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 Sobre a Deficiência Visual

Autoestima a partir do caminhar:

Orientação e Mobilidade da pessoa com Deficiência Visual

Andreisa Jacinto Santos & Sandra Andrade de Castro


Mulher cega - foto de Aleksey Myakishev, 1995
foto de Aleksey Myakishev, 1995

 

RESUMO | O artigo apresenta alguns conceitos de orientação e mobilidade (OM) e sua aplicabilidade no dia a dia da sociedade. Aponta a importância das maneiras e técnicas de locomoção – guia vidente, autoproteção e bengala longa – para que a pessoa com deficiência visual transite com segurança e independência. Cita uma lista de diretrizes sobre o trato com as pessoas com deficiência visual, orientando a sociedade sobre atitudes que facilitem a interação social destas. Entre as diversas técnicas de OM, a bengala longa, além de um instrumento, pode ser considerada, em uma análise psicológica de Jung, como um signo da pessoa com deficiência visual, tornando-se uma identificação que evoca o significado na consciência coletiva. Ela é a companheira do dia a dia, possibilitando mobilidade, privacidade, identificação, autonomia, segurança e preservação da integridade física. Segundo Hoffmann, são inúmeros os benefícios da independência locomotora: autoconfiança, integração, contato social, oportunidade de emprego. Aponta-se, também, o aumento da autoestima como benefício da autonomia. É apresentado o equipamento DPS 2000, como inovação tecnológica para facilitar o ir e vir das pessoas com deficiência visual. Conclui-se que a interação das pessoas que enxergam com as pessoas com deficiência visual é simples, sendo um caminho possível de ser percorrido, a partir da mudança atitudinal de cada um. A independência locomotora possibilita a melhoria da autoestima e, consequentemente, da qualidade de vida das pessoas com deficiência visual.


Introdução

O objetivo deste artigo é trazer informações para a sociedade a respeito do “ir e vir” das pessoas com deficiência visual e suas implicações emocionais e práticas, no intuito de compreender a importância desse fato para a melhoria da autoestima desses sujeitos. Faz-se necessária a conscientização de um maior número de pessoas para que se adotem procedimentos mais adequados de auxílio e de apoio, contribuindo para a criação de hábitos saudáveis, apropriados no convívio com pessoas com deficiência visual. Todos podem participar no processo de transformação, colaborando para que a pessoa com deficiência visual adquira independência e autonomia de acordo com suas potencialidades e limitações.

O tema foi mobilizado com base em fatos e reflexões ocorridos com as pessoas com deficiência visual que trabalham ou são atendidas no Instituto São Rafael.3 Muitos são os relatos e sentimentos que se escutam sobre situações do cotidiano que dificultam a adaptação desses sujeitos como cidadãos respeitados em seus direitos.

Inúmeros são os obstáculos que essa população enfrenta no dia a dia, como bueiros sem tampa, buracos abertos na calçada, materiais e entulho ou caçambas em calçadas, o que dificulta o ir e vir da pessoa com deficiência visual, mesmo com a implantação da acessibilidade pública. Existem vários casos de atropelamento, alguns com vítima fatal, de pessoas com deficiência visual total ou com baixa visão, por, às vezes, elas confiarem em seu resíduo visual e se “aventurarem” na travessia de ruas sem o auxílio de guia vidente.4

No mês de outubro de 2012, ocorreu mais um episódio de atropelamento de deficiente visual em Belo Horizonte. Dessa vez, a pessoa com deficiência visual era atravessada por um cidadão que enxerga e, no meio da via pública, em pleno centro da cidade, a pessoa aparentemente se assustou e deixou o deficiente visual à mercê, no meio da rua, que foi atingido por um veículo, causando-lhe fraturas no braço e ferimentos no nariz. Além das feridas físicas, ressaltam-se o impacto emocional e a insegurança desse sujeito e das demais pessoas com deficiência visual, abrindo uma lacuna na confiança para pedir ajuda à população na locomoção diária e dificultando a saída de casa para transitar em ambientes públicos.

Em nossa rotina laboral, ao escutarmos as pessoas que adquiriram a deficiência na vida adulta, muitas descrevem essa perda como incapacitante para a vida, como se tivessem “perdido tudo”, como se “tudo estivesse acabado”, principalmente em razão da dependência em locomoção. Ao ser orientada sobre a reabilitação, a pessoa com deficiência visual vislumbra as possibilidades, e um dos primeiros desejos é “orientação e mobilidade”. O desejo de independência, associado a uma possível diminuição da sensação de incapacidade decorrente da perda, colabora para o resgate da autoconfiança e a melhoria da autoestima. “O cego é como um carro que perdeu o farol, mas ainda anda!” (fala de um deficiente visual, 49 anos, com diagnóstico médico de retinose pigmentar, reabilitando do Instituto São Rafael, 2010).

Faz-se necessária uma reflexão sobre o que é orientação e mobilidade para as pessoas com deficiência visual, fornecendo dicas e noções para viabilizar e facilitar o relacionamento delas com a sociedade.


O que é orientação e mobilidade?

Orientação e mobilidade faz parte do cotidiano e do dia a dia da sociedade. Segundo Felippe (1997, 2001), “a orientação é a capacidade de perceber o ambiente, saber onde estamos, e a mobilidade é a capacidade de nos movimentar” (FELIPPE, 2001, p. 5).

Para o deficiente visual, a orientação é o aprendizado no uso dos sentidos para obter informações do ambiente: saber onde está, para onde vai ou como fazer para ir a algum lugar. Podem-se usar audição, tato, cinestesia (percepção dos movimentos), olfato e visão residual, se ela existir. A mobilidade é o aprendizado para o controle dos movimentos de forma organizada e eficaz.

Para Mendonça e colaboradores (2008, p. 67), orientação e mobilidade, conhecida popularmente como OM na comunidade dos deficientes visuais, tem como finalidade ajudar o deficiente visual – cego ou com baixa visão – “a construir o mapa cognitivo do espaço que o rodeia e deslocar-se nesse espaço, servindo-se para isso de um conjunto de técnicas apropriadas e específicas”.

Hoffmann (1999) define OM como um processo amplo e flexível, composto por um conjunto de habilidades motoras, cognitivas, sociais e emocionais e por um grupo de técnicas específicas (guia vidente, proteção e bengala), que possibilitam ao deficiente visual conhecer, relacionar-se e deslocar-se de forma independente e autônoma nas várias estruturas, nos espaços e nas situações do ambiente.

Nas orientações do Ministério da Educação e Cultura (MEC) (GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010, p. 7), na combinação dos dois conceitos, orientação e mobilidade, a expressão significa: mover-se de forma orientada, com sentido, direção e utilizando-se de várias referências como pontos cardeais, lojas comerciais, guia para consulta de mapas, informações com pessoas, leitura de informações de placas com símbolos ou escrita para chegar ao local desejado. (GIACOMINI; SARTORETTO; BERSCH, 2010, p. 7)

Portanto, OM faz parte da rotina de todas as pessoas – videntes ou com deficiência visual –, pois no dia a dia todos necessitam ir a algum lugar utilizando referências para se orientar e encontrar o caminho certo.

No caso da pessoa com deficiência visual, também significa mover-se de forma orientada e sem medo, com segurança e independência, utilizando as técnicas de guia vidente, autoproteção e bengala longa. Ressalta-se que a exploração dos sentidos remanescentes5 é fundamental e essencial no processo de aprendizagem.

Para Felippe (2001, p. 6), a pessoa com deficiência visual pode se movimentar:

  • com a ajuda de outra pessoa – guia vidente;

  • usando seu próprio corpo – autoproteções;

  • usando uma bengala – bengala longa;

  • usando um animal – cão-guia;

  • usando a tecnologia – ajudas eletrônicas.

Em várias cidades do Brasil, existem centros e escolas especializadas e profissionais liberais de OM que trabalham com os deficientes na utilização das técnicas de OM, viabilizando a autonomia e a independência dessas pessoas no direito de ir e vir, com segurança e responsabilidade.


Noções básicas de orientação e mobilidade

Robert Atkinson, diretor do Braille Institute of America – Califórnia (apud INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT, s.d.), elaborou uma lista de diretrizes sobre o trato com as pessoas com deficiência visual: o que não se deve fazer no contato com o deficiente visual, um modo de tratamento adequado às interações das quais ele participa. No dia a dia, surgem outras situações que extrapolam essas orientações; contudo, elas podem proporcionar uma reflexão e possível mudança de atitude da sociedade, mesmo que gradativamente.

Algumas noções básicas relacionadas com o ir e vir das pessoas com deficiência visual são:

  1. Não trate a pessoa como um ser diferente, pois ela é como as outras.

  2. Ao abordá-la, comunique-se com ela dando-lhe leve toque, para que saiba que você está se dirigindo a ela.

  3. Dirija-se a ela sem designá-la por sua deficiência, chamando-a de cega ou ceguinha, o que seria uma indelicadeza.

  4. Não fale com a pessoa como se fosse surda; o fato de não ver não significa que não ouça bem.

  5. Em uma conversa com ela, não evite a palavra “cega” nem substitua “ver” por “ouvir”. Fale naturalmente sem se preocupar com sua deficiência.

  6. Se estiver conversando ou conduzindo, avise-a ao se afastar, principalmente se o local for muito barulhento, pois ela poderá continuar falando sozinha.

  7. Não deixe de falar de coisas inadequadas quanto ao vestuário, postura, apresentação pessoal. Faça-o, contudo, com naturalidade para que ela não passe por situações constrangedoras.

  8. Ao conduzi-la, não a empurre ou puxe; deixe que ela segure seu braço, pois pelo movimento do corpo do condutor perceberá melhor o caminho a ser percorrido. Nas passagens estreitas, tome a frente e deixe-a segui-lo, mesmo com a mão em seu ombro.

  9. Não carregue a pessoa ao ajudá-la a atravessar a rua, tomar condução, subir ou descer escadas. Basta guiá-la, pôr-lhe a mão no corrimão.

  10. Procure andar, sempre que possível, em linha reta ao atravessar praças, avenidas e ruas, para que ela não se desoriente.

  11. Não diga apenas “à direita”, “à esquerda”, ao dar orientação a distância. Muitos se enganam ao tomarem como referência a posição de quem caminha em sentido contrário ao seu. Situe a pessoa com base em seu corpo, dizendo-lhe “à sua direita”, “à sua esquerda”.

  12. Procure auxiliar a pessoa que pretende atravessar uma rua ou tomar uma condução, ainda que o oferecimento seja recusado ou mal recebido; a maioria lhe agradecerá o gesto.

  13. Dirija-se diretamente à pessoa com deficiência, e não a seu acompanhante; não suponha que ela seja incapaz de compreendê-lo.

  14. Quando andar com uma pessoa já acompanhada, não a segure pelo outro braço, nem lhe dê avisos a todo instante. Deixe-a ser orientada somente por quem a estiver conduzindo.

  15. Portas semiabertas representam sério risco para sua integridade física. Conserve-as encostadas ou fechadas.

  16. Não deixe objetos no caminho por onde uma pessoa cega costuma passar.

  17. Ao subir ou descer uma escada, siga à frente da pessoa, deixando que ela segure seu cotovelo.

  18. Ao conduzir a pessoa para uma cadeira, coloque sua mão no encosto. Isso será suficiente para orientá-la.

  19. Para tomar um carro, encaminhe a pessoa na direção em que ela entrará, colocando-lhe a mão na parte superior da porta para sua melhor orientação. Se a porta do carro estiver fechada, coloque a mão na maçaneta da porta. Isso será suficiente para que ela se oriente para o interior do carro.

  20. No interior de coletivos, não há necessidade de que você ceda lugar à pessoa com deficiência. No entanto, se houver lugar vazio, oriente-a para ocupá-lo.

  21. Não deixe de apertar a mão da pessoa ao encontrá-la ou ao se despedir. O aperto de mão substitui, para ela, o sorriso amável.


A bengala

Cerqueira (2011) cita registros históricos que apontam a utilização de cajados, bastões e outros instrumentos semelhantes para deslocamentos em certos caminhos, para controle de rebanhos e para ações defensivas e ofensivas em combates. Em contrapartida, o bastão de cetro era visto como autoridade e insígnia da realeza.

No caso das pessoas com deficiência visual, notam-se gravuras antigas com homens cegos empunhando bastões ou acompanhados de cães. As dificuldades dos caminhos, como irregularidades, eram obstáculos para a locomoção independente dessas pessoas, sendo necessários, normalmente, guias videntes, ou então elas eram limitadas ao confinamento em ambientes restritos. Na primeira metade do século XX, os egressos deficientes das guerras, em um processo de reabilitação, foram pioneiros com as primeiras iniciativas para garantir a locomoção com independência (CERQUEIRA, 2011).

A bengala possibilita um melhor deslocamento com base em técnicas que lhes dão a referência na identificação dos locais por onde caminham. A bengala é um instrumento indispensável para a locomoção, e, ao viabilizar a independência, levanta a autoestima da pessoa com deficiência visual. Com sua utilização, os deficientes visuais têm mais segurança e mobilidade durante a travessia de ruas, subindo ou descendo escadas ou durante seus deslocamentos no interior de instituições públicas e/ou privadas. Podem se deslocar de um lado para outro, assim como usufruírem dos transportes públicos sem recorrer à ajuda de outras pessoas.

Para Masini, a bengala “não é um objeto que o cego perceberia, mas um instrumento com o qual ele percebe. É um apêndice do cego, uma extensão da sua síntese corporal, uma maneira própria de explorar o mundo que o cerca” (MASINI, 1992, p. 31).

Estabel e colaboradores apontam que a bengala ou os óculos escuros são “como signo que caracteriza uma pessoa com limitação visual” (ESTABEL; MORO; SANTAROSA, 2006, p. 5).

Segundo Santo Agostinho (apud SILVA, s.d.), “um signo é uma coisa que, além da espécie ingerida pelos sentidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa”. Qualquer objeto, som, palavra capaz de representar algo constitui signo. Na sociedade, todos dependem do signo para viver e interagir com o meio em que vivem. Ele é necessário para entender o mundo, a si mesmo e às pessoas com as quais se mantêm relações humanas.

Na psicologia, para Jung (apud FADIMAN; FRAGER, 2002), um signo diz respeito a um elemento conhecido do ponto de vista da consciência coletiva, ou seja, tem um sentido fixo. Em contra-partida, um símbolo é dinâmico, tem uma parte conhecida e outra desconhecida, pois representa a situação psíquica do indivíduo.

Nessa concepção, a bengala não é simplesmente um instrumento, mas um signo, uma identificação feita com base na coletividade. Por exemplo, quando um deficiente visual sem alterações anatômicas nos olhos solicita ajuda para atravessar a rua, esta pode lhe ser negada; porém, se ele estiver com a bengala, será reconhecido e identificado como deficiente visual com base em seu signo.

Em contrapartida, percebe-se que algumas pessoas que adquiriram a deficiência visual podem apresentar recusa ou dificuldade de utilização da bengala no início do processo de OM. Tal fato pode estar relacionado com a não aceitação da perda da visão e a vivência do luto do sujeito, sendo necessário, muitas vezes, um trabalho com o profissional de psicologia: intervenções acompanhando o treinamento de OM ou atendimento terapêutico, visando à capacitação do indivíduo e à sua autonomia e, consequentemente, ao aumento da autoestima e à melhoria da qualidade de vida.

Para Cerqueira (2011), a bengala é companheira do dia a dia da pessoa com deficiência visual e possibilita:

  • a garantia do direito de ir e vir;

  • a preservação da privacidade;

  • a condição de execução de tarefas com autonomia;

  • o cumprimento de compromissos sociais e profissionais;

  • a segurança no caminhar; e

  • a preservação da integridade física.


Benefícios da independência locomotora

Para caminhar sozinha, a pessoa com deficiência visual necessita, além de aprender as técnicas de OM, de coragem e desinibição. A primeira vez que consegue realizar tal tarefa torna-se uma conquista especial: “é como se começasse a andar novamente” (fala de um deficiente visual, 49 anos, com diagnóstico médico de retinopatia diabética, reabilitando do Instituto São Rafael, 2010).

Muitas famílias expressam seu medo com a locomoção do deficiente visual, agindo com superproteção. Tal atitude atrasa o processo de independência, trazendo risco real e psicológico, pois reforça a dependência e o sentimento de incapacidade. Portanto, é fundamental a disposição e o incentivo dos familiares para a independência de locomoção, que concretizará o ir e vir e possibilitará o resgate da confiança em si mesma da pessoa com deficiência.

Nos estudos realizados por Hoffmann (1999), diversos são os benefícios que a pessoa com deficiência visual pode ter com o treino de OM: autoconfiança, integração, contato social, oportunidade de emprego.

O domínio e o manejo dos recursos e técnicas de OM proporcionam à pessoa com deficiência visual a diversificação e a qualificação das experiências locomotoras e, consequentemente, o exercício das habilidades motoras e cognitivas. Essa atitude promove o autoconhecimento e o confronto diante das dificuldades, possibilitando o aumento da confiança e da segurança em sua potencialidade, bem como a constatação das limitações. Por isso, gradualmente, pode ocorrer a aquisição ou reconquista do sentimento de autoconfiança.

O relacionamento social acontece nas diversas situações da vida e nos muitos ambientes. O trânsito da pessoa com deficiência visual na sociedade provoca uma aproximação natural das pessoas, tornando possível a interação, principalmente as verbais, em razão da necessidade de solicitar informação ou auxílio. Esses contatos pessoais vão além da ampliação das relações sociais, incluindo também a chance de aperfeiçoar as habilidades comunicativas. Aponta-se que uma postura autossuficiente do deficiente visual ou o fato de não saber que tem outra pessoa perto fisicamente pode dificultar a proximidade de outras pessoas. Pela importância do aspecto social na vida do ser humano, os contatos sociais podem gerar momentos emocionais agradáveis e ricas experiências para ambas as pessoas que as vivem.

A OM corrobora diretamente a acessibilidade, em quantidade e qualidade, na obtenção e no exercício de uma atividade profissional. Justifica-se tal fato com a realização de deslocamentos mais independentes e o aumento da capacidade adaptativa funcional. A não independência nem sempre indica impedimento de inserção no mercado de trabalho – formal ou informal –, mas tal condição pode restringir a qualidade ou quantidade das chances profissionais. O exercício de uma atividade profissional pode ocasionar melhoria do poder econômico, produzindo modificações culturais, emocionais e sociais.

Esse benefício pode ser percebido em outro relato, no qual o reabilitando encontrava-se retraído e sem as técnicas de OM: “eu ainda não havia concluído o treino de OM e apareceu uma entrevista de trabalho. Por não ter quem me acompanhasse, arrisquei ir sozinho; porém, sem coragem de pedir ajuda e sem algumas técnicas de OM cheguei atrasado e perdi a entrevista” (fala de um deficiente visual, 29 anos, com diagnóstico médico de retinopatia da prematuridade e glaucoma, reabilitando do Instituto São Rafael, 2012).

Um dos maiores benefícios emocionais é a melhoria da autoestima. A autoestima é a avaliação ou o sentimento, por parte do indivíduo, de sua imagem, sendo um construto estável e de difícil mudança (BERNARDO; MATOS, 2003). É um juízo pessoal de valor, externado nas atitudes, isto é, implica um grau de satisfação ou insatisfação consigo próprio. Os pilares fundamentais da constituição da autoestima são: a percepção que o indivíduo tem de seu próprio valor e a avaliação que faz de si mesmo em termos de competência (COOPERSMITH apud MARRIEL, 2006).

Uma locomoção segura e orientada viabiliza ao deficiente visual a participação, ativa e efetiva, na sociedade, nos diversos níveis e estruturas do ambiente. Participando socialmente, ele se torna mais envolvido com os fatos, as pessoas e as situações que o rodeiam, fazendo acontecer a integração.

Todos esses fatos associados corroboram diretamente a melhoria da autoestima, mudando a autoimagem que a pessoa anteriormente fazia de si mesma: incapaz. São muitos os benefícios da independência locomotora para as pessoas com deficiência visual: físicos, emocionais. Cabe à pessoa com deficiência e à sociedade, familiares e demais cidadãos, a busca de meios e recursos para enfrentar os obstáculos e transpô-los.


Equipamento DPS 2000®

Um novo equipamento surge como inovação e possibilidade de aumentar a independência da pessoa com deficiência visual. O DPS 2000®,6 ou Sistema de Sinalização Eletrônica entre deficientes visuais e meios de transporte, é um sistema que objetiva possibilitar às pessoas com deficiência visual o uso do transporte coletivo público de forma independente, autônoma e segura. O sistema permite que o passageiro, por meio de um transmissor de radiofrequência portátil, solicite embarque em uma linha de ônibus desejada, desde que os veículos estejam equipados com o aparelho receptor do sistema. Quando o veículo entra em um raio de 100 metros do local onde o usuário aguarda, o receptor capta o sinal e emite sinais luminosos e sonoros para alertar o motorista.

Seu idealizador foi Dácio Pedro Simões, que vivenciou uma experiência que o incomodou profundamente. Um deficiente visual solicitou seu auxílio em um ponto de ônibus para parar uma linha de coletivo. Uma hora se passou, ele perdeu vários ônibus que desejava e o do deficiente não veio. Contrariado, pediu desculpas e disse que não podia esperar mais e seguiu seu destino. Contudo, uma forte chuva caiu e ele ficou preocupado como estaria aquele deficiente em um ponto de ônibus sem abrigo, chovendo e sem como identificar o ônibus que desejava. O aparelho foi batizado de DPS por serem as iniciais de seu idealizador.

Protótipos e testes foram realizados com o auxílio e a parceria de várias entidades, como o Sebrae e a Universidade Federal de Minas Gerais. O equipamento foi aprimorado, estando pronto para implantação.

Segundo Assis (2012), o sistema DPS 2000® foi implantado pioneiramente em novembro de 2010 na cidade de Jaú, interior de São Paulo. Posteriormente, mais duas cidades receberam o dispositivo: Araucária/PR e Limeira/SP (informação verbal). A quarta cidade brasileira que experimenta sua implantação é Belo Horizonte/MG, que está em fase de testes com uma linha de ônibus-piloto.

Tal tecnologia é uma solução de acessibilidade moderna e que implementa a viabilidade da inclusão social da pessoa com deficiência visual.


Considerações finais

A OM faz parte do cotidiano de toda a sociedade, das pessoas videntes e das com deficiência visual, pois todos necessitam ir a algum lugar utilizando referências para se orientar e encontrar o caminho certo. Para a pessoa com deficiência visual, essa necessidade precisa ter a garantia de segurança e independência, utilizando-se de várias técnicas, entre elas: guia vidente, autoproteção, bengala longa, cão-guia e ajudas eletrônicas.

A bengala longa, como uma das técnicas, é um instrumento indispensável para a locomoção, fornecendo mais segurança e mobilidade durante a travessia de ruas, subindo ou descendo escadas ou durante seus deslocamentos no interior de instituições públicas e/ou privadas, como já foi dito. Ela é uma extensão corporal que caracteriza a pessoa com deficiência visual – um signo, uma identificação.

Muitos são os benefícios que a pessoa com deficiência visual pode ter com o treino de OM: autoconfiança, integração, contato social, oportunidade de emprego, entre outros.

O trato com as pessoas com deficiência visual é muito simples e possível, contudo existem várias situações em que, com observação, cuidado e disposição dos videntes, as relações se tornam prazerosas, possibilitando uma inclusão social daqueles sujeitos. A mudança atitudinal não é plena nem instantânea, porém a reflexão e a mudança de comportamento das pessoas podem alterar o paradigma do preconceito, evitando ou diminuindo situações como as descritas anteriormente.

Muitos progressos estão sendo feitos para facilitar a independência locomotora das pessoas com deficiência visual. Cita-se o DPS 2000®, que está sendo utilizado em três cidades brasileiras e em processo de implantação em Belo Horizonte/MG. Tal equipamento deve ser disseminado para que as pessoas com deficiência visual dos outros municípios brasileiros possam ser favorecidas por tal tecnologia.

E como objetivo principal deste texto, constata-se que a locomoção independente possibilita a melhoria da autoestima da pessoa com deficiência visual e, consequentemente, associada a outros fatores, a melhoria da qualidade de vida.


NOTAS DE RODAPÉ

1 Tem atualização em Educação Inclusiva pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pós-graduação em Psicopedagogia pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá e graduação e licenciatura em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atua como analista de educação básica no Núcleo Pedagógico e de Formação de Educadores e como psicóloga no Instituto São Rafael – Belo Horizonte/MG – Escola de Ensino Especializado, destinada à educação de deficientes visuais e com outras deficiências associadas. E-mail: isasisr@gmail.com

2 Tem mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pós-graduação em Adolescência pela Faculdade de Ciências Médicas e graduação e licenciatura em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atua como psicóloga no Instituto São Rafael – Belo Horizonte/MG – Escola de Ensino Especializado, destinada à educação de deficientes visuais e com outras deficiências associadas. E-mail: sandracastro@gmail.com

3 O Instituto São Rafael, situado em Belo Horizonte/MG, é uma escola especializada em deficiência visual e/ou com outras deficiências associadas, destinada a educação, habilitação e reabilitação dessas pessoas. A instituição é reconhecida por sua contribuição no atendimento da população cega mineira.

4 A palavra “vidente” é empregada, na comunidade cega, para identificar as pessoas que enxergam.

5 Sentidos remanescentes são os sentidos intactos que podem ser utilizados e estimulados para melhor qualidade de vida da pessoa com deficiência visual e/ou com outras deficiências associadas, como tato, olfato, audição, percepção vestibular, visão residual etc.

6 O equipamento é comercializado exclusivamente pela Empresa Geraes Tec., em Belo Horizonte/MG.

 

REFERÊNCIAS

 


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Autoestima a partir do caminhar: Orientação e Mobilidade da pessoa com Deficiência Visual
Andreisa Jacinto Santos & Sandra Andrade de Castro
 

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15.Out.2017
publicado por MJA