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Fotografia: Sanne De Wilde/NOOR 6
Tirei esta fotografia de Deke, uma das ilhas mais pequenas do atol de Pingelap,
em 2015. Tinha viajado para este atol, que pertence aos Estados Federados da
Micronésia, com o objectivo de pesquisar a acromatopsia, uma condição genética rara que causa
daltonismo e hipersensibilidade à luz. Em todo o mundo, apenas uma em cada 30
mil pessoas tem acromatopsia. Mas no Pingelap isso acontece a uma em cada 10. É
o lugar da Terra com mais cegueira às cores.
A prevalência da acromatopsia na ilha tem a sua origem no século XVIII,
quando Deke foi engolida por um tufão, que apenas deixou cerca de 20
sobreviventes. O chefe era portador do gene recessivo que causa a anomalia.
Passadas algumas gerações mais ou menos toda a gente da ilha era seu familiar.
Chegar às ilhas foi difícil, envolvendo três vôos para ir de Amsterdão a
Pohnpei, depois outro num avião de quatro lugares para chegar a Pingelap. Assim
que cheguei fui recebido por um membro da família com quem iria ficar. Este veio
receber-me à pista de aterragem com um mwaremwar, uma coroa de flores para eu
pôr no cabelo.
Numa das minhas últimas noites na ilha, prepararam-me uma cerimónia e mataram um
porco - algo geralmente reservado a casamentos e funerais - e anunciaram que eu
era “uma da família, a partir de agora e para sempre”.
Tentar entender a importância da acromatopsia na cultura de Pingelap não foi
fácil. Quando uma pessoa não consegue ver cor o conceito não tem qualquer
significado. A maioria das pessoas descobre que é daltónica quando começa a
pintar ou desenhar. A descoberta pode constituir um momento de vergonha ou
perda, mas em vez disso, eu queria celebrar a sua maneira única de ver o mundo.
Portanto, na tentativa de entender como o mundo era para os ilhéus, eu preparara
'workshops' onde eles desenhariam e pintariam sobre as minhas imagens.
Tirei esta fotografia após o primeiro workshop, quando o barco estava de
regresso ao continente. Fora um dia especial e eu queria marcar a ocasião.
Tirei-a com uma Nikon equipada com uma lente infravermelha e um filtro colorido.
Não tinha ideia de que o resultado seria este até chegar a casa. Não mexi no
equilíbrio das cores - e foi assim que saiu. Foi a maneira perfeita de capturar
um projeto que era exactamente sobre ver o mundo de forma diferente.
Olhando para ela agora, não posso deixar de comparar a cena com as imagens de
barcos de refugiados que têm enchido os écrãs de televisão estes últimos anos.
Essa pode vir a ser a realidade de Pingelap daqui a algumas décadas. As Ilhas
Marshall e a Micronésia serão, provavelmente, alguns dos primeiros lugares na
Terra a desaparecer, se o nível do mar continuar a subir. Os seus habitantes
vivem em economias minúsculas e inofensivas, mas são eles que pagarão o preço do
modo de vida do Ocidente.
ϟ
'The Island of the Colorblind'
by Sanne De Wilde
is published by
Uitgeverij Kanibaal and Kehrer Verlag.
Entrevista de Edward Siddons
The Guardian |
Wed 6 Jun 2018
Tradução: Maria José Alegre (Jul2018)
Δ
17.Jul.2018
Maria José Alegre
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