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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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Os Seres Demoníacos — Que Deus nos Proteja!

Mitos, Lendas e Fábulas da Terra Santa

J.E. Hanauer

Mecca Pilgrims Having Set Eyes on the Kaaba Choose to Blind Themselves by Staring at Red-Hot Bricks Rather than Look at Anything Less Sacred, 1905
Peregrinos em Meca, que viram a Kaaba, preferem cegar do que olhar para qualquer outra coisa menos sagrada. Fazem-no aproximando os olhos de tijolos incandescentes (gravura, 1905)


Há alguns anos uma camponesa de El Welejeh * perdeu um olho sob as seguintes circunstâncias: ela voltava de Jerusalém quando, ao passar pela fonte conhecida como Ain El Haniyeh, ouviu uma rã coaxar. Olhando em volta, viu a rã em gravidez avançada; então, maldosamente, disse à criatura: “Que Alá não permita que você gere seu filhote até que eu seja chamada para ser a sua parteira”. Após proferir esta fala indelicada, a mulher foi embora. À noite ela se preparou para descansar junto aos seus filhos, cujo pai morrera na guerra, mas qual não foi o seu terror quando, ao despertar durante a noite, viu-se numa caverna cercada por pessoas desconhecidas e mal-encaradas; uma delas virou-se para ela e disse bruscamente:

“Ai de você se invocar o Nome de Alá. Será uma mulher morta. Se nós, que vivemos nos subterrâneos do mundo, viermos até você, que vive na superfície da terra, então estará protegida pelo Nome; se por outro lado, você se intrometer desnecessária e deliberadamente connosco, de nada adiantará invocar o Nome de Alá. Que mal lhe fez minha esposa para você amaldiçoá-la como fez esta tarde?”

“Eu não sei do que está falando, nunca vi sua esposa antes”, respondeu a mulher, aterrorizada.

“Ela é a rã grávida com quem você falou em Ain El Haniyeh. Quando nós, que vivemos nos subterrâneos, queremos passear por aí afora, em geral assumimos a forma de algum animal. Minha esposa adotou a forma da rã que você amaldiçoou mencionando o Nome quando ela estava sofrendo as dores agudas do parto. Porém, graças à sua cruel maldição, a dor de minha esposa não poderá ser aliviada até que você a ajude. Por isso eu lhe advirto: a menos que ela gere um menino, serei muito duro contigo”.

Então ele a conduziu para o local onde a esposa estava rodeada por outras rãs. A mulher estava tão amedrontada que quase não conseguia raciocinar; fez o melhor que póde por sua estranha paciente, que logo deu à luz um belo filhote macho. Quando o pai foi informado, ficou muito feliz e entregou à parteira humana um mukhaleh (cosmético muito usado no Oriente Médio para escurecer as beiras das pálpebras), dando instruções para aplicá-lo nos olhos da criança, de modo que estes ficassem escuros e luminosos.

Ao fazer isso, ela notou que os olhos do bebê, assim como os dos demais demónios ao seu redor, eram muito diferentes dos olhos dos homens e mulheres comuns, pois suas pupilas eram longitudinais e verticais. Após aplicar o mukhaleh nos olhos do pequenino, pegou um pequeno recipiente que levara consigo, com o intuito de guardar nele um pouco daquele pó e passá-lo nos seus próprios olhos. Porém, antes que tivesse tempo, uma jan (espírito mau) fêmea, que notou seus movimentos, arrancou furiosamente o mukhaleh das suas mãos. Os demónios então pegaram uma das mangas das roupas da mulher — que, como outras camponesas sírias, era usada para carregar coisas — e encheram-na com algo que ela não sabia o que era. Em seguida colocaram-lhe uma venda e a conduziram para fora da caverna. Quando os demónios permitiram que abrisse os olhos, a camponesa, ao olhar ao seu redor, viu-se só diante da fonte de Ain El Haniyeh. Curiosa para saber o que estava na sua manga, abriu-a e encontrou muitas cascas de cebola, que prontamente jogou fora. Ela chegou em casa alguns minutos depois, onde encontrou seus filhos dormindo tranqüilamente. Ao se preparar para deitar, algo mais caiu da sua manga. Ao apanhar o objeto, percebeu que era uma pequena peça de ouro. Dando-se conta da verdadeira natureza das supostas cascas de cebola que acabara de jogar fora, apressou-se em ir novamente até a fonte e encontrou as cascas de cebola intactas, mas todas elas transformadas em peças de ouro. A mulher ajuntou-as avidamente e voltou para casa; como ainda faltavam algumas horas para o amanhecer, deitou-se e voltou a dormir.

No dia seguinte, ao acordar, pensou que provavelmente sonhara com tudo aquilo. Porém, um dos seus filhos lhe contou que um dos olhos da mãe estava escurecido com mukhaleh e o outro não; além disso, ela verificou que o seu depósito estava repleto de peças de ouro e convenceu-se de que não sonhara; agora era uma mulher rica.

Algum tempo depois a camponesa foi a Jerusalém para fazer compras. Quando se aproximou do vendedor de roupas — um judeu em frente ao empório de trigo — viu no meio da multidão a jan fêmea que conhecera na forma de rã. Enquanto ia de uma loja a outra, furtava objetos. A camponesa foi até ela, tocou-lhe no ombro e perguntou-lhe por que estava fazendo aquilo. Mesmo amedrontada pelo olhar pouco amistoso da jan, inclinou-se e beijou o bebê. As pessoas que estavam em volta acharam que ela era louca quando, como supunham, viram-na beijando o ar, pois como não tinham mukhaleh aplicado nos olhos, não podiam ver o que acontecia. No entanto, a jan disse furiosamente: “Afaste-se! Você quer nos desgraçar?”. Em seguida enfiou o dedo diretamente no olho da pobre mulher — aquele que estava pintado com mukhaleh — e cegou-o no mesmo instante.

O infortúnio que poderia ter acontecido se ela tivesse aplicado o mukhaleh nos dois olhos, só Alá sabe; mas com certeza, graças ao curioso formato dos olhos dos jans, eles podem ver e saber muitas coisas que os simples mortais não podem. E o mukhaleh ajuda-os a ter uma segunda visão que nós não possuímos. É raro conhecermos pessoas com os olhos assim. Talvez encontremos uma em dez mil, mas aqueles que têm olhos assim podem fazer coisas que as outras pessoas nem imaginam. Os mugharibehs, árabes da África do Norte, cientes de que tesouros escondidos podem ser encontrados por meio de magia, estão sempre de olho nestas pessoas, na esperança de obter a ajuda deles para enriquecerem.

 

nota: Aldeia a cerca de 15 km a sudeste de Jerusalém, à margem da estrada de ferro Jerusalém-Iafo. 

FIM

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James Edward Hanauer (1850–1938)  foi escritor, fotógrafo e cónego da catedral de São Jorge em Jerusalém. Descendendo de antepassados suíços e judeus, nasceu em Jaffa no que era então a Síria otomana mas mudou-se para Jerusalém em criança. Foi empregado por Charles Warren - numa expedição à Transjordânia - como tradutor e assistente de fotógrafo, e aí teve início o seu interesse por antiguidades e folclore, que subsequentemente levou ao seu envolvimento com o Palestine Exploration Fund. Os seus papéis e correspondência foram publicados na Revista Trimestral daquela sociedade britânica depois de 1881, que também publicou o seu livrinho "Table of the Christian and Mohammedan Eras" em 1904; Este foi ilustrado com fotografias de alta qualidade. Algumas das suas colecções de fotografias foram reproduzidas na sua obra Walks about Jerusalem , de 1910; tanto o seu irmão como o seu filho foram também ativos neste campo. Em 1907, foi publicado em Londres, o seu Folk-lore of the Holy Land: Moslem, Christian and Jewish.

 

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Folklore of the Holy Land: Moslem, Christian e Jewish
in Mitos, Lendas e Fábulas da Terra Santa
autor: James Edward Hanauer
tradução e adaptação: Uri Lam
seleção e organização: J.E. Hanauer.
São Paulo : Landy Editora, 2005.
fonte do texto: ePUBr - Biblioteca Digital Brasileira



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10.Nov.2017
publicado por MJA