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1766

Hospital dos Quinze-Vingts
- Paris, 1567
«Sabemos que nos começos da fundação dos Quinze-Vintes eles eram todos
iguais, e que os seus pequenos problemas eram resolvidos pela pluralidade das
vozes. Distinguiam perfeitamente pelo toque a moeda de cobre da de prata; nenhum
deles tomava alguma vez o vinho de Brie pelo vinho de Borgonha. O seu olfacto
era mais apurado do que o dos seus vizinhos que tinham dois olhos. Argumentavam
perfeitamente sobre os quatro sentidos, o mesmo é dizer que eles conheciam tudo
o que é permitido saber. E viviam tão tranquila e afortunadamente quanto seria
de esperar.
Infelizmente, um dos seus professores afirmou ter noções claras
sobre o sentido da vista; fez-se escutar, intrigou, formou entusiastas: foi, por
fim, reconhecido como o líder da comunidade. Pôs-se a deliberar soberanamente
sobre as cores, e tudo se perdeu.
O primeiro ditador dos Quinze-Vinte formou a princípio um pequeno conselho,
através do qual se fez senhor de todas as esmolas. Pelo que ninguém ousava
resistir-lhe. Decidiu que todos os hábitos dos Quinze-Vintes eram brancos: os
cegos acreditaram nele; não falavam senão dos seus belos hábitos brancos, ainda
que nem um só tivesse essa cor.
Toda a gente troçou deles, e o grupo foi
queixar-se ao ditador, que os recebeu muito mal: apelidou-os de inovadores, de livre-pensadores, de rebeldes, que se deixavam seduzir pelas opiniões erróneas
daqueles que tinham dois olhos, e ousavam duvidar da infalibilidade do seu
mestre.
Esta disputa deu origem a dois partidos. O ditador, para os apaziguar,
decretou um acórdão segundo o qual todos os seus hábitos eram vermelhos. Não
havia um único hábito vermelho entre os Quinze-Vintes. Foram alvo de troça ainda
maior: novas queixas da parte da comunidade.
O ditador enfureceu-se, os outros
cegos também: debateram-se longamente, e a concórdia só foi restabelecida quando
foi permitido a todos os Quinze-Vintes suspender o juízo sobre a cor dos seus
hábitos.
Um surdo, ao ler esta pequena história, reconheceu que os cegos tinham
procedido mal ao julgar as cores. Mas manteve-se firme na opinião de que é aos
surdos que cabe julgar a música.»
FIM
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Un enjeu politique
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Texte publié en 1766, le moment où Voltaire mène un combat tous azimuts
contre l’obscurantisme de l’église et des pouvoirs politiques.
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Voltaire montre méfiance et réticence à l’encontre de toute forme de
dogmatisme. Il reste sceptique quant à la capacité d’amélioration des hommes et
il lutte pour la tolérance, la lucidité et la clairvoyance ; ce que ce texte va
montrer.
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La morale est ambiguë, d’un côté la tolérance gagne, l’emporte: le dictateur
doit renoncer à ses droits et désormais chaque personne pourra suspendre son
jugement sur la couleur des habits. De l’autre côté, le comportement du sourd
tend à montrer que la leçon n’a pas été comprise puisqu’il voit bien l’erreur
des aveugles mais il « reste sourd » à la sienne, et on a une conclusion
conforme au scepticisme propre à Voltaire qui marque, les derniers temps de sa
vie, le même scepticisme que
Montaigne.
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Il apparaît dans le conte que l’intolérance est sans fin, il faut
rester vigilant à l’égard de l’hydre et recommencer sans cesse à se battre.
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"Os Cegos
Juízes das Cores" ou "Pequena Digressão",
1766
Voltaire
Conto
extraído de:
Voltaire, A Aventura da Memória e Outros Contos.
Estrofes & Versos, 2009.
in Blog
A inolvidável dialéctica da coisa
29.Mai.10
Publicado por
MJA
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