Desde os primeiros meses de vida, os animais fazem parte do mundo imaginário
infantil. Eles estão representados nos brinquedos, falam e emitem sons, compõe
os personagens dos desenhos animados, das fábulas e dos contos de fadas. Os
animais são utilizados para representar as personalidades humanas, o bem e o
mal, o certo e o errado, o seguro e o perigoso. Afinal, quem de nós não conhece
a história do inteligente Gato de Botas, ou os Três porquinhos? Entretanto, ao
longo da história, os animais não tem sido utilizados somente para fins lúdicos
e recreativos.
Desde séculos antes de Cristo, eles vêm sendo aproveitados para as práticas
terapêuticas. A citação mais antiga sobre as terapias realizadas por animais,
data de aproximadamente 400 anos a.C. .
Hipócrates, considerado o pai da medicina,
acreditava que cavalgar trazia benefícios neurológicos, e ele estava certo. O
contato com o animal, que por si só é um tipo diferenciado de interação com o
mundo, é capaz de despertar e melhorar as potencialidades do paciente. Outro
benefício está ligado ao movimento dos quadris do cavalo, que se assemelha ao
andar humano e, ao transmitir esta sensação de movimento ao corpo do paciente,
estimula ajustes motores e proporciona a melhoria da consciência corporal.
Observamos que, daquela época, até hoje, o interesse pela terapia assistida por
animais e sua pesquisa mais aprofundada começaram a aparecer com força somente
em meados do século passado. Isso ocorreu em virtude de a medicina ter passado a
dar importância aos aspectos psicológicos e sociais das enfermidades no século
20. A partir de então, os fatores externos e internos passaram a ser mais
valorizados na construção da saúde das pessoas. A doença, que antes era tratada
exclusivamente por medicamentos, hoje é curada através de terapias, tratamentos
alternativos, investigação sobre os hábitos e a vida do paciente. Todo o meio
externo e também o psicológico passaram a ser considerados definitivos para o
aparecimento e desenvolvimento de uma enfermidade.
O local, onde a zooterapia passou a ser praticada e difundida de facto, foi na
Inglaterra em 1792, mais precisamente no hospital psiquiátrico chamado de Retiro
de York. Fundado por William Tuke, o hospital tinha novas ideias de tratamento e
era considerado um reduto mais humanístico para aqueles que sofriam de
atribulações mentais como a esquizofrenia. O tratamento era dito como moral e
diferente dos outros hospitais psiquiátricos. Nas imediações do Retiro de York
existiam vários animais de pequeno porte, que, para Tuke, significavam, além do
afeto, o surgimento de sentimentos sociais e benevolentes nos pacientes.
Depois do Retiro de York, os demais hospitais ingleses também passaram a
utilizar esta nova forma de tratamento. A partir do século XIX, a terapia
assistida por animais também passou a ser aplicada em pacientes psiquiátricos na
Alemanha. Porém, apenas no século seguinte esse tratamento terapêutico ganhou
novos estudos e se difundiu pelo mundo.
Algumas das mais relevantes pesquisas que abordaram a temática do uso
terapêutico dos animais foram desenvolvidas pelo psicólogo Boris Levinson, a
partir da década de 1960. Dentre seus artigos mais conhecidos está "O cão como
co-terapeuta", no qual ele descreve experiências da atividade assistida por cães
em seus pacientes. Levinson levava os cachorros para seu consultório,
especialmente para o atendimento de crianças, por reconhecer a melhora no
desenvolvimento delas ao terem contato com um animal de estimação.
No Brasil, mais especificamente na década de 50, tivemos uma pesquisadora com
trabalhos expressivos nesta área, a psiquiatra junguiana Nise da Silveira. Ao
tratar os pacientes com esquizofrenia no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de
Janeiro, Silveira percebia como os pacientes se vinculavam de maneira fácil e
natural aos cães. Em sua obra ela aborda o "Aspecto Catalisador" dos cachorros,
pois eles são co-terapeutas não invasivos e são capazes de se tornar um ponto de
referência estável no mundo confuso dos pacientes.
Atualmente, o assunto é mais discutido, mais aceito e vem sendo mais conhecido,
à medida que crescem as pesquisas acadêmicas a cerca do tema e seus benefícios
vão sendo difundidos e novas instituições especializadas vão sendo criadas. A
Delta Society, uma instituição norte-americana bastante reconhecida por seu
trabalho terapêutico com cachorros, traz um amplo material em seu web site. No
Brasil, as maiores instituições a aplicarem as terapias assistidas por animais
são: a INATAA, que além de trabalhar com cães também usa a equoterapia (terapia
assistida por cavalos); a TAC e a Cão terapeuta. Todas estas possuem projetos em
mais de uma instituição e atendem um público diversificado, composto por pessoas
com deficiência intelectual ou física, idosos, crianças e pacientes internados
em hospitais.
A esta altura, você deve estar se perguntando: mas como funciona uma terapia
assistida por animais? Atualmente, esta técnica tem sido denominada de Pet
Terapia. A palavra "pet" vem do inglês, e designa animal de estimação. O termo
"pet therapy" pode ser traduzido como terapia com animais de estimação. A pet
terapia é uma interação entre pessoas e animais, que funciona como ferramenta de
estímulo ao paciente. Este tipo de tratamento também é conhecido como Terapia
Assistida por Animais (TAA), no qual podem participar cães, gatos, coelhos,
tartarugas, dentre inúmeras outras espécies. Os integrantes do reino animal,
além de serem fiéis companheiros, também são importantes mediadores e
facilitadores no tratamento de pessoas que passam por reabilitações físicas,
emocionais e sociais. Qualquer pessoa que necessite melhorar a qualidade de vida
e a auto-estima pode se beneficiar deste trabalho. De qualquer forma, a pessoa
precisa gostar da visita do animal. O animal não pode causar um desconforto ao
paciente. Por isso, a terapia assistida por animais é contra-indicada para
pessoas que têm medo ou não gostam de animais. Dentre os animais mais
requisitados para servirem como integrantes da pet terapia está, sem dúvida, o
cão. Figura amistosa e bem quista pela maioria das pessoas. Cabe a ele, em
grande parte dos casos, a missão de contribuir para o resgate da qualidade de
vida e saúde dos homens.
A pet terapia divide-se em duas diferentes propostas, a saber:
1. Atividade Assistida por Animais (AAA):
A Atividade Assistida por Animais é realizada com o objetivo de motivar os
pacientes e criar uma forma de entretenimento entre os mesmos. Esta interação
geralmente dura em torno de uma hora e é conduzida a partir de brincadeiras, nas
quais os pacientes podem se divertir com os animais. Este tipo de atividade pode
ser conduzido tanto pelo dono do animal como por um profissional da saúde.
2. Terapia Assistida por Animais (TAA):
No caso de uma Terapia Assistida por Animais, as atividades são diferentes, pois
o animal ajudará diretamente no tratamento da doença, fazendo parte do processo
de cura e não somente servindo para distração. Este tratamento é feito com a
supervisão de um profissional de saúde, especializado na área específica, e é
indicado para tratamentos físicos, psicológicos e cognitivos.
As terapias com a participação de animais podem ser utilizadas nos mais diversos
casos, como por exemplo, idosos em lares de repouso, pessoas com deficiências
mentais ou problemas de aprendizagem, pessoas hospitalizadas ou com problemas
físicos, crianças e adultos com problemas de adaptação social, pessoas com
problemas psicológicos, transtornos de comportamento, depressão, entre outros. A
terapia assistida por animais auxilia em exercícios fonoaudiológicos e
fisioterapêuticos, e contribui para o avanço de tratamentos psicológicos e
respiratórios.
Nos tratamentos fonoaudiológicos, a interação com animais estimula o paciente a
emitir sons, chamar o animal pelo nome, dar-lhe ordens verbais, imitar seus
latidos e rosnados durante as brincadeiras, e assim, podem ser trabalhados
inúmeros aspectos da dicção, da oralidade e da comunicação verbal de indivíduos
com problemas de fala.
Nos tratamentos fisioterapêuticos, através do contato com o animal, podem-se
estimular diversos tipos de movimentos. O paciente acaricia e penteia o pêlo do
cão, joga a bolinha para que ele pegue, precisa ser ágil para recuperar o objeto
e atira-lo novamente para o cão buscar, segura um objeto que o cão tenta
arrancar-lhe das mãos, etc. Tudo isto trabalha a motricidade fina, que é a
movimentação das mãos, o equilíbrio e a coordenação motora, que consiste em
calcular nossos próprios movimentos, planejar com que velocidade e força preciso
me movimentar, e em qual direção vou mover-me ou mover minhas mãos. Este brincar
ativo faz com que o paciente gaste energia, melhore seu condicionamento físico,
prevenindo os problemas cardiovasculares, reduzindo a pressão alta e o estresse.
Nos tratamentos psicológicos, o animal atua como um estimulante da alegria e da
vontade de viver. O cão por si só, possui uma energia de vida, ele se movimenta
constantemente, e estimula o paciente a sair do seu mundo isolado e triste. Por
outro lado, o cão sabe agir como terapeuta. Ao perceber a tristeza nos olhos de
uma pessoa, ele fixa seu olhar, como se nos estivesse tentando ler, como se
desejasse partilhar de nossos dramas. E esta atitude meigamente acolhedora,
vinda de um ser que não julga e não fala, muitas vezes faz com que o paciente se
sinta compreendido e consiga conversar com o cachorro, sobre assuntos que ele
não consegue abordar nem com seu terapeuta. A possibilidade de contar os seus
problemas a alguém que simplesmente o olha fixamente sem fazer julgamentos,
impele o paciente a desabafar. E esta troca de carinho desinteressada, aos
poucos vai despertando nele o afeto que ficou adormecido por seus transtornos
emocionais e estados traumáticos. Este contato acaba por aumentar os níveis de
endorfina no organismo do paciente, reduzindo os quadros traumáticos e
depressivos. A endorfina consiste de um neurotransmissor, ou seja, uma
substância usada pelo cérebro para se comunicar com o restante do corpo. A
endorfina é chamada de hormônio do prazer, pois é liberada pelo cérebro quando
nos sentimos felizes e relaxados. O nome endorfina deriva de "endo", interno, e
"morfina", substância que alivia a dor. Os quadros depressivos, de modo geral,
são causados por baixos níveis de endorfinas no sangue. E a interação com
animais favorece o aumento da sua produção pelo cérebro.
Os benefícios da
pet terapia em tratamentos respiratórios estão ligados ao
aumento da imunidade, o que reduz o índice de alergias e insuficiências
respiratórias.
Os resultados das recentes pesquisas na área de psicologia, envolvendo terapias
com animais, têm motivado a criação de diversos projetos de ressocialização pelo
convívio com animais. Foi desenvolvido recentemente nos Estados Unidos, o
Programa Jail Dogs, cachorros de cadeia. Este é um projeto que abala as bases de
qualquer preconceito. O objetivo deste programa é auxiliar os presos a se
reinserirem na sociedade. Com esta iniciativa, se pretendia resolver 2
problemas: primeiro o dos presos, estigmatizados, condenados ao isolamento
social que gera confusão mental e uma significativa piora dos quadros psíquicos
destes criminosos, e por fim, o problema dos milhares de cães abandonados todos
os dias. Muitos destes presos não têm família nem recebem visitas, os cães, por
sua vez, aguardam em abrigos por uma adoção, ou pela eutanásia. Decidiu-se
então, levar os cães para os presídios, e dá-los aos presos para que os
cuidassem. A idéia foi tão bem sucedida, que alguns criminosos que praticaram
atos hediondos, e eram considerados irrecuperáveis, após a convivência com estes
"bichinhos", começaram a sorrir, expressar sentimentos, e agora QUEREM se
reintegrar! A agressividade e indisciplina deles também caiu drasticamente.
Alguns ex-presidiários se adaptam tão bem aos cães, que ao saírem da prisão,
buscam empregos em Pet Shops, sim, muitos locais que prestam serviço na área
veterinária também estão abrindo mão do estigma e oferecendo emprego a
ex-presos! O lema do projeto não poderia ser outro: você salva um cão e ele te
salva!
E como a pessoa com deficiência visual se assemelha a tudo isso? O que o cego
tem a ver com os idosos, os hospitalizados e os presos? A relação está nas
condições físicas, emocionais e sociais. Os cegos, de modo geral, assim como os
presos, vivem encerrados em suas casas, convivendo diariamente com as mesmas
pessoas, que muitas vezes exercem a função de cuidadores e não de familiares. Os
cegos, assim como os hospitalizados, também não se movimentam, seus
deslocamentos são mínimos e não praticam atividades físicas. E, por fim, assim
como todos estes grupos, vive sentimentos de abandono, rejeição, pena,
frustração, revolta, entre outros. E, da mesma forma, desenvolvem comportamentos
anti-sociais e agressivos.
E em virtude disto, é que venho sugerir, através desta reflexão, que as famílias
de pessoas com deficiência proporcionem ao seu familiar deficiente o convívio
com um animal de estimação, preferencialmente um cão, de porte adequado à sua
residência, e de raça tranqüila. Os benefícios desta interação para a pessoa com
deficiência visual, seja ela uma criança ou um adulto, são extremamente
relevantes para o seu desenvolvimento físico, motor, funcional, psíquico,
emocional e social, permitindo-o adquirir independência e autonomia.
O animal, ao contrário dos humanos, não julga o seu dono, não cria expectativas
e não pré-supõe. Ou seja, as crianças humanas, ao perceberem as limitações
físicas da criança cega, não tentam brincar com ela, por pré-supor que ela não
possa ou não consiga acompanha-los. O cão, por sua vez, não possui faculdades
que lhe permitam fazer este julgamento, então, ele tentará brincar com seu dono,
independentemente deste ver ou não.
Quando o cão percebe que o dono não responde pelo olhar, ele busca encontrar
outras maneiras de comunicar-se e convida-lo a brincar, seja latindo, rosnando,
emitindo outros sons, mordendo, cutucando o dono com a pata ou o focinho, etc. E
assim o cego encontra um companheiro para sua vida. E para brincar com seu
cachorro, este cego precisará desenvolver habilidades nunca antes
experimentadas. Ele terá de aprender a localizar seu cão auditivamente, pelo som
das patinhas, da respiração, do sacudir das orelhas ou pelos latidos e rosnados.
Ele terá de estabelecer com seu cão uma forma de linguagem que não a verbal, uma
linguagem sinestésica.
As pessoas que enxergam, tendem a comunicar-se com o cego unicamente pela
verbalização, e o cão não tem esta possibilidade. O que faz com que esta
construção comunicativa entre cego e cachorro, permita ao cego criar conceitos
de linguagem corporal, que favorecerão, mais tarde, sua interação com o mundo.
Quando o cego aprende a localizar seu animal pelos sons, a sua audição se
desenvolve e ele passa a calcular as distâncias e as velocidades dos sons, o que
será fundamental para a aquisição de orientação espacial e mobilidade com o uso
da bengala. Quando eu chamo meu cachorro, ele sai do ponto onde está e vem em
minha direção. A velocidade com que ele faz isso depende do objetivo do meu
chamado, se eu estiver com comida nas mãos, por exemplo, ele virá correndo. E se
eu estiver com uma bolinha, que quero entregar a ele, eu posso calcular pelo som
das patas, em que velocidade ele se aproxima e quanto levará para chegar até
mim.
Este é um dos princípios básicos de orientação e mobilidade, conseguir
identificar a origem do som, a sua direção e velocidade, caso ele esteja se
movimentando, e no caso de ser um carro, em quanto tempo ele chegará até mim.
Desta forma, posso calcular se tenho tempo para atravessar a rua ou não. O
animal também irá tirar o cego da sua imobilidade, afinal, se ele quiser
brincar, ele terá de se movimentar muito, já que os cachorros têm uma energia
que parece infinita.
A criança que nasce cega tem uma idéia errônea do mundo. Ela o imagina estático,
já que ela usualmente toca em objetos estáticos e os movimentos a sua volta não
são bem compreendidos pela falta da audição treinada. E o cão traz este novo
sentido ao universo do cego, o sentido de movimento. Certa vez, ouvi uma pessoa
cega dizer: tenho medo de cachorros, eles se mexem muito rápido. Ou seja, esta
pessoa desenvolveu um conceito de normalidade, onde tudo se move lentamente. E
os movimentos bruscos dos cães lhe amedrontam.
A convivência com um animal, caso seja bem instruída, pode desenvolver a
consciência da responsabilidade. Se os pais transferirem para a criança a
responsabilidade de servir a comida e a água do cão, penteá-lo, limpar suas
orelhas, etc., a criança aprenderá o conceito de disciplina, posto que, se não
limpar as orelhas de seu animalzinho, ele ficará fedorento.
Os benefícios psicológicos desta interação são extremamente significativos. Ao
contrário dos seres humanos, os animais nos amam independentemente de sermos
ricos ou pobres, feios ou belos, perfeitos ou deficientes, honestos ou
desonestos. Nosso animal de estimação nos ama pelo que representamos a ele, e
para a pessoa cega, este amor incondicional, de alguém que não o vê como cego
desinteressante ou coitado é o amor mais gratificante e revigorante que existe.
Se você ama seu filho que tem deficiência visual, dê-lhe uma oportunidade de se
desenvolver. Esta é a terapia multidisciplinar mais barata e prazerosa que você
pode proporcionar a ele. Adotando um cachorro abandonado, você salva um cão, e
ele pode salvar seu filho. Pense nisso.
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Os Benefícios da Convivência com Animais para o Desenvolvimento Bio-Psico-Social
da Criança com Deficiência Visual
autora: Camila Gandini, Psicoterapeuta online do Portal da Deficiência Visual Portal da Deficiência
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