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Blind Man’s Bluff - fotografia de Evgen Bavcar -
1997
Ser cego deve ser muito triste, né?
Não. Verdade que há sim algumas situações bem difíceis, mas, (não) vendo por
outro lado, nós nos damos bem, muito mais do que vocês pensam.
“Vidente, se você soubesse o valor que o cego tem, tu botava venda no olho e
virava cego também.”
Vejam abaixo as 10 maiores vantagens de ser cego.
10) Não poder olhar pro lado: Isso é bom? Bem, em 99% das vezes, não, mas os
cegos nunca podem ser acusados pelas namoradas ou esposas ciumentas de estarem
olhando a gostosona que passou ou reparando no decote da atriz da novela das
oito. Olha quantas brigas a gente evita!
9) Cegos não recebem papeizinhos de propaganda pela rua: A gente não é
obrigado a receber e guardar panfletos. Quer desculpa melhor para não pegar
aquelas propagandas que quase te obrigam a receber que ser cego? Genial! Nada de
ter de procurar depois uma lixeira para jogar fora. Por não vermos que nos
estendem a mão para nos entregar algo, a gente simplesmente não recebe e não
fica mal por isso. À vezes é o próprio distribuidor de papeizinhos quem,
percebendo que não enxergamos e sem saber como se dirigir a nós, decide
deliberadamente nos excluir de seu reparto.
8) Usar o computador debaixo da mesa: Reunião chata, aquela mesa gigante,
todo mundo olhando os slides tão coloridos e cheios de setinhas e você, sem
enxergar nada, lutando pro olhinho não fechar. Meus problemas acabaram! Ou pelo
menos, esse problema. Solução? É só pegar o computador portátil (um netbook é
ideal) e botar ele no seu colo, por baixo da mesa. Ninguém na sala imagina que
você está utilizando seu computador pessoal em plena reunião de diretoria, como
eu estou fazendo agora. (Brincadeirinha, chefe!). Mas certamente isso vocês
nunca imaginaram. E tem vezes que é bem útil, salva mesmo! Melhor que fechar os
olhos e... Bem, vamos ao número 7.
7) Cegos fecham os olhos e não são acusados de estarem dormindo: No meu
primeiro grau, eu tinha uma professora de Geografia que afirmava com toda a
certeza: “O Marcos, eu sei que mesmo estando com os olhos fechados, está
prestando atenção no que eu falo”... Bem, as boas notas que eu tirava na matéria
se deviam ao meu desmedido interesse por povos, países, continentes, capitais,
montanhas e afins. Nas aulas... Eu apoiava a cabeça na mão e dormia de sonhar!
6) Cegos não reparam: Sabe aquelas infinitas discussões que começam com um
“você nem reparou que eu cortei o cabelo?”. Então, nós não temos, nunca. Quer
desculpa ideal para não reparar que sua namorada aparou as pontas ou que ela fez
escova marroquina, árabe, palestina ou luzes (ainda por cima luzes!!!) nas
raízes das mechas cacheadas, sem ser acusado de “Não ter olhos mais pra mim!”? É,
meus olhos não são nem pra mim...
5) Medo de altura: E você já viu cego com medo de altura? Quando eu tive a
oportunidade de esquiar, uma das perguntas que mais me fizeram foi “Você não
teve medo da altura?”. Mas se eu não vi nada, 200 ou 2 mil metros dão no
mesmo... Isso também pode ser aplicado aos aparelhos gigantescos dos dentistas,
que vocês morrem de medo só em olhar. Tá certo, sem ver a gente pode imaginar
que o bicho é pior do que é, mas como aqui eu prometi listar as 10 melhores
coisas de ser cego, deixemos isso para outro dia.
4) Ver televisão do banheiro: E de repente vem aquela baita vontade de fazer
xixi, bem no último bloco da novela ou nos minutos finais do jogo... O que você
faz? Se contorce e fica rezando para o intervalo começar! Pobres videntes! Pois
eu levanto e vou ao banheiro. No máximo, aumento o volume da televisão, mas
continuo acompanhando tudo normalmente. Nessas horas, e só nelas, é uma imensa
vantagem não ter de ver para assistir.
3) Usar computador ou celular com o monitor desligado: Garante a privacidade
e ainda economiza a energia do planeta, sem falar que, por conta disso, a
bateria dos nossos smartphones dura mais que a do de vocês!
2) Dormir em ambientes claros ou com a luz acesa: dispensa explicações...
Você vai querer ser cego na próxima vez que precisar de escuro e não tiver!
1) Não temos nojinhos visuais: Sabe aquelas comidas que
vocês não comem de jeito nenhum porque são feias? Então, quem vê cara não vê
coração; ou melhor, não come.
E por isso a maioria das pessoas perde comidas deliciosas como rabada, a
macia e deliciosa língua de boi, não sabem apreciar uma dobradinha e jamais
teriam a coragem de devorar um escargot numa barraquinha de Bruxelas, como eu fiz
(e meu amigo vidente, não).
Bônus: Não enxergar: Não enxergar pode ser vantajoso? Ah, se pode... Você tem
de ir àquela festa, não pode faltar de jeito nenhum, mas está bolado porque há
grandes chances de que sua ex (ou similares) esteja lá e você não sabe muito bem
como se comportar; falar ou não falar, eis a questão.
O que fazer? Acenar de longe! Que nada!
A gente finge que não vê e ninguém vai chamar a gente de mal educado por
isso. E, por não enxergarmos, ainda temos o bônus adicional de passarmos toda
essa carga emocional chata do “falo ou não falo” para a outra pessoa.
Enquanto eu estou lá, de cabeça erguida, curtindo minha festa, é a outra
pessoa quem está matutando como vai agir. Como não pode passar junto a mim e não
falar (sob pena de ser julgada por enganar o ceguinho ou mesmo denunciada por
algum gaiato), ela ainda tem que ficar restrita ao quadrante mais distante
possível.
Bem feito! Quem mandou enxergar?
FIM
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in
Histórias de cego
Marcos Lima.
Oficina Raquel, 2020.
Rio de Janeiro
27.Jun.2023
Publicado por
MJA
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