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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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A Linguagem na Cegueira

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Mother and Child II - Mary Cassatt
Mother & Child II - Mary Cassatt


PARTE I

Sendo a comunicação algo inerente ao ser humano e às relações entre seres vivos, que visa a partilha de informações entre as pessoas e promove as relações interpessoais, a linguagem assume uma importância evidente para que o processo comunicativo tenha sucesso.

Assim, a linguagem, como “sistema complexo e dinâmico de símbolos convencionados, usado em modalidades diversas para [o homem] comunicar e pensar” (ASHA, 1983), reveste-se de grande relevância para a comunicação humana, sendo uma importante ferramenta de pensamento. Através dela recebemos, armazenamos e transportamos informação, questionamos, expressamos sentimentos, bem como adquirimos conhecimento sobre o mundo que nos rodeia. A linguagem assume-se de variadas formas, pois pode ser gestual/mímica, verbal/oral, verbal/escrita, expressão (fala) ou compreensão.

E nas crianças com cegueira, a linguagem é uma área forte?
Devemos preocupar-nos com a linguagem?

De facto, o que a literatura nos diz é que em crianças com cegueira o desenvolvimento da linguagem se processa sem diferenças significativas relativamente aos pares normovisuais. Existem até autores que defendem ser uma área muito forte nas crianças com cegueira.

A linguagem, sendo uma forma de adquirir e transmitir conhecimento, assume um papel preponderante, uma vez que é através dela que a criança com cegueira vai apreender e conhecer o mundo visual à sua volta, assim como através dos restantes sentidos.


PARTE II

As primeiras idades

A interação social, o desenvolvimento do ‘eu’ e a comunicação inicial desenvolvem-se nas primeiras idades.

Inicialmente, a comunicação constrói-se na interação com o adulto e baseia-se nas ações do bebé para manter o contacto, tais como o riso, o movimento, o contacto físico e as vocalizações.

Nos bebés com cegueira, as primeiras interações comunicativas caracterizam-se pela ausência de contacto visual (que poderia transmitir informação crucial para a relação/interação), pela ausência de referente visual daquilo que os rodeia (objetos, pessoas), por um protagonismo do adulto nas interações e por uma necessidade de contacto físico permanente. Consequentemente, pela ausência da informação visual, o bebé com cegueira foca-se muito mais nas pistas auditivas, táteis, cinestésicas, olfativas, etc.

Estes bebés tendem a iniciar menos interações e ficam ‘à escuta’ (às vezes até viram a cara para o lado para ouvir melhor). Este ‘silêncio’, juntamente com a inexistência de contacto ocular, pode ser mal interpretado como desinteresse do bebé, provocando menos interações por parte dos adultos.

É conhecido que as mães/pais de crianças com cegueira tendem a falar mais, a descrever tudo o que está à sua volta, a usar mais instruções compostas por descrições do que as mães de crianças normovisuais. Desta forma, os bebés começam a reconhecer os adultos à sua volta pelo reconhecimento da sua voz, pelo cheiro e pelo toque.


Fase pré-verbal/balbucio

Segundo a literatura, não parece haver diferenças significativas nesta fase quando comparado com crianças normovisuais. Porém, por ser muito prazeroso, este período pode persistir por mais tempo nos bebés com cegueira. O facto de estes bebés não verem os movimentos labiais da boca dos adultos que lhes falam pode inibir que facilmente eles imitem sons labiais/ bilabiais (como os sons /m, p, b, f, v/).


Vocabulário

Sendo certo que a visão transmite grande parte da informação para aprender nomes e significados, assim como informações físicas do ambiente, tais como a forma, o movimento, a localização/posicionamento, o ritmo, etc., nas crianças com cegueira essa informação tem de ser transmitida necessariamente pelos adultos que as rodeiam.

A linguagem assume, assim, um papel compensatório crucial para o desenvolvimento das crianças com cegueira.

Assim, segundo o que nos indicam vários autores, não parece haver diferenças no aparecimento das primeiras vocalizações e primeiras palavras. Porém, pode haver diferenças quanto à utilização das mesmas: uso de mais nomes específicos; uso de mais palavras de ação; e uso de menos nomes gerais. Pode surgir dificuldade em generalizar uma palavra de determinada categoria (ex: cão-peluche), devido ao facto de terem experiências restritas, e normalmente estas crianças fazem mais perguntas quando falam de objetos familiares (como forma de compensar a falta de informação ‘visual’).


Estruturação de frases, formação de palavras e sons

No que diz respeito à componente morfossintática/estruturação frásica e formação de palavras, os estudos não indicam atrasos no desenvolvimento relativamente aos pares normovisuais, contudo podem surgir diferenças qualitativas na forma como são usadas. Devido às questões com o desenvolvimento do ‘eu’, pode surgir atraso na utilização de pronomes e erros reversos na utilização daa 1ª e 2ª pessoas (eu – tu).

Apesar de não existirem muitos estudos, também não parecem ser identificadas alterações articulatórias relevantes. No entanto, regra geral, os primeiros fonemas a surgirem são de produção cujo ponto de articulação não é observável (palatais, dentais, etc.), contrário às crianças normovisuais, que adquirem primeiro sons bilabiais.

Em conclusão, nas crianças com cegueira podem surgir algumas dificuldades nas primeiras interações, comunicação e na aquisição da linguagem, no entanto elas conseguem desenvolver formas alternativas de interagirem socialmente e de comunicarem. A linguagem reveste-se de grande importância, tendo um grande impacto no desenvolvimento e no conhecimento do mundo por parte das crianças com cegueira, assumindo quase o papel de “substituição” da visão.

 

Estratégias Promotoras do Desenvolvimento Linguístico

Algumas estratégias para as primeiras idades:

  • O tom de voz e a entoação são extremamente importantes

  • Afeto, toque e interações positivas

  • Repetição das produções orais da criança (sons, sílabas)

  • Dar significado às produções da criança

  • Antecipar/avisar que lhe vai tocar, para não surgir de surpresa

  • Sempre que se dirige à criança, dizer o seu nome

  • Ajudá-la a perceber o ‘eu’ e o ‘tu’

  • Dar tempo de resposta; ‘tomar a vez’

  • A criação de rotinas e a repetição

  • Descrição verbal

  • Experienciação/vivência corporal

  • O conhecimento sensorial é preponderante

  • Promover a curiosidade da criança

  • Ajudar ao reconhecimento da funcionalidade dos objetos da vida diária

  • Desenvolvimento do jogo simbólico

  • Ler histórias

  • Tato ativo/háptico.


Algumas atividades que desenvolvemos pelos contextos naturais promotoras do desenvolvimento da linguagem:


Experiências reais

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Descrição da fotografia: Crianças realizam processo de sementeira. Conversa sobre todos os passos deste processo a par da experiência real.


Jogo simbólico

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Descrição da fotografia: Criança dá banho a uma boneca.


Leitura de histórias

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Descrição fotografia: Criança reconta a história ” A lagartinha muito comilona” de Eric Carle, assumindo o protagonismo da narrativa.


Diálogo

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Descrição da fotografia: Crianças conversam informalmente

 

CONVERSAR COM A CRIANÇA NA ROTINA DIÁRIA

O desenvolvimento da linguagem é muito importante para qualquer criança. No caso da criança com cegueira, a linguagem ajuda a criança a compreender o mundo e a significar tudo aquilo que a criança apreende através dos sentidos. A conversa deve estar presente na rotina diária da criança, ajudando-a a significar tudo aquilo que toca, ouve, prova, cheira, movimenta…

Aproveite as sugestões:
 

  1. Cante uma canção enquanto alimenta o seu bebé;

  2. Fale sobre as coisas que vêem enquanto passeiam;

  3. Descreva o que compra enquanto estão no supermercado;

  4. Diga lengalengas ou rimas enquanto dá banho;

  5. Conte uma história ao seu filho antes de dormir.
     

fonte: http://www.wordsforlife.org.uk/baby

 

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28.Jan.2019
Maria José Alegre