Eu era cego e agora vejo - Susan Verbrugge
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Resumo | A presente comunicação tem como objetivo partilhar com os presentes uma
das atividades desenvolvidas com alunos cegos a frequentarem o 5.º ano na
escola do 2.º e 3.º ciclos das Olaias, os quais apresentavam velocidades de
leitura muito aquém do desejado para este grau de ensino. A atividade de
leitura e as estratégias aplicadas foram desenvolvidas tendo por base a idade
dos alunos, o seu nível leitor e os fatores determinantes do aumento da
velocidade de leitura em braille.
O Agrupamento de Escolas das Olaias é desde 2008 um Agrupamento de
referência para alunos com deficiência visual. Durante estes onze anos, foi
sempre nossa preocupação proporcionar um ensino de excelência, escolhendo
como princípios orientadores da nossa prática pedagógica, a individualidade e
particularidade de cada aluno, privilegiando o apoio individualizado.
O apoio pedagógico realizado em horário curricular desenvolve-se em contexto
de sala de aula sendo o apoio nas áreas curriculares específicas desenvolvido
em horário não curricular.
Sob o auspício do Decreto Lei n.º 54/2018, e acreditando na filosofia da escola
inclusiva, temos como meta o sucesso de cada aluno. Assim, todos os anos
letivos a organização do serviço de educação especial no domínio da visão é
feita de modo a garantir a acessibilidade ao currículo e à aprendizagem dos
alunos com deficiência visual.
O grupo de alunos com deficiência visual é todos os anos muito heterogéneo,
em número, e na sua distribuição pelos anos escolares, bem como nas suas
capacidades e saberes. Deste modo, a reunião de preparação do ano letivo da
educação especial no domínio da visão é, pois, vital para que se definam linhas
de atuação, distribuição de professores e horários, grupos de trabalho, o
desporto adaptado, áreas curriculares específicas, avaliações dos alunos
novos, ...
Um dos grandes desafios deste ano letivo foi a matrícula de dois alunos cegos
com 11 anos inscritos no 5.º ano de escolaridade, ambos muito motivados e
com potencial, mas com uma velocidade de leitura baixa, que não lhes permite
compreender o conteúdo da mensagem escrita.
A avaliação informal da leitura destes alunos revela indicadores essenciais:
identificam todas as letras do alfabeto, os sinais de pontuação e o sinal de
maiúscula, com uma velocidade de leitura de 4 palavras por minuto.
Verificamos que apresentam muitos movimentos verticais na descodificação
das letras, movimentam as mãos de forma rígida e com grande pressão sobre
os carateres braille.
OBJETIVO:
Desenvolver competências necessárias que permitam aumentar a
velocidade de leitura.
Vários estudos apontam os fatores determinantes para o aumento da
velocidade de leitura em braille (Reino, 2000) tais como os condicionalismos
inerentes do próprio sistema Braille; a independência e coordenação das duas
mãos; a utilização dos dedos indicadores como dedos leitores; a movimentação
das mãos da esquerda para a direita num movimento o mais horizontal
possível; a mudança de linha realizada preferencialmente pela mão esquerda
após ter percorrido aproximadamente o primeiro terço da frase; e a fraca
pressão dos dedos sobre os pontos braille.
COMO?
Atividades em braille apresentadas na forma de jogo de descoberta, onde cada
desafio pretende desenvolver uma componente crítica da leitura, exigindo ao
aluno aprendizagem e esforço, mas oferecendo-lhe prazer no sucesso da
atividade.
Exemplos de exercícios:
Imagem 1
Descrição da imagem:
Três exercícios, cada um é apresentado em duas colunas e várias linhas.
Em cada linha da coluna um está um animal; na coluna dois, um adjetivo.
Todos os exercícios têm títulos, de modo a contextualizar o leitor no tema.
Exercício um: “Era uma vez... um rato” Um rato feio / Um rato cinzento / Um
rato branco; um rato pequeno, ...
Exercício dois: “Era uma vez... um pato” Um pato patudo / Um pato gordo / Um
pato feio; ...
Exercício três: “Era uma vez... um camaleão” Um camaleão amarelo / Um
camaleão branco; ...
Em cada exercício é solicitada a exploração da página: Como está apresentada
a atividade? Quantas linhas? Quantas colunas?.
Obriga a um trabalho de movimento independente das mãos: a esquerda lê a
coluna da esquerda, enquanto a mão direita lê a coluna da direita.
Promove-se o movimento correto de mudança de linha: o conhecimento prévio
da palavra da coluna um, coloca a primazia no movimento da mudança de
linha.
O formato e a simplicidade do texto promovem os movimentos lineares dos
dedos leitores.
Os exercícios são apresentados sempre do mais simples para o mais
complexo, respeitando a velocidade de aprendizagem, garantindo o sucesso e
o prazer.
Imagem 2
Descrição da imagem:
Quatro exercícios, cada um é apresentado em duas colunas e várias linhas.
Exercício um: “Tantos animais selvagens” em cada linha da coluna um está um
algarismo, e na coluna dois os animais: um leão / dois crocodilos / três
rinocerontes...
Exercício dois: “Tantos bichos domésticos” em cada linha da coluna um está
um algarismo, e na coluna dois os animais: um cão/ dois gatos / três cabras, ...
Exercício três: “Transportes e velocidades”: em cada linha da coluna um está
um meio de transporte, e na coluna dois a velocidade: (rápido ou é lento). O
barco é rápido / O carro é rápido / O avião é rápido / O comboio é lento; ...
Exercício quatro: “Vestir e... despir” : Em cada linha da coluna um está uma
peça de roupa, e na coluna dois se a peça é grande ou pequena. A camisola é
grande / A camisa é pequena...
Nesta sequência de exercícios, o grau de complexidade é maior, as duas mãos
já têm de descodificar as palavras, mas o conhecimento do contexto favorece o
mecanismo da leitura.
Sempre utilizando a mesma sequência na apresentação dos exercícios, do
formato texto.
Imagem 3
Descrição da imagem: Texto corrido com pequenas frases.
Título: Muitos animais: O gato é meigo; O cão é fiel; A galinha pica; ...
Ao fim de três meses de trabalho sistemático de leitura, utilizando exercícios
que promovem o desenvolvimento das competências vitais da leitura veloz,
como os que acabamos de partilhar, verificamos nos nossos alunos, um
aumento de velocidade na leitura de textos para 15-17 palavras por minuto.
Não podendo ser quantificado, verificamos um aumento do prazer de ler destes
alunos, no seu sorriso, quando propomos atividades de leitura e nas
gargalhadas quando descobrem e vencem o desafio proposto.
Brincar à leitura é fazer do braille uma brincadeira que os deixa felizes!
Referências Bibliográficas
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Borges, I. (2011). A educação especial na esfera pública em Portugal.
Análise dos debates em torno das recentes medidas de política
educativa. Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação –
Especialização em Educação Especial. Escola Superior de Educação de
Lisboa. Instituto Politécnico de Lisboa.
-
Castiñeiras, J. (1998). “Deficiencias Visuales”, in Manual de Educacion
Especial. Madrid: Ed. Anaya.
-
Coelho, V. B. (2000). “O Braille em Portugal”, in Colóquio "O Braille que
temos, o Braille que queremos". Lisboa: Comissão de Braille.
-
Horton, J. (2000). Educação de alunos deficientes visuais em escolas
regulares. (1ª Ed). Instituto de Inovação Educacional. Lisboa: Ministério
da Educação.
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Pereira, Maria de Lourdes B. de F. (2002). A DEFICIÊNCIA VISUAL E A
LITERACIA BRAILLE: Aspectos da Grafia Braille da Língua Portuguesa.
Dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de Doutor em
Motricidade Humana na especialidade de Educação Especial e
Reabilitação, à Universidade Técnica de Lisboa / Faculdade De
Motricidade Humana.
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Reino, V. (2000). "Ensino/Aprendizagem do Braille". In Colóquio "O Braille
que temos, o Braille que queremos". Lisboa: Comissão de Braille.
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Brincar à Leitura: Brincar à leitura é fazer do braille uma brincadeira
que os deixa felizes!
autora:
Maria da Graça Pereira Inácio
Agrupamento de Escolas das Olaias
in 'A Didática do Braille'
-Compilação das comunicações apresentadas no
Seminário comemorativo do Dia Mundial do Braille de 2020-
Núcleo para o Braille e Meios Complementares de Leitura
Editor: Instituto Nacional para a Reabilitação I.P
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