
Exercícios de Ginástica na Escola para Cegos
em Budapeste (gravura)
| A frequência de ginásios por praticantes cegos ou com
baixa visão pode levantar, à partida, um conjunto de
desafios, quer da perspetiva desse mesmos praticantes quer
por parte do responsáveis pela orientação do treino. Os
autores deste artigo procuram abordar alguns dos aspeto mais
importantes no que diz respeito a este assunto. |
Foi-nos feito um convite para escrever este artigo sobre o trabalho por nós realizado com atletas com deficiência visual em ginásio. Primeiro que tudo achamos importante deixar-vos uma pequena apresentação nossa e um pouco da história como tudo se iniciou.
Corria o ano de 2011, quando foi proposto ao Clube Atlético de Alvalade o desenvolvimento de um trabalho, na área da atividade física, com diferentes associações de pessoas com deficiência visual. Como instrutores do Clube foi nos lançado este novo desafio, desafio esse que foi por nós aceite apesar de algum receio inicial por falta de preparação e experiência com este tipo de população. Desde esse dia tem sido uma viagem de grande aprendizagem, mas também de enorme gratificação.
Ao iniciarmos esta etapa deparámo-nos desde logo com várias dificuldades, entre elas o facto de nenhum de nós ter experiência passada com atletas cegos, de não haver muitos estudos ou referências por onde orientarmos o nosso trabalho, mas acima de tudo por qual seria a reação destes novos atletas ao treino orientado em ginásio e à forma como iria ser feito o nosso acompanhamento.
Dificuldades essas que rapidamente foram superadas devido à enorme abertura e vontade de aprender dos novos atletas bem como de nós próprios. A partir daí todos os nossos receios foram ficando para trás e a confiança entre nós e estes atletas aumentando, o que permitiu uma rápida superação das barreiras e obstáculos que nos foram e ainda vão surgindo no dia-a-dia.
Quando começamos propriamente o trabalho no “campo” encontramos
uma população de forma geral
com pouca autoestima, com índices físicos abaixo da média, com uma taxa de sedentarismo e doenças associadas elevada e com uma autonomia relativamente reduzida.
Além disso reparámos que a adesão ao ginásio não era propriamente a prioridade destes potenciais atletas, apenas alguns deles acediam a este serviço.
A Associação Nacional de Desporto para Deficientes Visuais e a Fundação Raquel e Martin Sain estabeleceram protocolos com o Clube Atlético de Alvalade que possibilitam, aos atletas filiados e aos formandos respetivamente, a prática da sala de condição física do clube em regime gratuito ou com preços vantajosos. A celebração destes protocolos visa possibilitar o acesso à prática desportiva por parte das pessoas com deficiência visual, tendo em conta os benefícios e objetivos específicos encarados por estes praticantes.
[nota: Para saber como pode frequentar a sala de condição física do Clube Atlético de Alvalade e em que condições, contacte a ANDDVIS pelo telefone 21 726 87 30 ou pelo e-mail desporto@anddvis.org.pt.]
Eles por sua vez encontraram dois professores a tentarem perceber como fazer a melhor abordagem em relação à limitação existente e a tentarem aprender o básico para poderem cada vez mais se ajustarem a estes novos atletas. Exemplo disso foi a dificuldade inicial que sentimos no simples ato de conduzir o aluno.
Ao longo deste percurso temos verificado uma grande evolução em todos estes parâmetros, tanto nos alunos como em nós próprios, resultando numa relação de confiança que cada vez mais se traduz em benefícios para a o dia-a-dia de cada um deles.
A
timidez e desconfiança inicial sentida por todos foi substituída por uma cumplicidade e confiança mútua baseada numa relação de amizade e respeito. O
sedentarismo foi substituído por uma vontade sincera que chegue a hora do treino. A
resistência inicial de frequentarem o ginásio e de começarem a treinar, transformou-se numa sala de treino cheia que por vezes chega mesmo a atingir o limite da sua capacidade. A
baixa autoestima esfumou-se no cuidado e no gosto, agora revelado, pelo próprio corpo. Pela saudável competição e cooperação entre eles vivida durante o treino. Pela constante vontade de evoluir e continuar a melhorar. Mas acima de tudo pela boa disposição e divertimento com que encaram os desafios por nós preparados para eles em cada treino.
Os
baixos níveis físicos apresentados transformaram-se em capacidades e competências que nos permitem, hoje em dia, ter e atingir objectivos muito acima da média e expectativa inicial. Objectivos esses que superam muitas das vezes as médias apresentadas inclusive por atletas sem limitação visual, levando mesmo a uma admiração e servindo de inspiração para estes.
Em suma o que vos queremos transmitir ao fim destes anos de trabalho é que neste tipo de população o exercício físico torna-se ainda mais necessário, pois sentimos que sem ele o sedentarismo do dia-a-dia acaba por se apoderar e com ele as várias consequências daí resultantes.
Infelizmente podemos afirmar que esse mesmo sedentarismo está associado à falta de oferta para a prática adaptada de atividade física, pois quando ela existe a adesão é grande. Apesar disto não podemos deixar de referir a constante evolução e esforço que tem sido feito pelas diferentes associações ligadas a esta causa nos últimos anos e as visíveis melhorias neste aspecto.
Nos atletas que tivemos e temos o privilégio de treinar ao longo destes anos, observamos uma melhoria clara a nível de saúde e de bem estar. As melhores performances físicas alcançadas levaram a um aumento do “amor próprio” que se refletiu numa melhoria da qualidade de vida e em muitos casos numa forma diferente e mais positiva de encarar a vida. Foi e é com muita felicidade e algum orgulho que vemos esses mesmos atletas que chegaram até nós pouco confiantes e desmotivados encararem hoje em dia, nas suas vidas fora do ginásio, novos desafios e projetos que até há pouco pareciam distantes ou mesmo impossíveis de concretizar.
Para nós, como referimos de início, tem sido uma viagem gratificante e enriquecedora tanto a nível profissional como a nível pessoal. As aprendizagens retiradas todos os dias têm nos tornado melhores profissionais mas acima de tudo melhores pessoas. Por isso tudo e por muito mais usamos este espaço para deixar o nosso imenso obrigado pela oportunidade que nos deram de participarmos, juntamente com vocês, nesta maravilhosa viagem. LB
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'Benefícios da prática desportiva em pessoas com deficiência visual'
Duarte Comprido e
Andreia Violeiro (Instrutores de condição física do Clube Atlético de Alvalade) Duarte Comprido: instrutor e personal trainer desde 2000, formação na área do treino desportivo, massagem desportiva, treino funcional e total condicionamento;
Andreia Violeiro: instrutora e personal trainer desde 2007, formação em fisioterapia, osteopatia , treino funcional e total condicionamento.
in Revista Louis Braille nº15 - julho, agosto, setembro 2015
16.Fev.2016
publicado
por
MJA
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