e privadas, que devem realizar melhorias nas condições de acesso e mobilidade nos espaços educacionais. Logo em seguida, em 2015, a Lei nº 13.146, de 6 de julho, diz que: “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015).

A evolução dos documentos e políticas de Educação Especial na perspectiva da inclusão educacional e social vem se consolidando a medida que a compreensão do termo Educação Especial se torna mais ampla e bem definida. Recentemente, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) consolida atenção à Educação Especial, quando traz que

currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam o currículo. Essas decisões precisam ser consideradas na organização de currículos e propostas adequados às diferentes modalidades de ensino (Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação a Distância), atendendo-se às orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais. (BRASIL 2017, p. 19).

Contudo, é necessário que dentro da Escola ações concretas sejam realizadas para que essa evolução seja perceptível para os alunos.

Materiais em Ciências e suas limitações

A ciência traz ao aluno conceitos que, especialmente na Biologia, são abstratos, tendo uma relação potente com recursos visuais. A Física, a Química e a própria Biologia trabalham conhecimentos que interferem no conhecimento do nosso, corpo, meio e ações, sendo importantes no processo de ensino estimulando o levantamento de hipóteses, formação de opinião, argumentação e do senso crítico. No entanto, quando se fala em Educação Inclusiva os recursos para trabalhar esses conceitos se tornam escassos.

Entre os problemas em relação aos recursos didáticos para o Ensino de Ciências no processo de inclusão, temos a escassez de sinais de LIBRAS para termos científicos, as limitações táteis de alguns aparatos e do próprio livro didático, e recursos puramente audiovisuais (RIZZO et al., 2014; BECKERS; PEREIRA; TROGELLO, 2014). Com o fortalecimento do processo de inclusão, a prática do professor deve ser refletida bem como os recursos utilizados em sala (SILVA et. al., 2012). Em trabalho realizado com alunos com necessidades educacionais especiais diversas, as maiores dificuldades averiguadas pelo estudo, no ensino de Biologia, foram em relação ao material didático.

Da mesma forma as sugestões dadas pelos alunos para melhorar o ensino, também estavam relacionadas a estes materiais (TEODORO et. al., 2014).

Independente de ter ou não alguma deficiência, o aluno pode apresentar dificuldades na aprendizagem. Isto posto é fundamental que o professor bem como a Escola ofereça diferentes estímulos, recursos, materiais que facilitem a apreensão do conhecimento por parte do aluno e ao mesmo tempo promova a inclusão em sua forma mais pura. Entre diferentes recursos didáticos como vídeos, quadro, livros, etc., os modelos se mostram como o recurso que tem potencial de superar problemas como a impossibilidade de contato com o objeto de estudo (LOPES; ALMEIDA; AMADO, 2012; CERQUEIRA; FERREIRA, 2000). Assim, os modelos além de serem válidos no ensino de ciências, podem contribuir para a Educação Inclusiva. No entanto, é importante ressaltar que a mediação do professor é o que possibilita o processo de ensino, pois o modelo em si não confere aprendizagem (VAZ et al., 2012; NUNES, BRAUN; WALTER, 2011).

Apesar do modelo didático já ter potencial para o processo de inclusão nas Escolas, algumas observações devem ter destaque no uso destes materiais tais como: interatividade, tamanho, significação tátil, resistência e estimulação visual. Estas características possibilitam o uso do modelo por alunos com diferentes necessidades especiais sem deixar de ser atrativo a alunos sem necessidades especiais (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000; CARDINALI ; FERREIRA, 2010).

Trabalhos em Ensino de Ciências sobre recursos didáticos, que funcionam como facilitadores do aprendizado de alunos com cegueira ou baixa visão, foram realizados por pesquisadores como Dümpel (2011), Oliveira et. al. (2015) e Cardinali e Ferreira (2010). Nestes trabalhos são levados em consideração fatores como interatividade e durabilidade do material por exemplo. Contudo, é preciso refletir sobre a percepção tátil que o material oferece, como dimensão, textura, etc. e não cair na simplificação que Mantoan (2013) destaca em seu trabalho, onde por vezes, na intenção de facilitar o aprendizado baseado no que ele, o professor, acredita que o aluno tem capacidade de assimilar, reduz o conceito que no fim não condiz com a realidade. Alguns modelos propostos não explanam bem o conteúdo e/ou tem baixa interatividade.

Destaca-se também a pesquisa de Rizzo e colaboradores (2014) que trabalharam com alunos deficientes auditivos e utilizaram recursos para auxiliar no ensino de doenças microbianas em turmas de ensino fundamental. Souza e Faria (2011) utilizaram modelos em uma perspectiva inclusiva para trabalhar embriologia em turmas de ensino fundamental que apresentavam alunos com deficiência visual. Nos trabalhos citados foi unânime a observação positiva dos autores em relação ao recurso produzido. De forma geral os modelos construídos eram artesanais e produzidos com material de fácil acesso. Além disso, foi observado que despertaram a atenção dos alunos, promoveram interatividade e maior significação do sujeito com o objeto.

Na busca por uma educação que de fato seja inclusiva, percebe-se que a reflexão sobre a prática e a procura por novos recursos devem ser ações cotidianas do professor (CAMARGO, 2012; LOPES, ALMEIDA e AMADO, 2012; SILVA et. al., 2012; SOUZA, 2007). Esses recursos devem atender aos alunos de forma individual e coletiva, ou seja, que possa de diferentes formas, auxiliar no aprendizado do aluno e ainda promover a convivência com os demais. Na Biologia, em especial, a modelização, ou seja, a criação de modelos vem sendo um recurso que auxilia o professor na abordagem de assuntos diversos além de promover a inclusão. Para esta disciplina o recurso visual é quase que fundamental, por isso a ausência do sentido da visão, dificulta consideravelmente a apreensão do conteúdo pelo aluno.

Barros e Dantas Filho (2019), em seus estudos, apresentam uma proposta didática para o desenvolvimento da compreensão do conteúdo Geometria Molecular em uma sala de aula inclusiva. Na busca de subsídios e críticas aos materiais utilizados na confecção dos modelos geométricos utilizados, os pesquisadores entrevistaram um funcionário do setor de Educação Inclusiva da Universidade Estadual da Paraíba, que é deficiente visual. Nessa perspectiva, os autores puderam inferir que, “o processo de ensino e aprendizagem é um trabalho global, não isolado, em que relações pautadas em colaborações ocorrem, não só entre professor e alunos, mas também entre os próprios alunos” (p. 72).

A visão é dominante na escala dos sentidos e ocupa uma posição de destaque no que se refere à percepção e associação de formas, contornos, tamanhos, cores e imagens que estruturam constituem uma paisagem ou de um ambiente. Em vista disso, pode ser considerada a deficiência que traz mais limitações para o Ensino de Ciências (BRASÍLIA, 2007). Por este motivo a construção deste trabalho se debruçou em trazer meios de facilitar o ensino de citologia num contexto inclusivo, destacando características audíveis e táteis.

2. PROPOSTAS PARA INCLUSÃO

O modelo em questão foi pensado e construído na premissa da Educação Inclusiva, levando em consideração as limitações dos alunos deficientes visuais. As características do modelo se debruçam no estímulo tátil/visual para que possa atender diferentes públicos em um mesmo contexto. Buscamos produzir um recurso que dessa autonomia para o aluno, na utilização, e para o professor, no conteúdo. Para isso foram observadas as características de informação associada, significação tátil, durabilidade, acessibilidade e interatividade. Este é um modelo celular didático artesanal (FIGURA 1), produzido com diferentes tecidos, aviamentos e outros materiais que destacam a percepção tátil. O recurso é totalmente desmontável possibilitando que o professor e o aluno construam células eucariontes, animal ou vegetal, e procariontes. Essa característica dá ao professor a possibilidade de usar o modelo em diferentes momentos e conteúdos que envolvam de alguma forma a citologia.
 


Figura 1. Modelo celular e organelas. Fonte: arquivo próprio.
 

O recurso do modelo da célula eucarionte animal possui as seguintes organelas: Membrana plasmática, citoplasma, citoesqueleto (três tipos de micro túbulos), ribossomos, mitocôndrias, lisossomos, retículos endoplasmáticos, liso e rugoso, complexo de Golgi, centríolo e núcleo com nucleoplasma, nucléolo e DNA. Ainda possui parede celular, vacúolo e cloroplasto que completam uma célula procarionte e uma célula eucarionte vegetal. (nota: Para atender e sanar as possíveis dificuldades dos professores interessados em reproduzir o modelo celular, foi confeccionado um manual para sua construção, no formato de vídeo disponível no YouTube com o título “Deu ciência na costura”)

Motivados pela busca por novas formas de ensinar Ciências em um contexto Escolar onde as diferenças aguçam a criatividade nas aulas e práticas, propomos aqui diferentes maneiras de utilizar o modelo celular produzido, de forma contextualizada em diferentes assuntos da Biologia. O modelo dá ao professor a possibilidade de trabalhar juntamente com os alunos e ainda que eles manipulem em grupo ou individualmente.

No que diz respeito ao conteúdo curricular, o Ensino de Ciências no do ensino fundamental situa a citologia no sexto ano, onde são apresentadas respectivamente a célula como unidade básica da vida, os setores celulares e os tipos existentes, as organelas celulares assim como os processos bioquímicos relevantes a este segmento (BRASIL, 2017). Contudo, os conteúdos que seguem têm a necessidade de uma boa compreensão da célula como um todo e suas relações com o meio. Dessa forma, aqui apresentamos possibilidades de uso do modelo em diferentes situações e conteúdos (QUADRO 1).
 

Quadro 1. Propostas didáticas com a utilização do modelo celular.

PROPOSTA

TEMA

OBJETIVO

RESUMO DA ATIVIDADE
 

Evolução celular

Tipos celulares

Apresentar ao aluno os diferentes tipos de célula e suas principais características

Utilizar o modelo para montar junto com os alunos as células procariontes, eucarionte vegetal e eucarionte animal. Discutir com os alunos as organelas que estão presentes em cada tipo celular e definir as que são exclusivas de cada uma.

Reinos dos seres vivos

Classificação geral dos seres vivos

Distinguir as características entre os reinos apresentando o tipo celular correspondente a cada reino e o número de células.

Utilizar os modelos para representar a célula e o número de células presentes em cada reino. Montar o modelo junto com os alunos e chamar atenção para a nomenclatura que geralmente confunde os alunos no que diz respeito a eucarionte animal e vegetal.

Produção de energia

Nutrição

Apresentar e diferenciar os tipos de nutrição e correlacionar com as organelas presentes em cada tipo celular, cloroplasto e mitocôndria.

Utilizar o modelo para mostrar que a ausência das mitocôndrias nos procariontes limita sua nutrição formando organismos, geralmente, heterótrofos por absorção. E ainda destacar a presença delas nas eucariontes possibilitando produção de energia a partir da glicose (respiração celular). Com o auxílio do modelo, mostrando a organela, destacar a função da fotossíntese realizada pelos vegetais que por isso são considerados autótrofos.

Função das organelas

Organização celular

Apresentar e justificar a organização da célula e a disposição das organelas.

Permitir que o aluno organize o modelo de diferentes maneiras e posteriormente discutir as funções associadas entre as organelas, especialmente, retículos, complexo de Golgi e núcleo. As funções dessas organelas são interligadas. Deste modo é importante que os alunos percebam que estas precisam estar próximas e a organização da célula é importante para a realização de suas funções.

     

Fonte: Autores.
 

 

As referidas propostas pautam-se em uma aula dialogada que proporciona ao aluno, que possui, ou não, alguma deficiência, a oportunidade de expor suas impressões sobre o conteúdo, a aula e o material didático, possibilitando ao professor aparar arestas que possam ter sido deixadas ou aprimorar metodologias e o material, para que tenham significado para os alunos. Baseado na aplicação do recurso com videntes, na dissertação na qual este trabalho está incluído, a utilização do modelo contribui para o conhecimento da célula e de suas funções bem como de sua estrutura. Ainda colabora para maior participação dos alunos nas atividades da turma os incluindo de fato. A turma como um todo pode participar da aula de forma ativa, participando da montagem do modelo e nas discussões. E o professor neste contexto pode de forma direta sanar dúvidas e corrigir os alunos em possíveis erros conceituais que tenham. O planejamento do professor é de suma importância para que ele possa organizar a atividade a fim de que seja produtiva.

A seguir o Quadro 2 mostra uma sequência didática que exemplifica os passos da atividade classificação dos seres vivos.

 

Quadro 2. Exemplo de sequência didática para a proposta “Reinos dos seres vivos”.
 

TEMA

CLASSIFICAÇÃO GERAL DOS SERES VIVOS

OBJETIVO

Distinguir as características entre os reinos apresentando o tipo celular correspondente a cada reino e o número de células.

RECURSOS INSTRUCIONAIS
 

Modelo celular, aula dialogada

MOTIVAÇÃO
 

Questões iniciais para a discussão: Que seres vivos vocês conhecem?

TEMPO ESTIMADO PARA AULA

 60 minutos

DESENVOLVIMENTO

  • Discutir e enumerar os seres vivos que surgirem nos discursos dos alunos de acordo com os reinos dos seres vivos, Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia.

  • Divida a turma em cinco grupos para que cada grupo discuta as características de um reino como tamanho, número de células, habitat, processos metabólicos, etc.

  • Cada grupo deve ter um modelo e através da discussão os alunos devem entrar em acordo para decidir que tipo celular cada reino tem e montar o modelo.

  • O professor deve ser o mediador desse processo, se possível os alunos podem utilizar o livro texto em braile e/ou português para consultar.

  • Após a montagem dos modelos pelos alunos realizar a correção, verificando se todos foram montados corretamente e fazendo possíveis observações.

  • Por fim, promover o compartilhamento das informações que cada grupo obteve, permitindo que os modelos possam ser manipulados por todos e os alunos realizem perguntas e comentários.

AVALIAÇÃO

Participação dos alunos nas discussões e montagem dos modelos.

 

Fonte: Autores.

 

Assim como a construção do modelo, as atividades aqui apresentadas são frutos de uma pesquisa que buscou reduzir as distâncias entre os recursos para o ensino de alunos com e sem necessidades educacionais especiais. Estas propostas podem ser consideradas inclusivas, pois preveem a utilização de um recurso didático que pode ser utilizado por alunos com diferentes necessidades, e em um contexto diferenciado de aula onde o diálogo e a interação com o objeto são protagonistas. Além do mais, convida o aluno a participar da atividade. É importante que o professor tenha domínio do conteúdo, pois a observação e manipulação podem gerar no aluno questionamentos sobre o tema proposto e ainda outros temas correlacionados. Este ponto é grande valia, pois os alunos podem a partir daí iniciar um processo de construção do senso crítico e da investigação sobre o assunto, aspectos que se destacam como premissa no Ensino de Ciências segundo os PCN.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ensino de Ciências dentro da Educação tem por finalidade incutir no aluno um senso crítico e o conhecimento de si e do meio ao seu redor. Nesta busca pelo entendimento, o professor e os recursos utilizados por ele são cruciais para estimular e manter o interesse do aluno não só pelo conteúdo vigente, mas por tudo que o rodeia. O debate de ideias, teorias e a busca por soluções, são pontos importantes para que neste aluno possa ser tecido o senso crítico, item importante da cidadania. Levando-se em consideração a importância da Ciência como fonte de conhecimento e elemento de cidadania, este trabalho buscou discutir o Ensino de Ciências num contexto inclusivo, que em teoria deveria ser qualquer contexto. A Escola como primeiro contato com a sociedade deveria estar aberta a todos sem promover divisões ou exclusões. No entanto, assim como em nossa sociedade, ainda precisamos evoluir muito na prática de uma inclusão real dentro e fora dos muros da Escola. A autocrítica do professor sobre o processo de inclusão traz a superfície dificuldades em sua formação e prática, na estrutura da Escola e nos recursos utilizados. No entanto é o ponto de partida para a mudança. Refletindo no campo da ciência e focando a prática na Biologia, tentamos facilitar o Ensino de citologia com o objetivo de atender a todos. Para tal, sugerimos uma reflexão sobre os recursos utilizados neste conteúdo, que possuem estímulos puramente visuais como imagens, vídeos, etc. E como solução para alunos videntes e não videntes, trouxemos o modelo celular didático artesanal como recurso tátil-visual que possibilita o manuseio e a interatividade entre os alunos e o professor. Além disso, apresentamos sugestões de atividades em diferentes assuntos para a utilização do modelo como recurso. Nestas propostas didáticas, esperamos contribuir para a reflexão sobre a prática do professor, seja no Ensino de citologia ou em outra área da Educação. A utilização um modelo tátil e de uma aula que tem a voz, o diálogo como recursos, em turmas de ensino fundamental com alunos videntes e com deficiência visual, e com alunos sem deficiências, vislumbra auxiliar a aprendizagem dos mesmos sobre os conceitos apresentados.

O interesse em crescer profissionalmente, falando em Educação, está intimamente ligado a possibilitar a aquisição de conhecimento pelo aluno independente de sua condição. É direito de o aluno ter acesso à informação e é dever do professor se esmerar para que sua prática atinja esse objetivo. Acreditamos que a aplicação deste modelo em aulas de Ciências possa abrir possibilidades para a reflexão dos professores sobre os moldes atuais da Educação, e que possamos abrir espaços em nossas práticas de sala de aula, vislumbrando as necessidades dos alunos e as novas tendências para melhorar a qualidade do Ensino.



4. REFERÊNCIAS

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Célula e Inclusão escolar: Proposta Didática para alunos com deficiência visual
>> Edilaine Morais de Souza (edilainebiorio@yahoo.com.br) Mestrado Profissional em Ensino de Ciências - IFRJ campus Nilópolis
>> Jorge Cardoso Messeder (jorge.messeder@ifrj.edu.br) Mestrado Profissional em Ensino de Ciências - IFRJ campus Nilópolis
RIS | Revista Insignare Scientia Vol. 3, n. 1. Jan./Abr. 2020 - ISSN 2595-4520

fonte: PDF - Célula e Inclusão escolar: Proposta Didática para alunos com Deficiência Visual
 

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22.Jun.2025
Maria José Alegre