Elizabet Dias de Sá,
Izilda Maria Campos &
Myriam Silva

A linguagem, a comunicação e as múltiplas formas de expressão cultural ou artística constituem-se de imagens e apelos
visuais cada vez mais complexos e sofisticados. Os conteúdos escolares privilegiam a visualização em todas as
áreas de conhecimento, de um universo permeado de símbolos gráficos, imagens, letras e números.
Assim, necessidades decorrentes de limitações visuais não devem ser ignoradas, negligenciadas ou confundidas
com concessões ou necessidades fictícias.
Para que isso não ocorra, devemos ficar atentos em relação aos nossos conceitos, preconceitos, gestos, atitudes e posturas com abertura e disposição para rever as práticas
convencionais, conhecer, reconhecer e aceitar as diferenças como desafios positivos e expressão natural das potencialidades
humanas.
Desta forma, será possível criar, descobrir e reinventar estratégias e atividades pedagógicas condizentes
com as necessidades gerais e específicas de todos e de cada um dos alunos. Neste sentido, explicitamos
alguns dos principais aspectos, características e peculiaridades em relação aos alunos cegos e com
baixa visão com o objetivo de apontar caminhos, referências e pistas aos educadores tendo em vista
a inclusão escolar desse alunado.
Nesta perspectiva, abordaremos os seguintes conteúdos: baixa visão; alfabetização e aprendizagem de pessoas cegas e com baixa visão; uso de recursos didáticos para sua educação; finalizando com algumas perguntas freqüentes acerca desses temas.
Ao entrar na sala de aula, a professora tem uma visão panorâmica da configuração do ambiente, na qual percebe imediatamente seus componentes
internos, externos, estáveis ou dinâmicos. Em uma fração de segundo, captura uma infinidade de estímulos que entram pelos olhos: as formas, o tamanho, as cores, os objetos, as dimensões, a disposição do mobiliário, as características do chão, do teto e das
paredes, o tipo de iluminação, a decoração, o estilo dos móveis, a quantidade deles, o tipo e a posição das janelas, o estado de conservação ou de deterioro, o coletivo de alunos sentados, de pé, parados, inquietos, as feições, posições, vestuário, adereços, movimentos,
gestos, caras e bocas. Sem contar que já havia captado uma cena curiosa no corredor antes de entrar na sala e avistado, pela janela, um casal de corujas no jardim da escola. Assim, ela tem o controle visual do ambiente e da turma.
Na sala dos professores, ela leu, sem querer, o bilhete que estava em cima da mesa, elogiou o corte de cabelo da colega e pegou o brinco que caiu na cadeira ao mesmo tempo em que prestava atenção em um mostruário de bijuterias discretamente apresentado
ao grupo. Ela vê tudo isso e muito mais porque tem um par de olhos que permite visualizar o que ela quer e também o que ela não quer.
Considere-se que o sistema visual detecta e integra de forma instantânea e imediata mais de 80%
dos estímulos no ambiente. Ao entrar na mesma sala com os olhos vendados, a professora parece sofrer de uma súbita amnésia visual. Ela não consegue localizar a mesa, a cadeira e se sente incapaz de escrever qualquer coisa no quadro negro. Fica aturdida com o vozerio,
não consegue entender o que os alunos dizem, tem dificuldade para se deslocar e se orientar de um lado para o outro e não localiza a porta de saída. Ela se lembra de que fica perdida e desorientada em sua casa sempre que falta luz elétrica.
Essa perturbação artificial e momentânea nada tem a ver com a privação real e definitiva da visão, uma situação complexa e permanente vivenciada por alunos cegos e com baixa visão que entram pela primeira vez na escola e na sala de aula. Esses alunos
recebem e organizam a informação no processo de apropriação do conhecimento e construção da realidade em um contexto impregnado de padrões de referências e experiências eminentemente visuais que os coloca em situação de desvantagem.
Por isso, necessitam de um ambiente estimulador, de mediadores e condições favoráveis à exploração de seu referencial perceptivo particular. No mais, não são diferentes de seus colegas que enxergam no que diz respeito ao desejo de aprender, aos interesses,
à curiosidade, às motivações, às necessidades gerais de cuidados, proteção, afeto, brincadeiras, limites, convívio e recreação dentre outros aspectos relacionados à formação da identidade e aos processos de desenvolvimento e
aprendizagem. Devem ser tratados como qualquer educando no que se refere aos direitos, deveres, normas, regulamentos, combinados, disciplina e demais aspectos da vida escolar.
1 - Quando Falta a Visão
A criança que enxerga estabelece uma comunicação visual com o mundo exterior desde os primeiros meses de vida porque é estimulada a olhar para tudo o que está à sua volta, sendo possível acompanhar o movimento das pessoas
e dos objetos sem sair do lugar. A visão reina soberana na hierarquia dos sentidos e ocupa uma posição proeminente no que se refere à percepção e integração de formas, contornos, tamanhos, cores e imagens que estruturam a composição de uma
paisagem ou de um ambiente. É o elo de ligação que integra os outros sentidos, permite associar som e imagem, imitar um gesto ou comportamento e exercer uma atividade exploratória circunscrita a um espaço delimitado.
A cegueira é uma alteração grave ou total de uma ou mais das funções elementares da visão que afeta de modo irremediável a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou movimento em um campo mais ou menos
abrangente. Pode ocorrer desde o nascimento (cegueira congênita), ou posteriormente (cegueira adventícia, usualmente conhecida como adquirida) em decorrência de causas orgânicas ou acidentais. Em alguns casos, a cegueira pode associar-se à perda
da audição (surdo-cegueira) ou a outras deficiências. Muitas vezes, a perda da visão ocasiona a extirpação do globo ocular e a conseqüente necessidade de uso de próteses oculares em um dos olhos ou em ambos. Se a falta da visão afetar apenas um dos olhos (visão
monocular), o outro assumirá as funções visuais sem causar transtornos significativos no que diz respeito ao uso satisfatório e eficiente da visão.
Os sentidos têm as mesmas características e potencialidades para todas as pessoas. As
informações tátil, auditiva, sinestésica e olfativa são mais desenvolvidas pelas pessoas cegas porque elas recorrem a esses sentidos com mais freqüência para decodificar e guardar na memória as informações. Sem a visão, os outros sentidos passam a receber
a informação de forma intermitente, fugidia e fragmentária.
O desenvolvimento aguçado da audição, do tato, do olfato e do paladar é resultante da ativação contínua desses sentidos por força da necessidade. Portanto, não é um fenômeno extraordinário ou um
efeito compensatório. Os sentidos remanescentes funcionam de forma complementar e não isolada.
A audição desempenha um papel relevante na seleção e codificação dos sons que são significativos e úteis. A habilidade de atribuir
significado a um som sem perceber visualmente a sua origem é difícil e complexa.
A experiência tátil não se limita ao uso das mãos. O olfato e o paladar funcionam conjuntamente e são coadjuvantes indispensáveis.
O sistema háptico é o tato ativo, constituído por componentes cutâneos e sinestésicos, através dos
quais impressões, sensações e vibrações detectadas pelo indivíduo são interpretadas pelo cérebro e constituem fontes valiosas de informação. As retas, as curvas, o volume, a rugosidade, a textura, a densidade, as oscilações térmicas e dolorosas,
entre outras, são propriedades que geram sensações táteis e imagens mentais importantes para a comunicação, a estética, a formação de conceitos e de representações mentais.
Uma demonstração surpreendente da capacidade de coleta e do processamento de
informações pela via do tato é o tadoma, mecanismo de comunicação utilizado por pessoas surdocegas. Trata-se de uma comunicação eminentemente tátil que permite entender a fala de uma pessoa, ao perceber as vibrações e os movimentos articulatórios dos lábios e
maxilares com a mão sobre a face do interlocutor.
Cada pessoa desenvolve processos particulares de codificação que formam imagens mentais. A habilidade para compreender, interpretar e assimilar a informação será ampliada de acordo
com a pluralidade das experiências, a variedade e qualidade do material, a clareza, a simplicidade e a forma como o comportamento exploratório é estimulado e desenvolvido.
2 - Baixa Visão
A definição de baixa visão (ambliopia, visão subnormal ou visão residual) é complexa devido à variedade e à intensidade de comprometimentos das funções visuais. Essas funções englobam desde a simples percepção de luz até a redução da acuidade e do campo visual que interferem ou limitam
a execução de tarefas e o desempenho geral. Em muitos casos, observa-se o nistagmo, movimento rápido e involuntário dos olhos, que causa uma redução da acuidade visual e fadiga durante a leitura. É o que se verifica, por exemplo, no albinismo,
falta de pigmentação congênita que afeta os olhos e limita a capacidade visual. Uma pessoa com baixa visão apresenta grande oscilação de sua condição visual de acordo com o seu estado emocional, as circunstâncias e a posição em que se encontra,
dependendo das condições de iluminação natural ou artificial. Trata-se de uma situação angustiante para o indivíduo e para quem lida com ele tal é a complexidade dos fatores e contingências que influenciam nessa condição sensorial. As medidas
de quantificação das dificuldades visuais mostram- se insuficientes por si só e insatisfatórias. É, pois, muito importante estabelecer uma relação entre a mensuração e o uso prático da visão, uma vez que mais de 70% das crianças identificadas como
legalmente cegas possuem alguma visão útil.
A baixa visão traduz-se numa redução do rol de informações que o indivíduo recebe do ambiente, restringindo a grande quantidade de dados que este oferece e que são importantes para
a construção do conhecimento sobre o mundo exterior. Em outras palavras, o indivíduo pode ter um conhecimento restrito do que o rodeia.
A aprendizagem visual depende não apenas do olho, mas também da capacidade do cérebro
de realizar as suas funções, de capturar, codificar, selecionar e organizar imagens fotografadas pelos olhos. Essas imagens são associadas com outras mensagens sensoriais e armazenadas na memória para serem lembradas mais tarde.
Para que ocorra o desenvolvimento da eficiência visual, duas condições precisam estar presentes:
-
O amadurecimento ou desenvolvimento dos fatores anatômicos e fisiológicos do olho, vias óticas e
córtex cerebral.
-
O uso dessas funções, o exercício de ver.
2.1. Avaliação Funcional da Visão
Na avaliação funcional da visão considera- se a acuidade visual, o campo visual e o uso eficiente
do potencial da visão.
A acuidade visual é a distância de um ponto ao outro em uma linha reta por meio da qual um objeto é visto. Pode ser obtida através da utilização de escalas a partir de um padrão de normalidade da visão.
O campo visual é a amplitude e a abrangência do ângulo da visão em que os objetos são focalizados.
A funcionalidade ou eficiência da visão é definida em termos da qualidade e do aproveitamento do potencial visual de acordo com as condições de
estimulação e de ativação das funções visuais. Esta peculiaridade explica o fato de alguns alunos com um resíduo visual equivalente apresentarem uma notável discrepância no que se refere à desenvoltura e segurança na realização de tarefas, na mobilidade e
percepção de estímulos ou obstáculos. Isto significa que a evidência de graves alterações orgânicas que reduzem significativamente a acuidade e o campo visual deve ser contextualizada, considerando-se a interferência de fatores emocionais, as
condições ambientais e as contingências de vida do indivíduo.
A avaliação funcional da visão revela dados quantitativos e qualitativos de observação sobre o nível da consciência visual, a recepção, assimilação, integração e elaboração dos estímulos visuais, bem como sobre o desempenho e o uso
funcional do potencial da visão.
2.2. O Desempenho Visual na Escola
Na escola, os professores costumam confundir ou interpretar erroneamente algumas atitudes e condutas de alunos com baixa visão que oscilam entre o ver e o
não ver. Esses alunos manifestam algumas dificuldades de percepção em determinadas circunstâncias tais como: objetos situados em ambientes mal iluminados, ambiente muito claro ou ensolarado, objetos ou materiais que não proporcionam contraste, objetos e seres em movimento,
visão de profundidade, percepção de formas complexas, representação de objetos tridimensionais, e tipos impressos ou figuras não condizentes com o potencial da visão.
O trabalho com alunos com baixa visão baseia-se no princípio de estimular a utilização plena do potencial
de visão e dos sentidos remanescentes, bem como na superação de dificuldades e conflitos emocionais. Para isso, é necessário conhecer e identificar, por meio da observação contínua, alguns sinais ou sintomas físicos característicos e
condutas freqüentes, tais como: tentar remover manchas, esfregar excessivamente os olhos, franzir a testa, fechar e cobrir um dos olhos, balançar a cabeça ou movê-la para frente ao olhar para um objeto próximo ou distante, levantar
para ler o que está escrito no quadro negro, em cartazes ou mapas, copiar do quadro negro faltando letras, tendência de trocar palavras e mesclar sílabas, dificuldade na leitura ou em outro trabalho que exija o uso concentrado dos olhos,
piscar mais que o habitual, chorar com freqüência ou irritar-se com a execução de tarefas, tropeçar ou cambalear diante de pequenos objetos, aproximar livros ou objetos miúdos para bem perto dos olhos, desconforto ou intolerância à
claridade. Esses alunos costumam trocar a posição do livro e perder a seqüência das linhas em uma página ou mesclar letras semelhantes. Eles demonstram falta de interesse ou dificuldade em participar de jogos que exijam visão de
distância.
Para que o aluno com baixa visão desenvolva a capacidade de enxergar, o professor deve despertar o seu interesse em utilizar a visão potencial, desenvolver a eficiência visual, estabelecer o conceito de permanência do objeto, e facilitar a exploração dirigida e organizada.
As atividades realizadas devem proporcionar prazer e motivação, o que leva à intencionalidade e esta desenvolve a iniciativa e a autonomia, que são os objetivos primordiais da estimulação visual.
A baixa visão pode ocasionar conflitos emocionais, psicológicos e sociais, que influenciam o desempenho visual, a conduta do aluno, e refletem na aprendizagem. Um ambiente de calma, encorajamento e confiança contribuirá
positivamente para a eficiência na melhor utilização da visão potencial que deve ser explorada e estimulada no ambiente educacional, pois o desempenho visual está relacionado com a aprendizagem. É recomendável, portanto, provocar
a conduta de utilizar a visão para executar todo tipo de tarefas, pois a visão não se gasta com o uso. Além disso, o professor deve proporcionar ao aluno condições para uma boa higiene ocular de acordo com recomendações médicas.
Conhecer o desenvolvimento global do aluno, o diagnóstico, a avaliação funcional da visão, o contexto familiar e social, bem como as alternativas e os recursos disponíveis, facilitam o planejamento de atividades e a organização do
trabalho pedagógico.
2.3. Recursos ópticos e Não-ópticos
Recursos ou auxílios ópticos são lentes de uso especial ou dispositivo formado por um conjunto de lentes, geralmente de alto poder,
com o objetivo de magnificar a imagem da retina. Esses recursos são utilizados mediante prescrição e orientação oftalmológica.
É importante lembrar que a indicação de recursos ópticos depende de cada caso ou patologia.
Por isso, não são todos os indivíduos com baixa visão que os utilizam. Convém lembrar também que o uso de lentes, lupas, óculos, telescópios representa um ganho valioso em termos de qualidade, conforto e desempenho visual para perto, mas não descarta a necessidade de adaptação de material e de outros cuidados.
A utilização de recursos ópticos e nãoópticos envolve o trabalho de pedagogia, de psicologia, de orientação e mobilidade e outros que se fizerem necessários. As escolhas e os níveis de adaptação desses recursos em cada caso devem ser definidos a partir da conciliação de inúmeros fatores. Entre eles, destacamos: necessidades específicas, diferenças individuais, faixa etária, preferências, interesses e habilidades que vão determinar as
modalidades de adaptações e as atividades mais adequadas.
2.3.1. Recursos ópticos
Recursos ópticos para longe: telescópio: usado para leitura no quadro negro, restringem muito o campo visual; telessistemas, telelupas e
lunetas.
Recursos ópticos para perto: óculos especiais com lentes de aumento que servem para melhorar a visão de perto. (óculos bifocais, lentes esferoprismáticas, lentes monofocais esféricas, sistemas telemicroscópicos).
Lupas manuais ou lupas de mesa e de apoio: úteis para ampliar o tamanho de fontes para a leitura, as dimensões de mapas, gráficos, diagramas, figuras etc. Quanto maior a ampliação do tamanho, menor o campo de visão com diminuição
da velocidade de leitura e maior fadiga visual.

Lupas
2.3.2. Recursos Não-ópticos
Tipos ampliados: ampliação de fontes, de
sinais e símbolos gráficos em livros, apostilas, textos
avulsos, jogos, agendas, entre outros.
Acetato amarelo: diminui a incidência de
claridade sobre o papel.
Plano inclinado: carteira adaptada, com a mesa
inclinada para que o aluno possa realizar as atividades
com conforto visual e estabilidade da coluna vertebral.
Acessórios: lápis 4B ou 6B, canetas de ponta
porosa, suporte para livros, cadernos com pautas pretas
espaçadas, tiposcópios (guia de leitura), gravadores.
Softwares com magnificadores de tela e
Programas com síntese de voz.
Chapéus e bonés: ajudam a diminuir o reflexo
da luz em sala de aula ou em ambientes externos.
Circuito fechado de televisão - CCTV: aparelho acoplado a um monitor de TV monocromático ou colorido que amplia até 60 vezes as imagens e as transfere para o monitor.

Circuito fechado de televisão - CCTV
2.4. Recomendações úteis
-
Sentar o aluno a uma distância de aproximadamente
um metro do quadro negro na parte central da
sala.
-
Evitar a incidência de claridade diretamente nos
olhos da criança.
-
Estimular o uso constante dos óculos, caso seja esta
a indicação médica.
-
Colocar a carteira em local onde não haja reflexo
de iluminação no quadro negro.
-
Posicionar a carteira de maneira que o aluno não
escreva na própria sombra.
-
Adaptar o trabalho de acordo com a condição
visual do aluno.
-
Em certos casos, conceder maior tempo para o
término das atividades propostas, principalmente
quando houver indicação de telescópio.
-
Ter clareza de que o aluno enxerga as palavras e
ilustrações mostradas.
-
Sentar o aluno em lugar sombrio se ele tiver fotofobia (dificuldade de ver bem em ambiente
com muita luz).
-
Evitar iluminação excessiva em sala de aula.
-
Observar a qualidade e nitidez do material utilizado
pelo aluno: letras, números, traços, figuras, margens,
desenhos com bom contraste figura/fundo.
-
Observar o espaçamento adequado entre letras,
palavras e linhas.
-
Utilizar papel fosco, para não refletir a claridade.
-
Explicar, com palavras, as tarefas a serem
realizadas.
3 - Alfabetização e Aprendizagem
Para que o aprendizado seja completo e
significativo é importante possibilitar a coleta de
informação por meio dos sentidos remanescentes. A
audição, o tato, o paladar e o olfato são importantes
canais ou porta de entrada de dados e informações
que serão levados ao cérebro. Lembramos que se
torna necessário criar um ambiente que privilegia
a convivência e a interação com diversos meios de
acesso à leitura, à escrita e aos conteúdos escolares
em geral.
A linguagem amplia o desenvolvimento
cognitivo porque favorece o relacionamento e
proporciona os meios de controle do que está
fora de alcance pela falta da visão. Trata-se de uma atividade complexa que engloba a comunicação e
as representações, sendo um valioso instrumento
de interação com o meio físico e social. O
aprimoramento e a aplicação das linguagens
oral e escrita manifestam-se nas habilidades de
falar e ouvir, ler e escrever. É tarefa do educador
observar como os alunos se relacionam com os seus
colegas e com os adultos e verificar a qualidade da
experiência comunicativa nas diversas situações de
aprendizagem.
As crianças cegas operam com dois tipos
de conceitos:
1) Aqueles que têm significado real para
elas a partir de suas experiências.
2) Aqueles que fazem referência a
situações visuais, que embora sejam importantes
meios de comunicação, podem não ser
adequadamente compreendidos ou decodificados
e ficam desprovidos de sentido. Nesse caso, essas
crianças podem utilizar palavras ou expressões
descontextualizadas, sem nexo ou significado real,
por não basearem-se em experiências diretas e
concretas. Esse fenômeno é denominado verbalismo
e sua preponderância pode ter efeitos negativos em
relação à aprendizagem e ao desenvolvimento.
Algumas crianças cegas congênitas
podem manifestar maneirismos, ecolalia e
comportamentos estereotipados. Isso porque a
falta da visão compromete a imitação e deixa um
vazio a ser preenchido com outras modalidades
de percepção. A falta de conhecimento, de
estímulos, de condições e de recursos adequados
pode reforçar o comportamento passivo, inibir o
interesse e a motivação. A escassez de informação
restringe o conhecimento em relação ao ambiente.
Por isso, é necessário incentivar o comportamento
exploratório, a observação e a experimentação para
que estes alunos possam ter uma percepção global
necessária ao processo de análise e síntese.
3.1. Espaço Físico e Mobiliário
Lembramos que a configuração do espaço
físico não é percebida de forma imediata por alunos
cegos, tal como ocorre com os que enxergam. Por
isso, é necessário possibilitar o conhecimento e o
reconhecimento do espaço físico e da disposição
do mobiliário. A coleta de informações se dará de
forma processual e analítica através da exploração
do espaço concreto da sala de aula e do trajeto
rotineiro dos alunos: entrada da escola, pátio,
cantina, banheiros, biblioteca, secretaria, sala dos
professores e da diretoria, escadas, obstáculos.
As portas devem ficar completamente
abertas ou fechadas para evitar imprevistos
desagradáveis ou acidentes. O mobiliário deve ser
estável e qualquer alteração deve ser avisada. Convém
reservar um espaço na sala de aula com mobiliário
adequado para a disposição dos instrumentos
utilizados por esses alunos que devem incumbir-se
da ordem e organização do material para assimilar
pontos de referência úteis para eles.
3.2. Comunicação e Relacionamento
A falta da visão desperta curiosidade,
interesse, inquietações e não raro, provoca grande
impacto no ambiente escolar. Costuma ser abordada
de forma pouco natural e pouco espontânea porque
os professores não sabem como proceder em relação
aos alunos cegos. Eles manifestam dificuldade de
aproximação e de comunicação, não sabem o que
fazer e como fazer. Nesse caso, torna-se necessário
quebrar o tabu, dissipar os fantasmas, explicitar o
conflito e dialogar com a situação. Somente assim
será possível assimilar novas atitudes, procedimentos
e posturas.
Os educadores devem estabelecer um
relacionamento aberto e cordial com a família dos
alunos para conhecer melhor suas necessidades,
hábitos e comportamentos. Devem conversar
naturalmente e esclarecer dúvidas ou responder
perguntas dos colegas na sala de aula. Todos precisam
criar o hábito de evitar a comunicação gestual e
visual na interação com esses alunos. É recomendável
também evitar a fragilização ou a superproteção e
combater atitudes discriminatórias.
3.3. O Sistema Braille
Criado por Louis Braille, em 1825,
na França, o sistema braille é conhecido
universalmente como código ou meio de leitura e
escrita das pessoas cegas. Baseia-se na combinação de
63 pontos que representam as letras do alfabeto, os
números e outros símbolos gráficos. A combinação
dos pontos é obtida pela disposição de seis pontos
básicos, organizados espacialmente em duas colunas
verticais com três pontos à direita e três à esquerda
de uma cela básica denominada cela braille.
Alfabeto Braille (Leitura)
Disposição Universal dos 63 Sinais Simples do Sistema Braille

A escrita braille é realizada por meio
de uma reglete e punção ou de uma máquina de
escrever braille.

Reglete
A reglete é uma régua de madeira, metal ou
plástico com um conjunto de celas braille dispostas
em linhas horizontais sobre uma base plana. O
punção é um instrumento em madeira ou plástico
no formato de pêra ou anatômico, com ponta
metálica, utilizado para a perfuração dos pontos na
cela braille. O movimento de perfuração deve ser
realizado da direita para a esquerda para produzir a
escrita em relevo de forma não espelhada. Já a leitura
é realizada da esquerda para a direita. Esse processo
de escrita tem a desvantagem de ser lento devido à
perfuração de cada ponto, exige boa coordenação
motora e dificulta a correção de erros.

Máquina de escrever braille
A máquina de escrever tem seis teclas
básicas correspondentes aos pontos da cela braille.
O toque simultâneo de uma combinação
de teclas produz os pontos que correspondem aos
sinais e símbolo desejados. É um mecanismo de
escrita mais rápido, prático e eficiente.
A escrita em relevo e a leitura tátil
baseiam-se em componentes específicos no que
diz respeito ao movimento das mãos, mudança
de linha, adequação da postura e manuseio do
papel. Esse processo requer o desenvolvimento
de habilidades do tato que envolvem conceitos
espaciais e numéricos, sensibilidade, destreza
motora, coordenação bimanual, discriminação,
dentre outros aspectos. Por isso, o aprendizado
do sistema braille deve ser realizado em condições
adequadas, de forma simultânea e complementar ao
processo de alfabetização dos alunos cegos.
O domínio do alfabeto braille e
de noções básicas do sistema por parte dos
educadores é bastante recomendável e pode ser
alcançado de forma simples e rápida, uma vez
que a leitura será visual. Os profissionais da
escola podem aprender individualmente ou em
grupo, por meio de cursos, oficinas ou outras
alternativas disponíveis. Uma dessas alternativas
é o Braille Virtual, um curso on-line, criado e
desenvolvido por uma equipe de profissionais
da Universidade de São Paulo – USP – com o
objetivo de possibilitar o aprendizado do sistema
braille de forma simples, gratuita e lúdica.
O programa para download está
disponível AQUI.
Um conhecimento mais aprofundado
do sistema braille é necessário para quem realiza
trabalhos de revisão, adaptação de textos e livros
e de produção braille em geral.
Os meios informáticos ampliam
significativamente as possibilidades de produção
e impressão braille. Existem diferentes tipos de
impressoras com capacidade de produção de
pequeno, médio e grande portes que representam
um ganho qualitativo e quantitativo no que se
refere à produção braille em termos de velocidade,
eficiência, desempenho e sofisticação.
3.4. Atividades
Algumas atividades predominantemente
visuais devem ser adaptadas com antecedência e
outras durante a sua realização por meio de descrição,
informação tátil, auditiva, olfativa e qualquer outra
referência que favoreçam a configuração do cenário
ou do ambiente. É o caso, por exemplo, de exibição
de filmes ou documentários, excursões e exposições.
A apresentação de vídeo requer a descrição oral de
imagens, cenas mudas e leitura de legenda simultânea
se não houver dublagem para que as lacunas sejam
preenchidas com dados da realidade e não apenas
com a imaginação. É recomendável apresentar um
resumo ou contextualizar a atividade programada
para esses alunos.
Os esquemas, símbolos e diagramas presentes nas diversas disciplinas devem ser descritos
oralmente. Os desenhos, os gráficos e as ilustrações devem ser adaptados e representados em relevo.
O ensino de língua estrangeira deve priorizar a conversação em detrimento de recursos didáticos
visuais que devem ser explicados verbalmente. Experimentos de ciências e biologia devem remeter ao conhecimento por meio de outros canais de
coleta de informação.
As atividades de educação física podem ser adaptadas com o uso de barras, cordas, bolas com
guiso etc. O aluno deve ficar próximo do professor, que recorrerá a ele para demonstrar os exercícios ao
mesmo tempo em que ele aprende.
Outras atividades que envolvem expressão corporal, dramatização, arte, música podem ser
desenvolvidas com pouca ou nenhuma adaptação. Em resumo, os alunos cegos podem e devem participar de praticamente todas as atividades com
diferentes níveis e modalidades de adaptação que envolvem criatividade, confecção de material e
cooperação entre os participantes.
3.5. Avaliação
Alguns procedimentos e instrumentos de
avaliação baseados em referências visuais devem ser
alterados ou adaptados por meio de representações e
relevo. É o caso, por exemplo, de desenhos, gráficos,
diagramas, gravuras, uso de microscópios.
Em algumas circunstâncias é recomendável
valer-se de exercícios orais. A adaptação e produção
de material, a transcrição de provas, exercícios e de
textos em geral para o sistema braille podem ser
realizadas em salas multimeios, núcleos, serviços
ou centros de apoio pedagógico. Se não houver
ninguém na escola que domine o sistema braille,
será igualmente necessário fazer a conversão da
escrita braille para a escrita em tinta.
Convém observar a necessidade de
estender o tempo da avaliação, considerando-se as
peculiaridades já mencionadas em relação à percepção
não visual. Os alunos podem realizar trabalhos e
tarefas escolares utilizando a máquina de escrever em braille ou o computador, sempre que possível.
4 - Recursos Didáticos
A predominância de recursos didáticos eminentemente visuais ocasiona uma visão fragmentada
da realidade e desvia o foco de interesse e de motivação dos alunos cegos e com baixa visão. Os recursos
destinados ao Atendimento Educacional Especializado desses alunos devem ser inseridos em situações e
vivências cotidianas que estimulem a exploração e o desenvolvimento pleno dos outros sentidos. A
variedade, a adequação e a qualidade dos recursos disponíveis possibilitam o acesso ao conhecimento, à
comunicação e à aprendizagem significativa.
Recursos tecnológicos, equipamentos e jogos pedagógicos contribuem para que as
situações de aprendizagem sejam mais agradáveis e motivadoras em um ambiente de cooperação e
reconhecimento das diferenças. Com bom senso e criatividade, é possível selecionar, confeccionar ou
adaptar recursos abrangentes ou de uso específico.
Os sólidos geométricos, os jogos de encaixe, os ligue-ligues e similares podem ser compartilhados
com todos os alunos sem necessidade de adaptação. Outros se tornam significativos para alunos cegos ou com baixa visão mediante adaptações que
são atraentes e eficientes também para os demais alunos. É o caso de jogos, instrumentos de medir,
mapas de encaixe e diversos objetos que podem ser adaptados. Pode-se produzir uma infinidade de
recursos e jogos didáticos com material de baixo custo e sucata: embalagens descartáveis, frascos,
tampas de vários tamanhos, retalhos de papéis e tecidos com texturas diferentes, botões, palitos,
crachás, barbantes, sementes etc.
Para promover a comunicação e o entrosamento entre todos os alunos, é indispensável
que os recursos didáticos possuam estímulos visuais e táteis que atendam às diferentes condições
visuais. Portanto, o material deve apresentar cores
contrastantes, texturas e tamanhos adequados para
que se torne útil e significativo.
A confecção de recursos didáticos para alunos cegos deve se basear em alguns critérios muito
importantes para a eficiência de sua utilização.
Entre eles, destacamos a fidelidade da representação que deve ser tão exata quanto possível em relação
ao modelo original. Além disso, deve ser atraente para a visão e agradável ao tato. A adequação é
outro critério a ser respeitado, considerando-se a pertinência em relação ao conteúdo e à faixa etária.
As dimensões e o tamanho devem ser observados. Objetos ou desenhos em relevo pequenos demais
não ressaltam detalhes de suas partes componentes ou se perdem com facilidade. O exagero no tamanho
pode prejudicar a apresentação da totalidade dificultando a percepção global.
A estimulação visual baseia-se na escolha
adequada do material, que deve ter cores fortes ou
contrastes que melhor se adaptem à limitação visual
de cada aluno e significado tátil.
O relevo deve ser facilmente percebido
pelo tato e, sempre que possível, constituir-se
de diferentes texturas para melhor destacar as
partes componentes do todo. Contrastes do tipo
liso/áspero, fino/espesso, permitem distinções
adequadas. O material não deve provocar rejeição
ao manuseio e ser resistente para que não se estrague
com facilidade e resista à exploração tátil e ao
manuseio constante. Deve ser simples e de manuseio
fácil, proporcionando uma prática utilização e não
deve oferecer perigo para os alunos.
A disponibilidade de recursos que atendam
ao mesmo tempo às diversas condições visuais dos
alunos pressupõe a utilização do sistema braille,
de fontes ampliadas e de outras alternativas no
processo de aprendizagem.
4.1. Sugestões
• Cela braille: confeccionada com caixas de papelão,
frascos de desodorantes e embalagem de ovos.

Cela braille
• Cela braille Vasada: confeccionada em vários
tamanhos com acetato usado em radiografias ou
papelão.

Cela braille vasada
• Celinha braille: feitas com caixas de chicletes,
botões, cartelas de comprimidos, caixa de fósforo,
emborrachado.

Celinha braille
• Caixa de vocabulário: caixa de plástico ou de
papelão contendo miniaturas coladas em cartões
com o nome do objeto em braille e em tinta.

Caixa de vocabulário
• Alfabeto: letras cursivas confeccionadas com
emborrachado, papelão ou em arame flexível.
• Gaveteiro alfabético: cada gaveta contém
miniaturas de objetos iniciados com a letra fixada
em relevo e em braille na parte externa.
• Medidor: garrafas plásticas de água mineral
cortadas, com capacidade para um litro e meio.

Medidor
• Pesca-palavras: caixa de plástico ou de papelão
contendo cartelas imantadas com palavras em
braille para serem pescadas com vareta de churrasco
com imã na ponta.
• Livro de bolso: as páginas são bolsos de pano
contendo reálias e com palavras, frases ou expressões
escritas em braille.
• Grade para escrita cursiva: pautas confeccionadas
com caixa de papelão, radiografias, emborrachado e
outros.

Grade
• Roleta das letras: disco na forma de relógio
com um ponteiro giratório contendo as letras do
alfabeto em braille e em tinta.
• Caixa de números: caixas de plástico ou de
papelão contendo miniaturas. Colar na parte externa o
numeral, em tinta, relevo e em braille, correspondente à
quantidade de objetos guardados no interior da caixa.

Caixa de números
• Fita métrica adaptada: com marcações na
forma de orifícios e pequenos recortes.

Fita métrica
• Brincando com as frações: representação de
frações utilizando embalagens de pizza e bandejas
de isopor.
• Figuras geométricas em relevo: confeccionadas com emborrachado, papelão e outros.
• Pranchas para desenhos em relevo: retângulo de
eucatex recoberto com tela de náilon de proteção para
produção de desenhos com lápis-cera ou recoberto com
couro para desenhos com carretilhas.

Pranchas para desenhos
• Caneta maluca: caneta Bic com um fio
comprido de lã enrolado em um carretel na parte
superior e com a ponta enfiada no lugar da carga
para desenhar sobre prancha de velcro.

Caneta maluca
• Livro de texturas.
• Calendário-mural: confeccionado em
cartolina com cartelas móveis para o registro em
tinta e em braille dos dias, meses e ano.
• Baralho: adaptado com inscrição em braille
Baralho de cartas
• Jogo da velha: adaptado com peças de encaixe
do número e naipe. ou imantadas.
Jogo da velha
• Mural do tempo: cartaz com frases curtas
em braille e em tinta e desenho em relevo
expressando as condições do tempo em cada dia
da semana.
• Bandeira do Brasil: confeccionada com
diferentes materiais em relevo com encaixe ou
superposição das partes.
• Dominó: adaptado com diferentes texturas
de tecido.
• Jogo de dama: adaptado com velcro.
• Resta-um: adaptado com embalagem de ovos e
bolinhas de isopor ou papel machê e bolinhas de gude.

Resta-um
4.2. Outros Recursos
4.2.1. Modelos e Maquetes
Nem tudo que é visto pelos olhos está ao
alcance das mãos devido ao tamanho original dos
objetos, à distância, à localização e à impossibilidade
de tocar. Como superar essa dificuldade entre os
alunos cegos e com baixa visão que têm um contato
limitado com o ambiente? A utilização de maquetes
e de modelos é uma boa maneira de trabalhar as
noções e os conceitos relacionados aos acidentes
geográficos, ao sistema planetário e aos fenômenos
da natureza.
Os modelos devem ser criteriosamente
escolhidos e demonstrados com explicações objetivas. Os objetos muito pequenos devem ser
ampliados para que os detalhes sejam percebidos.
Objetos muito grandes e intocáveis devem ser
convertidos em modelos miniaturizados, por
exemplo, as nuvens, as estrelas, o sol, a lua, os
planetas, entre outros.
Os mapas políticos, hidrográficos e outros
podem ser representados em relevo, utilizando-se de
cartolina, linha, barbante, cola, e outros materiais
de diferentes texturas. A riqueza de detalhes em
um mapa pode dificultar a percepção de aspectos
significativos.
4.2.3. Sorobã
/ ábaco

Instrumento utilizado para trabalhar cálculos
e operações matemáticas; espécie de ábaco que contém
cinco contas em cada eixo e borracha compressora para
deixar as contas fixas.
4.2.4. Livro Didático Adaptado
Os livros didáticos são ilustrados com
desenhos, gráficos, cores, diagramas, fotos e outros
recursos inacessíveis para os alunos com limitação
visual. A transcrição de um texto ou de um livro para o
sistema braille tem características específicas em relação
ao tamanho, à paginação, à representação gráfica, aos
mapas e às ilustrações devendo ser fiel ao conteúdo e
respeitar normas e critérios estabelecidos pela Comissão
Brasileira do Braille.
A adaptação parcial ou integral desses
livros é complexa e pode ser realizada nos Centros
de Apoio Pedagógico aos Deficientes Visuais (CAPs)
ou em serviços similares, enquanto a produção
em grande escala fica sob a responsabilidade das
instituições especializadas em parceria com o
Ministério da Educação.
4.2.5. Livro Acessível
O livro acessível visa contemplar a todos
os leitores. Para isso, deve ser concebido como
um produto referenciado no modelo do desenho
universal. Isso significa que deve ser concebido a
partir de uma matriz que possibilite a produção
de livros em formato digital, em áudio, em braille
e com fontes ampliadas. Esse é o livro ideal, mas
ainda não disponível nas prateleiras das livrarias e
das bibliotecas e se constitui como objeto de debate
que depende de regulamentação e de negociação
entre o governo e os elos da cadeia produtiva do
livro. Enquanto isso, surgem os primeiros livros
de literatura infantil em áudio-livro ou impressos
em tinta e em braille com desenhos em relevo ou descrição sucinta das ilustrações. Trata-se de iniciativas pontuais e isoladas que representam um grão de areia no universo da cultura e da leitura para as pessoas cegas e com baixa visão.
4.2.6. Recursos Tecnológicos
Os meios informáticos facilitam as atividades
de educadores e educandos porque possibilitam a
comunicação, a pesquisa e o acesso ao conhecimento.
Existem programas leitores de tela com síntese
de voz, concebidos para usuários cegos, que possibilitam
a navegação na internet, o uso do correio eletrônico, o
processamento de textos, de planilhas e uma infinidade
de aplicativos operados por meio de comandos de
teclado que dispensam o uso do mouse.
Entre os programas mais conhecidos e
difundidos no Brasil, destacamos:
DOSVOX: sistema operacional desenvolvido
pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Possui um conjunto de
ferramentas e aplicativos próprios além de agenda,
chat e jogos interativos. Pode ser obtido gratuitamente
por meio de “download” a partir do site do projeto
DOSVOX.VIRTUAL VISION: é um software brasileiro
desenvolvido pela Micropower, em São Paulo, concebido
para operar com os utilitários e as ferramentas do
ambiente Windows. É distribuído gratuitamente pela
Fundação Bradesco e Banco Real para usuários cegos. No mais, é comercializado.
JAWS: software desenvolvido nos Estados
Unidos e mundialmente conhecido como o leitor de
tela mais completo e avançado. Possui uma ampla
gama de recursos e ferramentas com tradução para
diversos idiomas, inclusive para o português. No
Brasil, não há alternativa de subvenção ou distribuição
gratuita do Jaws, que é o mais caro entre os leitores de
tela existentes no momento. Outras informações sobre
esse software estão disponíveis em LerParaVer e Laramara.
Existem, ainda, outras ferramentas que
possibilitam a produção de livros em formato digital,
em áudio e em braille. É o caso, por exemplo, de
scanner, de programas de reconhecimento óptico de
caracteres para a digitalização de textos e programas que
permitem converter o texto digitalizado em arquivo
de áudio. Além disso, há programas magnificadores
de tela, geralmente, conjugados com síntese de voz,
desenvolvidos para quem tem baixa visão. É necessário
que essas ferramentas estejam disponíveis no âmbito
do sistema escolar, nos serviços e centros de apoio que
visam promover a inclusão escolar e social.
Os laboratórios de informática, os telecentros
e os programas de inclusão digital devem contar com
meios informáticos acessíveis para pessoas cegas e com
baixa visão, porque o uso de computadores e de outros
recursos tecnológicos são tão fundamentais para elas
quanto os olhos são para quem enxerga.
5 - Perguntas Freqüentes
1. Como identificar o aluno com baixa
visão?
Alguns sinais e condutas recorrentes, observados
informalmente dentro ou fora da sala de aula,
podem ser indícios de baixa visão. Por exemplo:
dor de cabeça constante, olhos vermelhos
ou lacrimejantes, inclinação da cabeça para
enxergar, intolerância à luz, hábito de apertar
ou esfregar os olhos, trazer o papel, o caderno
ou livro para perto dos olhos, chegar bem
próximo do quadro negro ou da televisão para
enxergar, tropeçar ou esbarrar em móveis ou
objetos com freqüência, evitar executar tarefas
que dependem da visão, demonstrar oscilação
entre ver e não ver algo ou alguém etc.
2. Uma pessoa da família pode permanecer
na sala de aula para auxiliar o aluno com
deficiência visual?Essa alternativa não é recomendável porque
pode criar uma situação de discriminação, de
inibição e de constrangimento para o aluno.
Além disso, pode causar uma confusão de
papéis, criar um vínculo de dependência ao
invés de estimular a emancipação, a autonomia
e a cooperação entre os alunos.
3. Quem ensina braille ao aluno cego no ensino
regular?
Quem estiver qualificado e disponível para
este fim.
4. O professor que tem um aluno cego necessita
aprender o braille?
O aprendizado do sistema braille certamente
facilitará e enriquecerá o seu trabalho, pois será
mais fácil e mais ágil acompanhar a evolução
e os progressos do aluno sem a necessidade de
intermediários, especialmente no que diz respeito
à leitura e à escrita.5. Alunos cegos demoram mais para aprender
do que os outros?
Não. Eles podem ser mais lentos na realização
de algumas atividades, pois a dimensão analítica
da percepção tátil demanda mais tempo. Esses
alunos precisam manipular e explorar o objeto
para conhecer as suas características e fazer uma
análise detalhada das partes para tirar conclusões.
Essa diferença básica é importante porque influi
na elaboração de conceitos e interiorização do
conhecimento. Assim, a falta da visão não interfere
na capacidade intelectual e cognitiva. Esses alunos
têm o mesmo potencial de aprendizagem e podem
demonstrar um desempenho escolar equivalente
ou superior ao de alunos que enxergam mediante
condições e recursos adequados.
6. Que cuidados devemos ter com a comunicação oral
em relação aos alunos cegos?
A atitude dos professores é muito importante e decisiva
para uma comunicação efetiva e motivadora da
aprendizagem. Neste sentido, salientamos o cuidado
de nomear, denominar, explicar e descrever, de forma
precisa e objetiva, as cenas, imagens e situações que
dependem de visualização. Os registros e anotações
no quadro negro e outras referências em termos de
localização espacial devem ser falados e não apontados
com gestos e expressões do tipo aqui, lá, ali, que devem
ser substituídas por direita, esquerda, tendo como
referência a posição do aluno. Por outro lado, não se
deve usar de forma inadequada o verbo ouvir em lugar
de ver, olhar, enxergar para que a comunicação seja
coerente, espontânea e significativa.
7. Quais são as habilidades que devemos desenvolver
no caso de alunos cegos?
Esses alunos devem desenvolver a formação de hábitos
e de postura, destreza tátil, o sentido de orientação,
o reconhecimento de desenhos, gráficos e maquetes
em relevo dentre outras habilidades. As estratégias
e as situações de aprendizagem devem valorizar o
comportamento exploratório, a estimulação dos sentidos
remanescentes, a iniciativa e a participação ativa.
8. Como trabalhar cores com alunos cegos?
As cores devem ser apresentadas aos alunos cegos por
meio de associações e representações que possibilitem
compreender e aplicar adequadamente o vocabulário e
o conceito de cores na fala, na escrita, no contexto da
escola e da vida. Assim, as cores podem ser associadas aos
elementos da natureza, aos aromas, às notas musicais e a
outras simbologias presentes na experiência dos alunos.
As atividades escolares que se baseiam na visualização
de cores podem ser adaptadas por meio da utilização de
texturas, de equivalências, de convenções ou de outros
recursos não visuais.
9. Como trabalhar produção de textos com alunos cegos?
Esses alunos são potencialmente capazes de
compreender, interpretar e estabelecer relações. Estão
habituados a exercitar predominantemente a escuta
e a fala que costumam ser mais encorajadas do que o
exercício da escrita. A produção de texto contribui para
a estruturação da linguagem e do pensamento, além
de despertar a imaginação e a criatividade. Esta é uma
situação de aprendizagem muito rica que possibilita
o contato e a interação com diversos códigos de
expressão oral e escrita. É uma boa oportunidade para a
observação e a compreensão de algumas peculiaridades e
cuidados relativos à grafia braille, à leitura tátil, aos tipos
ampliados, aos meios informáticos, entre outros.
10. Qual é o sentido mais aguçado nas pessoas
cegas?
As pessoas cegas que lêem muito por meio
do sistema braille ou que executam trabalhos
manuais tendem a desenvolver maior refinamento
do tato. Quem se dedica à música, à afinação de
instrumentos ou à discriminação de sons aguça a
capacidade de discriminação auditiva. A degustação
e a depuração de aromas ativam mais o paladar e
o olfato. Portanto, são aguçados os sentidos mais
presentes no processamento de informações, na
exploração do ambiente, no exercício constante de
orientação e mobilidade, na realização de atividades
de vida diária, na formação de competências e
no desenvolvimento de habilidades gerais ou
específicas.
11. Como uma pessoa cega identifica e escolhe
as suas roupas?
Algumas pessoas utilizam etiquetas de
identificação, enquanto outras separam lotes de
roupas da mesma cor ou preferem usar apenas
cores neutras. A combinação das peças do vestuário
e dos acessórios se dará pelo reconhecimento dos
diferentes modelos e texturas, formatos, detalhes
e outras referências. A conjugação das roupas, a
distinção de cores, a organização geral têm a ver
com os esquemas e as estratégias individuais. A
identificação do vestuário, as preferências e as
escolhas são fruto da elaboração de conceitos,
do conhecimento e reconhecimento de padrões
ou modalidades estéticas, do desenvolvimento
de habilidades táteis, de critérios de organização
e de funcionalidade. Enfim, a composição
do figurino dependerá do estilo de vida e das
experiências do sujeito.
12. Ficar muito perto da televisão ou da
tela do computador e fazer esforço para
enxergar o que está escrito no caderno ou
no livro prejudica a visão?
Não, essa aproximação é natural para que a
pessoa possa ver melhor. O que pode ocorrer
são momentos de fadiga. Nesse caso, é
recomendável piscar os olhos e fazer pequenas
pausas. O esforço visual é positivo e deve ser
estimulado por meio de orientação e exercícios
adequados.
13. Como se explica o fato de uma pessoa
cega descer do ônibus na parada certa sem
pedir ajuda?
Ela faz isso porque se familiarizou com o
percurso rotineiro do ônibus e assimilou
pontos de referência importantes para o
reconhecimento do trajeto.
Essas referências são estáveis e têm a ver com
a topografia, os movimentos de retas e curvas
dentre outros aspectos que foram introjetados
constituindo um mapa mental da região.
Certamente, ela terá dificuldade para pegar o
mesmo ônibus sozinha em um ponto onde
param várias linhas para diferentes bairros.
6 - Considerações Finais
Este trabalho foi desenvolvido a partir de
nossa vivência, convivência e experiência pessoal e
profissional. Procuramos explicitar idéias, conceitos,
sugestões e princípios norteadores de uma ação
educativa voltada para o respeito e a valorização das
diferenças entre os que aprendem e os que ensinam.
Partimos do princípio de que o desejo de ensinar e
de aprender, a postura de observação, indagação e
investigação constantes bem como a valorização e
a aceitação das diferenças são fatores importantes
que repercutem positivamente na elaboração do
conhecimento e internalização do mundo exterior.
Acreditamos que as expectativas e os
investimentos dos educadores devem ser os mesmos em
relação a todos os educandos. Os alunos cegos e com baixa
visão têm as mesmas potencialidades que os outros, pois
a deficiência visual não limita a capacidade de aprender.
As estratégias de aprendizagem, os procedimentos, os
meios de acesso ao conhecimento e à informação, bem
como os instrumentos de avaliação, devem ser adequados
às condições visuais destes educandos. Neste sentido,
procuramos compartilhar nossos achados, indicar rumos,
elucidar algumas questões, provocar novas indagações e
acenar para algumas práticas possíveis em um contexto
ao mesmo tempo real e idealizado. Assim, esperamos
colaborar com aqueles que desejam contribuir para a
concretização de uma escola para todos na perspectiva de
uma sociedade justa e igualitária.
Para saber mais...
Para saber mais...
-
COSTA, Jane A. Adaptando para baixa visão. Brasília:
MEC, SEESP, 2000.
-
FERREIRA, Elise M. B. [Monografia] "Recursos Didáticos - uma possibilidade de produzir conhecimentos". UNIRIO, Rio de Janeiro/RJ, 1998.
-
LARAMARA - Associação Brasileira de Assistência ao
Deficiente Visual. Revista Contato. Conversas sobre
Deficiência Visual, ano 3, n.º 5, pp 33-44, maio, 1993.
-
-
-
MEC. Secretaria de Educação Especial. Programa
de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino
Fundamental, Deficiência Visual, vol. 2, 2001.
-
MEC. Saberes e Prática da Inclusão. Dificuldades de
Comunicação e Sinalização Deficiência Visual, 3º
edição, 2005.
-
ROSA, Alberto; OCHAÍTA, Esperanza. Psicologia de la
Cegueira. Alianza Editorial S.A. Madrid, 1993.
-
SANTIN, Sílvya; SIMMONS Joyce Nester. Crianças
Cegas Portadoras de Deficiência Visual Congênita.
Revista Benjamin Constant, nª 2, janeiro, 1996.
Sites na internet:
-
-
-
-
-
-
-
-
ϟ
Inclusão escolar de alunos cegos e com baixa visão
Autoras: Elizabet Dias de Sá, Izilda Maria de Campos
e Myriam Beatriz Campolina Silva
Excerto da obra: Atendimento Educacional Especializado: Deficiência Visual,
SEESP 2007
Edição: SEESP / SEED /
Ministério da Educação -
Brasília/DF – 2007
Projecto: Formação Continuada a Distância
de Professores para o
Atendimento Educacional Especializado na
Deficiência Visual
Δ
1.Mai.2011
publicado
por
MJA
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