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 SOBRE A DEFICIÊNCIA VISUAL

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A Arte de Ver

excerto

Aldous Huxley

O Apóstolo Pedro - pintura de Friedrich Herlin, 1466 [Igreja St. Jakob, Rothenburg]
O Apóstolo Pedro - pintura de Friedrich Herlin, 1466 [Igreja St. Jakob, Rothenburg]

 

Prefácio

Aos dezasseis anos, eu tive um violento ataque de 'keratitis punctata' (NT: queratite ou ceratite em português), que me deixou (depois de dezoito meses de quase-cegueira, durante o período em que tive que depender do Braille para ler e de um guia para andar) com apenas um olho capaz de percepção à luz e o outro com visão suficiente para me permitir detectar a letra de 60 metros (two-hundred-foot letter) na tabela de Snellen a 3 metros (ten feet) de distância. A minha não-habilidade para ver era principalmente devida à presença de opacidades na córnea. Mas essa condição era complicada por hipermetropia e astigmatismo. Nos primeiros anos, os meus médicos advertiram-me para fazer as minhas leituras com a ajuda de uma poderosa lupa. Mas mais tarde seria promovido a óculos. Com a ajuda disso eu podia reconhecer a linha de cinco metros a três metros de distância toleravelmente bem – sempre desde que mantivesse as minhas pupilas dilatadas por atropina, tal que eu podia ver pelo redor de uma particular denso adesivo de opacidade no centro da córnea. (…) As coisas foram assim até o ano de 1939, quando, a despeito de uns grandiosos e reforçados óculos, eu vi a tarefa de ler cada vez mais difícil e fatigante. Não poderia haver dúvida disso: minha capacidade de ver estava firmemente e bem rapidamente deteriorando. Mas assim como eu imaginava apreensivo o quê na terra eu poderia fazer, se ler se tornasse impossível, aconteceu de eu ouvir falar de um método de re-educação visual e de um professor que foi dito ter usado esse método com notável sucesso.

Este curto ensaio é basicamente sobre a técnica desenvolvida pelo Dr. W.H. Bates, o método Bates. Tal método é usado para readaptar os olhos humanos à visão. Mesmo quem possui “doenças” crónicas e necessite do uso de ferramentas mecânicas como óculos teriam a oportunidade de reabilitar a visão, normal e natural.


Um Método de Re-educação Visual

A Natureza de Uma Arte

Toda a habilidade psíquico-física, incluindo a arte de ver, é governada por suas próprias leis.

Essas leis são estabelecidas empiricamente por pessoas que queriam realizar algo, tal como tocar piano, ou cantar, ou andar sobre corda, e que descobriram, como resultado de longa prática, o melhor e mais econômico método de usar seu organismo psíquico-físico para este fim particular. Tais pessoas devem ter tido as mais fantásticas visões sobre fisiologia; mas isso não faz diferença desde que sua teoria e prática de funcionamento psíquico-físico permaneça adequada ao seu propósito. Se a habilidade psíquico-física depende de seu desenvolvimento num conhecimento correto de fisiologia, então ninguém teria nunca aprendido algo sobre arte de modo algum. É provável, por exemplo, que Bach nunca pensou sobre a fisiologia da atividade muscular; se ele tivesse pensado, é quase certo que ele pensaria incorretamente. Aquilo, de qualquer forma, não o previne de usar seus músculos para tocar o órgão com incomparável destreza. Qualquer arte dada, eu repito, obedece apenas suas próprias leis; e essas leis são as leis do efetivo funcionamento psíquico-físico, como aplicadas às atividades particulares conectadas com a arte.

A arte de ver é como as outras habilidades psíquico-físicas primárias ou fundamentais, tal como conversar, andar e usar as mãos. Essas habilidades fundamentais são normalmente adquiridas ainda pequeno ou na infância por um processo basicamente inconsciente e auto-instruído. Isso leva aparentemente vários anos para que os hábitos de ver adequados estejam formados. Uma vez formados, de qualquer forma, o hábito de usar mental e psicologicamente órgãos de visão corretamente se torna automático – na mesma exata forma que ocorre com o hábito de usar a garganta, língua e gosto para conversar, ou as pernas para andar. Mas, mesmo que necessite de um sério choque mental físico para parar o hábito automático de falar e andar corretamente, o hábito de usar os órgãos de visão como eles deveriam ser usados pode ser perdido como resultado de distúrbios relativamente triviais.

Hábitos de uso correto são substituídos por hábitos de uso incorreto; a visão sofre, e em alguns casos o mal funcionamento contribui para o surgimento de doenças e defeitos crônicos dos olhos. Ocasionalmente naturalmente ocorre a cura espontânea, e os velhos hábitos de uso correto da visão são refeitos quase instantaneamente. Mas a maioria deve conscientemente readquirir a arte da qual, enquanto bebês, eles éram hábeis em aprender inconscientemente. A técnica desse processo de re-educação foi desenvolvida pelo Dr. Bates e seus seguidores.


Princípio básico por trás da prática de toda arte

Como podemos ter certeza, se questionados, que essa é a técnica correta? A prova do pudim está ao comer, e o primeiro e mais convincente teste do sistema é o que funciona. Além disso, a natureza de treinar, é tal que nós deveríamos esperar que funcione. O método Bates é baseado precisamente nos mesmos princípios como os que estão por trás de todo sistema de sucesso que já foi planejado para se ensinar a habilidade psíquico-física. Seja qual for a arte que queira aprender – mesmo que seja acrobacias ou tocar violino, oração mental ou golfe, atuar, cantar, dançar ou o que quiser – há uma coisa que todo bom professor vai sempre dizer; Aprenda a combinar o relaxamento com atividade; aprenda a fazer o que tem de fazer sem tensão. Trabalhe duro, mas nunca sob tensão.

Falar da atividade combinada com relaxamento deve parecer paradoxal; mas de fato não é. O relaxamento é de dois tipos, passivo e dinâmico. Relaxamento passivo é ativado em estado de completo repouso, por um processo de conscientemente “deixar ir”. Como um antídoto à fadiga, como um método de aliviar temporariamente as excessivas tensões musculares, junto com as tensões psicológicas que sempre as acompanha, o relaxamento passivo é excelente. Mas isso não pode nunca, na natureza das coisas, ser suficiente. Nós não podemos gastar nossa vida inteira descansando, conseqüentemente não pode haver relaxamento passivo sempre. Mas há ainda algo ao qual isso é legítimo em dar o nome de relaxamento dinâmico. Relaxamento dinâmico é o estado do corpo e mente que estão associadas ao funcionamento normal e natural. No caso daquilo que chamei de habilidades psíquico-físicas fundamentais ou primárias, o funcionamento normal e natural dos órgãos envolvidos pode às vezes ser perdidos. Mas tendo sido perdidos, isso deve subseqüentemente ser readquirido conscientemente por qualquer um que tenha aprendido as técnicas que cumprem tal papel. Quando isso for readquirido, a tensão associada com o funcionamento comprometido desaparece e os órgãos envolvidos fazem seu trabalho numa condição de relaxamento dinâmico.

Mau funcionamento e tensão tende a aparecer mesmo que o ‘Eu’ consciente interfira com hábitos de uso apropriado adquiridos instintivamente, mesmo por insistir duramente em fazer que funcione, ou por sentir ansiedade indevida sobre possíveis erros. Na construção de qualquer habilidade psíquico-física o ‘Eu’ consciente deve dar ordens, – mas não muitas ordens – deve supervisionar a formação de hábitos de uso apropriado, mas sem barulho e numa forma modesta, que se nega. A grande verdadeira descoberta no nível espiritual pelos mestres de orar, é a que quanto mais há de ‘Eu’ menos sem tem de ‘Deus’, tem sido descoberta de novo e de novo no nível psicológico pelos mestres de várias artes e habilidades. Quanto mais há de ‘Eu’, menos há de Natureza – do funcionamento correto e normal do organismo. O papel cumprido pelo ‘Eu’ consciente* na diminuição da resistência e no preparo do corpo para a doença foi longamente reconhecida pela ciência médica. Quando há muito atrito, ou é amedrontado, ou lamenta e desgosta por muito tempo e intensivamente, o ‘Eu’ consciente deve reduzir seu corpo a tal estado que a pobre coisa irá desenvolver-se, por exemplo, úlceras gástricas, tuberculose, doença coronária e toda uma gama de hospedeiros de desordens funcionais de todo tipo e nível de seriedade. Mesmo a perda de dente foi mostrada, no caso de crianças, ser freqüentemente relacionado com tensões emocionais vividas pelo ‘Eu’ consciente. Que uma função tão intimamente relacionada à nossa vida psicológica como visão deveria permanecer inalterada por tensões que tiveram suas origens no ‘Eu’ consciente é inconcebível. E, de fato, isso é uma questão de experiência comum que a arte de ver é grandemente diminuída pelos estados emocionais aflitivos. À medida que alguém pratica as técnicas de educação visual, ele descobre a extensão à qual esse mesmo ‘Eu’ consciente pode interferir com processos de ver mesmo em épocas que as emoções aflitivas não estão presentes. E isso interfere, nós descobrimos na mesma exata forma que interfere com processos como jogar tênis, por exemplo, ou cantar – por estar muito ansioso para alcançar o fim desejado. Mas no olhar, assim como em todas outras habilidaes psíquico-físicas, o esforço ansioso para ir bem derrota seu próprio objeto; essa ansiedade produz tensões psicológicas e fisiológicas, e tensão é incompatível com a maneira apropriada para atingir nosso fim, chamado funcionamento normal e natural.

Na construção de qualquer habilidade psíquico-física o ‘Eu’ consciente deve dar ordens, – mas não muitas ordens – deve supervisionar a formação de hábitos de uso apropriado, mas sem barulho e numa forma modesta, que se nega. A grande verdadeira descoberta no nível espiritual pelos mestres de orar, é a que quanto mais há de ‘Eu’ menos sem tem de ‘Deus’, tem sido descoberta de novo e de novo no nível psicológico pelos mestres de várias artes e habilidades. Quanto mais há de ‘Eu’, menos há de Natureza – do funcionamento correto e normal do organismo."

 

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A cegueira de Aldous Huxley
Um dos acontecimentos mais importantes da vida de Aldous Huxley que posso relatar foi sua cegueira aos 16 anos. Enquanto cursava Medicina em Eton College, Aldous Huxley foi acometido por uma ceratite ponteada que o deixou cego por 18 meses. Durante esses meses, viu-se obrigado a largar o curso e precisou recorrer ao alfabeto braile para realizar suas leituras. Huxley utilizava lupas, óculos e dilatava a vista com atropina para conseguir enxergar, mas o que via era muito pouco, apenas uma mancha no centro da córnea. Essas práticas o fatigavam, apesar disso sentia-se grato por conseguir qualquer progresso. Apesar de todo o esforço, entretanto, sua visão continuava se deteriorando e sua preocupação aumentava não fosse possível mais ler e o que seria necessário fazer a respeito. Nesta época, tomou conhecimento de uma técnica de reeducação ocular criada pelo Dr. Bates, que tornou possível que enxergasse um pouco melhor, mesmo sem lentes. Em gratidão ao Dr. Bates, Huxley escreveu um livro chamado “A Arte de Ver”, em que esmiúça os problemas de visão e as técnicas utilizadas para corrigi-los, que consistiam em fortalecer os músculos do globo ocular. por Beatriz Simões Araujo

 

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excerto de
A Arte de Ver
Aldous Huxley
© Mrs. Laura Huxley 1943.
Edição Chatto & Windus
London, 1974
Tradução livre pt-br
fonte do texto: http://yutaa.wordpress.com (2010)
 
Sobre o tema ler também:
  • 'The Art of Seeing' by Aldous Huxley - pdf em inglês aqui.
  • 'Como enxergar bem sem óculos: o sistema Bates aplicado ao dia a dia' - aqui.

 



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11.Set.2018
Maria José Alegre