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 Sobre a Deficiência Visual


O Que Os Olhos Não Vêem

-A Força Mental do Optimismo-

Frei Anselmo Francisco

O Regresso do Filho Pródigo - Rembrandt, 1669
O Regresso do Filho Pródigo - Rembrandt, 1669
 

O conteúdo deste livro resume-se nesta frase de Helen Keller:

"Desejo ardentemente aprender quatro coisas: Pensar com clareza e serenidade, amar a todos com sinceridade, proceder sempre com nobreza, pôr toda minha confiança em Deus".

Na fase mais dolorosa de minha vida, no momento em que mergulhava na treva da escuridão material provocada pela perda da visão física, o desespero me atingia, a angústia me torturava e a tristeza era minha companheira de todas as horas. Foi então que a mão sábia e carinhosa de Deus conduziu os meus passos para que no caminho da vida eu cruzasse com uma pessoa que se tornaria para mim a promessa de uma brilhante aurora de uma nova existência.

Na tristeza vi o aceno da alegria, na angústia encontrei o prelúdio da paz e na espessa treva do desespero vi brilhar a pálida mas firme luz da esperança. De onde vinha esta luz que novamente me indicava o caminho da paz, da alegria e da esperança?

Como é maravilhoso e profundamente consolador o suave anúncio da esperança, como tranqüiliza e encoraja a chegada da paz e como é bom ver na tristeza sorrir a alegria!

Desanuvia-se o espírito, aquietam-se e acalma-se o coração. O coração começa a bater ritmado pela esperança e sentimos então os pés pisando o chão firme do caminho da certeza.

Maio é o mês das flores e tornou-se também o mês da esperança ao menos para mim. Helen Keller chegava ao Brasil e aqui reacendeu a chama de muitos corações.

Helen Keller irradiava amor, paz, alegria, otimismo, fé, infundia ânimo e despertava confiança, a todos encorajando. Sua pessoa e seus escritos oferecem aos homens tudo quanto corresponde aos anseios mais profundos do coração humano. Num mundo onde a meta essencial da vida é ter, Helen Keller mostra que o mais importante é ser. Num mundo onde todos se deixam dominar pela insaciável ânsia de gozar, Helen Keller ensina que o verdadeiro sentido da vida é amar, crer e realizar o bem que estiver ao nosso alcance.


Quem é Hellen Keller?

Helen Keller nasceu no Alabama, América do Norte, no dia 27 de julho de 1880. Com 18 meses de idade ficou cega e surda. No dia 3 de março de 1887, faltando poucos meses para completar 7 anos, recebeu como professora particular Anne Sulivan. Orientada pela professora aprendeu o Braille, começou a ter conceitos mais claros das realidades que a cercavam, estudou inglês, alemão, francês, grego, espanhol e até mesmo um pouco de japonês. Cursou a universidade graduando-se em filosofia.

Aos poucos começou a aparecer como escritora. Elaborava seus escritos em Braille e depois ela mesma os transcrevia na máquina de datilografia. Entre muitas obras que escreveu podemos citar as seguintes: História da Minha Vida, Otimismo, O mundo em que vivo, Minha Religião, Minha Vida de Mulher, Vamos Ter Fé, A Porta Aberta.

De 3 a 16 de maio de 1953 visitou o Brasil, proferindo palestras no Rio de Janeiro, entre os dias 3 e 10 de maio e em São Paulo entre os dias 11 e 15.

Com sua presença no Brasil apontou caminhos, indicou metas para a promoção e reabilitação dos deficientes físicos tornando-se promotora de um grande desenvolvimento na integração social dos mesmos.

No dia primeiro de junho de 1968, com quase 88 anos de idade, parte para a eternidade aquela que viveu iluminando corações.

Ela continua viva em suas realizações, em seus escritos, em suas idéias e sobretudo em sua maravilhosa e esplêndida filosofia de vida. Suas idéias nos iluminam e seu exemplo nos encoraja. Mostrou ao mundo que a coragem e a fé levam o homem a superar as limitações físicas, os obstáculos de ordem material, moral e espiritual.

Do seu último livro, "A Porta Aberta", vou extrair algumas idéias e a respeito delas tecer alguns comentários. Veremos então que Helen Keller, sendo cega, nos ensina a ver e sendo surda nos ensina a ouvir e a interpretar a maravilhosa sinfonia da vida.

Nossos olhos demasiadamente voltados para a realidade material das formas e das cores, os ouvidos mergulhados no ruído externo, tudo isto nos torna cegos e por isto não vemos, nos torna surdos e por isto não ouvimos e nos deixa sempre alheios e por isto não compreendemos. Ficamos vazios e por isto perdemos a capacidade de interpretar a mensagem das coisas, das pessoas e dos acontecimentos. Para sentirmos a verdade de tudo isto nada melhor do que seguirmos os ensinamentos de Helen Keller, passo a passo.

"Quando se fecha uma porta da felicidade, abre-se outra, mas muitas vezes ficamos a olhar tanto tempo para a porta fechada que não vemos a outra que se abriu para nós".

Enquanto o ser humano conserva sua capacidade mental de pensar e de querer, sempre se encontra um caminho, há sempre uma esperança, sempre se abre alguma porta.

Nem tudo é possível a todos mas cada pessoa sempre pode alguma coisa. Querer dentro do possível e insistir na realização de todas as possibilidades.

Querer o impossível não é razoável; desistir do possível não é humano. Muitos se frustram na vida porque almejam o impossível e outros tantos não se realizam porque não sabem perseverar na luta pela conquista de tudo que está ao seu alcance.

Quanto mais espessa a treva mais brilha a luz da esperança que indica um caminho e aponta para a porta que se abre. Não adianta batermos desesperadamente diante da porta definitivamente fechada para nós. É mais sensato olhar ao redor a fim de ver a outra porta que se abriu. Não adianta persistirmos teimosamente diante de uma realidade que está definitivamente fora do nosso alcance. Ver com calma e clarividência as outras realidades que nos são possíveis reunindo todas as forças para sua conquista e realização.

Saber claramente o que se deve fazer e amar o que se faz. Ser bem o que somos e fazer com muito amor o que fazermos. Se quisermos vencer realizando bem as nossas possibilidades, passar pela porta que se abre e percorrer com êxito o caminho que surge, devemos considerar os seguintes pontos:
 

  1. Determinar com exatidão o objetivo a ser perseguido, a meta a ser alcançada. Saber com clareza o que é que realmente queremos.

  2. Saber se aquilo que pretendemos é algo bom, justo, digno. O que é mau deve ser rejeitado, a que prejudica os direitos alheios deve ser recusado. O que é bom deve ser acolhido, cultivado e realizado. Querer sempre o que é bom e rejeitar tudo o que é mau.

  3. Examinar os aspectos todos da realidade para vermos com nitidez as forças de que dispomos, os meios que estão ao nosso alcance, os caminhos que podemos seguir para atingir a meta desejada.

  4. Ver se aquilo que desejamos está ao nosso alcance ou além das nossas possibilidades. Se está fora do nosso alcance a prudência pede-nos que desistamos, mas se está dentro das nossas possibilidades a fé e a coragem nos convidam a tentar, mas tentar mesmo até conseguirmos o que ambicionamos.

  5. Se sabemos com clareza o que intencionamos, se é algo bom, se é possível, se temos os meios necessários para atingi-lo, é preciso então começar a luta, lutar até o fim, insistir, nunca desistir, jamais desanimar. A porta aberta é um convite para transpô-la.

Quando em maio de 1951 perdi a visão do olho esquerdo senti que se fechava uma porta da luz material. Em vez de lamentar a porta que se fechou cultivei a alegria por ter ainda um dos olhos, uma porta por onde entrava a luz do sol. E durante um ano inteiro continuei normalmente minha vida sem nada alterar.

Quando, porém, um ano depois, em maio de 1952, repentinamente a outra porta bruscamente se fechava, senti que minha vida lentamente mergulhava nas trevas materiais, o desespero me invadiu, a angústia me envolveu, a tristeza penetrou em mim como uma espada, senti o aguilhão da dor ferindo bem fundo no coração.

Com a ausência da luz e da visão física tudo me parecia perdido. Só não senti revolta. Tentava rezar mas a prece em vez de traduzir-se em palavras convertia-se em lágrimas que escorriam dos meus olhos sem luz. Tinha a impressão de estar num deserto sem saber que rumo seguir, na imensidão do mar sem bússola que orientasse, no interior de uma floresta escura sem guia para seguir, perdido no espaço sem saber o que fazer nem que rumo tomar. Foram momentos difíceis, penosos, horas amargas, dias de crise profunda, de desespero cruel e de angústia atroz. Perguntas sem nexo embaralhavam-se na minha mente confusa e atordoada.

"A perspectiva da derrota é apenas um sinal para continuarmos a lutar".

Senti de perto o sabor amargo da derrota que se aproximava. Milhares de perguntas:

― Que farei? Que será de mim? Para onde irei? Que será de minha vida? Por que aconteceu tudo isto? Que espero agora da vida? O que Deus quer de mim? Por que Deus permitiu a perda da minha visão?

Com 14 anos eu entrava no seminário para tornar-me padre franciscano e quando estava prestes a realizar a primeira parte de meu ideal, isto é, ingressar na Ordem Franciscana, eis que repentinamente a porta se fechou. Em conseqüência da perda da visão deixei o seminário levando a morte de um ideal sepultado no fundo do meu coração que também parecia morto.

Foi no dia 22 de setembro de 1952. Na hora de deixar o seminário sem a menor esperança de um dia regressar, Frei Cipriano Chardon, hoje já na eternidade, colocou sua mão sobre meu ombro e disse-me aquelas palavras que jamais esqueci:

― Se Deus quer você, você será padre com vista ou sem ela, mas agarre-se bem com Nossa Senhora das Graças!

Agarrei-me e comecei a lutar.

"Sei que o deserto conduz tão seguramente a Deus quanto os prados verdes repousantes, os pomares carregados de flores e pejados de frutos".

Helen Keller não tinha experiência visual de cores e no entanto sentia que os prados eram verdes e que o verde é uma cor repousante certamente por ser o símbolo da esperança.

Ao deixar o seminário vendo fechada a porta de meu ideal e obstruído o caminho que pretendia percorrer, sem a luz material a iluminar meus passos parecia-me estar num deserto. Senti que nomeio deste deserto a mão sábia e carinhosa de Deus me conduzia orientando meus passos.

Nesta vida tudo leva a Deus, exceto o pecado, porque nos separa dele e dos irmãos. Deus nos ama e se interessa apaixonadamente por nós e por tudo que nos diz respeito. Não é Deus que se afasta dos homens, mas os homens que se afastam de Deus. Não é Deus que se esquece do homem, mas o homem que se esquece de Deus. Não é Deus que nos abandona, mas nós o abandonamos. Não é Deus que impede seguirmos nosso caminho, mas nós que teimosamente nos recusamos a percorrer os bons caminhos e os mais apropriados que Ele nos indica. Deus não se ausenta... nós sempre O ignoramos e vivemos como se Ele fosse um eterno ausente.

Se mergulhamos em trevas, prontamente Ele nos ilumina; se perdemos o caminho, com solicitude paterna nos conduz; se erramos, bondosamente nos aponta o erro ao mesmo tempo que os mostra o que e melhor.

Se as trevas do desespero nos envolvem, Ele nos ilumina; se a angústia nos atormenta, Ele nos traz a paz; se a tristeza se torna nossa companheira, Ele nos aponta o caminho certo da verdadeira alegria. Se pecamos, com infinita misericórdia nos oferece o perdão, proferindo não apenas a palavra que perdoa mas também a palavra que anima, consola, encoraja dando a impressão que se sente mais feliz em perdoar do que nós em sermos perdoados. Se mergulhamos na mais profunda e triste das solidões
é sempre Deus que se apressa em fazer-nos companhia.

Não raras vezes acusamos Deus de permanecer surdo e mudo diante dos nossos pedidos e das nossas dificuldades. No entanto, Deus os fala sempre e nós e que somos surdos, incapazes de ouvir a sua voz e de interpretar corretamente sua mensagem.

Em São Paulo tentei novos tratamentos, inclusive um demasiadamente doloroso: tomava injeção nos olhos todos os dias e mesmo sem enxergar via estrelas em pleno dia. Tudo em vão. Por fim, vi-me desenganado pelos médicos. No horizonte perdido da vida diluíram-se as últimas esperanças.

No mar encontrei uma bússola, no deserto descobri um caminho, na floresta escura um guia veio ao meu encontro e no espaço encontrei o meu lugar. O lugar que Deus reservara para mim convidando-me insistentemente a ocupá-lo.

"Quando penso nas bênçãos recebidas, retiro todas as queixas contra a minha vida; se muito me foi recusado, muito mais me foi dado; se muito me foi tirado muito mais me foi deixado".

Assim escrevia Helen Keller e assim ela vivia. Duas portas fechadas, duas graças recusadas, dois benefícios perdidos - a visão e a audição. E no entanto ela soube aceitar suas limitações e construir a vida com o que recebera e com o que lhe ficara, sentindo-se feliz e agradecida por ter o que possuía em vez de lamentar com tristeza tudo quanto perdera.

Convenço-me sempre mais de que aqueles que mais se queixam são exatamente aqueles que menos sofrem. Os grandes sofredores sempre encontram um caminho a seguir para buscar incansavelmente a realização de suas vidas a despeito de tudo e de todos.

Meu encontro com Helen Keller no dia 12 de maio de 1953 foi a mensagem viva que Deus colocou no meu caminho.

Se ela, privada de dois preciosos sentidos, da visão e da audição, aprendeu a falar, estudou e venceu, por que não poderia eu fazer o mesmo tendo ainda a meu favor a vantagem de ter perdido apenas um dos meus sentidos?

Comecei a aprofundar o olhar para dentro de mim e para dentro da realidade de minha vida.

A mim mesmo dirigi a seguinte pergunta: ― O que é que eu perdi? A resposta veio como uma bofetada: ― a vista!

Fiz outra pergunta: ― O que é que eu tenho?

E a resposta veio medrosa de inicio, crescendo aos poucos para tomar-se firme e decidida no final.

― Tenho a memória, a vontade livre, a inteligência, a audição, os lábios para sorrir, o dom da palavra, o paladar, o olfato, mãos para me defender, ler e servir, o coração para amar, os pés para andar, a saúde, a vida, o ar que respiro, a fé em Deus...

Passei, então, a valorizar tudo o que ainda possuía para nunca mais lamentar o que perdera; afinal, apenas perdi a visão física!

Diante de mim vislumbrei nas trevas dois caminhos a seguir: O primeiro caminho seria regressar para junto de minha família, viver dependendo dela e passar o resto de minha vida lamentando o que perdera, sendo um inútil, um revoltado, mais um amargurado neste mundo onde tantos ainda não aprenderam a viver. Jamais poderia optar por este caminho. Seria a derrota total. O cristão não nasceu para ser derrotado mas, sim, para lutar e vencer.

O outro caminho seria aceitar a realidade dos fatos por mais que doesse, partir para a luta, lutar até vencer. E foi este o caminho que escolhi.

Para vencer programei minha vida dentro de um esquema que poderia resumir em quatro pontos:
 

  1. Ver, admirar, agradecer com alegria e usar com eficiência tudo quanto tenho sem jamais lamentar nem chorar o que perdi ou o que me falta. Construir a vida com aquilo que tenho.

  2. Fazer bem e realizar com muito amor tudo que está ao meu alcance sem jamais lamentar o que está além das minhas possibilidades.

  3. Lutar, insistir, jamais desanimar, nunca desistir.

  4. Não deixar que outros façam por mim o que eu mesmo posso e devo fazer. Deixar que outros façam por mim o que eu mesmo posso fazer é acomodar-se. Acomodar-se é tornar-se cada vez mais dependente dos outros.

Comecei então a estudar o método Braille e a aprender datilografia. Com três meses já podia ler sofrivelmente o Braille e escrever vagarosamente à máquina. Com seis meses já lia bem melhor e escrevia com maior facilidade. Pouco depois dominava bem o Braille e datilografava corretamente.

"A fé não nos obriga a sermos extraordinariamente dotados mas sim receptivos".

Deus não exige de ninguém a realização de obras acima das próprias forças, mas que cada um realize com eficiência e com muito amor tudo quanto está de acordo com a própria capacidade.

Ser receptivo, tornar-se acolhedor, permeável, acessível para Deus e para os irmãos.

Quando falamos a Deus estamos demasiadamente impregnados de nós mesmos e dos nossos interesses quase sempre mesquinhos e medíocres. Impregnados de nós mesmos estamos impossibilitados de acolher Deus e suas mensagens. Saturados de nós mesmo, não temos condições para o diálogo intimo e profundo.

Toda oração é comunicação com Deus e toda comunicação é diálogo. Diálogo é intercâmbio de encontro de corações, entrosamento de mentes, troca de pensamentos para mútuo enriquecimento, entrelaçamento de almas, união de pessoas e não apenas reunião de corpos. Em muitos encontros existe apenas reunião de corpos mas não entrosamento
de almas e entrelaçamento dos corações.

Ser receptivo é abrir-se para Deus. Deus tem mais mensagens para nos transmitir do que nós temos palavras para dizer-lhe. Estamos demasiadamente preocupados e ocupados em dizer a Deus o que nós queremos d'Ele e nos esquecemos de perguntar a Ele o que Ele quer de nós. E por isto nossa prece torna-se um monólogo, raramente um diálogo.

A esponja impregnada de água não pode obsorver mais líquido enquanto não for espremida. Libertada da água que a impregnava poderá a esponja tornar-se mais absorvente.

Assim o homem precisa esvaziar-se de si mesmo e de seus interesses para captar e absorver Deus e seus interesses divinos. Esquecido daquilo que quer de Deus o homem terá condições de ouvir e assimilar o que Deus quer dele.

Certo jovem procurou-me um dia, cheio de problemas e aflições, revoltado e cheio de problemas e aflições, revoltado e cheio de recalques. Desajustado com tudo e com todos. Acusava a tudo e a todos. Para ele tudo e todos estavam errados. O único certo era ele e no entanto me parecia o mais errado de todos. Deixei que falasse à vontade, desabafasse sem pressa e aliviasse o coração de todas as mágoas e revoltas. Enquanto não desabafasse não teria condições de assimilar mensagem alguma.

Não tinha condições de ser receptivo. Terminado o desabafo, confesso que não foi nada breve, indaguei dele se sabia rezar. Respondeu imediatamente que não. Travamos, então, o seguinte diálogo:

― Aprendeu a rezar?

― Não, senhor!

― Perto de seu local de trabalho existe alguma igreja?

― Existe, sim, senhor!

― Pois bem, de hoje em diante você sairá de casa cinco minutos mais cedo e chegará cinco minutos mais tarde.

― Para fazer o quê?

― Para entrar na igreja e rezar um pouco.

― Mas eu não sei rezar.

― Diga melhor, seja mais franco, eu não quero rezar.

Fiz-lhe então uma proposta: que antes e depois do trabalho entrasse na igreja, procurasse um lugar bem tranqüilo e silencioso, que se colocasse diante de Deus, olhando para o Cristo Crucificado e lhe dissesse em primeiro lugar que não sabia rezar e assim estaria rezando. A seguir dirigisse a Cristo quatro perguntas e depois de cada uma permanecesse em silêncio para ouvir a resposta.
 

  1. Senhor, que queres de mim?

  2. Senhor, que queres que eu faça?

  3. Senhor, que farias tu no meu lugar?

  4. Senhor, que posso fazer eu para dar mais alegria aos outros e torná-los mais felizes?

Anotou as perguntas e prometeu seguir o conselho. É realmente seguiu.

Seis meses mais tarde procurou-me novamente. Já não veio procurar soluções para seus problemas mas apenas para agradecer o conselho que recebeu. A partir do dia em que começou a passar cinco minutos pela manhã e cinco à tarde diante de Deus, dirigindo-lhe em silêncio as quatro perguntas, começou a sentir que estava demasiadamente
impregnado de si mesmo e de tudo quanto lhe interessava, totalmente esquecido dos outros e de Deus e dos interesses divinos e alheios. Percebeu que era ele quem devia modificar-se. Entendeu a mensagem de amor de Cristo: transformar-se para transformar. Compreendeu que a verdadeira reforma do mundo começa dentro do homem.

O homem tem capacidade de reformar na medida em que tem capacidade de transformar-se. A receptividade nos torna maleáveis, permeáveis, acessíveis para Deus e para os irmãos. A receptividade nos torna mais aptos para o amor de Deus e do próximo.

Nunca se falou tanto em comunicações modernas. Os homens se comunicam externa e materialmente sempre com maior facilidade, mas ao mesmo tempo tornam-se cada vez mais incomunicáveis espiritualmente. Telefone, rádio, telégrafo, televisão, jornais, revistas, estradas pavimentadas, carros velozes, aviões, viagens supersônicas, aproximaram materialmente os homens. Diminuíram as distâncias que separam fisicamente os homens, mas aprofundaram-se os abismos e alargaram-se as distâncias que separam espiritualmente os corações.

Comem à mesma mesa, abrigam-se debaixo do mesmo teto, dormem no mesmo quarto e até no mesmo leito, trabalham no mesmo recinto, divertem-se no mesmo ambiente, viajam nos mesmos veículos. Os corpos se encontram, mas não se entrelaçam os corações e dificilmente se unem as almas. E por quê?

Todos preocupados em dizer o que pensam e manifestar o que querem, mas inteiramente despreocupados, desligados mesmo em relação ao que os outros pensam, querem ou desejam.

"Deus não é fonte de tédio para quem o conhece e o ama".

Deus é fonte de amor; o amor é fonte de todo o bem; o bem é fonte de paz, de alegria e de felicidade.

Muitos procuram na terra o que deveriam procurar no céu. Procuram nas criaturas aquilo que só poderiam encontrar no Criador. O homem criado por amor e para o amor só se encontra consigo mesmo na medida em que se encontra com Deus.

Abrir inteiramente seu coração para o amor divino.

Paz, alegria e felicidade terrenas nascem com a noite quando passamos o dia amando e praticando o bem.

Paz, alegria e felicidade eternas chegarão com a morte se passarmos a vida amando e praticando o bem.

Entre aqueles que conhecem e verdadeiramente amam a Deus nunca encontrei pessoas tristes, desesperadas, frustradas, infelizes ou saturadas de ódio. Mas tudo isso encontrei em abundância entre aqueles que tem uma noção errada de Deus, naqueles que o ignoram e naqueles que o conhecendo bem ou mal nenhum esforço fazem para amá-lo.

No esforço para conhecer e fazer sempre a vontade divina, aceitando as realidades adversas sem mesmo compreendê-las, nisto está a paz.

"A chegada ao topo da montanha não seria tão maravilhosa se não houvesse um vale escuro a transpor".

Só valorizamos devidamente aquilo que nos custa lutas e sacrifícios. Só possui verdadeiro valor o sucesso obtido com esforço.

A escuridão da noite faz brilhar as estrelas, os obstáculos fazem brilhar as virtudes e as dificuldades nos dão a dimensão exata das nossas próprias forças. Quanto maior o empenho para alcançar a realização de alguma coisa, tanto maior a alegria que sentimos quando atingimos a meta desejada. Quem nunca lutou jamais poderá sentir o sabor de uma conquista. Muitos querem vencer sem luta, sem esforço. Querem uma vida cômoda e fácil e por isto há estudantes que não querem estudar mas desejam tão-somente um diploma, e muitos outros não querem trabalhar mas ambicionam apenas um emprego que lhes garanta um bom rendimento com o mínimo de esforço.

Não é o diploma que habilita alguém para a vida, mas sim os conhecimentos adquiridos e assimilados e a vontade firme e perseverante de lutar sem esmorecer até chegar ao alto da montanha, isto é, à realização do seu ideal.

A tentação da riqueza fácil, o desejo do sucesso econômico sem esforço tornam-se causa de furtos, assaltos, extorsões e grandes injustiças, causas, enfim, de todas as formas de apropriações indevidas de bens que não são nossos e acerca dos quais não temos direito algum.

"Todos possuem três direitos inalienáveis: viver a própria vida até onde lhe for possível, escolher a própria vocação e desenvolver as próprias forças; mas ninguém tem direito de gozar a felicidade sem produzi-la nem de transferir a própria carga para outros ombros a fim de satisfazer um capricho pessoal."

A ansiosa busca da felicidade é uma constante do ser humano. Não há quem não queira ser feliz e, no entanto, poucos são aqueles que se encontram realmente com a felicidade. Buscam-na fora de si e muito longe, quando ela está tão perto e dentro do próprio homem.

Se procuramos egoisticamente a felicidade para nós mesmos, ela se afasta. Se generosamente procuramos construi-la para os outros, ela se aproxima. Merecemos encontrar a própria felicidade na medida em que nos dedicarmos generosamente aos outros para torná-los felizes. O caminho mais curto para a desventura é a procura ansiosa e insaciável da própria felicidade, pois isto é egoísmo e o egoísta jamais tem acesso ao reino maravilhoso da felicidade.

Muitos confundem amor com egoísmo e, no entanto, são profundamente opostos.

O amor procura fazer os outros felizes enquanto que o egoísta procura ser feliz. Se alguém me disser - eu quero ser feliz, eu duvido deste amor. Mas se alguém falar que se esforça por fazer os outros felizes, eu começo a crer neste amor. Pois amar é dedicar-se generosamente aos outros, disposto a qualquer sacrifício para fazê-los felizes e sentir-se feliz com a felicidade que oferece.

O amor serve generosamente aos outros enquanto que o egoísmo serve-se dos outros.

O amor se dedica desprendidamente aos outros e o egoísmo usa os outros. O amor respeita o outro como pessoa enquanto que o egoísmo trata os outros como coisa, objeto, instrumento para a satisfação dos próprios caprichos.

Quanto mais cresce em nós o amor tanto mais nos esforçamos para construir a felicidade daqueles a quem amamos.

É próprio do egoísta omitir-se fugindo das próprias responsabilidades transferindo para os outros tarefas que ele mesmo deveria executar.

Cada dia é preciso realizar um pouco mais do que se deve".

Conhecer e amar os deveres cumprindo-os com amor é a melhor maneira de respeitarmos os direitos alheios e com isto vivermos e praticarmos a justiça. Só nos tornaremos justos na medida em que praticarmos a justiça em prol dos outros.

Quem se contenta com o mínimo dificilmente fará grandes progressos. Ater-se ao estrito cumprimento dos próprios deveres é condenar-se à mediocridade, renunciando assim a um anseio profundo do coração humano que é progredir sempre. Comodismo e mediocridade barram o crescimento espiritual do homem. Vida não é estagnação nem marasmo mas movimento, dinamismo, expansão, crescimento, progresso constante em todas as dimensões da realidade humana. O homem que se contenta com aquilo que já é e com aquilo que já conquistou cava um abismo onde sepulta a própria realização. É preciso lutar e progredir sempre, hoje mais do que ontem e amanhã mais do que hoje. Subir e crescer sempre é o convite da vida. Parar ou descer é ir ao encontro da própria morte, morte de tudo que eleva, enobrece, engrandece.

"Não peçamos tarefas iguais às nossas forças, mas forças iguais às nossas tarefas".

A maneira mais fácil de sofrer urna derrota é renunciar à luta. Quem desiste da luta não sofre derrota porque já é um derrotado.

As tarefas existem para serem executadas, as batalhas são travadas para serem vencidas. A luta existe para ser enfrentada e conduzir o homem à vitória.

O receio de não termos as forças necessárias para realizar uma tarefa diminui nossa capacidade de realizá-la.

Se pedirmos tarefas sempre de acordo com as nossas forças a nossa capacidade de lutar e vencer torna- se cada vez menor, pois o comodismo nos leva a procurar obras cada vez menores e sempre mais fáceis. Se desejarmos forças de acordo com as tarefas teremos mais disposição para enfrentar a luta e realizaremos obras cada vez maiores. A confiança em si mesmo e na própria capacidade de realizar abre caminho para realizações cada vez maiores e mais significativas.

Reunindo as forças todas de que dispomos haveremos de obter sempre bom êxito na realização das obras que a Divina Providência pôs ao alcance das nossas capacidades.

Dispomos sempre de energias para executar obras cada vez maiores dando assim uma colaboração mais eficiente na obra de construção de um mundo melhor e mais perfeito.

Creio na ação positiva do homem que crê na força humana sustentada pela força divina.

O mérito do homem não está na grandeza material das obras que realiza mas na profundidade e grandeza do amor com que se dedica às tarefas que deve realizar. Agindo sempre com muito amor pode o homem ser espiritualmente grande também e sobretudo nas coisas materialmente pequenas. O amor com que agimos valoriza e enriquece sempre a obra que realizamos.

"O otimismo não se fundamenta na ausência do mal na preponderância do bem; o mundo todo está semeado de bem e para colhê-lo cada um deve cultivar o jardim da própria bondade.

O otimista não é aquele que fecha os olhos diante do mal que existe, mas o que o vê com clareza em toda sua gravidade e crê que a grandeza do bem ultrapassa de muito a extensão da maldade.

Otimista não é aquele que ignora a presença do ódio, mas sim aquele que acredita que a força do amor é sempre maior que a violência.

Quase que instintivamente somos mais negativos do que positivos, mais pessimistas do que otimistas. Basta a presença de uma nuvem negra no firmamento para acharmos que todo o céu perdeu seu brilho. Basta um instante de dor para esquecermos tantas horas de alegria e de prazer. Basta uma recusa para esquecermos todas as colaborações
que recebemos. Basta um defeito para ignorarmos todas as qualidades positivas de uma pessoa.

Ver sempre o lado bom das pessoas, das coisas, da vida, dos acontecimentos e o coração se encherá de alegria e a alma de esperança.

A noticia de um crime desperta nossa curiosidade, chama nossa atenção porque o mal ainda é uma exceção. A noticia de uma boa ação ou a respeito de uma pessoa digna e honrada não desperta tanto nossa curiosidade porque o bem ainda é a maioria.

O bem e o amor sentem-se fortes e crescem em silêncio na intimidade de uma vida unida a Deus. O mal e o ódio sentem-se fracos e são covardes e por isto se apresentam ruidosos e prepotentes.

É inútil ficar a lamentar a presença do ódio. O mais importante é cultivar sempre o amor. Não adianta chorar a maldade que encontramos, o mais necessário é cultivar corajosa e generosamente o bem. Vale mais praticar a justiça do que tristemente queixar-se das injustiças.

É mais eficaz cultivar a virtude do que combater o vício.

A mão hábil e carinhosa de Deus, incomparável jardineiro divino, depositou na terra fértil do nosso coração humano todas as sementes do bem. E nossa missão cultivar e fazer germinar estas sementes para que cada um se transforme em verdadeiro jardim de virtudes.

Viver lamentando o mal que existe nos outros parece-me ser tarefa mais apropriada para aqueles que não têm a suficiente coragem para dedicar-se à prática constante do bem. Muitas vezes apontamos os erros alheios e condenamos aqueles que erram para ocultar a gravidade das nossas próprias faltas.

Só existe uma maneira de combater o ódio. É amar. O modo mais fácil de extirpar o vício é cultivar a virtude. Pelo bem que praticamos diminuímos a maldade existente.

Falando a verdade haveremos de eliminar a mentira. Pelo perdão generoso e forte haveremos de derrotar a vingança. Se cada coração se transformar em um jardim de virtudes, o mundo todo estará florido. Se todos plantarem, a colheita será abundante. Se todos sorrirem, a alegria visitará todas as almas. Vale a pena amar e praticar o bem porque só aqueles que amam e praticam o bem encontrarão o verdadeiro sentido da vida e experimentarão o maravilhoso sabor da alegria e da paz. O mundo que chora e que sofre, sorri com esperança para o cristão que se apresenta com a promessa do amor que se assemelha ao amor de Cristo. Só este amor é que se torna a esperança,
a promessa, a garantia e a certeza de um mundo melhor, mais humano, mais fraterno e mais justo.

"Ninguém tem o direito de queixar-se de um mundo que Deus fez bom".

Deus fez o mundo bom, mas nós o estragamos com nossa maneira errada de pensar, sentir e viver. Pela revolta contra Deus os homens introduzem a desordem no mundo e depois responsabilizam o Criador pela presença do mal. Dando-nos a liberdade Deus nos concedeu um poder terrível. Temos o poder terrível de ir contra o próprio Deus, contrariando sua vontade e fazendo malograr seu plano de amor. O homem é responsável pelo mal que pratica e pelo bem que omite.

Muitos dizem que se Deus fosse tão bom não haveria tanta maldade no mundo. Exatamente porque o homem não faz a vontade de Deus é que se torna causa do mal. O homem se torna mal não porque faz a vontade de Deus mas precisamente porque não seque seus divinos preceitos. O homem mata, rouba, engana, atraiçoa, odeia, comete toda espécie de violência precisamente porque se recusa a seguir o grande mandamento de Cristo "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei".

A ausência de Deus no coração do homem é a grande causa da violência. O mundo que Deus fez com amor o homem destrói pelo ódio. Só com amor é que transformamos o mundo que Deus fez com amor. O amor é a única força capaz de transformar e dominar O mundo.

No mundo que nos cerca, todos nós sofremos influências negativas Ou Positivas. Praticando o mal exercemos influências negativas, realizando o bem exercemos influências positivas. Diminuir cada vez mais a influência negativa para aumentar continuamente a influência positiva que exercemos sobre os outros e sobre o mundo. E para isto só existe um caminho: crescer no amor e praticar sempre o bem. O mundo será melhor na medida em que progredirmos no caminho do bem.

"Atraímos sobre nós sofrimentos desnecessários quando exageramos a extensão da nossa dor".

A maior parte dos sofrimentos são desejados ou procurados por nós mesmos, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente. Dramatizamos os fatos mais comuns e complicamos as realidades mais simples da vida. Cada sofrimento deve ser encarado dentro dos seus próprios limites vendo-o exatamente tal qual se apresenta objetivamente e não no que diz respeito à sua repercussão subjetiva. Valorizamos demasiadamente coisas insignificantes ao passo que diminuímos a importância de realidades de supremo valor para nossas vidas. Ninguém sofre demais. Nenhuma cruz é insuportável e não há fardo que seja intolerável.

A fé e o amor tornam leve o fardo mais pesado; a fé e o amor tornam fácil a cruz mais difícil; a fé e o amor tornam agradável o caminho mais íngreme; a fé e o amor cicatrizam as feridas mais profundas; a fé e o amor curam os males mais graves; a fé e o amor solucionam os problemas mais complicados. O sofrimento e a cruz não são incompatíveis com a alegria e com a paz.

Sempre pensei que a cegueira física fosse uma cruz insuportável e no entanto tornou-se um caminho. Aceitando a cruz com amor dentro da perspectiva da fé compreendi que Deus é tão maravilhoso que é capaz de fazer-nos felizes mesmo que tenhamos que carregar uma cruz por mais pesada que seja. Tudo que arriamos torna-se agradável.

O amor elimina os contrastes. A cruz que é arriada e aceita torna-se leve.

O único mal sem remédio é a confirmação no ódio e isto só acontece após a morte.

A solução para a fome é o alimento, a solução para a sede é beber água, o remédio para o cansaço é o repouso; a solução para a doença é o medicamento, o remédio para o pecado é o perdão e o remédio para a cruz é o amor e a aceitação.

Cristo foi enviado pelo Pai Celeste para salvar o mundo pelo amor. Por ter sido fiel ao Pai em sua missão de salvar o mundo pelo amor, encontrou muitas oposições, rejeições, ódio, ingratidão, desprezo, perseguição e até a morte na cruz. Jesus preferiu optar pela cruz antes que atraiçoar seu ideal de salvar pelo amor. Contrariando
a vontade de Deus os homens colocaram uma cruz no caminho de amor que Cristo seguiu e tornaram-se cruz para ele. O maravilhoso de tudo isto... Cristo aceitou e arriou a cruz que os homens lhe ofereceram com ódio, transformando-a num estupendo instrumento de redenção até mesmo em favor daqueles que o crucificavam.

Quando contrariamos a vontade de Deus, nos tornamos cruzes para os outros e colocamos cruzes em seus caminhos. Quando os outros contrariam a vontade de Deus, tornam-se cruzes para nós e colocam cruzes em nossos caminhos.

Os outros são cruz para nós... e nós somos cruz para os outros. Os outros colocam cruzes nos nossos caminhos... e nós também colocamos cruzes nos caminhos dos outros. Somos cruzes uns para com os outros e vivemos colocando cruzes nos caminhos uns dos outros.

As cruzes e os sofrimentos existem na terra por vontade humana que se opõe à vontade divina.

Imitar Cristo inclui também aceitar e carregar com amor uma cruz, transformando-a numa fonte maravilhosa de graças redentoras para salvar precisamente aqueles que se tornam cruz para nós ou que colocaram cruzes nos nossos caminhos.

― Senhor, aceito e amo esta cruz, uno minha dor à tua dor, uno minha cruz à tua cruz oferecendo-a para a expiação dos meus pecados, para a santificação de minha alma e para salvar, sobretudo, aqueles que me fazem sofrer!

Carregando uma cruz que não pedimos nem merecemos estaremos imitando o Cristo mais de perto, pois foi ele o primeiro a carregar uma cruz que não pediu nem procurou, carregando-a com amor, não para santificar-se mas para santificar, não para purificar-se mas para purificar, não para pagar pecados próprios mas para expiar culpas alheias.

Cristo carregou uma cruz mas nunca foi cruz para os outros nem colocou cruzes nos caminhos dos outros. Nós carregamos uma cruz ou muitas cruzes, mas também somos cruzes para os outros e colocamos cruzes nos caminhos alheios.

Cristo nos ajuda a carregar nossa cruz, mas jamais se toma cruz para os outros. Nós pouco ou nada fazemos para ajudar o outro a carregar a cruz e quando não nos tornamos cruz para o irmão, aumentamos o peso da cruz que ele carrega. Nossa incompreensão, a falta de solidariedade, nosso egoísmo tornam sempre mais pesada a cruz que o outro carrega.

Quem não aceita Cristo com sua cruz torna-se urna cruz para os outros.

"O egoísmo e a lamúria toldam e pervertem o espírito; o amor, com sua alegria, aclara e aguça a visão, dando-nos uma delicadeza de percepção que nos faz ver maravilhas onde antes víamos apenas o trivial".

O egoísta e o queixoso são carrascos e vítimas de si mesmos, envenenando a própria mente pelos sentimentos negativos que alimentam. São algozes dos outros pela tristeza que irradiam e pelo mal-estar que provocam. São carrascos e vitimas de si mesmos pelo sofrimento e pelo mal-estar que geram a si próprios. O egoísta está sempre triste, insatisfeito, é um insaciável. Triste porque nunca se contenta com o que possui e triste porque tem medo de perder o que já conquistou. O lamuriento envenena os outros e se envenena a si mesmo destilando sempre a peçonha da insatisfação e do negativismo. O egoísta é um insatisfeito e o queixoso é um ingrato.

Tanto os insatisfeitos quanto os ingratos olham e consideram o mundo através das lentes escuras da tristeza.

O verdadeiro amor nos realiza, nos torna alegres, e a alegria imprime um sentido mais belo e mais profundo às coisas, aos fatos e às pessoas.

O egoísmo e a lamúria são forças que repelem, enquanto que o amor é um ímã que atrai e conquista pela alegria que produz. O amor nos faz perceber detalhes e nos leva à realização de pequenos gestos que encantam e agradam. O egoísmo e a queixa são sempre Profundamente míopes mas o amor nos faz perceber as realidades mais belas e descobrir as coisas mais encantadoras. É bem por isto que dizia a raposa ao "Pequeno Príncipe":

"O essencial é invisível aos olhos; a gente vê bem mesmo é com o coração".

Os poetas amam a natureza e por isto encontram sentido nas coisas que Os cercam. Tudo que amamos adquire colorido diferente, traz mensagem, torna-se palavra.

Para a mãe que ama, o filho é sempre lindo; para a criança que ama, a mãe é sempre bonita. O amor elimina os aspectos que desagradam.

"A religião é fruto da Fé; pedir a religião sem a Fé é o mesmo que pedir a fruta sem sua semente".

A fruta e a semente estão profundamente unidas; religião e fé são inseparáveis. Não é possível religião sem fé, nem fé sem religião. A ciência e a técnica explicam o mundo, construindo o progresso material, mas só o espirito humano iluminado pela fé pode encontrar sentido na vida e as realidades que a cercam, no mundo em que vive. Somente a fé pode dar ao homem a chave que lhe permita desvendar os mistérios do mundo. A fé é a luz que vem de Deus e atinge o homem por dentro, iluminando-o e orientando-o para que possa encontrar o sentido de tudo.

A fé nos permite ver o outro um irmão, uma criatura do Pai e não apenas um ser que vive, se agita e por fim morre. A fé nos ensina que pela vinda do Filho de Deus, que se tornou homem, realizou-se um entrelaçamento entre o céu e a terra e, com isto, tudo quanto existe apresenta uma dupla face, a divina e a humana, a celeste e a terrena. A fé não delimita o campo de atividade humana, mas oferece ao homem uma grande possibilidade de uma maior expansão, dando-lhe uma oportunidade de um crescimento sem fim. A fé impulsiona o homem sempre para a alto, para uma continua ascensão até chegar em definitivo às paragens eternas.

Pelos sentidos do corpo entramos em contato com as realidades materiais enquanto que pela fé penetramos nas incomparáveis realidades espirituais cuja fonte inesgotável é Deus.

Crer em Deus não é apenas aceitar a sua existência, mas é também adotar a maneira de Deus amar e agir.

Muitos se queixam que têm dúvidas em relação à fé. Na maioria dos casos percebi que confundem as coisas não sabendo discernir com clareza entre a dúvida e a dificuldade. Dúvida é não ter certeza quanto à existência de uma verdade ou de um fato. Dificuldade se relaciona com a compreensão. Ter fé não é compreender. Compreensão e fé não coincidem sobre a mesma realidade. Ter fé não é compreender mas aceitar e aderir. Fé é a firme adesão da mente a uma verdade revelada, por causa da autoridade de quem fala. Ter dificuldades na fé é muito natural. A ciência nos leva à compreensão e a fé nos conduz à adesão, à aceitação. A ciência pode ajudar mas jamais pode construir a fé dentro de nós. Deus é incompreensível, pois é infinito. A mente humana é limitada e o finito jamais pode abranger o infinito. Só conhecemos o Deus que se revelou e se manifestou na pessoa de Jesus Cristo.

Fé é aceitar a verdade que Cristo revelou, aderir a ela firmemente e esforçar-se para viver de acordo com ela.

A fé não é uma evidência científica, mas antes de tudo um dom de Deus, uma dádiva divina, uma graça recebida pelo batismo. A fé nos leva ao encontro de Cristo, dando-nos a certeza de que ele nos falou a verdade. Esta certeza de que Cristo falou a verdade nos encoraja e estimula a cultivar o amar que Ele ensinou com sua palavra e com seu exemplo.

Assim como a fé não é compreender também não é sentir. A exigência de Deus é esta: aderir, aceitar sem compreender e sem sentir. A emoção, a sensibilidade podem surgir paralelamente a um ato de fé mas não fazem parte da fé. Assim nossas vestes acompanham o corpo mas não pertencem ao corpo nem fazem parte dele. Da mesma forma o sentimento de paz, de alegria, de emoção podem acompanhar a fé, mais não pertencem à fé, nem fazem parte dela.

Nossa adesão a Cristo se faz através da nossa adesão à Igreja onde Ele continua a viver e a realizar sua obra redentora.

A inteligência pode ajudar-nos a caminhar em direção à fé, mas jamais poderá dar-nos a certeza da verdade revelada. Nem a inteligência nem a ciência podem levar-nos à conclusão, por exemplo, quanto à existência do mistério da Santíssima Trindade, um só Deus em três pessoas. Só a fé nos conduz a esta verdade e à respectiva certeza.

A sensibilidade, a emoção, a alegria, a sensação de bem-estar não podem produzir a fé nem fazê-la crescer. Para penetrar no maravilhoso terreno da fé e aprofundar-se mais e mais em seus mistérios é preciso aceitar sem nada compreender e nada sentir. Por ser um dom de Deus, a fé depende da oração. Esta permite um relacionamento intimo, uma profunda comunicação com Deus e, na medida em que nos aproximamos d'Ele, vamos participando das qualidades divinas. Aproximando-nos do fogo, participamos das suas qualidades e dele recebemos luz e calor; quando rezamos nos aproximamos de Deus, fornalha ardente de amor, recebemos luz e calor deste fogo divino, Participamos
das suas qualidades.

É contingência humana passar por crises de fé. Momentos difíceis e horas amargas, quando tudo parece desprovido de sentido. A oração é uma fonte de energia que revigora a fé. Os que abandonam a oração não terão condições de sair vencedores da crise. Sem oração não terão ânimo para prosseguir na luta, não terão forças para resistir, nem coragem para enfrentar as dificuldades e transpor os obstáculos. O abandono da fé começa pelo abandono da oração.

A fé é a resposta pessoal do homem ao apelo de Deus, É desta resposta plena corajosa, decidida e definitiva que provém a conquista da plena liberdade para o homem.

A melhor maneira de ajudarmos os irmãos que passam por dificuldades na fé ou que não têm fé será amar e rezar. Não será pelo raciocínio que levaremos o outro à persuasão. O que persuade e convence é o testemunho de vida que acompanha a verdade anunciada.

No encontro com Cristo e no esforço para imitá-lo encontraremos o melhor caminho para a verdadeira realização da nossa vida.

"A fé seria uma farsa se não nos ajudasse a construir um mundo melhor e mais perfeito do que o mundo meramente material".

O poder econômico tudo faz para que Cristo e sua mensagem de amor não sejam levados a sério. O objetivo fundamental do poder econômico é transformar o homem num consumidor inconsciente. Para isto é preciso que o homem não conheça nem se interesse por Cristo e por sua doutrina. Isto fará com que a ordem dos valores seja toda destruída. Os valores espirituais ficam olvidados e o homem coloca nos valores materiais todo o objetivo de sua vida. Cria-se, então, o consumidor autômato e inconsciente, totalmente manipulado pela publicidade comercial.

Quando o homem conhece realmente Cristo e se aprofunda sempre mais em sua mensagem de vida, a ordem dos valores é restabelecida. O homem cria, então, uma consciência capaz de criticar e já não se deixa mais manipular e conduzir como um autômato.

Em relação a Cristo podemos, fundamentalmente, qualificar os homens dentro de quatro categorias:


1. Aqueles que não o conhecem e nenhuma oportunidade têm de conhecê-lo. Uns o conhecem muito vagamente, mas não têm chance para conhecê-lo bem. Direta ou indiretamente
anseiam por conhecê-lo mas faltam-lhes os meios. Devemos dar tudo de nós mesmos para que Cristo lhes seja anunciado e se torne por eles conhecido, amado e imitado. É uma terra fértil onde podemos semear na certeza de colher.

2. Aqueles que conhecem Cristo, bem ou mal, mas o recusam, o rejeitam para não se comprometerem. Estes tornam-se mais um instrumento de ódio e de violência neste mundo já tão odiado e tão violentado.

3. Aqueles que conhecem Cristo, bem ou mal, têm muitas oportunidades para conhecê-lo melhor e pouco ou nenhum esforço fazem para imitá-lo. São os acomodados, os indiferentes, os medíocres, os indolentes, homens apenas carimbados com o nome de cristão. E, vez de se tornarem fator de progresso, tornam-se causa de estagnação ou regressão.

4. Aqueles que conhecem Cristo, aproveitam todas as oportunidades para conhecê-lo sempre mais e cada vez melhor, lutam com perseverança para imitá-lo sempre mais de perto. São os cristãos autênticos que se esforçam para traduzir a fé em obras de amor, de paz e de justiça. Tornam-se a esperança e construtores de um mundo melhor e mais justo. Transformam o mundo através do amor que cultivam e do bem que realizam.

"Por fora de mim tudo pode ser silêncio e escuridão, mas dentro de mim tudo é musica e claridade. O amor matiza todos os meus pensamentos."

Sendo surda e cega Helen Keller não podia penetrar nem no mundo do som nem no mundo das cores. Materialmente vivia mergulhada num deserto, ausência completa de som e privação total da luz. No entanto intimamente, iluminada e espiritualmente esclarecida. A ausência da visão e da audição não impede a clareza das idéias nem a harmonia do coração que se enche de amor e da lama que se ilumina pela fé. A fé e o amor é que dão alegria, melodia e cor a todos os nossos pensamentos.

Nas páginas que se seguem teremos oportunidade para ampliar os comentários a respeito da riqueza de idéias e da visão interior, que podem esclarecer e iluminar o homem por dentro.

"Assim como os lírios, podemos erguer-nos puros e fortes acima da sordidez do ambiente; o mais importante não é o ambiente que nos cerca mas os pensamentos que pensamos todos os dias, os ideais que alimentamos, enfim, a espécie de gente que somos realmente. Teu ambiente está onde te encontrares".

As raízes das flores penetram e se escondem na terra suja e podre e muitas vezes no lado fétido de um pântano. Porém, as flores abrem-se puras, lindas, brilhantes e perfumadas à luz do sol. A podridão que existe na terra junto às raízes não contaminam nem prejudicam a beleza, o perfume e a pureza da flor.

Da terra suja e podre as raízes retiram o alimento que dá vida à flor.

No ambiente em que vivemos, as pessoas que nos cercam e as circunstâncias que nos envolvem podem dificultar, mas jamais impedir o crescimento da virtude, a realização de um ideal na conquista do bem. Quem está realmente decidido a lutar e vencer, nada e ninguém poderá impedi-lo. Damos demasiada importância ao que os outros pensam ou falam a nosso respeito. Com isto nos prendemos a inúmeras coisas banais e medíocres que nos impedem de ser o que queremos e de realizar o que almejamos.

Ser bom num ambiente bom é relativamente fácil. A virtude está em ser bom, mesmo vivendo num ambiente saturado de maldade. Cultivar o amor entre pessoas que nos são caras e que nos amam também não exige grande esforço. Maior merecimento está em amar e perseverar no amor, mesmo vivendo num ambiente saturado de ódio, sem sermos amados.

Dar, ajudar, servir quando valorizam a dádiva oferecida e quando agradecem o beneficio prestado também é fácil. Maior virtude está em dar, ajudar e servir de maneira generosa e incondicional, mesmo que nos deparemos com a ingratidão e com o menosprezo para com o bem que realizamos em favor dos outros.

A grandeza e a riqueza do homem não estão no ambiente que o cerca, nem no lugar que ocupa. Reside, sim, na sua grandeza de alma, na nobreza de sentimentos, na riqueza de idéias, na virtude que cultiva, no amor que vive e no bem que promove.

O homem se deixa conduzir pelos pensamentos que habitualmente alimenta. Seremos e faremos o que sempre pensamos, tanto no aspecto positivo como negativo, seja no bem ou no mal, tornando-nos aquilo que pensamos. Daí a importância de alimentar pensamentos bons, alegres, positivos, otimistas, nobres e construtivos, pois desse modo a nossa vida será sempre melhor. Assim como temos tendência de imitar aqueles a quem admiramos, acabamos realizando ou sendo aquilo que sempre pensamos.

Para ser livre e vencer é preciso a coragem de ser bom, a coragem de ser diferente e de pensar diferente, a coragem de sermos sempre nós mesmos, reagindo de acordo com os ensinamentos de Cristo e não conforme o agrado dos homens. A massificação despersonaliza cada vez mais as pessoas. Se a moda mandasse apenas no exterior do homem relativamente à sua maneira de vestir, não haveria problema. O trágico é observar que a moda domina o íntimo do homem. Falam o que é moda falar, pensam o que é moda pensar, fazem o que é moda fazer, lêem o que é moda ler, sentem o que é moda sentir, procedem como é moda proceder e vivem como é moda viver. Tornam-se inteiramente escravos da onda, com a pretensão e com a ilusão de serem livres.

A covardia dos cristãos, que são convidados a amar e a fazer o bem, faz com que o ódio e a maldade se apresentem cada vez mais atrevidos. Quem quer, de fato, levar a sério e viver autenticamente o cristianismo, deve ter a coragem de ser diferente, disposto a enfrentar tudo, a zombaria, a critica mordaz, o desprezo, o abandono, a rejeição. Deve ter a coragem de aceitar ser chamado de quadrado, boboca, ingênuo, atrasado, careta, cafona e tantos outros termos que o despeito dos maus inventou para levar os bons a desistirem do caminho certo.

"Muitos olham para dentro de si e nada encontram e disto concluem que também fora deles nada existe".

Quem se deixa prender nas malhas do vício jamais pode crer na virtude dos outros. Quem não ama não crê no amor dos outros. O mentiroso não admite que haja pessoas sinceras. O egoísta julga os outros pela realidade íntima que possui e para ele todos são egoístas. Os falsos não acreditam na lealdade alheia. Os vingativos não admitem que exista o perdão. Os medrosos pensam que todos são covardes. Os desonestos recusam-se a admitir que haja honestidade. Para os ímpios, a piedade dos outros é carolice.

O amor não existe! É uma frase tantas vezes repetida por jovens e por adultos. Assim falam aqueles que não amam. Quem ama crê no amor, confia no amor. Cremos no amor dos outros na medida em que ele cresce dentro do nosso coração. Quem é honesto confia na honestidade dos outros e quem é bom acredita na bondade alheia.

Julgamos e avaliamos os outros de acordo com nossa realidade íntima.

"Sendo mortal o homem é apenas uma gotinha perdida no oceano do tempo".

O que é uma gotinha d'água na imensidão do mar? O que representa um grãozinho de areia na extensão do deserto? O que significa um raio de luz dentro do sol? O que significa uma única célula dentro de um corpo, onde existem bilhões delas? Nada. Muito pouco. Realmente nada.

O que representa uma vida humana de 50, 60, 80 ou até 100 anos dentro do tempo que já passou e do tempo que está por vir? Nada. E no entanto, este nada, esta gotinha perdida na imensidão do mar, que é cada pessoa humana, é um projeto de Deus. Dentro do curso da vida terrena, meramente material, nossa existência pouco ou nada representa. Na perspectiva da eternidade, porém, a vida humana se reveste de um valor sem igual e de um sentido eterno.

O homem não morre. Ele sobrevive. O homem começa no tempo e se perpetua na eternidade. Nossa vida terrena é um pálido reflexo de uma obscura aurora que promete o raiar de um eterno dia. Nossa vida terrena representa, apenas, um insignificante e desafinado prelúdio de uma eterna melodia que será executada somente na eternidade.

Os olhos que se fecham para a luz desta terra abrem-se então para contemplar o resplendor da luz do eterno dia. Os lábios emudecem para começar verdadeiramente a cantar. O coração pára de bater, compassado pelo ritmo da vida física, para desabrochar em plenitude de amor, liberto de todas as limitações humanas.

Morrer é deixar a morte para entrar na vida. Morrer é libertar-se da morte para começar verdadeiramente a viver. Vida e morte não caminham uma de encontro à outra, mas vida e morte caminham juntas, lado a lado. A morte foi concebida com a vida; a vida convive com a morte; a morte nasceu com a vida. E a verdadeira vida nasce da morte. Morrer é começar verdadeiramente a viver.

Para nós, homens de fé, a morte representa uma esperança e para os descrentes ela se torna um desespero. Para o homem de fé a morte é uma passagem para uma nova vida, mas para os destituídos de crença a morte é apenas uma fatalidade da qual ninguém pode escapar.

É difícil avaliar a angústia e o desespero de um ser humano que vê a vida sendo tragada pelo abismo do tempo, vendo desaparecer uma a uma todas as esperanças, vendo iminente a chegada da morte.

Sou uma gotinha perdida no oceano do tempo, mas uma gotinha que pode ser salva para a eternidade.

"Quem não percebe que a alegria é uma força importante do mundo, ignora a própria essência da vida. Nossa alegria é limitada demais para esbanjara nos prazeres inferiores. Poucos prazeres há sem o toque final da dor".

A alegria nasce e cresce na alma enquanto que o prazer é fruto da satisfação dos instintos. A alegria é serena, profunda, é um sol que permanece; o prazer é ruidoso, é um fogo rápido que passa.

Muitos confundem alegria com euforia e, no entanto, divergem muito uma da outra. A euforia é um estado emocional transitório, uma satisfação externa, é ruidosa, barulhenta, espalhafatosa. Atinge, apenas, a casca do homem sem a menor condição de penetrar no seu íntimo. A alegria é interna e transparece na serenidade externa do homem. A euforia é só externa, enche os sentidos deixando a alma e o coração totalmente vazios.

A maior desgraça é esquecer Deus. Como conseqüência, perde-se de vista o próprio amor. Quem esquece o amor ignora o sentido da vida, perde a alegria de viver e experimenta a amargura da frustração.

Prazer e dor não podem coexistir. Havendo fé e amor, alegria e dor podem conviver harmoniosamente. A dor física pode existir sem a dor moral. O prazer é para os sentidos, a alegria é para o espírito. A alegria de amar, de dar, de servir, de sentir-se útil é uma das mais profundas e gratas.

Vencer-se a si mesmo, dominar-se traz alegria; deixar-se dominar pela tendência do mal é causa de tristeza e amargura. O prazer do pecado se prolonga na dor; a alegria de ter feito o bem se transforma em felicidade. O prazer do pecado se converte em dor e em tristeza; a satisfação de fazer o bem se perpetua na alegria.

O ódio e o mal frustram porque contrariam o anseio mais profundo do ser humano. O bem realiza o homem porque corresponde à sua vocação. Nunca vi alguém morrer triste e arrependido por ter feito o bem; muitos se desesperam e sentem-se torturados pelo remorso por terem perdido o precioso tempo da vida praticando o mal.

O prazer do pecado passa, mas a alegria do bem permanece sempre. O perdão traz a alegria da reconciliação e a satisfação do reencontro; o prazer ilusório da vingança traz a dor, a tristeza de um afastamento ainda maior, quiçá o desespero de uma separação definitiva.

O coração humano não foi feito para comprazer-se no mal; ele foi criado para satisfazer-se e realizar-se no bem.

Os escravos do prazer bebem de todas as fontes, porém seus lábios continuam sempre sequiosos, ardendo em sede porque não beberam da fonte divina do verdadeiro amor. Comem de todas as mesas, mas os corações continuam famintos porque não se fartaram à mesa da verdade e da virtude. Andam por todos os caminhos, porém continuam sem rumo certo. Gozam de todos os prazeres que agradam aos sentidos do corpo, mas continuam insaciáveis porque não experimentaram a alegria de amar, realizando algo de bom em favor dos outros.

"Não são as paredes da igreja que a fazem grande ou pequena mas sim a luz das almas corajosas que cintila a seu redor".

Ter fé é crer no amor e aderir a ele. Ter fé é crer no amor divino e esforçar-se para amar com o amor de Deus.

O que importa é a qualidade espiritual dos cristãos que freqüentam a igreja e não a suntuosidade material do templo. Existem igrejas grandiosas e cristãos medíocres; igrejas materialmente ricas e fiéis espiritualmente pobres; igrejas artisticamente belas e almas que são caricaturas e não imagem e semelhança de Deus.

É fácil erguer igrejas, templos de pedra ou de concreto armado; o difícil é construir a verdadeira igreja dentro dos corações, que se encham de amor.

Quantas casas luxuosas existem que são habitadas por corações mesquinhos! Palácios riquíssimos ocupados por corações vazios. Pobreza de espírito dentro de um corpo enfeitado de jóias, corações rudes e agressivos batendo dentro de um corpo recoberto de roupas finas e delicada. Mãos macias e sedosas mas tintas de sangue.

Almas em farrapos em vestes de ouro. Corpos recobertos com o lodo do vicio viajando em carros de luxo. Corpos perfumados e almas transcendendo a pecado. Cristão, rotulados que vivem a dizer: não roubo, não mato, não faço mal a ninguém ...

Ser cristão não é apenas evitar o mal, mas sobretudo dedicar-se à prática generosa do bem. Nós nos condenamos não tanto pelo mal que praticamos, mas, sobretudo, pelo bem que omitimos; nos salvamos não tanto pelo mal que evitamos, mas, sobretudo, pelo bem que realizamos. O melhor cristão nem sempre é aquele que mais freqüenta a igreja... o melhor cristão é aquele que mais ama e mais, imita as obras do Cristo. O amor se prova pelas boas obras que realizamos e não pelas palavras bonitas que proferimos.

A grandeza das Câmaras Legislativas está na riqueza das leis sábias e justas que ali dentro são elaborada e promulgadas.

A riqueza dos palácios governamentais reside nos bons serviços que os governantes prestam à comunidade.

Muitos se servem da pátria e do povo; pouco ou nada servem à pá- tria e ao povo. Na riqueza de al- ma, bondade do coração está a grandeza do homem. O canto e a formosura do corpo deveria ser uma expressão externa da riqueza moral e espiritual que existem no homem.

"Três coisas agradeço a Deus todos os dias de minha vida: o ter-me permitido o conhecimento de sua obra, o haver acendido a lâmpada da fé na minha treva material e o ter-me dado outra vida a esperar depois desta".

A gratidão é prova de bom caráter e demonstra a presença de bons sentimentos. A delicadeza de sentimentos enche o coração de alegria, o nosso e o dos outros.

Quem faz um benefício nunca deve procurar gratidão; quem o recebe jamais deve omitir a obrigação de agradecer.

Recebemos tanto e damos tão pouco; temos muito que agradecer.

Helen Keller tem a delicadeza de agradecer a Deus a graça de haver conhecido sua obra criadora e, no entanto, só a conheceu pela inteligência, pelo tato, pelo olfato e pelo paladar. Ela não contemplou o lindo mundo das cores nem pôde penetrar no encantado mundo das melodias. Em vez de lamentar a perda da luz material, ela agradecia a luz da fé, que a iluminava espiritualmente.

Na existência terrena Helen Keller viu uma maravilhosa oportunidade para conquistar a vida eterna. Sentia-se feliz em viver na perspectiva da eternidade.

A ingratidão é um espinho que fere profundamente os corações.

Tenho encontrado tantos pais amargurados, tantas mães derramando sentidas lágrimas de dor por causa da ingratidão dos filhos. Filhos que proferem palavras duras como estas: ― Eu não pedi para nascer! Ninguém mandou me criar! Vocês me puseram no mundo, azar! Por que não me deixaram morrer quando era pequeno, teria sido bem melhor!

O que mais nos faz sofrer é a ingratidão, a ofensa e a injustiça. A ingratidão porque fere nosso egoísmo, a injustiça porque fere nossos direitos e a ofensa porque fere nosso orgulho.

"As belezas do mundo são-nos reveladas na medida em que somos capazes de percebê-las. A agudeza de nossa visão não depende de quanto podemos enxergar, mas do quanto podemos sentir".

Amamos o que conhecemos. o conhecimento iluminado pelo amor aumenta nossa sensibilidade.

Para enxergar bastam alhos fisicamente perfeitos. Para ver é preciso amor, fé e sensibilidade.

Pela capacidade de amar, sentir e crer, aguçam-se os sentidos internos, aclaram-se as idéias, intensifica-se a percepção.

Com os olhos fechados para a realidade das cores e das formas, vemos melhor as pessoas, as coisas, os acontecimentos e a mundo despidos de sua aparência enganadora.

Levados pela excitação os sentidos podem facilmente iludir. A imaginação e a fantasia, estimuladas pelos sentidos, levam-nos a um mundo de sonhos que jamais se tornará realidade, transporta-nos a um mundo de ilusão que jamais será nosso.

A promessa de um mundo que nunca poderá ser nosso torna-se fonte de dissabores.

"Não há barreiras que o ser humano não possa transpor".

"A melhor maneira de agradecer a Deus pela visão é dar ajuda a alguém que não a possui.

Se a metade do dinheiro hoje gasto em curar a cegueira fosse usado em preveni-la, a sociedade ganharia em termos de economia, sem mencionar condições de felicidade para a humanidade.

Que toda criança cega tenha oportunidade de receber educação, e todo adulto cego uma oportunidade para treinamento e trabalho útil".

Todo deficiente físico tem direito ao estudo, ao trabalho, a um lugar na sociedade. Por outro lado, tem a obrigação de lutar, vencer e de conquistar os meios para o sustento da própria existência.

O dever da sociedade para com o deficiente físico é franquear-lhe as portas das oportunidades. Os deficientes físicos podem e devem ser fator de progresso e de construção: as deficiências físicas de que são portadores não lhes dão direito algum de viveram às custas da comunidade. Acomodar-se na deficiência, cruzar os braços, desistir da luta, é condenar-se à própria inutilidade.

A subestimação da capacidade humana conduz ao desânimo e à derrota total. A superproteção leva à completa dependência, à atrofia das forças, à inutilidade. O pássaro criado em cativeiro atrofia o instinto. Posto em liberdade, morre de fome porque não sabe procurar o alimento.

O deficiente físico deve ser esclarecido quanto às suas possibilidades e persuadido a lutar para superar todos os obstáculos oriundos de sua deficiência. Precisa ser orientado para que aceite a realidade em que vive, para que, lançando mão de tudo que dispõe, conquiste na sociedade o lugar a que tem direito.

A limitação física deve ser compensada por uma crescente expansão espiritual. A renúncia material deve converter-se numa conquista espiritual. A alegria de superar obstáculos, que pareciam intransponíveis, é profundamente gratificante e compensadora.

Por falta de conhecimentos muitos têm dificuldades no relacionamento com pessoas cegas. Desejam ajudar mas não sabem como fazê-lo. Bem intencionados, muitos querem ajudar demais e com isto criam dificuldades e sérios embaraços aos cegos.

No intuito de esclarecer os leitores, enumero abaixo vários itens que podem ser observados no trato com pessoas que não têm a visão física. Itens que são da autoria do Dr. Franklin da Silveira de Brum:

  1. Não trate as pessoas cegas como seres diferentes somente porque não podem ver.

  2. Saiba que elas estão sempre interessadas no que você gosta de ver, de ler, de ouvir e de falar.
     

FIM

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Dedico com muito carinho este meu livro a todos os meus irmãos portadores de alguma deficiência física. Amparados pela graça divina, confortados pela compreensão de todos e espelhados no luminoso exemplo de Helen Keller, possamos juntos superar alegremente todas as limitações.  Frei Anselmo Francisco

 


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2.Abr.2015
Publicado por MJA