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excerto
O Músico Cego -
Alvar Cawen, 1922
Volto aos meus quatro anos. E, de repente, os cegos apareceram. Ou por outra: — antes dos cegos, vi uma menina, de pé no chão. A menina corre, atravessa a rua e vai beijar a mão de um padre. Durante toda a minha infância, na rua Alegre,
havia sempre um padre e sempre uma menina para lhe beijar a mão. Mas como ia dizendo: — a pequena, dos seus sete anos, voltou para a calçada de cá. A batina continuou e sumiu, lá adiante, na primeira esquina.
A menina sumiu também, como se jamais tivesse existido. Anos depois, mudamos para a Tijuca, rua António dos Santos (depois seria Clóvis Bevilacqua). Perto de nós, morava o juiz Eurico Cruz e, ao lado, o senador Benjamin Barroso. Eis o que
quero dizer: — nos dois ou três anos de Tijuca, não vi um único e escasso padre. Havia uma igreja — e ainda há — na esquina de Barão de Mesquita com Major Ávila. Lembro-me da igreja, dos santos e não dos padres.
Fiz o parêntese e volto à rua Alegre. Depois que o padre dobrou a esquina, os cegos apareceram. Eram quatro e um guia. Estavam de chapéu, roupa escura, colarinho, gravata, colete, botinas. Juntaram-se na esquina da farmácia e tocaram
violino. Não acordeão, não sanfona, mas violino. Saí da janela, fiz a volta e fui ver, de perto, os ceguinhos. Eram portugueses. E o curioso é que, por muitos anos, só conheci cegos portugueses. Brasileiro, nenhum.
Fiquei ali, na esquina, em adoração. E os cegos — todos de chapéu — tocaram uns vinte minutos. Lembro-me bem: — um deles tinha, atravessando o colete de um bolso a outro bolso, uma corrente de ouro. No fim o guia passou o pires. Cada um
pingou seu níquel. E, então, voltei correndo para casa. Não falei com ninguém, meti-me na cama. Minha vontade era morrer. Fechei os olhos, entrelacei as mãos, juntei os pés. Morrer. Minha mãe entrou no quarto; pousou a mão na minha testa:
— “O que é que você comeu?”. Comecei a chorar, perdido, perdido.
E, de repente, uma certeza se cravou em mim: — eu ia ficar cego. Deus queria que eu ficasse cego. Era vontade de Deus. Mas falei em quatro anos. Engano, engano. Eu tinha seis anos e não quatro. Nasci em 1912 e isso aconteceu em 1918, na
espanhola e antes da espanhola. Tenho certeza: — seis anos. Nunca mais me esqueci dos cegos e posso repetir, sem medo da ênfase: — nunca mais. Mas por que, meu Deus, por que pensava neles, dia e noite? Pode parecer uma fantasia de menino
triste. E se disser que, já adulto, homem feito, a obsessão continuava intacta? Obsessões, sempre as tive. Mas essa nunca me abandonou. Aos trinta anos, 35, quarenta, eu sonhava com os cegos; e os via escorrendo do alto da treva.
Quando minha família já ia sair de Aldeia Campista para a Tijuca, aconteceu o seguinte: — um menino, que brincava muito comigo, apanhou um canário e picou com o alfinete os olhos do passarinho. Eu me senti, eu, aquele canário de olhos
furados. E me imaginei cego, em casa, vagando por entre mesas e cadeiras. Meninas, senhoras, visitas teriam pena de mim, amor por mim. Na rua, diriam: — “Naquela casa, mora um menino cego”.
Mas quando mudamos para a Tijuca, já não estava tão certo se seria mesmo eu o cego. Podia ser minha mãe, ou um dos meus irmãos. Talvez Roberto. Milton, não, nem Mário. Sempre imaginei que meu pai, jornalista de fúrias tremendas, morresse,
um dia, assassinado. Já minha mãe tinha um problema de visão. Mas fosse eu, minha mãe, meu irmão, alguém ficaria cego, alguém. Eis a verdade: — ano após ano, me convencia de que os cegos do violino insinuavam um vaticínio. Meu Deus, não
fora por acaso que, um dia, quatro cegos tocaram em baixo de minha janela, ou pertinho de minha janela. Tocavam para mim, não para os outros, não para ninguém, tocavam para um menino de seis anos.
Até os dez anos, doze, não tive medo da treva. Houve um momento em que teria a vaidade de ser o único menino cego da rua. Mas o tempo foi passando. E o pavor veio com a idade. Adulto, eu não fazia mistério: — “Se eu ficar cego, meto uma bala
na cabeça”. Não “uma bala na cabeça”; daria um tiro no peito como Getúlio. Ah, Getúlio estourou o coração mas preservou sabiamente a cara para a História e para a lenda. Pelo vidro do caixão, o povo espiou o rosto, o perfil intactos.
Kennedy, não. A bala arrancou-lhe o queixo forte, crispado, vital. Tiveram que fechar o caixão. O povo precisa ver o seu líder morto. Nada, nem medalha, nem estátua, nem cédula, nem selo substitui o último rosto, o rosto morto.
Muitos anos depois, conheci Lúcia. Lembro-me de que, numa de nossas conversas, falei-lhe assim: — “Desde criança, tenho medo de ficar cego. Mas se isso acontecesse, eu...”. Fiz a pausa e completei: — “...eu meteria uma bala na cabeça”.
Isso era e não era uma agressão sentimental, uma espécie de terrorismo. Afinal, o amoroso é sincero até quando mente. No fundo, no fundo, as minhas palavras queriam dizer outra coisa, ou seja: — “Mesmo cego, eu viveria se você me amasse”.
Por outro lado, sei que não é normal essa fixação numa fantasia infantil. Mas não tenho medo de confessar a minha morbidez, nem ela me envergonha. Eu a compreendo e a recebo como uma graça de Deus.
Mas estas notas não estariam completas, se eu não lhes acrescentasse uma explicação. Quero dizer que o medo de uma cegueira utópica, apenas sonhada, me tornou humanamente melhor. Ou, se não me tornou melhor, me deu a vontade obsessiva de
ser bom. Mas, como ia dizendo, continuou o meu romance com Lúcia. Pouco a pouco, fui dizendo as coisas que são tudo para mim: — “Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor”. E dizia: — “Quem nunca desejou morrer com o ser amado não amou,
nem sabe o que é amar”. As nossas conversas eram tristes, porque o amor nada tem a ver com a alegria e nada tem a ver com a felicidade. Quando nos casámos, eu lhe disse: — “Nem a morte é a separação”. Ela concordou que nada é a separação.
Depois, a gravidez. Ah, quando eu soube que ela só podia ter filho com cesariana. Não me falem em fio de navalha. O fio da navalha é um título de romance ou de filme. Mil vezes mais frio, e diáfano, e macio, e ímpio, é o fio do bisturi da
cesariana. O marido, cuja mulher só pode ter filho com cesariana, terá de amá-la até a última lágrima.
“Se for menina, o nome é Daniela”, disse Lúcia. Achei um nome doce e triste (gosto dos nomes tristes) de personagem de Emily Brontë. Uma noite, Lúcia foi internada, às pressas, na Casa de Saúde São José. Parto prematuro. Minha mulher chega
com Dr. Cruz Lima e D. Lidinha. Dr. Marcelo Garcia e Dr. Silva já estavam lá. Foi uma correria de médicos, enfermeiras, irmãs. Dr. Waldyr Tostes ia fazer o parto.
Naquela noite, pensei muito no staretz Zózimo. Sim, na sua bondade absurda, senil e terrível do personagem dostoievskiano. Há um momento em que somos o staretz Zózimo. Dr. Marcelo Garcia era o staretz, e o Dr. Silva Borges, e o Dr. Waldyr
Tostes. Dr. Cruz Lima também era o staretz Zózimo.
Tudo aconteceu numa progressão implacável. Daniela nasceu e não queria respirar. Dr. Marcelo Garcia fazia tudo para salvar aquele sopro de vida. De manhã, quase, quase a perdemos. A
irmã, desesperada, batizou minha filha no próprio berçário. Dr. Cruz Lima, Dr. Marcelo Silva Borges lutaram corpo a corpo com a morte. Mudaram o sangue da garotinha. E ela sobreviveu.
Lúcia quis ver a filha no dia seguinte. E veio numa cadeira de rodas, empurrada por D. Lidinha. Voltou chorando, e dilacerada de felicidade. Também fui espiar Daniela pelo vidro do berçário. Uma enfermeira aparece e me pergunta,
risonhamente: — “O senhor é o avô?”. Respondi, vermelhíssimo: — “Mais ou menos”. Mais uma semana, Lúcia e Daniela vinham para casa. Tão miudinha a garota, meu Deus, que cabia numa caixa de sapatos.
Dois meses depois, Dr. Abreu Fialho passa na minha casa. Viu minha filha, fez todos os exames. Meia hora depois, descemos juntos. Ele estava de carro e eu ia para a TV Rio; ofereceu-se para levar-me ao posto 6. No caminho, foi muito
delicado, teve muito tato. Sua compaixão era quase imperceptível. Mas disse tudo. Minha filha era cega.
*
Já contei o pedido que me fizeram na igreja. Depois da missa, uma senhora veio me dar os pêsames. E sussurrou o apelo: — “Não escreva mais sobre velórios”. Eu não disse que sim, nem que não. A senhora passou adiante, e veio o seguinte da
fila. E, depois, quando recebi o último abraço, saí para a rua. Mas aquilo continuava na minha cabeça. Não escrever mais sobre velórios, nunca mais.
Mas o que a senhora pedia era uma rigorosa impossibilidade. As nossas lembranças estão debruçadas sobre velórios e sobre cegos. E eis o que me pergunto, ainda hoje: — o que é a memória senão um pátio de milagres? Um pátio de agonias, e de
gemidos, e lágrimas de pedra? No capítulo de hoje, vou falar da espanhola, a epidemia fabulosa.
Falarei também do Carnaval que se seguiu à espanhola. Esse Carnaval iria desfigurar a cidade, o seu povo, influir em nossos costumes, sentimentos, idéias, valores. Só não quero falar de cegos. Ou por outra: — vou dizer ainda uma palavra
sobre minha garotinha. Terminei o capítulo anterior descendo com o Dr. Abreu Fialho, o oculista que examinara os seus olhos.
Ah, me lembro da grande viagem da rua Visconde de Pirajá ao posto 6. Dr. Abreu Fialho guiava, ele mesmo, o carro; vou a seu lado, na frente. Ele fala. Estamos entrando em General Osório; mais adiante, começa Francisco Sá. As pessoas que
passam são as mesmas da véspera, e de outras vésperas, e de todos os dias passados, presentes e futuros. Eu sinto a bondade contra-feita do médico, a sua compaixão não confessada, apenas insinuada. Minha vontade foi fazer-lhe, à
queima-roupa, a pergunta: — “O senhor acredita na ressurreição de Lázaro?”.
Vou dizer a verdade, toda a verdade. Dr. Abreu Fialho, apesar de toda a cerimónia, de toda a polidez exemplar, não dava uma esperança à minha filha, não concedia uma hipótese compassiva, nada, nada. Agora vem a verdade: — eu odiei o Dr.
Abreu Fialho. Seu nome todo é Sílvio Abreu Fialho. Pois odiei o Dr. Sílvio Abreu Fialho. Odiei o oculista que não acreditava em milagre.
Ele fora à minha casa a pedido de D. Lidinha, minha sogra. Examinara minha filha por bondade; e devia ter pena, quem não teria pena, mágoa de uma menininha cega? Quase, quase pedi: — “Dr. Abreu Fialho, quer me fazer um favor? Minta. Diga
que talvez, quem sabe. Invente uma esperança, Dr. Abreu Fialho!”. Mas não lhe disse nada, nem ele mentiu.
Deixou-me na porta da TV Rio. Eu estava tenso, mas calmo. Apertei-lhe a mão, agradeci a carona. E foi só. Mas minha decisão estava tomada. Eu não acreditaria na cegueira de minha filha. Não era cega. Para mim, não. Sei que certos casos
são clinicamente óbvios. Mas se era óbvio o de minha filha, pior para o óbvio. Ao mesmo tempo, me preparei para uma batalha feroz com todos os oculistas do mundo.
Eles diriam (todos, todos) que minha filha é cega. Mas eu não acreditaria, jamais. Viessem todos à minha porta. Saltassem de ónibus, caminhões na minha porta. E fizessem alarido na minha porta, jurando que Daniela é cega. Eu responderia à
massa ululante de especialistas: — “Mentira, mentira, quinhentas vezes mentira!”. Lembro-me de que, ao chegar em casa, à noite, Lúcia falou-me de tudo, menos da garotinha. Eu estava exausto de odiar o Dr. Abreu Fialho, ou por outra: — já
não o odiava mais. Olho minha mulher, sinto a sua calma intensa, a sua apaixonada serenidade. Eu sabia, ela sabia. Mas não lhe disse nada, nem ela a mim. Houve um momento em que Lúcia me perguntou: — “O que é que o Dr. Abreu Fialho te
disse”. Menti: — “Aquilo mesmo”.
No dia seguinte, fomos ao Dr. Paulo Filho. Minto. O Dr. Paulo Filho é que veio a nós. Era amigo do Dr. Cruz Lima e meu amigo. D. Lidinha o chamara. Nos braços da mãe, Daniela era infinitamente miúda. Dr. Paulo Filho pôs, em cada olho, a
pequenina chama da lâmpada. Eu, ao lado, mudo. Ele acaba o exame e vai falar. Disse a sua verdade: — um olho, perdido; mas outro vivia. Pergunto: “Há esperança? Há!?”. Ele acreditava que, numa das vistas, a boa (ou melhor), a menina viesse
a ter uns 20% de visão. Minha alegria morrera. Eu pensava: — “Está mentindo”. Quando se despediu, me precipitei: — “Vou com o senhor”.
Ainda no elevador, crispei minha mão no seu braço: — “Eu quero saber a verdade. Aquilo que o senhor disse é fato? Pode falar, doutor, não me esconda nada”. E repeti: — “Quero a verdade e nada mais”. Foi taxativo: — “É isso mesmo. Eu
acredito que, na vista melhor, a menina venha ter uns 20% de visão”. Eu não queria mais do que os 20%. Ou até dez. Dez por cento. Se Daniela tivesse 10% de visão, numa das vistas, ela seria para mim uma nababa de luz.
Hoje, minha garotinha tem três anos e meio. Eu a carrego e vejo os seus olhos. São de um azul doce, triste e diáfano. Ainda não enxerga. Não faz mal. Direi a todos os oculistas do céu e da terra: — “Não é cega”. De vez em quando, tenho
vontade de telefonar para o Dr. Abreu Fialho, e contar-lhe que, por um momento, fui colhido por um surto de ódio tremendo.
Aqui, deixo de falar dos cegos. Mas antes de passar para a espanhola, quero dizer uma palavra final. O oculista que desenganar os olhos de minha filha estará fazendo como aquele menino da rua Alegre. Sim, aquele menino que furou, com o
alfinete, os olhos do passarinho. [...]
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Em Janeiro de 1967, Nelson Rodrigues estava a caminho dos 55 anos e não se sentia mais jovem a cada dia. Seu romance "O casamento", recém-lançado, fora proibido pelo ministro da Justiça do governo Castello Branco,
Carlos Medeiros Silva. A acusação era a de “torpeza das cenas descritas”, “linguagem indecorosa” e “atentar contra a organização da família”. Os exemplares foram varridos das livrarias pela Polícia Federal. Alguns intelectuais
protestaram e aproveitaram para atacar o sinistro Carlos Medeiros. Mas, num editorial de primeira página, o próprio jornal de Nelson, O Globo — onde ele escrevia a coluna diária “À sombra das chuteiras imortais” —, defendeu o ministro e
a proibição.
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Nelson ficou ressentido com o jornal e quis sair. Mas deixar O Globo significava também deixar a TV Globo, em cujos programas fazia aparições diárias e semanais. E era com o dinheiro da televisão que ele pagava o
aluguel e o dispendioso tratamento médico de Daniela (a “Menina sem estrela”), a filha que tivera com Lúcia, sua nova mulher. Daniela nascera de um parto dramático e era cega. Foi então que o jornalista Francisco Pedro do Coutto, seu
amigo, sondou-o: por que ele não levava “À sombra das chuteiras imortais” para o Correio da Manhã?
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Coutto era editorialista do Correio. Nelson gostou da idéia, mas como resolver o problema da TV? O convite oficial e a fórmula conciliatória partiram de Newton Rodrigues (sem parentesco com Nelson), redator-chefe do
Correio: não precisaria deixar a TV e, se quisesse, poderia até continuar com “As chuteiras” em O Globo. O que o Correio da Manhã queria dele eram as “Memórias de Nelson Rodrigues”.
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Nelson topou e, graças a esse sortilégio de fatores, escreveu, de 18 de fevereiro a 31 de maio daquele ano, a sua mais extraordinária coleção de crônicas: sua infância na rua Alegre, sua iniciação sexual, a morte do
irmão Roberto, o empastelamento da Crítica, a tuberculose em Campos do Jordão, a estréia de "Vestido de noiva". Uma “memória” por dia, todos os dias — com a interrupção de uma semana, mal a série começara: quando uma chuva forte no Rio
provocou o desabamento do edifício em Laranjeiras onde morava seu irmão Paulo, matando-o e à sua família. Se os leitores do Correio da Manhã já acompanhavam arrebatados as “memórias” de Nelson, a intervenção brutal da realidade
emprestou ainda mais paixão e compaixão ao que ele vinha escrevendo.
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Pelo acordo com o jornal, Nelson viria contar suas reminiscências, mas, querendo, poderia também misturá-las com o presente e — mais importante — com liberdade absoluta. E ele usou essa liberdade. Na primeira crónica,
atacou finamente o ministro da Justiça que lhe proibira "O casamento" e que fora o relator da Constituição outorgada em 1967 (que Nelson chamou de “a nova Prostituição do Brasil”). Em outra crónica, não poupou o poeta Carlos Drummond de
Andrade, também cronista do Correio da Manhã, por sua “aridez de três desertos” ao comentar o desabamento de Laranjeiras. E, por fim — para Nelson, uma doce vingança —, fez uma longa e comovida apologia de seu pai, o jornalista Mário
Rodrigues, nas páginas do próprio jornal que o declarara o seu principal inimigo na distante década de 20 e que nunca o perdoara.
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Em fins de maio, Nelson e o Correio da Manhã se desentenderam por questões financeiras. Enquanto não chegavam a um acordo, a série foi interrompida, mas o jornal, com planos de aventurar-se no mercado editorial,
iniciou suas edições com a publicação em livro das "Memórias" de Nelson Rodrigues. O primeiro volume, subtitulado “A menina sem estrela”, continha as primeiras 39 “memórias” e foi lançado numa edição de, presume-se, 2 mil exemplares. As
41 “memórias” restantes ficariam para um segundo volume — que não chegou a sair, porque não houve acordo entre Nelson e o Correio da Manhã. O jornal, por sua vez, perseguido pelos militares, entraria na crise financeira que levaria ao
seu desaparecimento poucos anos depois.
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A edição original das "Memórias" tornou-se uma raridade bibliográfica. Seus poucos exemplares foram avaramente guardados pelos que os compraram e nunca apareceram nos sebos. De todos os livros de Nelson, é o mais
precioso item de colecionador. Alguns dos principais estudiosos de Nelson, como os críticos Sábato Magaldi e José Lino Grünewald (além deste organizador), consideram-no talvez a maior coisa que Nelson escreveu.
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E o Capítulo 10,
em que Nelson conta o drama de Daniela, foi classificado por Otto Lara Resende como “uma das mais belas páginas da língua portuguesa”. Mas, neste livro, há muitos outros capítulos tão belos quanto.
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Pela primeira vez, as oitenta “memórias” que Nelson publicou no Correio da Manhã saem completas e numa única edição, na ordem em que foram publicadas no jornal. Logo, não se trata de uma ressurreição — a vida de "A
menina sem estrela" só agora começa. por Ruy Castro
[8.Jul.2011]
Publicado por
MJA
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