|

Cristo cura o Cego de Jericó - escola italiana, séc. XVII
Jesus, segundo os evangelhos, praticou uma infinidade de milagres, e,
dentre estes, os chamados “milagres de cura”. Entretanto, a crer-se nos
historiadores, Jesus não estava fazendo nada de novo, já que a coisa mais
comum naqueles dias de absoluto atraso médico era a existência de
taumaturgos espalhados por toda a Palestina. (Até o rei Vespasiano, segundo
Suetônio, teria curado um cego, valendo-se da mesma técnica empregada por
Cristo de misturar saliva com barro).
“A medicina científica, fundada há cinco séculos pela Grécia, era, à
época de Jesus, praticamente desconhecida dos judeus da Palestina”, diz-nos
Ernest Renan. “Em um tal estado de conhecimentos, a presença de um homem
superior, tratando o doente com carinho e dando-lhe por meio de alguns sinais
sensíveis a certeza de seu restabelecimento, é freqüentemente um remédio
decisivo.” Renan ainda acrescenta, com uma sã lógica: “Desde que se visse a
doença como a punição de um pecado, ou como obra do demônio, e não como
resultado de causas físicas, o melhor médico era o homem santo, que tinha o
poder de ordem sobrenatural”.
Mas, então, eram falsos os milagres?
Segundo os evangelhos, eram absolutamente verídicos, e é sob essa
ótica que devemos ler os relatos acerca deles, já que os profetas incluíam o
poder de operar milagres como um dos componentes essenciais da pregação
do Messias.
Jesus também curou por etapas, nas chamadas “curas gradativas”. Na
primeira delas curou um surdo-mudo, que habitava em território pagão, “a
leste do lago”(ou seja, do Jordão). Tão logo as pessoas avistaram Jesus,
correram logo a trazer-lhe um surdo-mudo, para que o curandeiro lhe
impusesse as mãos.
Jesus, entretanto, por algum motivo, preferiu, dessa vez, isolar-se da
multidão para operar o seu milagre. Assim que esteve a sós com o surdomudo,
impôs-lhe primeiramente os dedos nos ouvidos. Depois, molhou o dedo
com sua saliva e tocou-o na língua do mudo, ao mesmo tempo em que erguia
os olhos ao céu.
Jesus deu um breve gemido e pronunciou, em seguida, a palavra
aramaica “Effatha!” (que significa “Abre-te”). No mesmo instante, os ouvidos
do doente foram desimpedidos e sua língua, destravada.
O evangelista Marcos conclui de maneira irônica, dizendo que, tendo
sido advertido por Cristo para que não contasse a ninguém o milagre, saíra o
ex-mudo a alardear o fato, e que quanto mais Jesus proibia ao povo de
divulgar seus milagres, “mais o anunciavam”.
O segundo caso de cura gradativa deu-se com o cego de Betsaída, e desenrolou-se
da seguinte maneira: tendo Cristo chegado a essa localidade, foi-lhe
trazido um cego. Mais uma vez Jesus apartou-se da plebe curiosa e foi
obrar seu prodígio secretamente.
Depois de ter ungido os olhos do cego com sua saliva, lhe disse:
– Estás enxergando?
O cego piscou várias vezes na direção do povo, que observava a tudo
de longe.
Depois de olhar atentamente para tudo, o cego ficou curado “e
distinguiu tudo perfeitamente”.
Mas além da cura gradativa, praticou também o Nazareno uma outra e
surpreendente modalidade de cura: a cura simultânea. Também aqui os cegos
são os protagonistas ao lado de Cristo, embora haja uma pequena
controvérsia, já que Mateus, Marcos e Lucas divergem quanto ao número de
cegos da história. Assim, enquanto o primeiro afirma que eram dois cegos, os
outros juram tratar-se apenas de um.
Preferimos seguir a versão de Mateus.

Cristo e os dois cegos - escola bizantina
Estava, pois, o Senhor, a caminho de Jerusalém, para cumprir a última e
dolorosa parte de sua existência, quando, ao passar por Jericó, escutou os
gritos de dois cegos.
– Senhor, filho de Davi, tende piedade de nós!
Entretanto, suas vozes foram logo abafadas pelos gritos da multidão que
acompanhava Jesus, que ordenava aos dois cegos que se calassem.
Mas os dois ceguinhos não se assustavam fácil, e por isso repetiram seu
clamor, com ainda mais força:
– Senhor, filho de Davi, tende piedade de nós!
Escutando as suas vozes, Jesus parou a marcha e foi até eles.
– Que querem que lhes faça? – disse, com doçura, o nazareno de Belém.
– Senhor, faça com que nossos olhos se abram! – disseram os dois, num
coro gemente.

A Cura do Cego Bartimeu - Carl Bloch, 1871
Compadecido, Jesus tocou-lhe os olhos e, no mesmo instante, ambos
recobraram a visão, integrando-se ao séquito de Jesus.
(Na versão de Marcos,
só há um cego, como dissemos, e tem até um nome: chama-se Bartimeu.)
FIM
ϟ
excerto de
JESUS E OS MILAGRES DE CURA
in 'As 100 melhores histórias da Bíblia'
Carmen Seganfredo & Ademilson Franchini
Porto Alegre | L&PM, 2011.
|