
Resumo: A citologia é um dos conteúdos mais
abstratos da Biologia. A referência a micrografias e fotografias é recorrente no
ensino deste conteúdo. O objetivo deste trabalho foi trazer uma proposta de
atividade que promova o ensino de citologia de uma forma diferenciada, com a
utilização de um modelo celular didático artesanal e aulas dialogadas, na
integração de alunos deficientes visuais. Neste trabalho são propostas quatro
atividades que envolvem o ensino de citologia direta ou indiretamente. O
potencial destas atividades para promover a inclusão fundamenta-se no modelo
utilizado, que tem estímulo tátil/visual, além de suas características
específicas. Destacamos aqui a preocupação com o Ensino de Ciências no cenário
inclusivo, especialmente nos conteúdo mais abstratos, que demandam uma
combinação de recursos para que promova não só a inclusão, mas que facilite o
aprendizado de todos os alunos.
1. INTRODUÇÃO
O mundo é composto de
fenômenos que tocam a sensibilidade e exigem compreensão dos que nele vivem.
Para tal, os órgãos dos sentidos se abrem como receptores de sensações que nos
permitem conhecer este mundo ao qual chegamos e do qual partimos. A ausência de
funcionamento de um destes órgãos leva o organismo a se adaptar ao mundo e a
percebê-lo de forma diferente. (DICKMAN; FERREIRA, 2008).
As diferentes formas de perceber o mundo em
função das características de cada indivíduo podem, se bem trabalhadas,
enriquecer e engrandecer um grupo social. Da mesma forma, alunos com diferentes
condições contribuem para que todos tenham novas impressões sobre a vida e o
mundo.
Na última década, a abertura das Escolas regulares para o processo de inclusão
demanda uma mudança significativa na Escola, desde a estrutura até a prática do
professor e os recursos por ele utilizados. Segundo Campbell (2009), o hábito de
os professores fundamentarem suas práticas e argumentos pedagógicos no senso
comum se torna um obstáculo para a explicação dos problemas de aprendizagem de
seus alunos.
Tomando por foco a Educação Inclusiva, repensar a prática sobre a ótica da
necessidade dos alunos, é caminhar para o ensino de todos. É necessário conhecer
a deficiência com que irão se defrontar em seu cotidiano, buscando leituras
sobre o tema, participando de encontros de discussão e sabendo como trabalhar o
conteúdo (CAMPBELL, 2009).
Ao se tratar das abordagens pedagógicas para um ensino inclusivo, é importante
frisar que não existem diferenciações curriculares, quando se faz uma comparação
aos demais níveis de ensino. O que importa é que os sistemas de ensino estejam
preparados para práticas pedagógicas que foquem a diversidade. De acordo com
Mello e Messeder (2019, p. 4), as “estratégias curriculares devem ser propostas,
no sentido de que sejam realizadas as adequações necessárias, em termos de
objetivos, conteúdos, metodologias, atividades, materiais, recursos, avaliação,
etc.”.
Nesse sentido, o estudo apresentado neste artigo teve como objetivo elaborar um
recurso didático que pudesse integrar alunos deficientes visuais em sala de
aula, visto que a autora atua como professora de Ciências e Biologia na cidade
do Rio de Janeiro (RJ). Verificou-se, a partir da prática pedagógica da autora
desse artigo que no processo de inclusão, em muitos momentos, o recurso didático
precisa ser específico para as necessidades dos alunos, para que assim, sejam
inseridos e incluídos em turmas regulares. Com isso, como conclusão de uma
dissertação de mestrado profissional em Ensino de Ciências, houve a elaboração
de modelo celular tridimensional que possibilita ao aluno maior interatividade
(SOUZA, 2017).
Para que a proposta aqui apresentada possa ser mais bem compreendida,
discutiremos, brevemente, o processo de inclusão e as dificuldades encontradas
no Ensino de Ciências, especialmente no Ensino de citologia, onde a literatura
já relata dificuldades no ensino de turmas regulares que possuem alunos sem
necessidades educacionais especiais.
O que diz a lei sobre a Educação Inclusiva?
A evolução da legislação brasileira sobre o ensino de pessoas com necessidades
educacionais especiais foi lenta. Apesar das dificuldades encontradas pelos
alunos com necessidade educacionais especiais, o direito deles é garantido pela
lei. Segundo a Constituição Federal Brasileira no capítulo III seção I art. 205
“a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (BRASIL, 1988).
A inclusão depende do conhecimento sobre a necessidade do aluno e de sua
deficiência. Pessoas com necessidades educacionais especiais são aquelas que
possuem altas habilidades/superdotação, deficiências cognitivas, Físicas,
psíquicas e sensoriais (BRASÍLIA, 2003). A Educação Especial é aquela destinada
exclusivamente a alunos que apresentem alguma dificuldade de aprendizagem
decorrente de condições, disfunções, limitações ou deficiências (CAMPBELL, 2009)
e é necessária para que se atinjam os preceitos da Escola inclusiva, que parte
do princípio que haja alunos com necessidades educacionais especiais convivendo
em turmas regulares.
Por décadas em nosso país atuamos sob o princípio de “integração Escolar”, até
que emergiu o discurso em defesa da “educação inclusiva” a partir de meados da
década de 1990 (MENDES, 2006). A integração Escolar retirou as crianças e os
jovens em situação de deficiência das instituições de ensino especial, em defesa
da sua normalização, o que lhes permitiu o usufruto de um novo espaço e novos
parceiros de convívio, de socialização e de aprendizagem, a Escola regular
(SANCHES; THEODORO, 2006). Ainda assim, a integração representa uma inserção
superficial dos alunos especiais. Apenas o espaço físico da Escola era
utilizado, e os alunos eram educados para uma melhor adaptação na sociedade.
Sendo uma educação voltada para a diminuição das diferenças, para que as pessoas
com necessidades especiais se encaixem na sociedade e não para que a sociedade,
com toda sua diversidade, atenda às necessidades de todos.
Um marco histórico na perspectiva inclusiva foi a produção de um currículo
oficial em Educação Especial realizado pelo Centro Nacional de Educação Especial
– Cenesp, existente de 1973 a 1986, e reestruturado em 1990 com o nome de
Secretaria de Educação Especial, ligada ao Ministério da Educação - MEC, e hoje
extinta (MOREIRA; BAUMEL, 2001). A Educação Especial se integra hoje à
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão –
SECADI – também ligada ao MEC. Santos (2010) discorda dessa vertente de
adaptação do currículo para alunos com necessidades especiais, pois acredita que
a ideia do currículo adaptado está ligada à exclusão na inclusão, visando a
acomodação de alunos que não conseguem acompanhar o progresso dos demais colegas
na aprendizagem. Defendemos não a mudança curricular, mas sim um processo de
ensino aprendizagem diferenciado e individualizado, que abarca alunos com
diferentes necessidades educacionais, sejam elas especiais ou não, gerando assim
um processo de inclusão real.
No capítulo V, Art. 58, da Lei de Diretrizes Bases - LDB 9.394/96 encontra-se o
seguinte trecho: “Entende-se por educação especial, para efeitos desta Lei, a
modalidade de educação Escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de
ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.” (BRASIL, 1996).
Assim como o documento, Libâneo (2006) considera a Educação Especial como parte
integrante da Educação Inclusiva. Entretanto, esta participação não se mostra de
forma clara no documento e nem nas políticas públicas educacionais. A inclusão
educacional não é um termo abordado claramente nos documentos educacionais,
sejam de legislação como a LDB ou de orientação como os Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN. Santos (2010) ainda discute a contradição posta com a aprovação
e a certificação por terminalidade específica, da LDB/1996, quando se entende
que a aprendizagem é diferenciada de aluno para aluno, sendo um processo que não
pode obedecer a uma terminalidade prefixada com base na condição intelectual de
alguns.
Em 2008 surge a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva com uma inovação, o Atendimento Educacional Especializado –
AEE – que se trata de um serviço de Educação Especial que complementa e/ou
suplementa a formação do aluno, visando a sua autonomia na Escola e fora dela.
No documento, encontramos o seguinte texto sobre a Educação Especial no ensino
regular: “Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a
situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a
promoção da aprendizagem de todos os estudantes.” (BRASIL, 2008, p. 11).
Este documento assegura a promoção da aprendizagem a todos os estudantes,
convergindo para a ideia de um processo de aprendizagem individual, como Santos
(2010) defende.
As Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN – (BRASIL, 2013) trazem, no item
nove, a Educação Especial como recurso de intensificação do processo de inclusão
educacional e social, garantindo os direitos de alunos com necessidades
educacionais especiais em Escolas regulares públicas e privadas, que devem
realizar melhorias nas condições de acesso e mobilidade nos espaços
educacionais. Logo em seguida, em 2015, a Lei nº 13.146, de 6 de julho, diz que:
“destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua
inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015).
A evolução dos documentos e políticas de Educação Especial na perspectiva da
inclusão educacional e social vem se consolidando a medida que a compreensão do
termo Educação Especial se torna mais ampla e bem definida. Recentemente, a BNCC
(Base Nacional Comum Curricular) consolida atenção à Educação Especial, quando
traz que
currículos têm papéis
complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada
etapa da Educação Básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam
mediante o conjunto de decisões que caracterizam o currículo. Essas decisões
precisam ser consideradas na organização de currículos e propostas adequados às
diferentes modalidades de ensino (Educação Especial, Educação de Jovens e
Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar
Quilombola, Educação a Distância), atendendo-se às orientações das Diretrizes
Curriculares Nacionais. (BRASIL 2017, p. 19).
Contudo, é necessário que dentro da Escola
ações concretas sejam realizadas para que essa evolução seja perceptível para os
alunos.
Materiais em Ciências e suas limitações
A ciência traz ao aluno conceitos que, especialmente na Biologia, são abstratos,
tendo uma relação potente com recursos visuais. A Física, a Química e a própria
Biologia trabalham conhecimentos que interferem no conhecimento do nosso, corpo,
meio e ações, sendo importantes no processo de ensino estimulando o levantamento
de hipóteses, formação de opinião, argumentação e do senso crítico. No entanto,
quando se fala em Educação Inclusiva os recursos para trabalhar esses conceitos
se tornam escassos.
Entre os problemas em relação aos recursos didáticos para o Ensino de Ciências
no processo de inclusão, temos a escassez de sinais de LIBRAS para termos
científicos, as limitações táteis de alguns aparatos e do próprio livro
didático, e recursos puramente audiovisuais (RIZZO et al., 2014; BECKERS;
PEREIRA; TROGELLO, 2014). Com o fortalecimento do processo de inclusão, a
prática do professor deve ser refletida bem como os recursos utilizados em sala
(SILVA et. al., 2012). Em trabalho realizado com alunos com necessidades
educacionais especiais diversas, as maiores dificuldades averiguadas pelo
estudo, no ensino de Biologia, foram em relação ao material didático.
Da mesma forma as sugestões dadas pelos alunos para melhorar o ensino, também
estavam relacionadas a estes materiais (TEODORO et. al., 2014).
Independente de ter ou não alguma deficiência, o aluno pode apresentar
dificuldades na aprendizagem. Isto posto é fundamental que o professor bem como
a Escola ofereça diferentes estímulos, recursos, materiais que facilitem a
apreensão do conhecimento por parte do aluno e ao mesmo tempo promova a inclusão
em sua forma mais pura. Entre diferentes recursos didáticos como vídeos, quadro,
livros, etc., os modelos se mostram como o recurso que tem potencial de superar
problemas como a impossibilidade de contato com o objeto de estudo (LOPES;
ALMEIDA; AMADO, 2012; CERQUEIRA; FERREIRA, 2000). Assim, os modelos além de
serem válidos no ensino de ciências, podem contribuir para a Educação Inclusiva.
No entanto, é importante ressaltar que a mediação do professor é o que
possibilita o processo de ensino, pois o modelo em si não confere aprendizagem
(VAZ et al., 2012; NUNES, BRAUN; WALTER, 2011).
Apesar do modelo didático já ter potencial para o processo de inclusão nas
Escolas, algumas observações devem ter destaque no uso destes materiais tais
como: interatividade, tamanho, significação tátil, resistência e estimulação
visual. Estas características possibilitam o uso do modelo por alunos com
diferentes necessidades especiais sem deixar de ser atrativo a alunos sem
necessidades especiais (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000; CARDINALI ; FERREIRA, 2010).
Trabalhos em Ensino de Ciências sobre recursos didáticos, que funcionam como
facilitadores do aprendizado de alunos com cegueira ou baixa visão, foram
realizados por pesquisadores como Dümpel (2011), Oliveira et. al. (2015) e
Cardinali e Ferreira (2010). Nestes trabalhos são levados em consideração
fatores como interatividade e durabilidade do material por exemplo. Contudo, é
preciso refletir sobre a percepção tátil que o material oferece, como dimensão,
textura, etc. e não cair na simplificação que Mantoan (2013) destaca em seu
trabalho, onde por vezes, na intenção de facilitar o aprendizado baseado no que
ele, o professor, acredita que o aluno tem capacidade de assimilar, reduz o
conceito que no fim não condiz com a realidade. Alguns modelos propostos não
explanam bem o conteúdo e/ou tem baixa interatividade.
Destaca-se também a pesquisa de Rizzo e colaboradores (2014) que trabalharam com
alunos deficientes auditivos e utilizaram recursos para auxiliar no ensino de
doenças microbianas em turmas de ensino fundamental. Souza e Faria (2011)
utilizaram modelos em uma perspectiva inclusiva para trabalhar embriologia em
turmas de ensino fundamental que apresentavam alunos com deficiência visual. Nos
trabalhos citados foi unânime a observação positiva dos autores em relação ao
recurso produzido. De forma geral os modelos construídos eram artesanais e
produzidos com material de fácil acesso. Além disso, foi observado que
despertaram a atenção dos alunos, promoveram interatividade e maior significação
do sujeito com o objeto.
Na busca por uma educação que de fato seja inclusiva, percebe-se que a reflexão
sobre a prática e a procura por novos recursos devem ser ações cotidianas do
professor (CAMARGO, 2012; LOPES, ALMEIDA e AMADO, 2012; SILVA et. al., 2012;
SOUZA, 2007). Esses recursos devem atender aos alunos de forma individual e
coletiva, ou seja, que possa de diferentes formas, auxiliar no aprendizado do
aluno e ainda promover a convivência com os demais. Na Biologia, em especial, a
modelização, ou seja, a criação de modelos vem sendo um recurso que auxilia o
professor na abordagem de assuntos diversos além de promover a inclusão. Para
esta disciplina o recurso visual é quase que fundamental, por isso a ausência do
sentido da visão, dificulta consideravelmente a apreensão do conteúdo pelo
aluno.
Barros e Dantas Filho (2019), em seus estudos, apresentam uma proposta didática
para o desenvolvimento da compreensão do conteúdo Geometria Molecular em uma
sala de aula inclusiva. Na busca de subsídios e críticas aos materiais
utilizados na confecção dos modelos geométricos utilizados, os pesquisadores
entrevistaram um funcionário do setor de Educação Inclusiva da Universidade
Estadual da Paraíba, que é deficiente visual. Nessa perspectiva, os autores
puderam inferir que, “o processo de ensino e aprendizagem é um trabalho global,
não isolado, em que relações pautadas em colaborações ocorrem, não só entre
professor e alunos, mas também entre os próprios alunos” (p. 72).
A visão é dominante na escala dos sentidos e ocupa uma posição de destaque no
que se refere à percepção e associação de formas, contornos, tamanhos, cores e
imagens que estruturam constituem uma paisagem ou de um ambiente. Em vista
disso, pode ser considerada a deficiência que traz mais limitações para o Ensino
de Ciências (BRASÍLIA, 2007). Por este motivo a construção deste trabalho se
debruçou em trazer meios de facilitar o ensino de citologia num contexto
inclusivo, destacando características audíveis e táteis.
2. PROPOSTAS PARA INCLUSÃO
O modelo em questão foi pensado e construído na premissa da Educação Inclusiva,
levando em consideração as limitações dos alunos deficientes visuais. As
características do modelo se debruçam no estímulo tátil/visual para que possa
atender diferentes públicos em um mesmo contexto. Buscamos produzir um recurso
que dessa autonomia para o aluno, na utilização, e para o professor, no
conteúdo. Para isso foram observadas as características de informação associada,
significação tátil, durabilidade, acessibilidade e interatividade. Este é um
modelo celular didático artesanal (FIGURA 1), produzido com diferentes tecidos,
aviamentos e outros materiais que destacam a percepção tátil. O recurso é
totalmente desmontável possibilitando que o professor e o aluno construam
células eucariontes, animal ou vegetal, e procariontes. Essa característica dá
ao professor a possibilidade de usar o modelo em diferentes momentos e conteúdos
que envolvam de alguma forma a citologia.

Figura 1. Modelo celular e organelas. Fonte:
arquivo próprio.
O recurso do modelo da célula eucarionte animal possui as seguintes organelas:
Membrana plasmática, citoplasma, citoesqueleto (três tipos de micro túbulos),
ribossomos, mitocôndrias, lisossomos, retículos endoplasmáticos, liso e rugoso,
complexo de Golgi, centríolo e núcleo com nucleoplasma, nucléolo e DNA. Ainda
possui parede celular, vacúolo e cloroplasto que completam uma célula
procarionte e uma célula eucarionte vegetal. (nota: Para atender e sanar as
possíveis dificuldades dos professores interessados em reproduzir o modelo
celular, foi confeccionado um manual para sua construção, no formato de vídeo
disponível no YouTube com o título “Deu ciência na costura”)
Motivados pela busca por novas formas de ensinar Ciências em um contexto Escolar
onde as diferenças aguçam a criatividade nas aulas e práticas, propomos aqui
diferentes maneiras de utilizar o modelo celular produzido, de forma
contextualizada em diferentes assuntos da Biologia. O modelo dá ao professor a
possibilidade de trabalhar juntamente com os alunos e ainda que eles manipulem
em grupo ou individualmente.
No que diz respeito ao conteúdo curricular, o Ensino de Ciências no do ensino
fundamental situa a citologia no sexto ano, onde são apresentadas
respectivamente a célula como unidade básica da vida, os setores celulares e os
tipos existentes, as organelas celulares assim como os processos bioquímicos
relevantes a este segmento (BRASIL, 2017). Contudo, os conteúdos que seguem têm
a necessidade de uma boa compreensão da célula como um todo e suas relações com
o meio. Dessa forma, aqui apresentamos possibilidades de uso do modelo em
diferentes situações e conteúdos (QUADRO 1).
Quadro 1. Propostas didáticas com a utilização do modelo
celular.
PROPOSTA
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TEMA
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OBJETIVO
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RESUMO DA ATIVIDADE
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Evolução celular
|
Tipos celulares
|
Apresentar ao aluno os diferentes
tipos de célula e suas principais características
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Utilizar o modelo para montar
junto com os alunos as células procariontes, eucarionte vegetal e
eucarionte animal. Discutir com os alunos as organelas que estão
presentes em cada tipo celular e definir as que são exclusivas de
cada uma.
|
Reinos dos seres vivos
|
Classificação geral dos seres
vivos
|
Distinguir as características
entre os reinos apresentando o tipo celular correspondente a cada
reino e o número de células.
|
Utilizar os modelos para
representar a célula e o número de células presentes em cada reino.
Montar o modelo junto com os alunos e chamar atenção para a
nomenclatura que geralmente confunde os alunos no que diz respeito a
eucarionte animal e vegetal.
|
Produção de energia
|
Nutrição
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Apresentar e diferenciar os tipos
de nutrição e correlacionar com as organelas presentes em cada tipo
celular, cloroplasto e mitocôndria.
|
Utilizar o modelo para mostrar
que a ausência das mitocôndrias nos procariontes limita sua nutrição
formando organismos, geralmente, heterótrofos por absorção. E ainda
destacar a presença delas nas eucariontes possibilitando produção de
energia a partir da glicose (respiração celular). Com o auxílio do
modelo, mostrando a organela, destacar a função da fotossíntese
realizada pelos vegetais que por isso são considerados autótrofos.
|
Função das organelas
|
Organização celular
|
Apresentar e justificar a
organização da célula e a disposição das organelas.
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Permitir que o aluno organize o
modelo de diferentes maneiras e posteriormente discutir as funções
associadas entre as organelas, especialmente, retículos, complexo de
Golgi e núcleo. As funções dessas organelas são interligadas. Deste
modo é importante que os alunos percebam que estas precisam estar
próximas e a organização da célula é importante para a realização de
suas funções.
|
|
|
|
Fonte: Autores.
|
As referidas propostas pautam-se em uma aula
dialogada que proporciona ao aluno, que possui, ou não, alguma deficiência, a
oportunidade de expor suas impressões sobre o conteúdo, a aula e o material
didático, possibilitando ao professor aparar arestas que possam ter sido
deixadas ou aprimorar metodologias e o material, para que tenham significado
para os alunos. Baseado na aplicação do recurso com videntes, na dissertação na
qual este trabalho está incluído, a utilização do modelo contribui para o
conhecimento da célula e de suas funções bem como de sua estrutura. Ainda
colabora para maior participação dos alunos nas atividades da turma os incluindo
de fato. A turma como um todo pode participar da aula de forma ativa,
participando da montagem do modelo e nas discussões. E o professor neste
contexto pode de forma direta sanar dúvidas e corrigir os alunos em possíveis
erros conceituais que tenham. O planejamento do professor é de suma importância
para que ele possa organizar a atividade a fim de que seja produtiva.
A seguir o Quadro 2 mostra uma sequência didática que exemplifica os passos da
atividade classificação dos seres vivos.
Quadro 2. Exemplo de
sequência didática para a proposta “Reinos dos seres vivos”.
TEMA
|
CLASSIFICAÇÃO GERAL DOS SERES
VIVOS
|
OBJETIVO
|
Distinguir as características
entre os reinos apresentando o tipo celular correspondente a cada
reino e o número de células.
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RECURSOS INSTRUCIONAIS
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Modelo celular, aula dialogada
|
MOTIVAÇÃO
|
Questões iniciais para a
discussão: Que seres vivos vocês conhecem?
|
TEMPO ESTIMADO PARA AULA
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60 minutos
|
DESENVOLVIMENTO
|
-
Discutir e enumerar os seres
vivos que surgirem nos discursos dos alunos de acordo com os
reinos dos seres vivos, Monera, Protista, Fungi, Plantae e
Animalia.
-
Divida a turma em cinco
grupos para que cada grupo discuta as características de um
reino como tamanho, número de células, habitat, processos
metabólicos, etc.
-
Cada grupo deve ter um modelo
e através da discussão os alunos devem entrar em acordo para
decidir que tipo celular cada reino tem e montar o modelo.
-
O professor deve ser o
mediador desse processo, se possível os alunos podem utilizar o
livro texto em braile e/ou português para consultar.
-
Após a montagem dos modelos
pelos alunos realizar a correção, verificando se todos foram
montados corretamente e fazendo possíveis observações.
-
Por fim, promover o
compartilhamento das informações que cada grupo obteve,
permitindo que os modelos possam ser manipulados por todos e os
alunos realizem perguntas e comentários.
|
AVALIAÇÃO
|
Participação dos alunos nas
discussões e montagem dos modelos.
|
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Fonte: Autores.
|
Assim como a construção do modelo, as
atividades aqui apresentadas são frutos de uma pesquisa que buscou reduzir as
distâncias entre os recursos para o ensino de alunos com e sem necessidades
educacionais especiais. Estas propostas podem ser consideradas inclusivas, pois
preveem a utilização de um recurso didático que pode ser utilizado por alunos
com diferentes necessidades, e em um contexto diferenciado de aula onde o
diálogo e a interação com o objeto são protagonistas. Além do mais, convida o
aluno a participar da atividade. É importante que o professor tenha domínio do
conteúdo, pois a observação e manipulação podem gerar no aluno questionamentos
sobre o tema proposto e ainda outros temas correlacionados. Este ponto é grande
valia, pois os alunos podem a partir daí iniciar um processo de construção do
senso crítico e da investigação sobre o assunto, aspectos que se destacam como
premissa no Ensino de Ciências segundo os PCN.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Ensino de Ciências dentro da Educação tem por finalidade incutir no aluno um
senso crítico e o conhecimento de si e do meio ao seu redor. Nesta busca pelo
entendimento, o professor e os recursos utilizados por ele são cruciais para
estimular e manter o interesse do aluno não só pelo conteúdo vigente, mas por
tudo que o rodeia. O debate de ideias, teorias e a busca por soluções, são
pontos importantes para que neste aluno possa ser tecido o senso crítico, item
importante da cidadania. Levando-se em consideração a importância da Ciência
como fonte de conhecimento e elemento de cidadania, este trabalho buscou
discutir o Ensino de Ciências num contexto inclusivo, que em teoria deveria ser
qualquer contexto. A Escola como primeiro contato com a sociedade deveria estar
aberta a todos sem promover divisões ou exclusões. No entanto, assim como em
nossa sociedade, ainda precisamos evoluir muito na prática de uma inclusão real
dentro e fora dos muros da Escola. A autocrítica do professor sobre o processo
de inclusão traz a superfície dificuldades em sua formação e prática, na
estrutura da Escola e nos recursos utilizados. No entanto é o ponto de partida
para a mudança. Refletindo no campo da ciência e focando a prática na Biologia,
tentamos facilitar o Ensino de citologia com o objetivo de atender a todos. Para
tal, sugerimos uma reflexão sobre os recursos utilizados neste conteúdo, que
possuem estímulos puramente visuais como imagens, vídeos, etc. E como solução
para alunos videntes e não videntes, trouxemos o modelo celular didático
artesanal como recurso tátil-visual que possibilita o manuseio e a
interatividade entre os alunos e o professor. Além disso, apresentamos sugestões
de atividades em diferentes assuntos para a utilização do modelo como recurso.
Nestas propostas didáticas, esperamos contribuir para a reflexão sobre a prática
do professor, seja no Ensino de citologia ou em outra área da Educação. A
utilização um modelo tátil e de uma aula que tem a voz, o diálogo como recursos,
em turmas de ensino fundamental com alunos videntes e com deficiência visual, e
com alunos sem deficiências, vislumbra auxiliar a aprendizagem dos mesmos sobre
os conceitos apresentados.
O interesse em crescer profissionalmente, falando em Educação, está intimamente
ligado a possibilitar a aquisição de conhecimento pelo aluno independente de sua
condição. É direito de o aluno ter acesso à informação e é dever do professor se
esmerar para que sua prática atinja esse objetivo. Acreditamos que a aplicação
deste modelo em aulas de Ciências possa abrir possibilidades para a reflexão dos
professores sobre os moldes atuais da Educação, e que possamos abrir espaços em
nossas práticas de sala de aula, vislumbrando as necessidades dos alunos e as
novas tendências para melhorar a qualidade do Ensino.
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Célula e Inclusão escolar: Proposta Didática para alunos com deficiência
visual
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Edilaine Morais de Souza (edilainebiorio@yahoo.com.br) Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências - IFRJ campus Nilópolis
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Jorge Cardoso Messeder (jorge.messeder@ifrj.edu.br) Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências - IFRJ campus Nilópolis
RIS | Revista Insignare Scientia Vol. 3, n. 1. Jan./Abr. 2020 - ISSN 2595-4520
fonte:
PDF - Célula e Inclusão escolar: Proposta Didática para alunos com Deficiência
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