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Mendigo cego em New York - Leon Levinstein, anos 50
1983
Deus abençoe a todos
8:40 A.M.
Ele sai da Penn Station com mil outros homens e
mulheres de casaco, executivos da classe média na sua maioria,
porquinhos-da-índia fofos que estarão a todo vapor em suas rodas de exercício ao
meio-dia. Ele pára por um momento, respirando fundo o ar gelado. A Avenida
Lexington está vestida de luzes natalinas, e não muito longe um Papai Noel que
parece Porto-Riquenho está tocando um sino. Ele tem um pote para contribuições
com um cavalete ao lado. AJUDE OS DESABRIGADOS NESTE NATAL, diz a mensagem no
cavalete, e o homem de gravata azul pensa, Que tal um
pouco de verdade na propaganda, Noel? Que tal uma mensagem que diga AJUDEM-ME A MANTER MEU VÍCIO DE COCAÍNA NESTE NATAL? Não obstante,
ele deixa cair duas notas de dólar no pote enquanto passa. Ele tem uma boa
sensação sobre hoje. Ele está feliz que Sharon o tenha lembrado sobre o ouropel
(ele teria se esquecido de trazê-lo, provavelmente; no fim ele sempre esquece
coisas assim, a graça de prestar atenção.
Uma caminhada de dez minutos o leva até o seu prédio.
Do lado de fora da porta está um jovem negro, de talvez dezessete anos, vestindo
jeans preto e um sujo suéter vermelho com capuz. Ele muda de um pé para o outro,
soprando filas de vapor pela sua boca, sorrindo freqüentemente, mostrando um
dente de ouro. Em uma mão ele segura um parcialmente rachado copo de café de
isopor. Tem algumas moedas nele, que ele chocalha constantemente.
– Um trocadinho? – ele pergunta às pessoas que passam
enquanto seguem na direção da porta giratória. – Um trocadinho para mim, senhor?
Um trocadinho para mim, senhora? Só estou tentando arrumar dinheiro para o
café-da-manhã. Obrigado, Deus o abençoe, feliz Natal. Um trocadinho para mim,
cara? Vinte e cinco centavos, talvez? Obrigado. Um trocadinho, senhora?
Enquanto ele passa, Bill deixa cair uma moeda de cinco
centavos e duas de dez no copo do jovem negro.
– Obrigado, senhor, Deus o abençoe, feliz Natal.
– Para você também. – ele diz.
A mulher ao lado dele faz uma carranca.
– Você não deveria encorajá-lo. – ela diz.
Ele dá de ombros, e dá um pequeno sorriso
envergonhado.
– É difícil para mim dizer não para qualquer um no
Natal. – ele diz a ela.
Ele entra no saguão com um grupo de outros, observa
brevemente a vadia metida seguir para a banca de jornal, então ele entra nos
elevadores com seus botões de andares à velha moda, e seus números de
art deco.
Aqui várias pessoas assentem para ele, e ele troca algumas palavras com algumas
delas enquanto esperando (não como no trem, afinal de contas, onde você pode
mudar de vagão). Somado a isso, o prédio é velho; os elevadores são lentos e
presos a manivela.
– Como vai a esposa, Bill? – um homem magricela de
sorriso constante do terceiro andar pergunta.
– Carol está bem.
– E os garotos?
– Ambos bem. – ele não tem filhos, e o nome de sua
esposa não é Carol. Sua esposa é a ex-Shanon Anne Donahue, da Escola Paroquial
Secundária de St. Gabriel, Turma de 1964, mas isso é algo que o magricela de
sorriso constante nunca saberá.
– Aposto que mal conseguem esperar pelo grande dia. –
o magricela diz, seu sorriso aumentando e se tornando algo indizível. Para Bill
Shearman ele parece uma concepção de um cartunista editorial da Morte, grandes
olhos, grandes dentes, e a pele brilhante e esticada. O sorriso o faz pensar em
Tam Boi, no Vale A Shau. Aqueles rapazes do 2º Batalhão entraram lá parecendo os
reis do mundo e saíram parecendo fugitivos chamuscados de meio acre do inferno.
Eles saíram com aqueles grandes olhos e grandes dentes. Eles ainda pareciam
daquele jeito em Dong Ha, onde eles todos meio que foram reunidos poucos dias
depois. Muitas reuniões aconteceram na moita. Muitos cozinhamentos também.
– Não conseguem esperar, absolutamente. – ele
concorda. – Mas acho que Sarah está meio que suspeitando agora sobre o cara de
roupa vermelha. – rápido, elevador, ele pensa, Jesus, me salve destas idiotices.
– Pois é, acontece. – o magricela diz. Seu sorriso
oscila por um momento, como se estivesse discutindo sobre câncer, ao invés do
Papai Noel. – Quantos anos tem Sarah agora?
– Oito.
– Parece que ela havia nascido apenas um ou dois anos
atrás. Cara, com certeza o tempo voa quando você está se divertindo, não é?
– Pode apostar nisso. – ele diz, esperando febrilmente
que o magricela cale a boca.
Nesse momento um dos quatro elevadores finalmente abre as suas portas e eles saem.
*
Bill e o magricela andam um pouco pelo corredor do
quinto andar juntos, e então o magricela pára na frente de uma porta dupla
antiga com as palavras SEGURO CONSOLIDADO escritas em um painel de vidro, e
AJUSTADORES DA AMÉRICA no outro. De trás destas portas vêm o clique de
teclados, e o som moderadamente alto de telefones tocando.
– Tenha um bom dia, Bill.
– Você também.
O magricela segue para seu escritório, e por um
momento Bill vê uma grande coroa pendurada no canto mais longe da sala. Também
as janelas foram decoradas com aquele tipo de neve que vem em latas de spray.
Ele estremece e pensa, Deus salve a
todos.
9:45 A.M.
Na metade do caminho, ele vê Ralph Williamson, um dos
contadores gorduchos da Garowicz Finnacial Planning (todos os contadores na
Garowicz são gorduchos, pelo que Willie pode observar). Há uma chave presa a um
velho remo de madeira em uma das mãos rosadas de Ralph, e por isto Willie deduz
que está diante de um contador de pinto pequeno. Chave em um remo! Se uma
maldita chave em um maldito remo não te fizer lembrar das alegrias da escola
paroquial, se lembrar daquelas freiras de queixos peludos e todas aquelas réguas
de madeira, nada irá, ele pensa. E sabe de uma coisa?
Ralph Williamson provavelmente deve gostar de ter uma
chave em um remo, como ele gosta de ter um sabonete em uma saboneteira com o
formato de um coelho ou um palhaço de circo pendurado na torneira de água quente
em sua casa. E daí se ele tiver?
Não julgais, para que não sejas julgado, pra caralho.
– Ei, Ralphie, como vai?
Ralph se vira, vê Willie, o seu rosto se ilumina.
– Ei, oi, feliz Natal!
Willie sorri ao ver os olhos de Ralph. O maldito
gorducho o venera, e por que não? Ralph está olhando para um cara tão elegante
que dói. Tem que se gostar, docinho, tem que se gostar
disso.
– O mesmo pra você, cara. – ele estende a mão (agora
com luva, então ele não tem que se preocupar com sua mão sendo branca demais, e
não combinando com seu rosto), com a palma para cima. – Toca cinco aqui!
Sorrindo timidamente, Ralph toca.
– Toca dez!
Ralph vira sua mão fofa e rosada e permite que Willie
a bata.
– Isso é bom pra caramba, tenho que fazer de novo! –
Willie exclama, e dá a Ralph mais cinco. – Já terminou suas compras de Natal,
Ralphie?
– Quase. – Ralph diz, sorrindo e balançando a chave do
banheiro. – Sim, quase.
E quanto a você, Willie?
Willie lhe dá uma piscadela.
– Oh, você sabe como é, irmão; eu tenho uma turma de
mulheres, e eu deixo cada uma delas me comprar uma lembrancinha.
O sorriso admirável de Ralph sugere que ele não sabe
como é, mas gostaria de saber.
– Atendeu muito?
– O dia todo. É por causa dessa época do ano, você
sabe.
– Parece que é sempre essa época do ano para você. Os
negócios devem ser bons. Você dificilmente fica em seu escritório.
– É por isso que Deus nos deu as secretárias
eletrônicas, Ralphie. É melhor ir agora, ou você vai acabar ficando com suas
calças de gabardine molhadas.
Rindo (e corando um pouco também). Ralph segue para o
banheiro masculino.
Willie desce pelos elevadores, carregando sua maleta
na mão, e checando para se certificar de que os óculos estão dentro de seu
bolso da jaqueta junto ao outro. Eles estão. O envelope está lá dentro também,
grosso e estalando com notas de vinte dólares.
Quinze delas. É hora de uma pequena visita ao oficial
Wheelock; Willie estava esperando por ele ontem. Talvez ele não apareça até
amanhã, mas Willie está apostando em hoje... não que ele goste disso. Ele sabe
que é o jeito do mundo, você tem que lubrificar as rodas se quiser que este
vagão ande, mas ainda assim ele tem um ressentimento. Há vários dias em que ele
pensa em como seria prazeroso colocar uma bala na cabeça de Jasper Wheelock. Era
o jeito que as coisas aconteciam no verde, às vezes. O jeito que as coisas
tinham que acontecer. Aquilo que aconteceu a Malenfant,
por exemplo. Aquele louco filho da puta, ele, suas espinhas e seu baralho de
cartas.
Oh, sim, na moita as coisas eram diferentes. Na moita
às vezes você tinha que fazer uma coisa errada para evitar que uma coisa ainda
pior acontecesse.
Comportamentos como aquele mostra que você está no
lugar errado para começar, sem dúvida, mas uma vez que você está dentro da sopa,
você tem que nadar. Ele e seus homens da Companhia Bravo estavam com a Companhia
Delta há poucos dias, então Willie não vivenciou muito com Malenfant, mas sua
voz estridente, e irritante é difícil de esquecer, e ele se lembra de algo que
Malenfant gritava em seus intermináveis jogos de Copa, se alguém tentasse pegar
de volta uma carta jogada: Sem chance, otário! Uma
vez que estás deitada, ela foi jogada!
Malenfant pode ter sido um cuzão, mas ele estava certo
sobre isso. Na vida como também nas cartas, uma vez que está deitado, foi
jogado.
*
O elevador não pára no quinto andar, mas o pensamento
disso acontecer não o deixa mais nervoso. Ele já desceu até o saguão muitas
vezes com as pessoas que trabalham no mesmo andar de Bill Shearman (incluindo o
magricela do Seguro Consolidado), e eles não o reconhecem. Eles deveriam, ele
sabe que deveriam, mas não o fazem. Ele costumava pensar
que era por causa da mudança de roupas e a maquiagem, então ele decidiu que era
o cabelo, mas em seu coração ele sabe que não é por causa de nenhuma dessas
coisas. Nem mesmo pode ser por causa da insensibilidade na qual vivem no mundo.
O que ele está fazendo não é tão radical (calças militares, botas de soldados
pára-quedistas, e uma pequena maquiagem marrom não fazem um disfarce); Sem
chance que fazem um disfarce. Ele não sabe exatamente como explicar, e na
maioria das vezes nem tenta. Ele aprendeu esta técnica, enquanto aprendia várias
outras, no Vietnã.
O jovem negro ainda está do lado de fora da porta do
saguão (ele colocou o capuz de seu velho suéter agora), e ele balança seu copo
de isopor rachado para Willie.
Ele vê que o cara carregando a pasta do Sr. Reparador
em uma mão está sorrindo, e então seu próprio sorriso se abre.
– Um trocadinho? – ele pergunta ao Sr. Reparador. – O
que me diz, meu chapa?
– Sai da porra da minha frente, seu babaca preguiçoso,
é isso que eu digo. –
Willie lhe diz, ainda sorrindo. O jovem recua um
passo, olhando para Willie com os olhos esbugalhados e chocados. Antes que possa
pensar em qualquer coisa para dizer, o Sr. Reparador já passou da metade da
quadra, e já está quase perdido na avalanche de clientes, com sua grande maleta
quadrada balançando numa mão enluvada.
10:00 A.M.
Entra no Hotel Whitmore, cruza o saguão, e sobe
para o mezanino, onde os banheiros públicos estão. Essa é a única parte do dia
na qual ele se sente nervoso, e não sabe dizer o porquê; certamente nada
nunca aconteceu antes, durante, ou depois de uma de suas paradas no banheiro do
hotel (ele alterna frequentemente entre duas dúzias deles na área central da
cidade). Ainda assim, de algum modo ele está certo de que se as coisas
enlouquecerem para si, isso acontecerá em um banheiro de hotel. Porque o que
acontece em seguida não é a transformação de Bill Shearman em Willie Shearman;
Bill e Willie são irmãos, talvez até gêmeos fraternais, e a mudança de um para o
outro parece limpo e perfeitamente normal. A última transformação do dia de
trabalho, entretanto (de Willie Shearman para Willie Cego Garfield), nunca
pareceu assim. A última mudança sempre parece sombria, furtiva, quase como se
fosse a transformação de um lobisomem. Até que esteja feito e ele esteja nas
ruas de novo, batendo sua bengala branca à sua frente, ele se sente como uma
cobra deve se sentir trocando de pele, e antes que uma nova comece a ser
produzida e cresça.
Ele olha em volta e vê o banheiro masculino vazio,
exceto por um par de pés sob a porta da segunda cabine na longa fila delas (deve
haver umas doze ao todo). O sujeito limpou a garganta, folheou o jornal. E houve
o som pfff de um peido educado.
Willie vai até a última cabine. Ele poisa a maleta,
tranca a porta, e tira sua jaqueta vermelha. Ele a vira do avesso enquanto o
faz. O outro lado é verde oliva. Ela se transformou em uma velha jaqueta de
campo de soldado com uma única puxada.
Sharon, que realmente tem um toque de gênio, comprou
este lado do casaco em uma loja de artigos militares e rasgou a costura para
poder costurá-lo facilmente na jaqueta vermelha. Antes de costurar,
entretanto, ela pôs primeiro uma insígnia de tenente, e pedaços pretos de tecido
onde ficariam o nome e a unidade. Ela então lavou o traje umas trinta vezes mais
ou menos. A insígnia e as marcas da unidade se foram agora, é claro, mas os
lugares onde estiveram são claros (a roupa é mais verde nas mangas e no peito
esquerdo, de um padrão mais moderno que qualquer veterano nos serviços armados
reconheceria rapidamente.
Willie o pendura no gancho, senta-se na privada, e
então pega na maleta e a coloca no colo. Ele a abre, tira a bengala
desmembrada, e rapidamente monta os dois pedaços. Segurando-a pelo cabo,
ele se levanta de seu assento, e pega a jaqueta do gancho. Então ele tranca a
maleta, puxa um pouco do papel higiênico para criar o efeito sonoro apropriado
de uma cagada finalizada (provavelmente desnecessário, mas o seguro morreu de
velho), e dá a descarga.
Antes de sair da cabine, tira os óculos do bolso
da jaqueta, que também guarda o envelope com o pagamento. Eles são grandes do
tipo wraparounds; de uma tonalidade retro que ele associa a lâmpadas de lava, e
filmes de motoqueiros fora da lei estrelados por Peter Fonda. São bons para
o negócio, parcialmente porque de algum modo dizem “veterano” às pessoas,
e parcialmente porque ninguém pode ver seus olhos, mesmo as laterais.
Willie Shearman fica para trás, no banheiro no mezanino
do Whitmore assim como Bill Shearman fica para trás no escritório do quinto
andar dos Analistas de Western States Land. O homem que sai (um homem vestindo
uma velha jaqueta militar, óculos, e batendo uma bengala branca à sua frente), é
o Willie Cego, uma parte da mobília da Quinta Avenida desde os dias de Gerald
Ford.
Enquanto cruza o pequeno saguão do mezanino na direção
das escadas (cegos desacompanhados nunca usam as escadas), ele vê uma mulher de
blazer vermelho vindo em sua direção, usando lentes coloridas, ela parece um
tipo exótico de peixe nadando em água suja. E é claro que não é por causa dos
óculos; às duas horas desta tarde ele realmente estará
cego, exactamente como quando gritou que estava quando ele, John
Sullivan, e Deus sabe quantos outros mais eram transportados em um helicóptero
para o hospital fora da província de Dong Ha, nos anos 70.
Estou cego, ele gritava mesmo enquanto puxava Sullivan para fora do
caminho, mas ele não estivera cego, exatamente; através do branco latejante de
clarões ele havia visto Sullivan rolar e tentar segurar as suas tripas expostas.
Ele havia pegado Sullivan e corrido com ele em cima de um ombro de modo
desajeitado. Sullivan era maior que Willie, bem maior, e Willie não tinha a
menor idéia de como havia conseguido carregar tanto peso como fizera, por todo
caminho até à clareira, onde eles haviam sido resgatados pelo helicóptero da
misericórdia de Deus (Deus abençoe os helicópteros Huey, Deus os abençoe, oh,
Deus abençoe a todos). Ele havia corrido para a clareira na direção do
helicóptero com balas voando ao seu redor, e partes de corpos feitos na América
jazendo pela trilha onde a mina ou armadilha, ou o que quer que fosse, havia
sido acionado.
Estou cego, ele havia
gritado, carregando Sullivan, sentindo o sangue de Sullivan descendo em seu
uniforme, e Sullivan também estava gritando. Se Sullivan houvesse parado de
gritar, Willie simplesmente teria despejado o homem de seu ombro e corrido
sozinho, tentando escapar da emboscada? Provavelmente não. Porque ele sabia quem
era Sullivan, sabia exatamente quem ele era, ele era Sully de sua velha cidade
natal, Sully que havia namorado Carol Gerber de sua velha cidade natal.
Estou cego, estou cego, estou cego!
Isso era o que Willie Shearman estava gritando enquanto carregava Sullivan, e é
verdade que a maior parte do mundo estava branco, mas ele ainda se lembra de ver
as balas atravessando as folhas e parando nos troncos das árvores; ele se lembra
de ver um dos homens que havia estado na Vila mais cedo botar a mão na garganta.
Ele se lembra de ver o sangue jorrando através dos dedos do homem, manchando seu
uniforme. Um dos outros homens da Companhia Delta (Pagano era seu nome) pegou
esse rapaz pelo tronco e passou pelo cambaleante Willie Shearman, que realmente
não conseguia ver muito. Gritando
estou cego, estou cego, estou cego, e cheirando o
sangue de Sullivan, o fedor dele. E perto do helicóptero sua visão esbranquiçada
começou a piorar. Seu rosto estava queimado, seu cabelo estava queimado, seu
escalpo estava queimado, o mundo estava branco. Ele estava chamuscado, e saia
fumaça de seu sua roupa, apenas mais um fugitivo de meio acre do inferno. Ele
acreditou que nunca mais conseguiria enxergar, e isso na verdade foi um alívio.
Mas é claro que ele voltou a ver. Com o tempo, ele voltou.
A mulher de blazer vermelho o alcançou.
– Posso ajudar, senhor? – ela pergunta.
– Não, senhora. – Willie Cego diz.
A bengala pára
de bater no chão e toca o vazio. Ela balança como um pêndulo para a frente e para
trás, mapeando os lados da escadaria. Willie Cego assente, e então se move
cuidadosamente, mas confiante, até que consegue tocar o corrimão com a mão que
segura a maleta. Ele toma cuidado para não sorrir diretamente para ela, mas um
pouco para a sua esquerda.
– Não, obrigado. Estou bem. Feliz Natal.
Ele começa a descer, batendo a bengala enquanto o faz,
de maneira fácil apesar da maleta, que está quase vazia. Mais tarde, é claro, a
história será diferente.
10:15 A.M.
A Quinta Avenida está cheia graças à época do ano (tão
brilhante e cheia de enfeites que ele mal consegue ver). As lâmpadas da rua
estavam enfeitadas com coroas.
As grandes lojas se tornaram grandes e extravagantes
pacotes natalinos, completas com gigantes arcos vermelhos. Uma coroa, que deve
ter aproximadamente uns dez metros, enfeita a calma fachada cinza da Bergdorf’s.
Luzes piscam por todos os lados. Na vitrine da Sak, um manequim elegante (com
uma expressão arrogante, quase sem peitos ou cintura) senta na garupa de uma
Harley-Davidson. Ela está usando um gorro de Papai Noel, uma jaqueta de
motoqueiro nova em folha, botas altas, e nada mais. Sinos de prata estão
pendurados no guidão da moto. Em algum lugar próximo, algumas pessoas cantam
“Noite Feliz”, não exatamente a música favorita de Willie Cego, mas é melhor
do que “Você ouve o que eu ouço”.
Ele pára onde sempre pára, na frente da Catedral de
São Patrício do outro lado da rua da Sak’s, permitindo que as pessoas cheias de
pacotes passem por ele. Seus movimentos agora são simples e elegantes. Seu
desconforto no banheiro masculino (a tímida sensação de nudez que está para ser
exposta) passou. Ele nunca se sente mais Católico do que quando chega neste
ponto. Ele era um garoto do St. Gabe afinal de contas; usava crucifixos, vestia
a sobrepeliz, e era um coroinha; se ajoelhava no confessionário, e comia o
odioso peixe na Sexta-Feira. Ele, de várias formas, ainda é um garoto do St.
Gabe, todas as três versões dele têm isso em comum, que essa parte cruzou os
anos e foi superada, como eles costumavam dizer. Só que nestes dias ele cumpre
penitências ao invés de se confessar, e sua certeza de um céu se foi. Nestes
dias tudo o que ele pode fazer é ter esperança.
Ele se agacha, abre a mala, e a vira para que as
pessoas que se aproximam possam ler o adesivo no topo. Em seguida ele tira a
terceira luva, a luva de beisebol que ele possui desde o verão de 1960. Ele
coloca a luva ao lado da mala. Nada despedaça mais corações do que um cego com
uma luva de beisebol que ele achou; Deus abençoe a América.
Por último, mas não menos importante, ele tira a placa
com o ouropel, e a veste.
A placa descansa contra a frente de sua jaqueta
militar.
-
WILLIAM J. GARFIELD, EX-SOLDADO AMERICANO
SERVI EM QUANG TR1, THUA THIEN, TAM BOI, A SHAU
PERDI MINHA VISÃO NA PROVÍNCIA DE DONG HA, 1970
BENEFÍCIOS TIRADOS POR UM GOVERNO AGRADECIDO, 1973
PERDI MINHA CASA, 1975
ENVERGONHADO DE PEDIR, MAS TENHO UM FILHO NA ESCOLA.
PENSE BEM DE MIM SE VOCÊ PUDER.
Ele levanta a cabeça para que a luz fria deste dia
frio e quase pronto para nevar, se reflita nas lentes cegas de seus óculos escuros.
Agora o trabalho começa, ninguém conhece a dificuldade do trabalho. Há um jeito
de se sentar, não exatamente em uma postura militar que é chamada de parada para
descanso, mas perto disso. A cabeça deve ficar para cima, olhando através das milhares e dezenas de milhares de pessoas que passam de um
lado para o outro. As mãos devem estar para baixo em suas luvas negras, nunca
mexendo na placa ou nas calças. Ele deve continuar a projetar aquela sensação de
orgulho misturado com dor e humildade. Não deve haver sensação de vergonha ou de
envergonhar, e acima de tudo nenhum traço de insanidade. Ele nunca fala a não
ser que falem com ele, e apenas quando o tom com que falam com ele é de
gentileza. Ele não responde às pessoas que lhe perguntam irritadas por que ele
não arranja um emprego de verdade, ou o que ele quer dizer com “benefícios
tirados”. Ele não discute com as pessoas que o acusam de falsidade ou de falar
com desdém sobre um filho que permitiria que seu pai pedisse dinheiro nas ruas
para ele ir para o colégio. Ele se lembra de ter quebrado esta regra de ferro
uma única vez, em uma tarde de verão sufocante em 1981.
– Em que colégio seu filho estuda? – a mulher
perguntou irritada. Ele não sabe como ela está vestida, neste momento era quatro
horas da tarde, e ele estivera cego como um morcego por pelo menos duas horas,
mas ele sentiu a raiva explodindo de todas as direções, como percevejos fugindo
de um colchão velho. De certo modo ela o lembrou Malenfant com sua voz fina e
irritante.
“Me diga qual é, eu quero lhe mandar bosta de cachorro pelo correio”,
ela diz.
“Não se preocupe”, ele respondeu, virando para o som da voz. “Se você
tiver bosta de cachorro que quiser mandar para algum lugar, mande para LBJ. O
Expresso Federal deverá entregá-lo no inferno, eles entregam em qualquer lugar.
– Deus o abençoe, cara. – um cara de casaco de
casimira disse, e sua voz tremia com uma emoção surpreendente. Exceto que Willie
Cego Garfield não estava surpreso. Ele já ouviu isso de todo os modos, ele se
lembra, e alguns mais. Um surpreendente número de clientes coloca dinheiro
cuidadosamente e respeitosamente no buraco da luva de beisebol. O cara de casaco
de casimira jogou sua contribuição na mala aberta, entretanto, onde é seu lugar
apropriado. Uma de cinco. O expediente começou.
10:45 A.M.
Até agora tudo bem. Ele repousa sua bengala
cuidadosamente no chão, se apóia em um joelho e joga as contribuições da luva na
mala. Então ele mexe a mão para frente e para trás examinando as notas, embora
ele possa vê-las claramente. Ele as pega (há quatrocentos ou quinhentos dólares
ao todo, o que o coloca no caminho dos três mil dólares do dia, não é muito para
esta época do ano, mas também não é nada mau), então ele as junta e coloca um
elástico ao redor delas. Ele então aperta o botão dentro da mala, e o vão falso
sai em um pulo, jogando o monte de trocados até o fundo. Ele adiciona o rolo de
notas, sem fazer esforço para esconder o que está fazendo, sem sentir qualquer
escrúpulo sobre isso, tampouco; por todos os anos em que ele estivera fazendo
isso, ninguém nunca tentou roubá-lo. Deus ajude o filho da puta que tentar.
Ele solta o botão, fazendo o vão voltar ao seu lugar
normal, e se levanta. Uma mão imediatamente pressiona suas costas.
– Feliz Natal, Willie. – o dono da mão diz. Willie
Cego o reconhece pelo cheiro de sua colônia.
– Feliz Natal, Oficial Wheelock. – Willie responde.
Sua cabeça continua erguida em uma fraca postura de indagação; suas mãos pendem
nas laterais de seu corpo; seus pés em suas botas bem engraxadas permanecem
separados a uma distância não grande o bastante para imitar uma parada de
descanso, mas ninguém está perto o bastante para prestar atenção nisso. – Como
está passando hoje, senhor?
– Na boa, filho da puta. – Wheelock diz. – Você me
conhece, sempre na boa.
Aí vem um homem de casaco aberto sobre um suéter
vermelho de esqui. Seu cabelo é curto, preto no topo, cinza nos lados. Seu rosto
tem uma aparência severa que Willie Cego reconhece de primeira. Ele carrega
algumas sacolas (uma da Saks, outra da Bally), nas mãos. Ele pára e lê a placa.
– Dong Ha. – ele pergunta subitamente, falando não
como um homem quando dá nome a um lugar, mas como um quando reconhece um velho
amigo em uma rua movimentada.
– Sim, senhor. – Willie Cego diz.
– Quem foi seu comandante?
– Capitão Bob Brissum, com um u,
não um o, e acima dele Coronel Andrew Shelf, senhor.
– Ouvi falar em Shelf. – diz o homem de casaco aberto.
Sua face subitamente parece diferente. Enquanto ele andava na direção do homem
na esquina, ela parecia pertencer à Quinta Avenida. Agora não parece. – Embora,
nunca o tenha conhecido.
– Nos últimos momentos do meu serviço, não vimos
muitas pessoas com patentes, senhor.
– Se você saiu do Vale A Shau, não estou surpreso.
Estamos na mesma página aqui, soldado?
– Sim, senhor. Não havia muita estrutura de comando
sobrando quando atacamos Dong Ha. Eu segui em frente com outro tenente. Seu nome
era Dieffenbaker.
O homem de suéter vermelho de esqui assentia
lentamente.
– Vocês rapazes estavam lá quando aqueles helicópteros
caíram, se eu estou calculando corretamente.
– Afirmativo, senhor.
– Então você deve ter estado lá mais tarde, quando...
Willie Cego não o ajuda a terminar. Ele pode sentir
o cheiro da colônia e Wheelock, mais forte do que nunca, e o homem está
praticamente arquejando em sua orelha, soando como um garoto excitado, depois de
um encontro quente. Wheelock nunca caiu na história dele, e embora Willie
Cego pague pelo privilégio de ser deixado em paz nesta esquina, gentilmente
na cotação atual, ele sabe que essa parte de Wheelock ainda é policial o
bastante para esperar que ele se foda. Parte de Wheelock está ativamente
torcendo por isso. Mas os Wheelock do mundo nunca entendem que o que parece
falso nem sempre é falso. Às vezes os problemas são bem mais complicados do que
parecem no começo. Isso foi outra coisa que o Vietnã lhe ensinou, nos anos
anteriores, antes de se tornar uma piada política e uma muleta para cineastas
picaretas.
– Sessenta e nove e setenta foram os piores anos. – o
homem grisalho diz. Ele fala em uma voz lenta e pesada. – Eu estava em Hamburger
Hill com a Companhia 3/187, então eu sei sobre A Shau e Tam Boi. Você se lembra
da Rota 922?
– Ah, sim senhor, a Estrada da Glória. – Willie
Cego diz. – Perdi dois amigos lá.
– Estrada da Glória. – o homem de casaco aberto diz, e
de repente ele parece ter mil anos de idade, o suéter vermelho de esqui parece
obsceno, como algo vestido em uma múmia de museu por crianças mal-criadas que
acreditam estar exibindo senso de humor. Seus olhos passeiam por uma centena de
horizontes. Então eles voltam para esta rua onde batem os sinos pequeninos,
sinos de Belém. Ele põe sua mala entre seus sapatos caros e pega sua carteira de
pele de porco de um bolso interno. Ele a abre, e folheia entre um grosso maço de
notas.
– Tem um filho, não, Garfield? – ele pergunta. –
Tirando notas boas?
– Sim, senhor.
– Quantos anos?
– Quinze, senhor.
– Escola pública?
– Paroquial, senhor.
– Excelente. E se Deus quiser, ele nunca verá a merda
da Estrada da Glória. – o homem de casco aberto pega uma nota de sua carteira.
Willie Cego sente também enquanto escuta Wheelock soltar uma exclamação de
surpresa, e nem precisa olhar para a nota para saber que se trata de uma de cem
dólares.
– Sim, senhor, afirmativo. Se Deus quiser.
O homem de casaco toca a mão de Willie com a nota,
parece supreso quando a mão com a luva recua, como se houvesse sido tocada por
algo quente.
– Coloque em minha caixa, ou no buraco da luva, se
quiser. – Willie Cego diz.
O homem de casaco olha para ele por um momento, o
cenho levantado, franzindo-o levemente, então parece entender. Ele se inclina,
coloca a nota no buraco antigo da luva com o GARFIELD impresso em tinta azul na
lateral, então põe a mão em um dos bolsos da frente e tira um pequeno monte de
trocados. Estes ele espalha na cara do velho Ben Franklin, para prender a nota.
Então ele se levanta. Seus olhos estão molhados e vermelhos.
– Se importa se eu lhe der meu cartão? – ele pergunta
a Willie Cego. – Eu posso te colocar em contato com algumas organizações de
veteranos.
– Obrigado, senhor, tenho certeza de que poderia, mas
eu devo respeitosamente recusar.
– Tentou a maioria delas.
– Tentei algumas, sim, senhor.
– Onde você se recuperou?
– São Francisco, senhor. – ele hesita, e então
adiciona. – O Palácio das Bocetas, senhor.
O homem de casco ri ternamente com esta, e quando seu
rosto se enruga, as lágrimas que estavam em seus olhos rolam por suas bochechas
frias.
– Palácio das Bocetas! – ele chora. – Eu não escuto
isso há dez anos! Cristo!
Uma comadre embaixo de cada cama, e uma enfermeira nua
entre cada jogo de lençóis, certo? Nua exceto pelas miçangas do amor, que elas
deixavam.
– Sim, senhor, isso cobre tudo, senhor.
– Ou descobre. Feliz Natal, soldado. – o homem de
casaco faz uma pequena saudação com um dedo.
– Feliz Natal, senhor.
O homem de casaco pega sua mala de novo e sai andando.
Ele não olha para trás. Willie Cego não o teria visto se ele o tivesse feito;
sua visão agora é apenas fantasmas e sombras.
– Isso foi lindo. – Wheelock murmura. A sensação do
bafo fresco de Wheelock em seu ouvido é odioso para Willie Cego (nojento para
dizer a verdade), mas ele não vai dar ao homem o prazer de mexer sua cabeça um
centímetro. – O velho idiota estava chorando mesmo. Como
tenho certeza de que você viu. Mas você pode fazer sua encenação, Willie, eu
deixo.
Willie não diz nada.
– Alguns soldados no hospital chamavam o lugar de
Palácio das Bocetas, hein?
– Wheelock diz. – Parece o lugar ideal para mim. Onde
foi que você leu sobre ele, Soldadinho de Chumbo?
A sombra de uma mulher, uma forma escura em um dia
escuro, se inclina para a mala aberta e joga algo nela. Uma mão coberta em uma
luva toca a de Willie e ele a aperta brevemente.
– Deus o abençoe, meu amigo. – ela diz.
– Obrigado, senhora.
A sombra se move. Os pequenos vapores de hálito no
ouvido de Willie não.
– Tem alguma coisa para mim, amigão?
Willie Cego coloca a mão no bolso da jaqueta. Ele
pega o envelope e o segura, furando o ar frio com ele. É tomado de seus dedos
assim que Wheelock o percebe.
– Seu cuzão! – há medo, assim como raiva, na voz do
policial. – Quantas vezes eu preciso te dizer, seja discreto,
discreto!
Willie Cego nada diz. Ele está pensando na luva de
beisebol, em como ele apagou BOBBY GARFIELD (tão bem quanto poderia apagar tinta
de couro, de qualquer forma), e então colocou o nome Willie Shearman no lugar.
Mais tarde, depois do Vietnã, e quando ele estava começando sua nova carreira,
ele a apagou uma segunda vez, e escreveu um único nome nela, GARFIELD, em
grandes letras de forma. O lugar na lateral da velha luva Alvin Dark onde todas
essas mudanças havia ocorido parecia seca e esfolada. Se ele pensar na luva, se
ele se concentrar em seu desgate, e nas camadas de nomes, ele provavelmente
poderá evitar fazer algo estúpido. É isso que Wheelock quer, é claro, o que ele
quer mais do que suborno nojento: que Willie faça algo estúpido, e estrague seu
disfarce.
– Quanto tem? – Wheelock pergunta depois de um
momento.
– Três mil. – Willie Cego diz. – Três mil dólares,
Oficial Wheelock.
Isto é recebido por um breve momento de silêncio
pensativo, mas Wheelock dá um passo para trás, e o vapor do hálito em seu ouvido
se dissolve um pouco. Willie Cego é grato aos pequenos favores.
– Tudo bem. – Wheelock diz finalmente. –
Desta vez. Mas um novo ano está chegando, amigão, e seu
amigo Jasper o Policial-Smurf tem um pedaço de terra ao norte de Nova York em
que ele quer construir uma pequena cabana. Capisce? O preço do jogo está
subindo.
Willie Cego nada diz, mas ele está escutando com
muita, muita atenção agora. Se isso fosse tudo, tudo terminaria bem. Mas a voz
de Wheelock sugeria que não era tudo.
– Na verdade a cabana não é a parte importante. –
Wheelock continua. – A coisa importante é que eu preciso de uma compensação
melhor se eu terei que lidar com um babaca baixo que nem você. – agora sua voz
destilava raiva genuína. – Como você pode fazer isso todo dia, mesmo no
Natal, cara, eu não sei. Pessoas que mendigam, isso é
uma coisa, mas um cara como você... não mais cego do que eu.
Oh, você é bem mais cego do
que eu, Willie Cego pensa, mas ainda segurando sua onda.
– E você está indo bem, não está? Provavelmente não
tanto quanto aqueles escrotos do Louvem a Deus na televisão, mas você deve
ganhar... o quê? Mil por dia, nesta época do ano? Dois mil?
Ele nem chegou perto, mas o erro de cálculo é música
para os ouvidos de Willie Cego Garfield. Significa que seu parceiro
silencioso não o está vigiando de tão perto, ou tão freqüentemente... não ainda,
de qualquer forma. Mas ele não gosta da fúria na voz de Wheelock. Fúria é uma
carta selvagem no jogo de pôquer.
– Você não é mais cego do que eu. – Wheelock repete.
Aparentemente essa é a parte que o deixa encucado. – Ei, amigão, sabe de uma
coisa? Eu acho que vou te seguir em alguma noite quando você sair do trabalho,
sabe? Ver para onde você vai. – ele pausa. – Aonde você entra.
Por um momento, Willie Cego pára de respirar...
então recomeça.
– Você não ia querer fazer isso, Oficial Wheelock. –
ele diz.
– Eu não iria, hein? Por que não, Willie? Por que não?
Você está cuidando do meu bem estar, é isso? Tem medo de que possa matar a merda
que põe os ovos de ouro?
Ei, o que eu ganho de você por ano não é muito
comparado a uma recomendação, talvez uma promoção. – ele pausa. Quando ele fala
de novo, sua voz tem uma qualidade sonhadora que Willie acha especialmente
alarmante. – Eu poderia ir ao jornal.
-
POLICIAL HERÓI PRENDE ARTISTA INSENSÍVEL NA QUINTA
AVENIDA.
Jesus, Willie pensa,
Meu bom Jesus, ele fala sério.
– Diz Garfield na sua luva ali, mas aposto que seu
nome nem é Garfield. Eu apostaria dólares ao invés de rosquinhas.
– É uma aposta que você perderia.
– É o que você diz... mas a lateral daquela luva
parece ter visto mais do que um nome escrito ali.
– Foi roubada quando eu era uma criança. – ele está
falando demais? Difícil dizer. Wheelock conseguiu pegá-lo de surpresa, o
bastardo. Primeiro o telefone toca em seu escritório, o bom e velho Ed da Nynex,
e agora isso. – O menino que roubou de mim escreveu seu nome nela enquanto a
tinha. Quando eu a recuperei, eu apaguei e recoloquei o meu.
– E ela foi para o Vietnã com você.
– Sim. – é a verdade. Se Sullivan tivesse visto a luva
Alvin Dark e sua lateral, ele a teria reconhecido como sendo a de seu velho
amigo Bobby? Difícil, mas quem poderia saber? Sullivan nunca a viu, não no
verde, ao menos, o que fazia a questão inteira ser discutível. O Oficial Jasper
Wheelock por outro lado, estava fazendo todo o tipo de pergunta, e
nenhuma delas era discutível.
– Ela foi para o Vale Atchim com você, não foi?
Willie Cego não responde. Wheelock está tentando
levá-lo agora, e não há lugar para onde Wheelock possa levá-lo que Willie
Garfield queira ir.
– Foi com você para aquele tal de Tam Bor?
Willie nada diz,
– Cara, eu achei que tambor era um instrumento
musical.
Willie continua em seu silêncio.
– O jornal. – Wheelock diz e Willie vê no meio da
escuridão o cuzão levantar as mãos e as separar lentamente, como se mostrando
uma grande fotografia. – POLICIAL HERÓI. – ele pode apenas estar provocando...
mas Willie não tem certeza.
– Você estará no jornal, pode apostar, mas não haverá
nenhuma recomendação.
– Willie Cego diz. – Tampouco uma promoção. Na
verdade, você seria mandado para a rua, Oficial Wheelock, para procurar outro
emprego. Você poderia tentar entrar em uma daquelas companhias de seguro, um
homem que aceita propina não pode ser vinculado.
É a vez de Wheelock parar de respirar. Quando ele
começa novamente, o hálito no ouvido de Willie Cego se transformou em um
furacão; a boca semovente do policial está quase tocando sua pele.
– O que quer dizer? – ele sussurra. Uma mão pousa no
braço da jaqueta militar de Willie Cego. – Me diga o que caralho você quer
dizer.
Mas Willie Cego permanece em silêncio, com as mãos
nos lados de seu corpo, a cabeça levemente para cima, olhando com atenção para a
escuridão que não vai clarear até que a luz do dia se vá, e em seu rosto está a
falta de expressão que tantas vezes é mal interpretada como orgulho arruinado,
como coragem abatida, mas de algum modo ainda intacta.
É melhor ter cuidado, Oficial
Wheelock, ele pensa. O gelo sobre a qual você
está, está ficando mais fino. Eu posso ser cego, mas você
deve ser surdo se não pode ouvir o som dele se rachando
sob seus pés.
A mão em seu braço o sacode levemente. Os dedos de
Wheelock o pressionam.
– Você tem um amigo? É isso, seu filho da puta? É por
isso que você segura o envelope daquele jeito na maioria das vezes? Você tem um
amigo tirando fotos de mim?
É isso?
Willie Cego continua sem dizer nada; para Jasper, o
Policial Smurf, ele está dando agora um sermão de silêncio. Pessoas como o
Oficial Wheelock sempre irão pensar o pior se você deixar. Você só tem que dar
tempo para elas o fazerem.
– Você não vai querer foder comigo, amigão. – Wheelock
diz, maliciosamente, mas há um sutil tom de preocupação em sua voz, e a mão na
jaqueta de Willie Cego se afrouxa. – Agora vai ter que arrecadar quatro mil
por mês, começando em Janeiro, e se você tentar fazer joguinhos comigo, eu vou
te mostrar onde fica realmente o parque de diversões. Você me entendeu?
Willie Cego nada diz. As baforadas de vapor param
de bater em seu ouvido, e ele sabe que Wheelock está pronto para se mandar. Mas
ainda não; as nojentas baforadas voltam.
– Você vai queimar no inferno pelo que está fazendo. –
Wheelock lhe diz. Ele fala com grande sinceridade, quase febril. – O que eu faço
com seu dinheiro é um pecado perdoável, eu perguntei ao padre, então estou certo
disso, mas o seu é mortal.
Você vai para o inferno, e vai ver quantas esmolas
você consegue por lá.
Willie Cego pensa em uma jaqueta que Willie e Bill
Shearman vêem às vezes na rua. Há um mapa do Vietnã nas costas, normalmente os
anos em que o portador da jaqueta passou lá, e esta mensagem: QUANDO EU MORRER,
EU VOU DIRETO PARA O CÉU, PORQUE EU GASTEI MEU TEMPO NO INFERNO. Ele poderia
mencionar este sentimento ao Oficial Wheelock, mas não seria bom. Silêncio é
melhor.
Wheelock começa a se afastar, e o pensamento de Willie
(de que ele está feliz de vê-lo ir), faz com que um raro sorriso toque sua face.
Ele vem e vai como um raio de sol errante em um dia nublado.
1:40 P.M.
Por três vezes ele enrolou as notas e jogou o troco no
fundo da mala (ela realmente tem a função de guardar, não de dissimular), agora
trabalhando completamente pelo toque. Ele já não pode ver mais o dinheiro, não
diferencia um de cem, mas ele sente que está tendo um bom dia de fato. Não há
prazer em saber disso, entretanto. Nunca houve muito, prazer não é o significado
de Willie Cego, mas mesmo a sensação de sucesso que ele pode ter tido outro
dia foi silenciada por sua conversa com o Oficial Wheelock. Às onze e quarenta e
cinco, uma jovem mulher de voz bonita ( para Willie Cego ela soava como Diana
Ross), saiu da Saks e lhe deu outro copo de café quente, como ela faz na maioria
dos dias neste horário. Ao meio-dia, outra mulher (esta não tão jovem, e
provavelmente branca), lhe trouxe um copo de sopa de macarrão e galinha. Ele
agradeceu a ambas. A senhora branca lhe beijou o rosto com lábios macios e lhe
desejou o mais feliz dos Natais.
Há o outro lado do dia também; quase sempre há. Por
volta de uma da tarde, um adolescente com sua gangue de amigos, rindo, contando
piadas, e assoviando, falou em meio a escuridão da esquerda de Willie Cego,
ele disse que ele era um filho da puta muito do feio, então pergunta se ele usa
aquelas luvas porque queimou os dedos tentando ler o ferro de waffles. Ele e
seus amigos correm, rindo desta velha piada.
Quinze minutos depois alguém o chuta, embora pode ter
sido um acidente. Em todas as vezes ele se inclina para a mala, entretanto, a
mala está lá. É uma cidade de rufiões, ladrões, e criminosos, mas a mala está
bem aqui, como sempre esteve.
E durante todo o tempo, ele pensa em Wheelock.
O policial antes de Wheelock era mais fácil de lidar;
aquele que vier depois que Wheelock saia da força ou seja transferido para o
centro também pode ser fácil de lidar.
Wheelock vai sacudir, queimar, ou explodir,
eventualmente, isso foi algo que ele aprendeu na moita, enquanto isso, ele,
Willie Cego, deve ficar firme como um bambu em uma tempestade. Exceto que até
o mais forte dos bambus quebra se o vento soprar forte o bastante.
Wheelock quer mais dinheiro, mas não é isso que
preocupa o homem de óculos escuros e jaqueta militar; cedo ou tarde todos eles
vão querer mais dinheiro. Quando ele começou nesta esquina, ele pagava ao
Oficial Hanratty cento e vinte inço. Hanratty era um cara cuja filosofia era
“viva e deixe viver”, que cheirava a desodorante e uísque como George Raymer, o
policial da vizinhança da infância de Willie Shearman, mas o tranqüilo Eric
Hanratty ainda tinha Willie Cego preso a duzentos dólares por mês quando ele
se aposentou em 1978. E a coisa é (cave, meus irmãos), Wheelock estava furioso
esta manhã, furioso, e Wheelock havia falado sobre
consultar o padre. Estas coisas o preocupam, mas o que preocupa ainda mais foi o
que Wheelock disse sobre seguí-lo. Ver para onde você vai.
Aonde você entra. Garfield não é seu nome. Eu apostaria
dólares ao invés de rosquinhas.
É um erro foder com um verdadeiro
penitente, Oficial Wheelock. Willie Cego pensa. Você
ficaria mais seguro fodendo minha esposa do que meu nome, acredite.
Muito mais seguro.
Wheelock poderia fazê-lo, entretanto (o que poderia
ser mais simples do que enganar um cego, ou mesmo um que pode ver pouco mais do
que sombras?). Mais simples do que vê-lo entrar em algum hotel e em seguida em
um banheiro masculino público? Vê-lo entrar em uma cabine, enquanto Willie
Cego Garfield sai como Willie Shearman? Suponha que Wheelock possa segui-lo
até a troca de Willie para Bill.
Pensar nisso traz de volta as tensões da manhã, sua
sensação de ser uma cobra entre peles. O medo de ser fotografado pegando propina
vai segurar Wheelock por um tempo, mas se ele estiver furioso o bastante, não há
como prever o que ele vai fazer. E
isso é assustador.
– Deus te ama, soldado. – uma voz diz na escuridão. –
Eu queria poder fazer mais.
– Não é necessário, senhor. – Willie Cego diz, mas
sua mente ainda está em Jasper Wheelock, que cheira à colônia barata e falou com
o padre sobre um cego com uma placa, o cego que não é, na opinião de Wheelock,
tão cego assim. O que ele disse?
Você vai para o inferno, e vai ver
quantas esmolas consegue por lá.
– Tenha um feliz Natal, senhor, obrigado
por me ajudar.
E o dia segue.
4:25 P.M.
A sua visão começa a melhorar, escura, distante, mas
lá. É a sua dica para guardar as coisas e ir embora.
Ele se ajoelha, com as costas eretas, e repousa sua
bengala atrás da mala novamente. Ele pega as últimas notas, as joga com as
últimas moedas no fundo da mala, então ele coloca sua luva de beisebol e a placa
decorada com o ouropel dentro dela. Ele tranca a mala, e se levanta, segurando
sua bengala na outra mão. Agora a mala está pesada, puxando seu braço com o peso
morto de todo aquele metal. Há um barulho pesado de chocalho enquanto as moedas
vão voando de um lado para o outro, e então elas param como metal preso ao solo.
Ele sai da Quinta, suspendendo a mala no fim de sua
mão esquerda como uma âncora (depois de todos esses anos ele está acostumado ao
peso dela, poderia até carregá-la para mais longe do que irá nesta tarde, se as
circunstâncias pedissem), segurando a bengala em sua mão direita e batendo
delicadamente no pavimento à sua frente. A bengala é mágica, abrindo um corredor
vazio entre as pessoas, que se empurram pela calçada como uma onda na forma de
lágrima. Quando ele chega na Quinta com a Quarenta e três, ele consegue ver este
corredor. Ele também pode ver a placa NÃO ATRAVESSE na Quarenta e dois, piscando
e parando, mas ele continua a andar de qualquer forma, deixando um homem bem
vestido de cabelos longos e relógio dourado o alcançar e pegá-lo pelo ombro para
pará-lo.
– Cuidado, meu chapa. – o homem de cabelo longo diz. –
Os carros vão passar.
– Obrigado, senhor. – Willie Cego diz.
– Não há de quê... feliz Natal.
Willie Cego cruza, passa pelos leões sentinelas na
Biblioteca Pública, e desce mais duas quadras, onde ele vira na direção da Sexta
Avenida. Ninguém o aborda; ninguém o vigiara enquanto ele trabalhava o dia todo,
e então o seguira, esperando pela oportunidade de pegar a mala e correr (não que
muitos ladrões pudessem correr com ela, não
esta mala). Uma vez, no verão de 79, dois ou três
jovens, talvez negros (ele não podia dizer com certeza; eles
soaram negros, mas sua visão estivera voltando lentamente naquele dia, era
sempre mais lento nos dias quentes. Quando os dias ficavam mais brilhantes), o
abordaram e começaram a falar com ele de um jeito que ele não gostou. Não era
como as crianças de hoje à tarde, com suas piadas sobre ler o ferro do waffle e
se ele toca uma vendo a Playboy em Braille. Foi mais leve do que isso, e de
algum modo bem estranho, quase gentil (perguntas sobre quanto ele havia
conseguido lá atrás na catedral, e se por alguma chance ele seria generoso o
bastante para fazer uma contribuição para algo chamado a Liga Recreativa de
Pólo, e se ele queria um pouco de proteção para chegar a sua parada de ônibus,
ou metrô, ou o que fosse). Alguém, talvez um sexologista em crescimento, lhe
perguntou se ele gostava de uma boceta jovem de vez em quando.
– Ela te deixa durão. – a voz disse à sua esquerda
baixinho, quase longinquamente. – Sim, senhor, tem que acreditar
nessa merda.
Ele se sentiu do jeito que ele imaginou que um rato se
sentiu quando um gato só ficava lhe dando patadas, sem usar as garras ainda,
curioso sobre o que o rato faria, o quão rápido poderia correr, e que tipo de
barulho ele faria enquanto seu terror crescia.
Willie Cego não estivera aterrorizado, entretanto.
Assustado, sim, de fato, você poderia dizer que ele estivera assustado, mas ele
não estivera aterrorizado desde a última semana no verde, a semana que havia
começado no Vale A Shau e terminado em Dong Ha, a semana em que os vietcongues
os perseguiram incessantemente pelo oeste ao que não pareceu exatamente uma
batida em retirada, e ao mesmo tempo brincando com ele em ambos os lados, os
direcionando como gado na corredeira, sempre gritando pelas árvores, às vezes
rindo na selva, às vezes atirando, às vezes gritando na noite. Os homenzinhos
que não estavam lá, Sullivan os haviam chamado. Não há nada como eles aqui, e
seu dia mais cego em Manhattan não é tão escuro como aquelas noites depois que
eles se perderam do Capitão. Saber disso havia sido sua vantagem e o erro
daqueles jovens. Ele simplesmente aumentara sua vez, falando como um homem ao se
dirigir à velhos amigos em uma sala cheia deles.
– Me digam! – ele havia exclamado para os fantasmas de
sombra que o cercava lentamente pela calçada. – Me diga, alguém vê um policial?
Eu acredito que estes jovens camaradas aqui querem me roubar. – e isso resolveu,
fácil como puxar uma casca de laranja; os jovens camaradas que o cercavam
subitamente desapareceram na brisa fria.
Ele apenas desejava que pudesse resolver o seu
problema com o Oficial Wheelock tão facilmente assim.
4:40 P.M.
O Sheraton Gotham, na Quarenta com a Broadway, é um
dos maiores hotéis de primeira classe no mundo, e na caverna de seu saguão
milhares de pessoas vêm e vão sob seu gigante candelabro. Eles perseguem seus
prazeres aqui e cavam seus tesouros lá, sem perceberem a música natalina saindo
dos alto falantes até as conversas nos três restaurantes diferentes e cinco
bares, até os elevadores cênicos subindo e descendo em seus cabos como pistões
forçando uma exótica máquina de vidro... e para o homem cego que segue batendo
sua bengala entre eles, indo para o banheiro público masculino quase do tamanho
de uma estação de metrô. Ele entra com o adesivo na pasta virado para dentro
agora, e ele é tão anônimo quanto um cego pode ser. Nesta cidade, isso é ser
muito anônimo.
Ainda assim, ele pensa enquanto entra em uma das
cabines e tira a jaqueta, colocando-a do avesso enquanto o faz,
como é que em todos esses anos ninguém nunca
me seguiu? Ninguém nem mesmo percebeu que um cego que entra
e o homem que pode enxergar que sai são do mesmo
tamanho, e carregam a mesma mala?
Bem, em Nova York, as pessoas dificilmente notam
alguma coisa que não seja da sua própria conta (a seu próprio modo, elas são tão
cegas quanto Willie Cego).
Fora de seus escritórios, entupindo as calçadas, se
aglomerando na estação do metrô e nos restaurantes baratos, há algo tanto
repulsivo quando triste sobre eles; eles são como ninhos de toupeiras viradas
pelo ancinho de um fazendeiro. Ele viu esta cegueira de novo e de novo, e ele
sabe que essa é uma das razões do seu sucesso... mas com certeza não a única
razão. Eles não são todos toupeiras, e ele esteve
jogando os dados por um longo tempo. Ele toma precauções, é claro que toma,
muitas delas, mas ainda há aqueles momentos (como agora, sentado aqui com as
calças caídas, desmontando a bengala branca e a colocando de volta na mala)
quando ele seria fácil de pegar, fácil de roubar, fácil de ser exposto. Wheelock
estava certo sobre jornal, eles o adorariam. Eles iriam colocá-lo mais alto do
que Amã. Eles nunca entenderiam, nunca iriam querer
entender, ou ouvir o seu lado da história. Que lado? E
por que nada disso jamais aconteceu?
Por causa de Deus, ele acredita. Porque Deus é bom.
Deus é duro, mas Deus é bom. Ele não pode ir se confessar, mas Deus parece
entender. Expiação e penitência levam tempo, mas lhe foi dado tempo. Deus andou
com ele em cada passo do caminho.
Na cabine, ainda entre as identidades, ele fecha os
olhos e reza (primeiro agradecendo, depois pedindo para Deus guiá-lo, e depois
mais agradecimentos). Ele termina como sempre faz, em um sussurro que apenas
Deus pode ouvir: “Se eu morrer em uma zona de combate, me coloque num saco, e me
mande para casa. Se eu morrer em estado de pecador, feche os olhos, e me aceite.
Amém”.
Ele deixa a cabine, deixa o banheiro, deixa os ecos
confusos do Sheraton Gotham, e ninguém anda até ele e diz, “Com licença, senhor,
mas você não era um cego agora há pouco?” Ninguém olha para ele duas vezes
enquanto ele anda pela rua, carregando sua mala como se pesasse dez quilos ao
invés de quarenta e cinco. Deus toma conta dele.
Começou a nevar agora. Ele anda devagar, Willie
Shearman novamente agora, trocando a mala de mão, apenas mais um cara
cansado no fim do dia. Ele continua a pensar sobre seu inexplicável sucesso
enquanto caminha. Há um verso do Livro de Mateus que ele gravou na memória.
São cegos, guia
de cegos, ele diz, ora, se
um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco. E tem aquele ditado que diz
que em terra de cego quem tem olho é rei. Ele é o rei
com o olho? Deixando Deus de lado, será que foi isso o segredo
prático de seu sucesso em todos esses anos?
FIM

"Blind Willie" é um conto escrito por Stephen King. A história trata da penitência de um veterano de guerra do Vietnam,
que continua assombrado por um passado doloroso e um mal-estar que nunca o deixa. O
personagem principal desta história é Willie Shearman, e a história passa-se num
único dia em dezembro de 1983. A princípio, vê-mo-lo a viajar de Connecticut
para Nova York como qualquer normal homem de negócios; descobrimos então que -
através de um processo elaborado - ele se disfarça de mendigo cego, que recebe
milhares de dólares por dia em esmolas dos transeuntes, guardando as notas para
si e distribuindo as moedas por várias igrejas e instituições de caridade.
Em
HEARTS IN ATLANTIS reunem-se 2 novelas e 3 contos de Stephen King, todos conectados entre si por personagens recorrentes e ocorrendo em ordem cronológica. As histórias são sobre a geração Baby Boomer, especificamente a visão de King de que essa geração não cumpriu
as suas promessas e ideais.
ϟ
excerto do conto:
Blind Willie
STEPHEN KING
1.ª publicação: revista Antaeus, 1994
Colectânea: Corações na Atlântida
título original:
HEARTS IN ATLANTIS (1999)
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