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 Sobre a Deficiência Visual

Os Cães-Guia

Victor Oliveira
 

Fotografia de um cão-guia Labrador Retriever
Comunicação sobre cães-guia apresentada por Victor Oliveira, no Congresso de Buenos Aires, em 2001,
 
1. Prólogo.
2. Dados Biográficos.
3.  Os cães-guia, Considerações Gerais.
    3.1.  Pequeno Historial.
    3.2.  Porquê um cão-guia?
    3.3.  Que Condições Devo observar para pensar em ter um cão-guia?
    3.4.  O Que Devo Fazer Para Ter um cão-guia?
    3.5.  O Que Vai Mudar na Minha Vida?
    3.6.  Será Que Vou Ser Capaz?
    3.7.  É Incrível! Perdi Tanto Tempo na Minha Vida!
    3.8.  Afinal Foi Fácil!
    3.9.  A Afectividade.
    3.10  Os Cuidados Diários.
4. A Minha Experiência Pessoal.
    4.1. Expectativas.
    4.2  Antes do Estágio.
    4.3. Reacções Durante o Estágio.
    4.4. Depois do Estágio.
    4.5. O Dia a Dia Tranquilo.
5. A Legislação.   |   Anexo — Legislação Portuguesa.

 

1—Prólogo

Gostaria em primeiro lugar de saudar todos os participantes no congresso e desejar que os trabalhos decorram bem e que as expectativas que certamente serão criadas possam ser concretizadas na medida dos vossos desejos. Espero ainda que esta minha pequena contribuição sirva para divulgar entre vós esta técnica de mobilidade, tendente a tornar a vida dos cegos um pouco menos dependente e mais agradável.

Este trabalho surge na sequência de um convite feito pela Dra. Graciela que quero saudar particularmente e igualmente agradecer a gentileza de suas tão amáveis palavras. Como actual utilizador de um cão-guia, cabe-me ajudar a divulgar todo o trabalho que tem sido feito e ajudar a ampliar a lista de países que já possuem escolas de treino ou treinadores de cães-guia.


2—Dados Biográficos

O meu nome é Victor Manuel dos Santos Oliveira; Sou português, tenho quarenta e sete anos, nasci no distrito de Coimbra e vivo actualmente na área da Grande Lisboa. Sou cego de nascença devido a um processo de retinopatia congénita. Sou utilizador de cão-guia desde treze de Novembro de 2000. A minha cadela-guia, uma retriever do labrador, foi educada na Associação Beira-Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual, também conhecida como Escola de cães-guia de Mortágua. É actualmente a única escola existente em Portugal e está situada na vila de Mortágua, região centro. Trabalho no Serviço Nacional de Saúde, mais concretamente num centro de saúde na área de Lisboa. O meu percurso diário para o trabalho consiste num trajecto de cerca de cinquenta minutos, o qual compreende viagens de autocarro e de metropolitano. Para além disso, há ainda outro tipo de trajectos, uns para efeitos de carácter social, outros ainda para questões profissionais extra. Faço-me acompanhar, evidentemente, sempre da minha cadela-guia.

 

3—Os cães-guia, Considerações Gerais.

No início desta secção, deixem-me escrever um pouco sobre cães, que são na realidade a matéria prima. Será que todos os cães podem servir como cães-guia? Evidentemente que não. Os cães-guia têm de ter características muito próprias e específicas. Na verdade, mesmo entre as raças que estão mais indicadas para tal, somente um de cada quatro podem servir para desempenhar a contento as tarefas necessárias. Um cão-guia tem de ser especialmente calmo, dócil, obediente e suficientemente inteligente e maduro para tomar decisões quando necessário. Não pode ladrar e muito menos morder ou tentar morder às pessoas que circunstancialmente o possam rodear. Deve ter um andar fluente e certo. Não pode ter, por exemplo, displasias da anca, doença tão comum entre os cães de médio e grande porte. Então que raças podem ser usadas? Presentemente a raça mais utilizada é o retriever do Labrador. Contudo são igualmente usadas outras. Golden retrievers, pastores alemães e boxers. Tal procedimento fica a dever-se ao facto de se ter de atender a vários condicionalismos como por exemplo, o clima onde vão actuar, a morfologia do utilizador e a sociedade onde este está inserido. Por exemplo, se vamos atribuir um cão-guia a um utilizador que seja muito alto, temos de pensar igualmente na altura do cão. Se fosse atribuído um cão demasiado baixo, resultaria evidentemente num desconforto para o utilizador, uma vez que este tem de conservar uma posição anatómica apropriada, mas tal não pode resultar em esforço, o que seria absolutamente desnecessário. Tem de se atender além disso a outros factores. Se o utilizador frequentar transportes públicos, se o cão for demasiado grande, não se poderá colocar por baixo dos bancos, o que pode resultar em incómodo para os outros concidadãos. Como escrevi anteriormente, a raça mais utilizada é a retriever do Labrador. Gostaria pois de dedicar um pouco de atenção ao historial destes cães.

 

3.1—Pequeno Historial.

É provável que proceda do mesmo tronco étnico do Terra-nova, a outra raça oriunda dessa ilha.

Primitivamente chamava-se aos Labradores “pequenos Terra-nova” e ambas as raças

apresentam a particularidade física de possuírem os dedos ligados por uma membrana. O Terra-nova recebeu a influência dos mastins, o que lhe proporcionou um maior porte, esqueleto forte e um pêlo mais comprido. Esses mastins tiveram seguramente origem nas montanhas dos Pirenéus, para aí levados pelos marinheiros bascos que se dedicavam à caça da baleia.
 

PREPARADOS PARA O FRIO

A latitude da Terra Nova faz daquelas terras uma região inóspita, fustigada por frios tremendos. Por isso é natural que as raças de cães adaptadas ao seu clima possuam características físicas apropriadas que as defendam das temperaturas baixas. Ao olharmos para um labrador podemos apreciar por um lado o seu corpo roliço, forte, com um bom tecido adiposo sob a pele que serve de câmara protectora contra o frio, e por outro um manto de pelagem apertada, espessa e impermeável. O seu tamanho, não muito grande (originariamente estes cães eram mais pequenos do que os actuais, produtos da criação britânica), o seu peito largo, que lhes permitia uma boa respiração para nadar nas águas geladas do Atlântico Norte, os seus pés com membrana, e o seu manto impermeável, faziam do labrador o cão perfeito para acompanhar as grandes barcaças de pesca e atirar-se à água, se fosse necessário, para recuperar uma rede ou um objecto que tivesse caído.


A SUA EVOLUÇÃO PARA CAÇADOR

Muito provavelmente, a história desta raça teria sido outra e até talvez desaparecesse, absorvida pela do seu irmão mais velho - o Terra-nova - se não se tivesse feito a fascinante descoberta de que este cão também era bom para a caça. A ilha da Terra Nova é rica em caça, especialmente em espécies aquáticas.

Os labradores eram usados com assiduidade nestas tarefas, recuperando as peças abatidas pelas espingardas e talvez até se tenham cruzado com cães cobradores e levantadores, tipo Spaniei, procedentes do Reino Unido.

Nos anos compreendidos entre 1750 e 1810, incluindo duas décadas antes e duas depois, este cobrador perfeito vai-se formando. Foram anos em que também ainda não tinham aparecido os modernos cães de exposição, que naquela altura se encontravam em período de gestação. Um cão levantador e cobrador é o animal perfeito para caçar aves aquáticas. Naquela época, os cães procedentes de linhas de sangue empregadas na caça eram denominados “Cães de São João”. Estas circunstâncias fizeram com que os labradores adquirissem uma boa reputação como cães de caça e despertassem o interesse de alguns nobres e cavaleiros que viajavam por aquelas terras.


A VIAGEM À GRÃ-BRETANHA

Corria o ano de 1825 quando o terceiro conde de Malmsbury conheceu e se interessou por aqueles cães de São João, tendo mandado levar alguns exemplares para terras britânicas. Foi o seu filho quem empreendeu a criação sistemática da raça e a ele se deve, inclusivamente, a mudança de nome, tendo sido o primeiro a chamar-lhes cobradores do labrador ou Labrador Retriever.

Em 1870 já a raça havia adquirido presença e qualidade e as revistas de caça desportiva daquela época mencionavam um cão de constituição simétrica, não isento de elegância, dotado de um temperamento equilibrado e com aptidões naturais para o cobro. Foi sem dúvida o temperamento e a habilidade cinegética da raça que permitiram a estes cães colocarem-se rapidamente entre os preferidos do “sportman” britânico.


RAÇA RECONHECIDA E CORES

O Kennel Club britânico reconheceu oficialmente a raça como Labrador Retriever em 1903 e um ano mais tarde incluía-o dentro do grupo dos cães de caça. Isto foi um êxito, comparando com as inúmeras raças que demoraram décadas a abandonar o grupo misto, onde competem todas as raças sem implementação no país, de modo a formarem um grupo concreto.

Os Labradores primitivos eram todos de cor negra. Todavia, em 1903, o Kennel britânico ainda não tinha feito uma classificação dos cães cobradores e por isso, nessa época, inscreveram-se cães-irmãos como o Golden (dourado) e labrador (negro), sem mencionar a textura e o comprimento do pêlo. Provavelmente, estes Golden não foram mais do que os primeiros labradores de cor amarelo-camurça.

A cor castanha é, contudo, mais recente, e teve origem nos canis do famoso criador Buccleuch. Ao princípio eram cães castanhos com pêlo ondulado. Buccleuch foi ao afixo que inscreveu os primeiros sete Labradores nos registos de caça do Kennel Ctub e ao seu trabalho se deve um dos melhores machos de cobrição e campeões de “field” da sua época, o cão Peter of Faskally. É quase impossível encontrar uma linha de cães de campo na Grã-Bretanha ou Estados Unidos, nestes primeiros anos, que não tenha, nas suas veias, o sangue de Peter of Faskally.

O responsável pela difusão da cor dourada é outro cão destacado, Bem of Hyde,

nascido em 1899, e que foi empregue como macho de cobrição em numerosas fêmeas, daí resultando os melhores labradores dourados do país.


O NASCIMENTO DO CLUBE

Em 1916, tendo em consideração a difusão que a raça já tinha alcançado e a necessidade de introduzir critérios de selecção e protecção da mesma, dois grandes aficionados, a senhora Howe e Lord Knutsford, fundaram o clube da raça.

Em 1920, este clube organizou a primeira prova de campo exclusiva para cães labradores.

O primeiro padrão racial foi redigido por Lord Knutsford, em 1923, e a verdade é que desde então tem sido submetida a pouquíssimas alterações. Esta é uma característica comum à maioria dos estalões britânicos, que geralmente são muito minimalistas na sua redacção inicial, correspondendo à cultura cinológica do momento, correntes de opinião de juízes, criadores e meios de comunicação e estabelecendo as mudanças que a raça vai experimentando em consequência dos gostos ou tendências de cada época.

Isto é muito mais vantajoso do que os estalões maximalistas, que são os que imperam em países como a Espanha ou Itália, e que têm de sofrer alterações periodicamente.

Logo após a primeira prova de campo, o título de campeão dual adquiriu um grande prestígio. Este título era alcançado pelo cão que conseguisse fazer um campeonato duplo com êxito, isto é, tanto na parte da beleza, tanto na de trabalho. A senhora Howe criou um contingente de campeões duais.

O primeiro foi Banchory Bolo, filho do primeiro labrador que a senhora Howe teve, de nome Scandal.


O REGRESSO AOS ESTADOS UNIDOS

O labrador é hoje uma das raças mais populares nos Estados Unidos, tanto como animal de companhia como na vertente de cão de caça, contando com centenas de associações por todo o país, que velam pelos seus cuidados e promoção.

Mas os cães americanos não são oriundos da ilha da Terra Nova, pois são filhos de cães britânicos levados para o Novo Mundo no princípio do século XX. A senhora Howe ofereceu vários Labradores a reputados “sportman” de Long Island (Nova Iorque) antes da Primeira Grande Guerra Mundial.

A primeira inscrição da raça nos registos do American Kennel Club teve lugar em 1917 e tratava-se de uma fêmea, oriunda da Escócia, chamada Brocklehirst Floss.

A inscrição nos registos do American Kennel Club não pressupõe o reconhecimento imediato de uma raça, mas sim o início de um processo que se conclui com o reconhecimento oficial ou com o afastamento.

A raça foi oficialmente reconhecida em 1932. A sua difusão nos Estados Unidos está estreitamente ligada à emigração escocesa. A caça era praticada como desporto, tal como na Europa, por uma minoria ligada à nobreza de sangue ou de dinheiro. Os caçadores americanos mais abonados, para evitar que se caçasse nas suas extensas terras, levaram consigo, desde a Escócia, guardadores de bosques, pois os mais acreditados eram originários daquela terra. Assim, eles encarregaram-se de levar e cuidar dos primeiros labradores, que os auxiliavam na caça e faziam o cobro das peças abatidas pelos “sportman”.

O Labrador Retrievers Club dos Estados Unidos foi fundado em 1931, pela mão de Franclin B. Lord, que foi também quem organizou a primeira prova de campo nesse ano. Naquela altura competiram 27 cães perfeitamente adestrados.

A primeira exposição de beleza do clube organizou-se dois anos mais tarde, em 1933, sinal inequívoco de que naquela época o cão de trabalho interessava mais.

Ganhou um exemplar criado pela senhora Howe, propriedade do fundador do clube.

Dos numerosos clubes de Retrievers do Labrador que convivem nos Estados Unidos, este primeiro, que continua filiado no American Kennel Club, é sem dúvida o mais polémico: ainda hoje é exclusivo para homens, ou seja, as mulheres não podem inscrever-se nele.

Além disso, nem todos os homens podem aderir livremente, pois é necessário o consentimento de três sócios.

Pretende-se com tudo isto velar para que o clube esteja apenas reservado aos desportistas de classe social alta.


LABRADOR AMERICANO OU INGLÊS

A cinologia americana é inovadora e moderna, enquanto a inglesa é conservadora, baseada em conceitos e gostos clássicos.

O estalão do American Kennel Club exige à raça uma altura à cruz cinco centímetros mais alta do que o inglês. Em consequência disso, os campeões britânicos não podem participar nas exposições americanas, pois são desclassificados por serem mais pequenos.

Deste modo, nos Estados Unidos produz-se um desvio do tipo inicial de todas as raças que adquirem popularidade. Além disso, a grande difusão do labrador na América como cão de trabalho criou as suas próprias linhas de sangue.

Os partidários do cão de trabalho censuram os cães de exposição pelo seu tamanho excessivamente corpulento, aspecto pesado e temperamento linfático.

Por seu lado, os defensores das exposições acusam os cães de trabalho de falta de essência e de possuírem um temperamento demasiado nervoso.

Esta polémica, que faz parte da maneira de ser americana, torna o labrador na raça mais popular dos Estados Unidos e as inscrições ultrapassam anualmente os 100 mil exemplares.


UM CÃO DA REALEZA

É frequente, nas revistas “cor-de-rosa”, verem-se fotografias da rainha de Inglaterra ou do seu filho, o príncipe Carlos, na companhia de um ou vários labradores. A família real britânica sempre esteve unida, desde o início, à história do Labrador.

O rei Jorge VI foi um grande aficionado da raça, com a qual caçava com muita frequência, e a rainha Isabel II sempre apresentou numerosos labradores nas exposições caninas, procedentes do seu estabelecimento de criação e antigo afixo

Wolverton (actualmente Sandrigham). Durante décadas era normal a participação de labradores procedentes dos canis reais, tanto em Crufts como em provas de campo.

O rei Jorge VI foi o patrocinador do Labrador Club, uma atitude que perdurou no tempo pois ainda hoje a prova de campo final do clube conta com o apoio da família real. Esta prova realiza-se todos os anos nas terras de caça de Sandrigham, em East Anglia, propriedade dos monarcas, e conta com a presença da rainha na assistência.

 

3.2—Porquê um cão-guia?

Ao longo da minha vida, tenho constatado que em geral as pessoas cegas são, digamos, conservadoras no que diz respeito à introdução de novas técnicas de locomoção. Muitas dúvidas, muitas hesitações, muito medo etc. No que toca ao uso de um cão-guia não foge à regra. Geralmente, as grandes questões são: Será que resulta? Então agora temos de andar pelas ruas atrelados a um cão? Será que não dá muito trabalho em casa? Então eu tenho de me levantar muito cedo para levar o cão à rua para passear, mesmo aos domingos? As respostas são, evidentemente muito simples; todos nós sentimos no dia-a-dia as dificuldades de andarmos nas ruas sobretudo nas grandes cidades. Todos nós sabemos que os passeios estão pejados de viaturas, contentores de vária ordem, postes e placas para todos os gostos e fins, esplanadas de cafés, trabalhos de construção ou de manutenção, sinais de trânsito e ruas cada vez mais difíceis de atravessar, até porque cada vez são mais largas e os cruzamentos são cada vez mais complicados. Quando queremos encontrar uma cabina telefónica, uma entrada do metropolitano, uma paragem de autocarro, uma porta de um estabelecimento, deslocarmo-nos dentro de um edifício público ou privado, encontrarmos um lugar livre num transporte público ou enquanto esperamos por ele etc. etc.

Quantas vezes suspiramos por ter alguém que nos pudesse ajudar nessas circunstâncias e momentos difíceis? Quantas vezes tivemos de incomodar alguém para nos acompanhar e levamos um não como resposta? Ou um “podes guardar isso para amanhã? É que hoje tenho que fazer!” Ou “hoje não, tenho um compromisso! Talvez para a semana!” Pois a resposta é muito simples, como disse. Se tivéssemos um cão-guia! O cão-guia faz tudo isso e muito mais. Está sempre à nossa disposição e nunca nos negará a sua ajuda. Bem antes pelo contrário. Sofrerá imenso por ficar em casa sem trabalhar. Ficará muito contente quando trabalhar e nos puder ajudar. Nunca nos dirá que não, ou terá outros compromissos. Quanto à segunda questão, as técnicas modernas de utilização de cão-guia tornam a equipe bastante atraente. É claro que toda a gente reparará em nós. Porém, nunca como alguém que necessita de ajuda, mas sim em alguém que não precisa dela! Além disso, a presença do cão torna as pessoas muito mais interessadas nele do que propriamente em nós, desviando-nos assim do centro das atenções.

Quanto à terceira questão, temos de ser na realidade um pouco cuidadosos na abordagem. Efectivamente, um cão não é propriamente como uma bengala que se arruma a um canto ao chegarmos a casa. Necessita de comer, ir à rua e sobretudo muitas carícias. Os cães-guias são na realidade animais incrivelmente meigos que necessitam de constante atenção. Quem passar a possuir um cão-guia pode contar com uma mudança radical na sua vida. Tem de passar a cuidar de alguém que lhe é inteiramente dedicado durante as vinte e quatro horas do dia, tem de brincar muito com ele e é claro, levá-lo a passear e a fazer exercício. Para que uma equipe seja eficiente é necessária uma interdependência entre ambos. Digamos até que a eficiência da equipe está na razão directa do entendimento que haja entre ambos. Estes animais são particularmente sensíveis e apercebem-se perfeitamente do estado de espírito dos seus donos. Se o dono não estiver bem, o trabalho do cão sairá inevitavelmente prejudicado.

Penso pois, que é chegada a hora de falar um pouco do exercício diário do nosso novo amigo.


O Exercício do Labrador

Como o Labrador é um cão robusto, necessita de exercício, sobretudo de exercício certo. Embora seja um cão forte e com muita resistência não é, contudo, um corredor. Só é adequado para exercícios de agilidade.

A razão para este facto é a seguinte: ele é demasiado pesado para executar exercícios de velocidade. Por isso, além de ser prejudicial à saúde, o seu cão não deverá correr, por exemplo, ao lado da bicicleta durante muitas horas.

Dado que o seu cão só desenvolve completamente o seu esqueleto e a sua musculatura ao completar os dois anos, torna-se absolutamente necessário que este não desenvolva esforços excessivos durante esse período.

Mesmo após o primeiro ano de vida, o seu corpo continua em desenvolvimento. Por isso, se gosta de fazer grandes passeios a pé ou de bicicleta, vá treinando devagar ao princípio.

Uma das proibições no exercício do Labrador é subir escadas. Isto não significa que ele não “possa” mesmo as subir, mas deve-se evitar ao máximo. Por exemplo, se você viver no 4º andar de um prédio, deve evitar que o seu cão tenha que andar constantemente a subir e a descer as escadas.

Não se esqueça que qualquer esforço excessivo pode afectar o seu cão para sempre, pois os seus músculos e tendões ainda não estão totalmente desenvolvidos.

No quadro a seguir está uma referência sobre a quantidade de exercício que o Labrador necessita. No entanto, se ao fazer a quantidade de exercício proposto no quadro verificar que ele fica constantemente cansado, deve parar imediatamente a rotina e reduzir o exercício.


Plano de Exercícios e de Aulas

Idade do cão - Brincadeira/Correria - Passeio - Aulas

até 5 meses - 5 min. 6 x dia - 10 min. x dia -

até 12 meses - 20 min. 3 x dia - 15 min. 3 x dia - 5 min. 5 x dia

mais de 12 meses - ½ horas 1 x dia - 1 hora 2 x dia - 1/2 hora 2 x dia

Se quiser que ele o acompanhe nas suas viagens de bicicleta, não acelere demasiado. Caso contrário, este não o irá conseguir acompanhar.

Já o esqui de fundo, a natação e os passeios a pé podem ser feitos pelo Labrador.

Seguidamente apresentamos dois divertimentos preferidos pelo Labrador:


Trazer à mão - Jogo

Como o Labrador provém de uma raça caçadora, desde pequeno que ele tem atitudes de caçador: costuma pôr todo o género de objectos na boca, arrastando-os por todo o lado.

Caso deseje que o seu cão faça provas de resistência mais tarde, esta é a altura ideal para o começar a treinar: ele deverá começar por, logo que possível, saber distinguir um brinquedo de um objecto. Além disso, deverá saber quando é a altura de o trazer até si (quando você diz “dá”).

Para um correcto modo de treino, o tempo não deverá exceder as duas vezes diárias, pois desse modo ele cansar-se-ia e não iria praticar o treino de livre vontade. Deverá treiná-lo durante cinco minutos de cada vez, enquanto é cachorro.


Para começar o treino, proceda do seguinte modo:

Escolha um objecto mole para o treino, como por exemplo umas meias velhas, uma bola mole ou um boneco próprio para os cachorros;

Espere até que o seu cão se sente a seu lado. Depois mostre-lhe o boneco e deixe cheirá-lo;

Para que lhe chame mais a atenção, segure o boneco nas suas mãos e esfregue-o de encontra este, para ficar com o seu cheiro;

Atire-o para perto dali e depois, com um tom estimulante, diga-lhe a palavra imperativa “traz”;

Ele irá imediatamente correr para agarrar a presa! Depois, assim que ele faça isto, chame-o de uma maneira convidativa para si;

Caso ele não venha, chame-o novamente. Se também não vier, vire-lhe as costas e vá-se embora. Ele certamente irá ter consigo;

Quando ele vier ter consigo, tire-lhe a presa, dizendo “dá” ao mesmo tempo.

A maior parte dos Labradores irá gostar deste divertido jogo. Para aumentar mais o divertimento, experimente esconder primeiro o boneco antes de ordenar o seu cão a ir procurá-lo.


A Água no Mundo dos Labradores

A água é o elemento vital de todos os organismos vivos e o Labrador não é excepção! Mas, para o Labrador, a água tem outras funções mágicas: ele adora chapinhar nesta e também nadar.

É isso mesmo, o Labrador é um excelente nadador, além de adorar a água. E, além disso, a água favorece a sua saúde e fortalece os músculos.

Existem vários modos de você proporcionar este divertimento ao seu cão:

Vá com ele para a água, nadando ao pé dele. Ao mesmo tempo, mostre-lhe que se está a divertir. Faça isto ao princípio, para ele se habituar;

Depois, já em terra, atire para a água um objecto que flutue (como uma bola, por exemplo) e diga “traz”. Tenha atenção para não o mandar longe demais.

Depois espere que ele o vá buscar e, quando ele o trouxer, espere que se sente e tire-lhe a presa;

Este modo aqui só pode ser praticado em águas calmas: esconda um objecto junto à margem ou numa bóia própria e depois deixe o seu cão o ir procurar. Quando ele o encontrar, faça-lhe um elogio.

Ora isto leva-nos ao ponto seguinte deste trabalho.

 

3.3—Que Condições Devo Observar Para Pensar em Ter Um cão-guia?

Infelizmente não existem técnicas milagrosas que possam resolver todos os problemas a todas as pessoas cegas. O grande problema é a falta de visão. Daí, tudo o que se possa fazer, não passa de paliativos para tentar minorar o problema. A utilização de um cão-guia é, pois, mais uma das técnicas ao nosso dispor mas infelizmente não dá para a maioria dos casos. Portanto, nem todas as pessoas cegas preenchem os requisitos para utilizar esta técnica. Para se possuir um cão-guia, tem de se ser equilibrado, física e emocionalmente. Tem de se ter boa orientação, mobilidade e equilíbrio. Tem de gostar de animais. Tem de ter uma vida estável, quer sobre o ponto de vista familiar ou profissional. No caso de viver em família, esta deverá aceitar bem o cão dentro de casa e tratá-lo tão bem como o dono. Ele ressentir-se-á extraordinariamente do contrário. Se a pessoa puder preencher todos estes requisitos, não vejo impedimento a que se possa candidatar a ter um cão-guia.

 

3.4—O Que Devo Fazer Para Ter Um Cão-Guia?

Bem, isso depende dos países. Na Argentina, francamente, não sei. Posso relatar apenas o que se passa Em Portugal e nos países que conheço, onde existem estruturas já montadas. Aqui em Portugal temos apenas uma escola que, como já escrevi acima, está situada em Mortágua desde 1997. Até então, só podíamos pensar em ter um cão-guia, recorrendo a associações e fundações com carácter filantrópico, o que só raramente ocorria. Desde então, se de facto nos achamos em condições e se realmente tivermos necessidade de possuir um cão-guia, basta-nos ir à nossa associação nacional (ACAPO) ou à escola de Mortágua, preencher um formulário normativo e aguardar calmamente que sejamos chamados. Primeiramente somos submetidos a uma entrevista e a testes que irão orientar os técnicos no sentido que nos seja atribuído um cão que possa condizer com as nossas características. Mais tarde, seremos chamados para estagiarmos com o cão que nos será atribuído. Se tudo correr bem, o nosso novo amigo ser-nos-á então distribuído de forma absolutamente gratuita e em permanência, embora sempre sujeito a vigilância e se necessário futuras reciclagens. A propósito, convém sublinhar que em Portugal, a distribuição dos cães-guia é inteiramente gratuita.

 

3.5—O Que Vai Mudar Na Minha Vida?

Como já escrevi num ponto anterior, quem pensar em ter um cão-guia, pode contar com grandes mudanças na sua vida diária. É claro que sempre se podem arranjar compromissos e adaptarmo-nos às conveniências. Na verdade, é necessário prestarmos ao nosso novo amigo uma série de cuidados. É verdade que isso dá um pouco de trabalho. Por exemplo, é necessário levantarmo-nos possivelmente um pouco mais cedo que habitualmente, quer aos dias normais de trabalho, quer aos fins de semana. Ele necessita comer e ir dar o seu passeio higiénico etc. Tudo tem de ser feito tanto quanto possível num ritmo certo e a horas certas todos os dias. Mas podemos adaptar esse ritmo ao nosso próprio dia-a-dia, desde que o façamos de uma forma racional. Teremos, por exemplo, de atentar no tempo em que o animal estará sem poder satisfazer as necessidades fisiológicas durante a noite, no tempo que medeia entre a última refeição do dia anterior e a primeira do novo dia. Se tivermos cuidado, poderemos adaptar as coisas de forma a que não se torne demasiadamente desconfortável para nós. A comida deve ser constituída por uma boa ração e deve ser dada duas vezes por dia, de manhã e à noite. Os labradores são cães extraordinariamente vorazes pelo que se tem de ter muito cuidado com a dosagem apropriada. A obesidade é a maior inimiga dos cães-guia. Uma vez que eles passam grande parte do dia sem fazerem exercícios, têm uma tendência natural para engordar. O excesso de peso pode mesmo ser impeditivo para trabalhar. Como também já escrevi, o contacto entre o cão e o dono é absolutamente indispensável para a aquisição da confiança, absolutamente imprescindível para a eficácia no trabalho. Os labradores são por natureza animais muito meigos e dóceis, acrescendo ainda mais no caso dos cães-guia. Necessitam de constantes carícias e atenção, chegando mesmo a monopolizar com insistência a atenção do dono, mesmo que este se encontre de momento ocupado com qualquer outra coisa.

Portanto, só poderá pensar em ter um cão-guia quem goste um pouco de cães. Existem no entanto outras mudanças e essas, a meu ver, bastante mais importantes! Ser-nos-á possível adquirirmos uma independência que nos era até então desconhecida. Ser-nos-á possível deslocarmo-nos pelas ruas, jardins, praças, edifícios ou transportes públicos com absoluta naturalidade e poderemos pensar em ir a lugares que, senão impossíveis até então, seria no mínimo difícil ou desconfortável ir. Penso que essas mudanças valem bem as outras!

 

3.6—Será que vou ser capaz?

Esta é, sem dúvida, a maior preocupação que nos assalta o espírito na véspera do dia em que, pela primeira vez, vamos tomar contacto com o cão que nos vai ser atribuído. Na verdade, esse dia apresenta-se-nos terrível, cheio de receios e pressentimentos e de dúvidas. É o dia em que sentimos que a nossa vida pode mudar para melhor. Outras existem no entanto; será que o cão vai gostar de nós? E o treinador? Será que vamos desempenhar a contento o que de nós se espera? São horas de verdadeira ansiedade e não poderia ser doutra maneira. Posso dizer-vos, até porque já ultrapassei essa fase que, no silêncio do quarto que nos foi destinado na escola, quase nem conseguimos dormir! No entanto, o dia seguinte amanhece glorioso e o nervoso que nos assaltou na véspera é gradualmente substituído por uma calma ansiosa mas confiante.

 

3.7—É Incrível! Perdi Tanto Tempo na Minha Vida!

Entretanto, temos o primeiro contacto com o nosso novo companheiro de todas as horas. Esse primeiro contacto é, sem dúvida, absolutamente determinante. Normalmente os técnicos da escola que, com a sua experiência sabem que é um grande momento, facilitam bastante esse primeiro contacto. Eles sabem que, se tudo correr bem, grande parte dos obstáculos estão ultrapassados e poderemos prosseguir para a fase seguinte, o treino propriamente dito. Então começamos por aprender primeiramente a tratar do cão. A escová-lo, a pôr-lhe os apetrechos necessários para o trabalho, a tratar da comida e as primeiras ordens. Depois de ultrapassada esta fase, seguimos para a seguinte. A tão ansiada saída! E é uma questão de andar, andar, andar. Palmilhar quilómetros em treino intensivo. O objectivo é encontrar o ponto em que comunicamos perfeitamente com o animal e este connosco. Esse é pois o ponto fulcral da questão. A uma dada altura, a coisa surge naturalmente! Nessa altura, pensamos: Consegui! E a partir daí tudo é fácil. Não se pense no entanto que é fácil atingir o tal ponto G. Isso não acontece nem no primeiro nem no segundo dia. Trata-se de pôr em contacto e em comunhão duas entidades completamente diferentes. Para além disso, o cão também tem os seus receios e manifesta-os. Ele só conheceu um instrutor até então. Só conheceu uma pessoa que lidava com ele, o corrigia, o acarinhava e o dominava. A partir desse dia, tem de conhecer um outro ser humano que, para além do mais, tem de conduzir devidamente. Irá então tentar evasivas e embora o treinador siga um pouco a trás, tenta testar a autoridade do seu novo dono. Finge distrair-se, cheira os objectos que vai encontrando pelo caminho e tenta mesmo fazer desvios ao traçado que lhe foi ordenado. No entanto, o treinador está atento e vai-nos corrigindo e ensinando. Quando finalmente encontramos o tal ponto em que passamos a dominar a situação, tudo muda! As personalidades de ambos fundem-se e começam verdadeiramente a trabalhar em equipe. É então que tudo se torna maravilhoso. Desde então, os quilómetros que iremos percorrer servirão apenas para consolidar a amizade que entretanto se formou entre nós e o cão. E amigos, nessa noite, na nossa intimidade, pensamos finalmente:

 

3.8—Afinal Foi Fácil!

Começa então um tempo maravilhoso de descobertas e encantamentos. A livre circulação nas ruas, nos edifícios e nos transportes, sem medo de ir contra qualquer objecto ou pessoa. Encontrar facilmente o que dantes custava tanto. Entrar num café ou num restaurante e arranjar uma mesa com facilidade, o treino em escadas e tapetes rolantes. O encontrar as passadeiras facilmente nas ruas e cruzamentos. E que dizer da primeira visita ao local de trabalho com o cão? Pela minha parte posso dizer-vos que são momentos que jamais esquecerei! O nosso treino é feito em duas fases. A primeira é trabalhada na área da escola, onde o cão treinou e portanto conhece a maior parte dos trajectos que fazemos. Quanto a nós, sem conhecermos absolutamente por onde andamos, ficamos desorientados até atingirmos o tal ponto de que falei no ponto anterior. Essa fase serve para testar a nossa capacidade, aprendermos o modo de comunicar com o cão e adquirirmos confiança. A segunda fase é trabalhada na nossa área de residência e serve justamente para o contrário. Isto é, serve para adaptar o cão ao seu novo ambiente e verificar como ele irá desempenhar as suas novas funções. Fazemos então todos os trajectos que habitualmente percorríamos e outros que por ser difícil até agora raramente nos atrevíamos e que passaremos a fazer com facilidade. Entretanto, durante o treino, jamais nos é concedida a possibilidade de sairmos a sós com o cão totalmente equipado. Só no fim, se tudo correu bem, nos é entregue o equipamento completo e então é uma sensação extraordinária!

 

3.9—A Afectividade.

Já falei também bastante sobre este assunto em pontos anteriores. Na verdade, a brincadeira, as carícias e todo o contacto que fôr possível manter com o cão é fundamental para a completa eficácia da equipe. No entanto tudo acaba por ser natural e sem qualquer esforço. O cão sentir-se-á atraído pelo dono e a inversa também é verdadeira! O cão seguir-nos-á por toda a casa, ficando muito contente por poder ser útil. O labrador é naturalmente um animal de trabalho e gosta muito de o fazer com zelo e afinco. Deixei propositadamente para o fim uma questão que nos é cara. Então e a bengala? Então passaremos a andar com as duas mãos ocupadas em vez de uma? Isso vai depender muitíssimo da eficácia da equipe. Não se pode pedir a uma pessoa que toda a vida usou e confiou na sua bengala, companheira inseparável de tantos momentos difíceis que a deixe pura e simplesmente. Portanto, se se sentir confortável, a pessoa pode e deve treinar levando a bengala. Porém, rapidamente constatará que a mesma se torna rapidamente desnecessária. Devo confessar que eu, não só não a uso como nem sequer a levo! No entanto, não aconselho este procedimento a ninguém. O que podemos e devemos fazer é procurar uma bengala que já não necessita de ser tão resistente e que, ao dobrar-se, se torne pequena. Podê-la-emos então transportar com mais facilidade e comodidade. Porquê menos resistente? É que agora temos o nosso cão-guia, em quem confiamos inteiramente e só necessitamos da bengala apenas para pequenos pormenores, como por exemplo, quando o cão pára junto de uma escada, quando nos apercebemos que passamos junto de um obstáculo e ficamos com curiosidade de saber de que se trata, ou qualquer mudança no piso.

 

3.10—Os Cuidados Diários.

Também já escrevi alguma coisa em pontos anteriores. Os passeios, a comida e as brincadeiras. Há, no entanto, um outro aspecto muito sério de que queria falar neste momento. Não podemos esquecer que, a partir de agora, vamos andar acompanhados por alguém que vai ser na realidade o centro das atenções de toda a gente. Teremos, portanto, de observar determinados cuidados, principalmente no que respeita ao aspecto do cão.


O Tratamento do Pêlo

O pêlo dos labradores, por ser curto e resistente à água e às temperaturas não precisa de grandes cuidados.

No entanto, devido a diversos motivos (por exemplo, o tratamento do pêlo é um bom exercício de subordinação), pode escovar o seu cão ou mesmo penteá-lo, pelo menos, uma vez por semana.

Isto deverá ser feito com uma raspadeira e processa-se do seguinte modo:

Primeiro, faça o seu cão sentar-se. Depois, escove o pêlo, tendo o cuidado de o escovar sempre no sentido do traço natural.

Se, por exemplo, o pêlo estiver sujo de lama ou terra, lave o cão com um pano >molhado, esfregando-o de seguida com um pano seco, até secar.

Muitos criadores alertam para o facto dos banhos desnecessários: eles dizem que o Labrador só deve tomar banho quando for mesmo necessário e que os champôs destroem a camada protectora do pêlo, ficando assim sujeitos à humidade e à sujidade. Isto pode fazer com que o pêlo fique quebradiço e sem brilho.

Por isso, apenas é permitido o banho caso tenha sido indicado pelo médico ou devido a condições de higiene e, em caso algum, deverá ser dado com um champô vulgar - utilize apenas champôs apropriados para o efeito.
 

O Tratamento dos Olhos e das Orelhas

Os olhos do seu cão também devem ser muito bem examinados.

Uma boa altura de fazer o teste é quando escova o pêlo ao seu cão. Se os olhos apresentarem partículas de sujidade nos cantos lacrimais, é necessário tratar. Para isso, lave o olho do cão com um tampão de algodão humedecido em água morna.

As orelhas também deverão ser limpas regularmente, com a frequência de, pelo menos, uma vez por mês. Deverá utilizar, igualmente, um algodão molhado em água morna. Deverá, no entanto, ter o cuidado de não aleijar o seu animal, limpando muito devagar e só nas partes mais externas.

Caso entre algum corpo estranho para o ouvido, lembre-se que só o médico veterinário o poderá tirar!


O Tratamento das Unhas

O tratamento das unhas só é necessário caso o seu cão não se movimente muito.

Para a maior parte dos casos não é necessário, pois o Labrador é um cão que se desloca muito e, além disso, o tipo de terreno não interessa (quer seja duro ou mole, acaba por lhe aparar as unhas).

Mas sempre pode acontecer que as unhas do seu Labrador cresçam demasiado. Neste caso, deverá proceder ao seu corte.

No entanto, se o seu labrador tiver um pêlo escuro, ser-lhe-á mais difícil cortar as unhas, visto que há o risco de cortar demasiado (as unhas confundem-se com o pêlo). Um outro problema é que as unhas só se podem cortar até um certo ponto. Por isso, é necessário saber distinguir essas duas partes.

Para se aparar as unhas, é necessário ir cortando aos poucos, para não ferir o cão. Por isso, é aconselhável ir primeiro ao veterinário para ver como ele faz, e só depois tentar em casa!

 

4—A Minha Experiência Pessoal

Esta é talvez a parte mais difícil para mim. Não sou um extrovertido e portanto, ter de falar de mim próprio torna-se complicado. Que posso eu dizer? Tomei contacto pela primeira vez com cães-guia nos fins da década de oitenta, numa visita particular que fiz a uns amigos Suíços. Já nessa altura havia por lá grande abundância de equipes e constatei que, pelo resto da Europa o mesmo sucedia. Quando regressei a Portugal já vinha completamente convencido! Tive então vários contactos com clubes de canicultura com vista a estudar a possibilidade de introduzir por cá esta técnica de mobilidade que tão útil nos poderia ser. Deparei então com um número infindável de problemas, a começar logo pela incompreensão dos vários cegos e suas associações. Quando finalmente em 1997 a nossa escola foi uma realidade, apressei-me a inscrever-me e fiquei à espera. A princípio calmamente, depois não tanto. Convenci-me a mim próprio que nunca chegaria a minha vez! É que entretanto tinham-se já passado quatro anos!

 

4.1—Expectativas.

Que esperava eu? Convencido como estava de que tinha condições para possuir um cão-guia, esperava ansiosamente que chegasse a minha vez. Como entretanto passei por uma fase difícil, que coincidiu com a expo98 que como todos sabem se realizou em Lisboa e nessa altura tudo andava em obras, facilmente se pode imaginar como ansiei pelo cão! Esperava que com ele pudesse resolver as dificuldades que se me deparavam, até porque as coisas se agravaram de tal modo que cheguei a ficar impedido de ir trabalhar por falta de acessibilidade.

 

4.2—Antes do Estágio.

Mas, como tudo tem um fim, até a espera, finalmente o meu dia chegou. Fui então contactado pela escola para ir treinar na semana seguinte. Arranjei as coisas no serviço e, no Domingo dia 12 de Novembro de 2000, lá fui. Nervoso, ansioso e cheio de dúvidas, fazendo-me a mim próprio as tais perguntas de que falei em ponto anterior. Como já disse, pouco ou nada dormi nessa noite.

 

4.3—Reacções Durante o Estágio.

Mas o bendito dia 13 chegou. Fui então tomar o primeiro contacto com a minha nova companheira, uma labradora preta de nome Duda. Tive a sorte dela ter gostado imediatamente de mim. Felizmente ela gosta de toda a gente que lhe faça festas, não considero, portanto, mérito meu. Depois foram as fases do treino que já expliquei anteriormente. Escusado será dizer que, à noite estava bastante fatigado, até porque, entre nós, nunca gostei muito de andar a pé. Bem, enfim, no final da primeira fase do treino, lá vim eu sozinho com a minha cadela., embora como disse sem a possibilidade de a utilizar como guia. Não posso no entanto dizer que vinha sozinho! Vinha cheio de orgulho e felicidade! Depois foi a segunda fase do treino, feita aqui em Lisboa. Estava a jogar em casa e foi portanto mais fácil para mim, embora não menos importante que a primeira.

 

4.4—Depois do Estágio

Finalmente, o treino terminou. Fiquei então com todo o equipamento necessário e com a carta de condução! Retomei depois do fim de semana a minha vida normal e tive então de enfrentar os primeiros problemas nos autocarros. É que, embora a lei já vigorasse há quatro anos e todas as empresas de transportes já tivessem emitido comunicações internas para os funcionários, deparei-me com grande falta de informação da parte dos mesmos. Na minha área era eu o primeiro utilizador de cães-guia que eles viam. Mas enfim, umas vezes com bom senso outras tendo tido mesmo de proceder adequadamente, lá ultrapassei todos os problemas que me surgiram.

 

4.5—O Dia-A-Dia Tranquilo

Estou pois no fim da minha narrativa pessoal e quase no fim do meu trabalho. Quando encontro alguém que me pergunta: Então, isso resulta? Achas que valeu a pena? Que hei-de responder? Sim, resulta e valeu a pena. Possuir um cão-guia adoçou e muito a minha vida. Alterou o meu carácter, a minha maneira de ser. Passei a prestar atenção a coisas em que nunca tinha pensado antes. Ajudou-me a contactar melhor com outras pessoas. Permite-me ir mais facilmente a lugares onde não me atrevia a ir antes de o ter. Permite-me percorrer com segurança e confiança todos os trajectos de que tenho necessidade. Enfim, aconselho vivamente todas as pessoas cegas a pensar maduramente no assunto e se acharem que têm condições para possuir um cão-guia a que lutem, pressionem, façam o possível por obterem um.

 

5—A Legislação.

Este é na verdade um problema sério. A falta de legislação específica pode inviabilizar por completo o uso de um cão-guia. Não tenho ideia de como as coisas se passam no vosso país. Porém, no intuito de ajudar, transcrevo em anexo o que temos em Portugal actualmente em matéria de legislação e espero que possa, pelo menos, servir como ponto de partida.

O primeiro decreto-lei surgiu em 1982 mas era realmente insuficiente. Foi então exercida grande pressão por várias entidades ligadas às pessoas cegas e, finalmente, em 14 de Abril de 1997, entrou em vigor o actual decreto-lei que revogou por inteiro o anterior.

 

 Anexo

A Legislação Portuguesa

cães-guia - DL 118-99

DATA: Quarta feira, 14 de Abril de 1999

NÚMERO: 87/99 SÉRIE I A

EMISSOR: Ministério do Trabalho e da Solidariedade

DIPLOMA/ACTO: Decreto Lei n.º 118/99


SUMÁRIO:

Estabelece o direito de acessibilidade dos deficientes visuais acompanhados de “cães-guia” a locais, transportes e estabelecimentos de acesso público, bem como as condições a que estão sujeitos estes animais

O presente diploma introduz no ordenamento jurídico português regras destinadas a facilitar a missão de meio auxiliar de locomoção que os “cães-guia” acompanhantes de deficientes visuais desempenham, colmatando-se assim uma lacuna legislativa que obstava, afinal, ao pleno cumprimento da missão que os mesmos animais são chamados a desempenhar.

Em 1982, foi publicada legislação referente às condições de acesso dos “cães-guia” aos transportes públicos. Referimo-nos à Portaria n.º 83/82, de 19 de Janeiro, e ao Decreto Regulamentar n.º 18/82, de 8 de Abril, que vieram regular, respectivamente, o acesso dos “cães-guia” acompanhantes de deficientes visuais aos comboios e aos autocarros de transporte público de passageiros.

As medidas consignadas nesses diplomas, embora viessem a ver a sua aplicabilidade reforçada pelo artigo 7.º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, são insuficientes, porque tratam exclusivamente do acesso aos transportes e não têm em consideração bastante o adestramento destes animais, ao imporem condições de utilização que são manifestamente injustificadas, aliás, consideradas na época de natureza transitória, a serem eliminadas “quando estiverem criadas as estruturas necessárias ao adestramento especial dos ‘cães-guia’ com vista ao pleno desempenho da sua função de meio auxiliar de locomoção, por forma acessível a todos os invisuais”, o que veio a efectivar-se com a criação da escola de “cães-guia” de cegos.

Assim, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:

Artigo 1.º

Objecto

O presente diploma estabelece o direito de acessibilidade dos deficientes visuais acompanhados de cães-guia a locais, transportes e estabelecimentos de acesso público, e, bem assim, as condições a que estão sujeitos estes animais quando no desempenho da sua missão.

Artigo 2.º

Direito de acesso

Os deficientes visuais têm o direito a fazer-se acompanhar de cães-guia no acesso aos seguintes locais:

a) Transportes públicos, nomeadamente aeronaves das transportadoras aéreas nacionais, barcos, comboios, autocarros, carros eléctricos, metropolitano e táxis;

b) Estabelecimentos escolares, públicos ou privados;

c) Centros de formação profissional ou de reabilitação;

d) Recintos desportivos de qualquer natureza, designadamente estádios, pavilhões gimnodesportivos, piscinas e outros;

e) Salas e recintos de espectáculos ou de jogos;

f) Edifícios dos serviços da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos;

g) Estabelecimentos de saúde, públicos ou privados;

h) Locais de prestação de serviços abertos ao público em geral, tais como estabelecimentos bancários, seguradoras, correios e outros;

i) Estabelecimentos de comércio, incluindo centros comerciais, hipermercados e supermercados;

j) Estabelecimentos relacionados com a indústria da restauração e do turismo, incluindo restaurantes, cafetarias, casas de bebidas e outros abertos ao público;

k) Estabelecimentos de alojamento, como hotéis, residenciais, pensões e outros similares;

l) Lares e casas de repouso;

m) Locais de lazer e de turismo em geral, como praias, parques de campismo, termas, jardins e outros;

n) Locais de emprego.

Artigo 3.º

Exercício do direito de acesso

1 - O direito de acesso previsto no artigo anterior não implica qualquer custo suplementar para o deficiente visual e prevalece sobre quaisquer proibições que contrariem o disposto no presente diploma, ainda que assinaladas por placas ou outros sinais distintivos.

2 - Nos casos em que as especiais características, natureza ou finalidades dos locais o determinem, nomeadamente no que respeita ao transporte aéreo, o direito de acesso a que se refere o artigo anterior poderá ser objecto de regulamentação que explicite o modo concreto do seu exercício.

3 - O direito de acesso não pode ser exercido enquanto o animal apresentar sinais manifestos de doença, agressividade, falta de asseio, apresente qualquer outra característica anormal susceptível de provocar receios fundados para as pessoas ou outros animais, ou se comporte de forma inadequada de modo a perturbar o normal funcionamento do local em causa.

Artigo 4.º

cães-guia em treino

1 - As condições de acesso previstas no presente diploma são aplicáveis aos cães-guia em treino, desde que acompanhados pelo respectivo tratador ou pela “família de acolhimento”.

2 - Consideram-se famílias de acolhimento as que recebem os cães-guia durante a fase de adaptação do animal à convivência humana e que estejam credenciadas como tal.

Artigo 5.º

Credenciação

1 - O estatuto de cão-guia deve ser credenciado por um cartão próprio e um distintivo, passados por estabelecimento idóneo, nacional ou estrangeiro, que certifique o adestramento do animal como cão-guia em termos a regulamentar.

2 - A escola de cães-guia emitirá igualmente um cartão de identificação para as famílias de acolhimento e para os cães-guia em treino.

Artigo 6.º

Elementos comprovativos

1 - Quando utilizado como cão-guia, o animal deverá transportar de modo bem visível o distintivo a que se refere o artigo anterior, que assumirá carácter oficial e que o identifica como tal.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o utilizador do cão-guia deverá comprovar, sempre que necessário, o seguinte:

a) O adestramento do animal como cão-guia, tal como se define no artigo anterior, sem prejuízo da restante legislação aplicável, nomeadamente a referente à protecção de animais de companhia;

b) Que o animal cumpre os requisitos sanitários legalmente exigidos;

c) Que está em vigor o seguro previsto no n.º 2 do artigo seguinte.

Artigo 7.º

Responsabilidade

1 - No exercício do direito de acesso previsto no artigo 2.º, o deficiente visual deverá zelar pelo correcto comportamento do animal, sendo responsável, nos termos previstos na lei geral, pelos danos que este venha a causar a terceiros.

2 - O exercício dos direitos previstos no presente diploma depende da constituição prévia de um seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por cães-guia.

Artigo 8.º

Norma transitória

O presente diploma não se aplica aos cães auxiliares de deficientes visuais que já estejam a ser utilizados à data da sua entrada em vigor.

Artigo 9.º Norma revogatória

São revogados a Portaria n.º 83/82, de 19 de Janeiro, e o Decreto Regulamentar n.º 18/82, de 8 de Abril.

Artigo 10.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Fevereiro de 1999. António Manuel de Oliveira Guterres

 


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Victor Oliveira, 5 de Outubro de 2001
Fonte: Clube Português de Utilizadores de Cão-Guia

 

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21-Jun-08
publicado por MJA