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 Sobre a Deficiência Visual

O Impacto Psicossocial da Deficiência Visual

Sandra Rodrigues

Rapariga cega lê a Bíblia em voz alta - por meio do tacto - tentando converter a família dissoluta - George Smith, 1871
Rapariga cega lê - por meio do tacto - a Bíblia, em voz alta,  tentando converter a família dissoluta - George Smith, 1871

 

Dada a multiplicidade de aspectos envolvidos na forma como a deficiência visual afecta os sujeitos que a sofrem e as alterações que esta condição provoca nas suas vidas, procuramos neste capítulo abordar, por um lado, as consequências da deficiência visual em geral e da perda da visão em particular e, por outro, a forma como os sujeitos reagem e respondem perante ela, sem descurar a interferência de alguns aspectos nessas reacções e respostas.

Dada a atenção que a Psicologia da Saúde tem manifestado pelas doenças crónicas, nos três pontos que compõem o capítulo estabeleceremos alguns paralelismos com esta área de estudo, tendo em vista evidenciar o interesse da investigação e da intervenção na deficiência visual para os psicólogos da saúde.

Apesar desta condição não apresentar algumas das características de muitas das doenças crónicas, como a ameaça à vida, certamente que, como iremos indicando, outras lhes são comuns, até porque cada uma das doenças que faz parte deste grupo a que chamamos crónicas, apresenta especificidades que colocam diferentes condicionalismos na vida dos indivíduos que as sofrem.


1. As Consequências das Deficiências Visuais

Quando se trata de abordar as consequências que uma deficiência visual acarreta para a vida dos que a vivenciam, muitos aspectos devem ser tidos em conta, devido à grande variedade de situações que ela pode provocar. Assim, há que atender a questões como: se a deficiência visual é congénita ou adquirida; se esta perda foi um processo gradual ou se teve uma causa traumática e repentina, como um acidente; qual o grau, o tipo e a estabilidade de visão que a pessoa possui; se as dificuldades de visão são óbvias para um observador externo; quais as capacidades que cada sujeito desenvolveu para fazer uso da sua visão residual eficazmente; e se esta condição vem acompanhada por outros problemas de saúde, sem esquecer todo um conjunto de factores sociais que produzem variabilidade em qualquer população (Caylor, 1974; Rosa, 1993; Tuttle, 1984; Tuttle & Tuttle, 1996; Welsh & Tuttle, 1997).

De acordo com Tuttle (1984) e com Tuttle e Tuttle (1996), o impacto da cegueira, abordado de modo geral, manifesta-se num conjunto de implicações: para a manutenção pessoal e doméstica, para as deslocações, para a leitura e para a escrita, para o emprego, e para o lazer.

Estes autores distinguem ainda um conjunto de implicações psicossociais da cegueira, que agrupam em implicações sociológicas e implicações psicológicas.

Nas implicações sociológicas são indicadas: tendência para a imaturidade e o egocentrismo, isolamento e afastamento social, passividade e dependência, acesso restrito ou inadequado a modelos de papéis sociais, e atitudes estereotipadas tanto das pessoas que vêem como das que não vêem.

As implicações psicológicas incluem: a aprendizagem de conceitos dificultada (sobretudo em cegos precoces); competências intelectuais sem alterações, mas com alguma inibição na recolha da maior quantidade possível de informação sensorial e necessidade por parte das crianças cegas de experiências concretas para as suas realizações escolares; tendência para agravamento ou exacerbação de traços de personalidade; e necessidade de um processo de ajustamento. Estes autores chamam a atenção para a importância do auto-conceito e da auto-estima nesse processo de ajustamento.

Antes de mais, vale a pena ressaltar que existem algumas diferenças entre pessoas que nunca viram, e que portanto sofrem de cegueira congénita, e aquelas que perderam a sua visão depois de terem visto durante um período de tempo mais ou menos longo. A mais evidente é precisamente o sofrer a perda da visão por parte do segundo grupo. Além disso, essas diferenças baseiam-se essencialmente na aquisição de conceitos físicos e no desenvolvimento da motricidade. Falvo (1991) explica que as pessoas que têm uma cegueira desde a nascença não tiveram oportunidade de aprender conceitos como distância, profundidade, proporção e cor. Por causa da sua falta de experiências visuais no ambiente, tal como observação de tarefas e comportamentos dos outros, estas pessoas vão ter que aprender através de meios alternativos, conceitos que os indivíduos que vêm, normalmente têm por adquiridos. Ao perder mais tarde a sua visão, estes indivíduos poderão basear-se nas suas experiências visuais como ponto de referência para conceitos físicos (Falvo, 1991).

Na opinião de Arnaiz (1998), as actividades ligadas ao movimento e todas as que dele derivam são as que se encontram mais deterioradas em crianças com deficiência visual, uma vez que na infância, as experiências sensorio-motoras constituem a maior fonte de informação e de conhecimento para a criança. Segundo a sua investigação, estes problemas podem ser menores nas crianças com visão reduzida, ainda que não se possa generalizar por estarem em consonância directa com a funcionalidade que permitem os resíduos visuais que possuem, a estimulação precoce recebida, o ambiente estimulador não protector do seu meio, etc. No caso dos sujeitos cegos, este problema agrava-se, uma vez que a visão é um factor decisivo para adquirir e desenvolver os padrões do movimento (Arnaiz, 1998).

Explicando as diferenças nas dificuldades de motricidade das pessoas que adquirem uma deficiência visual após a infância, Pelechano e colaboradores (1995) afirmam que:

“O sorriso, a motricidade fina, a postura erecta da cabeça, etc., já se aprenderam e a sua expressão não se vê afectada pela dificuldade visual. No entanto, a utilização de uma bengala, a deslocação guiada pelo braço de outra pessoa, a aprendizagem do Braille com umas mãos pouco desenvolvidas na estimulação táctil, etc., podem converter-se em aspectos problemáticos e difíceis para a pessoa que começou a sofrer uma deficiência visual grave” (p. 358).

Tendo em vista a experiência da cegueira adquirida em adultos, Carroll (1968) apresenta de forma extensiva uma ampla gama de perdas decorrentes (algumas delas coincidentes com as acima mencionadas), agrupando-as em perdas básicas em relação à segurança psicológica, perdas das habilidades básicas, perdas da comunicação, perdas da apreciação, perdas relacionadas com a ocupação e com a situação financeira, e perdas que têm implicações na personalidade como um todo.

Dada a variedade de perdas apontadas, vale a pena especificar as que se encontram em cada um destes grupos. No primeiro, encontram-se a perda da integridade física, da confiança nos sentidos remanescentes, do contacto real com o meio ambiente, do campo visual (num sentido abrangente, e não oftalmológico), e da segurança luminosa. Dentro das perdas das habilidades básicas encontramos a perda da mobilidade e a perda das técnicas da vida diária. A perda da facilidade da comunicação escrita, da facilidade na comunicação falada, e de acompanhar o progresso informativo, estão incluídas nas perdas da comunicação. As perdas da apreciação incluem a perda da apreciação visual do agradável e da apreciação visual do belo. Das perdas relacionadas com a ocupação e com a situação financeira fazem parte a perda do lazer e a perda da carreira, do objectivo vocacional, e da oportunidade de emprego. Finalmente, temos as perdas que compõem o grupo das que têm implicações na personalidade como um todo: perda da independência pessoal, da adequação social, do anonimato, da auto-estima, e da organização total da personalidade. O autor aponta ainda outras perdas concomitantes: perda da decisão, do sono nas horas certas, do tónus, e constante sensação de fadiga.

Algumas das consequências da perda sensorial que é objecto deste estudo são distintas, e outras serão coincidentes, para sujeitos que têm uma ausência parcial ou total de visão e mesmo entre aqueles que estão classificados numa determinada categoria de visão, como foi demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho. As diferenças verificam-se, por exemplo, ao nível das necessidades de reabilitação (Welsh & Tuttle, 1997). Além disso, os sujeitos que apresentam doenças oftalmológicas cujo prognóstico seja inseguro ou negativo podem viver as suas vidas temendo a cegueira, e por outro lado alimentando esperanças, que, por sua vez, podem implicar uma insegurança constante para os planos de futuro (Klose, 1998). De facto, a ideia de eventualmente vir a ficar cego constitui o maior medo de muitas pessoas com visão reduzida, as quais têm de lidar com mudanças no seu estilo de vida, com a sensação de perda de controlo, com a experiência emocional dolorosa das idas constantes ao oftalmologista, e com a decisão de se submeter ou não a uma cirurgia (Sacks, 1996).

A incerteza é também uma das características mais problemáticas das doenças crónicas, podendo afectar o funcionamento do dia-a-dia, ao dificultar ajustamentos nas áreas mais importantes (Royer, 1998) e também ao dificultar os planos de futuro (Falvo, 1991).

De acordo com um interessante estudo realizado por Conyers (1992), ao contrário do que inicialmente poderia supor-se, as consequências da ausência de visão que apresentam necessidade de ajustamento psicológico aparecem como mais difíceis para os indivíduos do que as que exigem ajustamentos práticos. De Leo, Hickey, Meneghel e Cantor (1999) referem que a perda da visão acarreta diferentes níveis de sofrimento psíquico, e que, embora não haja uma reacção psicopatológica específica para a cegueira, a depressão é apontada como uma reacção típica. Esta ideia foi já mais ou menos defendida por outros autores, mas sobre as reacções psicológicas à perda da visão, nos debruçaremos mais à frente neste capítulo.

Para já, vale a pena ressaltar que algumas das dificuldades que podem ser consideradas de carácter mais prático, apresentam implicações nas reacções psicológicas. É o caso da mobilidade, que acarreta um conjunto destas reacções como a ansiedade e a necessidade de um esforço cognitivo acrescido (Beggs, 1992); é também o caso das actividades de lazer, que podem apresentar dificuldades de realização para os deficientes visuais, as quais lhes permitiriam repousar do stress provocado pela sua condição (Dodds, 1993). Além disso, algumas destas consequências acarretam outras, que inicialmente podem não ser tidas em conta, em toda a sua extensão. Assim, por exemplo, o trabalho, além da remuneração de serviços, proporciona um sentido de contribuição, de realização, e de significado à vida das pessoas, implicando também o bem-estar social e psicológico do indivíduo (Falvo, 1991; Leonard, 2000), o que nos leva a questionar o significado pessoal da perda e da mudança de uma actividade laboral. Assim, a forma como cada indivíduo se sente afectado por determinada consequência específica (e por vezes menos visível) deve também ser considerada. Por exemplo, alguns sujeitos têm dificuldade em ajustar-se à perda da privacidade que deriva da sua necessidade de alguém lhes ler uma conta ou um cheque (Falvo, 1991).

Mostrando mais uma vez a interdependência entre as consequências da deficiência visual, o isolamento social para o qual muitos autores chamaram a atenção, do qual podem resultar problemas para a saúde mental, pode surgir quando uma mobilidade deficiente restringe os contactos sociais (Ringering & Amaral, 2000).

Vale a pena indicar ainda um aspecto poucas vezes mencionado, mas que poderá interferir também no bem-estar físico e psicológico dos sujeitos, e que se refere às perturbações de sono. Segundo um estudo realizado por Léger & Hommey (1998), estas perturbações (sobretudo insónia e sonolência diurna) aparecem mais frequentemente em pessoas cegas. Os autores do estudo apontam que, além de factores como o excesso de stress em conjunto com as dificuldades da vida diária dos cegos, e como uma maior sensibilidade ao ruído que perturba o sono, que poderão explicar algumas destas dificuldades nas pessoas cegas, existe outra causa mais significativa: a ausência de regulação da luz. Apesar de reconhecermos o interesse destes dados, não devemos esquecer que a maioria das pessoas consideradas cegas possui percepções de luz, cor e/ou movimento, como anteriormente foi referido, o que nos leva a questionar o âmbito de aplicabilidade destes resultados.

Outra área em que as consequências da perda da visão podem fazer-se sentir diz respeito à identidade. Tal como refere Dodds (1993), para algumas pessoas, a perda total de visão significa a privação do feedback visual familiar que lhes lembra quem eles são, pelo que a cegueira repentina pode ameaçar a identidade de uma pessoa a ponto de o indivíduo sentir que está a perder o domínio da realidade. Algumas pessoas, ao perderem a visão, podem sofrer uma crise de identidade pessoal severa, e isto pode fazer com que comecem a questionar até o próprio género (Dodds, 1993). Já as pessoas com visão reduzida podem sentir dificuldade em desenvolver a sua identidade enquanto tal e em identificar-se com o grupo de pares (Sacks, 1996). As questões dos dilemas de identidade, foram também abordadas em homens com doenças crónicas (Charmaz, 1997). Estes dilemas incluem as seguintes oposições: actividade de risco vs. passividade forçada, permanecer independente vs. tornar-se dependente, manter o domínio vs. tornar-se subordinado, e preservar uma “persona” pública vs. dar a conhecer sentimentos privados.

Temos vindo a referir consequências adversas relacionadas com a perda da visão, mas teremos de atender a um aspecto poucas vezes mencionado e que diz respeito aos possíveis ganhos ou benefícios desta condição. Carroll (1968) faz referência, e discute, um conjunto de supostos benefícios da cegueira, como sejam: os benefícios vocacionais, do pensamento abstracto, para a auto-imagem, da compreensão, reconhecimento daquilo que é bom no mundo, benefício da amizade, do esquecimento do que é feio no mundo, da descoberta de energias até aí ignoradas, e na reorientação dos valores temporais internos. No entanto, a opinião do autor é a de que para a maioria das pessoas, não há do que tirar proveito da cegueira, resultando esta apenas num conjunto de perdas.

Considerando o sofrimento daquele que perde a sua visão, e que alguns aspectos positivos podem ser descobertos pelo doente no seu sofrimento, quando este é encarado como um desafio (McIntyre, 1995), podemos entender os benefícios apontados por Carroll (1968) como significados positivos atribuídos ao sofrimento que pode constituir a perda da visão.

Num sentido diferente, e independentemente de serem interpretados ou não como benefícios, deve ser dito aqui que em Portugal, o artigo 71º da Constituição da República Portuguesa estabelece a protecção aos cidadãos portadores de deficiência e dele decorre um conjunto de medidas legislativas que incidem nos mais variados domínios: acessibilidades e eliminação das barreiras arquitectónicas, ajudas técnicas, promoção da mobilidade, benefícios fiscais, regime laboral, ensino, e, mais recentemente, quotas de emprego na Administração Pública (Araújo, 2001).

Apesar de toda a variedade de consequências que podem ser apontadas para a vida dos que têm uma deficiência visual, estamos de acordo com Silverstone e colaboradores (2000), quando afirmam que “No entanto, de uma certa forma é o ambiente que impõe a desvantagem (handicap) às pessoas com deficiências visuais através de estruturas, costumes e comportamentos que tornam o mundo exterior inacessível” (p. XIII).

Os estereótipos e o estigma relativos à cegueira e à visão reduzida, e a forma como estes afectam os sujeitos, é um problema que tem merecido atenção da maior parte dos teóricos e investigadores desta área, ainda que o estigma da cegueira pareça ter merecido maior atenção do que o estigma da visão reduzida. A literatura, as artes visuais, e mesmo a própria comunicação social contribuem muitas vezes para alimentar sentimentos de piedade, perpetuar as imagens negativas ou irrealistas da cegueira, e fomentar atitudes incorrectas das pessoas que vêem para com as pessoas cegas (Dodds, 1993; Hollins, 1989; Pelechano et al., 1995).

Algumas das falsas crenças relativas à cegueira foram apontadas por Tuttle (1984) e por Tuttle e Tuttle (1996): (a) inferior, sub humano, sem esperança e inútil; (b) digno de piedade, desditoso e desgraçado; (c) digno de temer, evitar e rejeitar, especialmente em relações pessoais íntimas; (d) emocional e sexualmente inadaptado; (e) associado com a morte; (f) castigado por um pecado anterior, imoral e diabólico; (g) digno de ridicularizar pela sua estupidez, dificuldades de compreensão e outras incapacidades gerais; (h) impossível dar-lhe emprego; (i) inacessível de uma maneira cómoda ou fácil; (j) vivendo em constante escuridão e negrura; (k) ter de tolerá-lo, ser indulgente, ou desculpá-lo; (l) sobre-humano, ou dotado ou compensado sobrenaturalmente; (m) evidência da vulnerabilidade de cada um; (n) digno de solidariedade, compreensão e respeito; e (o) competente e capaz.

Também na linguagem popular se observam expressões que reflectem os estereótipos sobre a cegueira, como por exemplo “nas trevas da ignorância”, entre outras (Canejo, 1996). Na nossa opinião, isto deve-se ao facto da palavra cegueira referir-se tanto à ausência de visão, como à falta de conhecimento ou de capacidade de entendimento.

As pessoas com visão reduzida são também sujeitas, e por vezes ainda mais do que as pessoas cegas, a concepções e atitudes erradas, talvez pela dificuldade das pessoas com visão normal de compreender o que é ter visão reduzida, pois conseguem imaginar mais facilmente o que é ser cego (Sacks, 1996).

Apesar de actualmente as crenças serem mais realistas, a mudança nas atitudes públicas não ocorreu completamente. As teorias que procuram explicar as atitudes não realistas face à cegueira são, por um lado, a teoria da falta de conhecimento da realidade das pessoas cegas e, por outro, a teoria do simbolismo, que supõe que as pessoas constroem inconscientemente ideias estranhas sobre os olhos e a visão, que por sua vez influenciam as reacções emocionais face à cegueira (Hollins, 1989).

Uma investigação financiada pela Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE), sobre a percepção social e as atitudes no processo de integração da pessoa cega, levada a cabo por uma equipa de investigadores dirigidos por Esteban (1993), concluiu que a percepção social que os que vêem têm da pessoa cega é extremamente positiva, no que respeita às cinco dimensões que foram objecto da percepção: competência cognitiva, atitudes profissionais, competências sociais, autonomia pessoal, e personalidade. Esta percepção positiva sobre a pessoa cega é mais favorável do que a sua própria auto-percepção e, sobretudo do que a sua meta-percepção. Curiosamente, a pessoa que sofre de cegueira não se considera bem percebida pelos que vêem, pelo menos não tão bem como é na realidade, o que faz supor para os investigadores, um problema de comunicação entre todos. Também as atitudes dos que vêem aparecem como muito positivas para a integração da pessoa com cegueira, apesar de não alcançarem o nível tão favorável dos componentes cognitivos.

Uma das razões para a importância das atitudes estigmatizantes é que elas afectam a qualidade das relações humanas, inibindo a aproximação das pessoas que vêem com as pessoas cegas, e dificultando o encontro de um trabalho adequado aos seus interesses. Além disso, podem afectar a auto-estima da pessoa cega e a sua atitude face à sociedade (Hollins, 1989). Por sua vez, o receio da estigmatização relaciona-se, por exemplo, com a ansiedade decorrente do receio de vir a ser rejeitado socialmente (Conyers, 1992).

As imagens estigmatizantes limitam também os modelos disponíveis para a identificação das pessoas cegas. Assim, a pessoa cega recente tem poucos modelos de papéis realistas, se chega a ter algum, nos quais basear as suas próprias expectativas para o futuro, ou informação válida que a possa ajudar a desenvolver uma concepção realista do seu próprio potencial (Dodds, Bailey, Pearson & Yates, 1991).

A estigmatização é um problema comum às doenças crónicas, trazendo, como uma das principais consequências, o isolamento social (Devins & Vinik, 1996; Falvo, 1991; Royer, 1998).

Além do funcionamento social eficaz por parte das pessoas cegas estar afectado devido aos estereótipos, Falvo (1991) alerta também para as dificuldades no estabelecimento de relações interpessoais decorrentes da perda de controlo sobre os métodos normais de iniciar uma conversação, como o contacto ocular e pistas não verbais, a falta de à-vontade dos que vêm perante os cegos, bem como silêncios prolongados que podem levar a pessoa que não vê a considerar que está a ser observada ou ignorada. Hull (1994), na sua reflexão pessoal sobre a cegueira, faz também referência a um conjunto de dificuldades da ausência de visão, como seja a dúvida na correspondência do sorriso, se este não for acompanhado por comunicação oral.

Finalmente, não podemos deixar de salientar que, até agora, foram mencionadas consequências directamente relacionadas com a deficiência visual, mas que outras consequências adicionais teriam de ser apontadas para situações em que esta deficiência coexiste com outras deficiências ou condições de saúde (ver Dodds, 1993; Silverstone et al., 2000). Ao referir-se a crianças com multi-deficiência, Tobin (1998) afirma que existe uma firme evidência para sugerir que a cegueira, não apenas acrescenta, mas antes multiplica os efeitos desvantajosos das outras deficiências físicas e sensoriais. Em nosso entender, isto será muito provavelmente aplicável a outras faixas etárias.

Para terminar este ponto, indicamos de forma resumida, alguns aspectos que se combinam para provocar efeitos profundos nas vidas das pessoas com doença crónica ou incapacidade, muitos deles certamente aplicados à deficiência visual: o tempo prolongado do tratamento, o prognóstico muitas vezes incerto, o stress psicossocial intenso e constante, o aumento gradual das interferências no desempenho das actividades diárias e do modo de vida, e o impacto causado nas famílias e nos amigos (Livneh & Antonak, 1997). Assim, e como no sofrimento do doente deve atender-se a “(...) uma ou várias dimensões da pessoa, o corpo, a identidade, as relações familiares, o emprego, a dimensão espiritual, etc” (McIntyre, 1995, p. 21), também nas deficiências visuais estes aspectos terão de ser tidos em consideração quando se avaliam as consequências destas condições e o sofrimento dos que as vivenciam.


2. O Ajustamento e a Adaptação à Perda da Visão: Conceitos e Modelos

A perda da visão é, por tudo o que já foi mencionado, um acontecimento de vida que suscita uma multiplicidade de reacções e que obriga os sujeitos afectados a encontrar formas de lidar, quer com estas reacções, quer com as consequências que decorrem da redução grave ou ausência da visão. Estes aspectos são geralmente abordados sob a forma de modelos de ajustamento ou adaptação, que fazem referência a reacções face à perda, a mecanismos de coping, e a resultados deste processo.

O trauma físico ou social da cegueira é, para Tuttle (1984) e para Tuttle e Tuttle (1996), o acontecimento ou as circunstâncias que precipitam a necessidade de adaptação. Assim, para estes autores, o trauma físico ou social para o cego congénito pode ser dar-se conta de que é cego, de que é diferente. Para o cego tardio, pode ser o começo da cegueira como causa de um acidente ou doença, podendo o trauma frequentemente começar no consultório do oftalmologista ou no hospital, quando o médico informa o paciente acerca da possível perda de visão. Nestes casos o trauma não é a perda em si, mas o ter conhecimento da perda iminente. Para cegos congénitos e adquiridos, o trauma pode ser um encontro recorrente com o estigma social da cegueira. O trauma da cegueira não produz necessariamente uma erupção violenta de emoções, ainda que outros traumas posteriores possam ocorrer (Tuttle, 1984; Tuttle & Tuttle, 1996).

Verifica-se que as reacções à perda da visão podem ser bem diversificadas. Este acontecimento pode apresentar-se “(...) de forma arrasadora para alguns, enquanto para outros, com o passar do tempo, tornar-se apenas um mero inconveniente desagradável” (Canejo, 1996, p. 3). Dodds (1993) explica assim algumas das reacções das pessoas que estão irremediavelmente cegas:

“Alguns pacientes podem não aguentar enfrentar este facto e decidir que a vida não vale a pena ser vivida. Eles retirar-se-ão para um mundo de passividade e pena de si mesmos, do qual podem nunca sair, ou podem inicialmente ficar apavorados mas tentar levar as suas próprias vidas” (p. 2).

A depressão é, como veremos, uma reacção ou uma fase que está prevista em quase todos os modelos de ajustamento ou adaptação à perda da visão. A consideração de que a depressão é reacção comum à perda da visão (assim como outros aspectos do ajustamento ou adaptação a esta perda) baseia-se muitas vezes em dados clínicos, não existindo muitos estudos empíricos sobre o assunto, e muitos dos que existem apresentam falhas metodológicas (Horowitz & Reinhardt, 2000; Livneh & Antonak, 1997). A evidência empírica tem demonstrado que “(...) a depressão afecta realmente um subgrupo significativo de adultos mais velhos com deficiências visuais, um número bastante distante da proporção afectada similarmente dentro de amostras normativas da população adulta geral” (Horowitz & Reinhardt, 2000, p. 1090). Dodds (1993) reconhece a contribuição dos factores psicológicos no desenvolvimento da depressão em pessoas que perdem a visão, mas destaca algumas pesquisas que sugerem existir também uma base fisiológica para ela. Neste sentido, indica que a depressão pode ser o resultado de falta de exposição à luz, e da consequente redução da melatonina (responsável pelo ritmo circadiano). Apesar desta suposição poder, na opinião do autor, explicar a depressão crónica das pessoas cegas, ela carece ainda de mais confirmação empírica. Em nosso entender, esta explicação não deixa claro se a diferença reside na quantidade de luz, ou na sua presença ou ausência, sem esquecer, à semelhança do que foi referido para as perturbações de sono, os resíduos visuais que possui a maioria das pessoas consideradas cegas.

É importante salientar que a depressão não é uma consequência inevitável da deficiência visual (Horowitz & Reinhardt, 2000), nem de outras incapacidades físicas (Wortman & Silver, 1989, in Ringering & Amaral, 2000).

Além da depressão, a ansiedade é comum quando ocorre a perda de visão, surgindo normalmente em simultâneo (Dodds, 1993). Uma perturbação psicopatológica que pode seguir uma cegueira traumática é a perturbação de Stress Pós Traumático (Dale, 1992).

Na pesquisa teórica que realizámos para este trabalho, verificámos que os conceitos de ajustamento e adaptação não se encontram muitas vezes diferenciados. Esta constatação já havia sido feita por Livneh e Antonak (1997), os quais indicaram serem conceitos que têm muito em comum. O próprio termo ajustamento tem sido usado de formas muito diversas, ou seja, sem acordo mesmo entre aqueles que trabalham na reabilitação de sujeitos com deficiências visuais, e esta é uma das razões pelas quais um modelo de ajustamento se considera necessário (Dodds, 1993).

Tendo em vista várias formulações teóricas sobre os conceitos de ajustamento e adaptação, Livneh e Antonak (1997) consideram:

“(...) a adaptação psicossocial à doença crónica e à incapacidade como um processo envolvente, dinâmico e geral através do qual o indivíduo atinge gradualmente um estado óptimo de congruência pessoa-ambiente, manifestado por (1) participação activa nas actividades sociais, vocacionais e de tempos livres; (2) combinação bem sucedida com o ambiente físico e (3) consciência das restantes forças e qualidades úteis assim como das limitações funcionais existentes” (p. 8).

Para estes autores, o ajustamento refere-se a uma fase específica do processo de adaptação psicossocial. Assim, o ajustamento é, na opinião de Livneh e Antonak (1997), a fase final clínica do processo revelador de adaptação a situações de crise, a partir dos primeiros sintomas e reacções à doença crónica e à incapacidade.

Autores como Dodds e colaboradores (1991) preferem ver o ajustamento à cegueira adquirida precisamente como um processo em vez de um ponto final.

Na literatura, os conceitos de adaptação e ajustamento aparecem muitas vezes relacionados com os resultados da reabilitação. De acordo com Ringering e Amaral (2000):

“Uma revisão da literatura revela que os investigadores usaram uma variedade de definições de adaptação e de resultados de reabilitação. Estas incluem em comum a ausência de depressão ou outra forma de distress psicológico; participação em papéis sociais, vocacionais, e de comunidade; a capacidade para executar habilidades comportamentais que permitem funcionar de forma independente; e a habilidade para fazer uso dos recursos disponíveis” (p. 1034).

Outro conceito frequentemente utilizado, quando se trata de lidar com a perda da visão, é o de aceitação. Este aparece sobretudo como o oposto à negação (De Leo et al., 1999), sobre cujo significado nos deteremos mais adiante.

Vários autores que se têm debruçado sobre o ajustamento e adaptação à deficiência visual, sobretudo à cegueira adquirida, sugerem um conjunto de fases nas reacções a esta condição. Estas fases variam em número e em características, sendo também diferente a forma de apresentar a sua dinâmica. Vejamos de modo sucinto alguns dos modelos sugeridos.

Os primeiros estudos sobre cegueira adquirida, realizados por Blank (1957), Cholden (1954), Pearlman e Ruth (1980), sugeriram que a reacção típica a este acontecimento traumático seria composto por três grandes fases: (a) choque, (b) depressão, e (c) recuperação (in Livneh & Antonak, 1997).

Emerson (1981), baseada na sua experiência em dinâmica de grupos de sujeitos que haviam perdido a visão, refere também a verificação de três fases, designadas de modo idêntico: choque, depressão reactiva, e readaptação. Na fase de choque, identificou reacções de negação, isolamento, ira, e ressentimento. A apatia e a amargura caracterizavam o período depressivo, que em alguns sujeitos durou vários anos. Quando a depressão era severa, podiam aparecer ideias de suicídio, fantasias excessivas ou abuso de drogas. A readaptação (que a autora coloca em paralelo com a auto-aceitação) estava marcada pelo retomar de actividades prévias agradáveis, talvez de forma modificada, ou desfrutando de novas distracções ou trabalhos. Emerson (1981, 1984) chamou a atenção para o facto de os sujeitos não passarem de uma fase a outra de forma ordenada e gradual, de poderem não passar por todas as fases, e de poderem voltar a elas com diferentes graus de intensidade e duração.

Allen (1990, in Livneh & Antonak, 1997), baseado no trabalho intensivo com 6 adultos, dividiu o processo de adaptação em três fases dinâmicas distintas. Estas fases hipotéticas foram: (a) fase do pré-impacto, na qual a pessoa não estava totalmente consciente da gradual perda de visão ou, no caso de uma perda repentina, da perda permanente e efectiva; (b) fase do impacto, que inclui a concretização da perda da visão com as suas reacções concomitantes de depressão, raiva, insegurança, auto desvalorização, e o afastamento social; e (c) aprender a viver com esta incapacidade, fase que reflecte a aceitação da condição e a sua permanência, a aprendizagem de novos modos de adaptação, ser capaz de desenvolver actividades independentemente, e ver o futuro como um desafio a ser ultrapassado.

Fitzgerald (1970, in Ringerin & Amaral, 2000) investigou pessoas entre os 21 e os 65 anos, que lidavam com o começo da perda da visão severa nos últimos 2 anos. Utilizando entrevistas informais e semi estruturadas, o autor concluiu que a perda de visão resulta num processo que se desenvolve de forma dinâmica, não um estado fixo de depressão, e que estas quatro fases distintas da reacção (descrença, protesto, depressão, e recuperação) pareciam ocorrer pela ordem mencionada, mas sem fronteiras claras entre elas, existindo normalmente sobreposição de fases (Ringering & Amaral, 2000).

Tuttle (1984) e Tuttle e Tuttle (1996) apresentam sete fases sequenciais e não hierárquicas, que podem sobrepor-se, no ajustamento à cegueira congénita ou adquirida. São elas: (a) trauma físico ou social, (b) choque e negação, (c) luto e isolamento, (d) desistência e depressão, (e) reavaliação e reafirmação, (f) coping e mobilização, e (g) auto-aceitação e auto-estima.

Klose (1998) alerta para o perigo dos modelos de fases obstacularizarem a compreensão da forma individual como cada pessoa passa por uma crise. O autor alerta para o facto de que, apesar destes modelos levarem a que os diferentes sintomas reaccionais não sejam considerados processos patológicos, mas expressão de um processo transitório e necessário de coping, os estudos empíricos demonstrarem que as reacções a acontecimentos vitais fundamentais podem ser muito diferentes a nível individual. Além disso, o tempo de permanência, a característica específica, a omissão de fases individuais, assim como o retrocesso a fases que já se suponham superadas, contradizem um desenvolvimento de fases invariável (Klose, 1998).

No entanto, e como fomos registando, alguns desses modelos alertam já para a dinâmica do processo, para a omissão ou sobreposição, e mesmo para a não hierarquização das fases. Como mencionam Ringering e Amaral (2000), a noção de que não há um padrão rígido e direccional no ajustamento estendeu-se já a diversos autores.

Os modelos de ajustamento existentes tendem a estar baseados nalgum modelo de luto e perda (Beggs, 1992; Pills, 1991, in Dodds, 1993). De facto, alguns autores consideraram a cegueira como a morte de alguém que vê e que tem de fazer o seu luto e renascer como pessoa cega (e.g., Carroll, 1968; Cholden, 1958, in Caylor, 1974).

Na opinião de Dodds (1993), o modelo de perda tem falhado porque o que leva a pensar que uma pessoa está de luto é o facto de estar deprimida; porém, tem de ser reconhecido que nem todos se sentem deste modo. Assim, de acordo com o autor, os profissionais que supõem que o processo de luto é essencial para o ajustamento podem levar os clientes a reflectir e a expressar dor, sem que estes tenham necessidade de o fazer. Também Inde (1988, in Dodds, 1993) referiu que os modelos de luto e perda não correspondem à sua vasta experiência no campo. Além disso, o modelo de perda coloca um estádio final no processo, no qual a pessoa terá resolvido os seus problemas, mas nem todas estas pessoas completam o ajustamento à situação (Beggs, 1992).

O trabalho de Wortman e Silver (1989, in Ringering & Amaral, 2000), sugere que podem existir vários padrões comuns para a adaptação à perda, sendo um deles considerado pelas teorias tradicionais de luto e perda. Os autores encontraram apoio para, pelo menos, mais três modelos de adaptação à perda. No primeiro verifica-se a redução progressiva do distress. No segundo as pessoas parecem não mostrar intenso distress, nem inicialmente, nem em períodos posteriores. No terceiro, os indivíduos continuam a sentir muito distress durante mais tempo do que seria esperado. Fica então a questão de como estes modelos de ajustamento se aplicam à deficiência visual (Ringering & Amaral, 2000).

Beggs (1992) apresenta, e comenta, outros modelos alternativos ao de perda: (a) o modelo de crise (Kaplan, 1964), que pode ter uma aplicabilidade limitada, pois nem todas as pessoas que perdem a visão passam por uma crise dramática; (b) o modelo de transição (Adams, Hayes, & Hopson, 1976), através do qual se perspectiva a possibilidade de uma descontinuidade no ciclo previsível de reacções e sentimentos e os progressos são conseguidos com estratégias de coping eficazes; e (c) o modelo do processo (Roessler and Bolton, 1978), no qual o ajustamento pode ser visto, não como um estado, mas como a habilidade das pessoas para resolver os seus problemas de vida. Todas estas perspectivas enfatizam que o ajustamento pode ser visto como um processo contínuo de coping (Beggs, 1992).

Partindo da ideia de que uma perda repentina e grave de visão produz invariavelmente no indivíduo uma crise catastrófica e uma mudança permanente da sua condição, às quais deve adaptar-se, como alternativa ao modelo de perda, Dodds e colaboradores (1991) apresentam uma perspectiva cognitiva baseada em aspectos multidimensionais. Tomando o fenómeno da depressão como ponto de partida, os autores consideram legítimo perguntar que processos psicológicos subjazem aos sintomas de depressão. Neste sentido, sugerem que a perda da visão reduz a auto-eficácia, o sentimento de controlo sobre os acontecimentos, a auto-estima, e que a perda da visão conduz a um estilo atribucional depressivo, que tem como consequência uma falta de interesse pelas tarefas de reabilitação. Além destes quatro aspectos, para os autores, uma medida do nível de ajustamento de uma pessoa, é o grau em que aceita a sua deficiência visual. Por último, as atitudes negativas anteriores face às pessoas cegas poderão contribuir provavelmente para pensamentos e sentimentos depressivos, para uma auto-estima e expectativas de eficácia mais baixas, e para exteriorizar o controlo percebido. É também provável que isto produza mais depressão através da percepção de inactividade e maior dependência de outros (Dodds et al., 1991).

Por seu lado, Lindo e Nordholm (1999) destacam o interesse do modelo de Persson (1990), o qual “(...) assume que a situação é tão complexa que uma pessoa com uma incapacidade adoptará diversas estratégias que se complementam entre si, mais do que um estilo particular de coping” (p. 435).

O modelo descreve seis estratégias de adaptação positivas (aceitação, confiança, evitamento positivo, minimização, independência e controlo) e cinco estratégias de adaptação negativas (negação, ressentimento, vergonha, isolamento e impotência), que raramente são encontradas juntas num único modelo (Lindo & Nordholm, 1999).

Verificamos que, se alguns destes modelos foram propostos especificamente para a perda da visão, outros têm em vista a incapacidade em geral, o que torna ainda mais complexa a sua comparação.

Antes de terminar esta secção, salientamos a existência de um conjunto de modelos de coping que foram aplicados às doenças crónicas (e.g., Lazarus & Folkman, 1986; Maes & Van Elderen, 2000), à luz dos quais a perda da visão mereceria ser analisada em futuros trabalhos de carácter teórico e investigativo. De modo a dar enquadramento aos dados recolhidos no nosso estudo, apontamos alguns aspectos destes modelos.

Lazarus e Folkman (1986), dois dos grandes impulsionadores na investigação sobre o coping com o stress, explicam que a forma como os sujeitos lidam com o acontecimento stressor não depende apenas do próprio acontecimento, mas da avaliação que cada sujeito faz sobre o seu significado (avaliação primária) e sobre a forma como pode lidar com ele (avaliação secundária). Os autores diferenciaram o coping dirigido a manipular ou alterar o problema e o coping dirigido a regular a resposta emocional à qual o problema dá lugar. Como formas de coping dirigidas à emoção temos, por exemplo, os processos cognitivos encarregados de diminuir o grau de perturbação emocional que incluem estratégias como o evitamento, a minimização, o distanciamento, a atenção selectiva, as comparações positivas, e a extracção de valores positivos aos acontecimentos negativos. As estratégias de coping dirigidas ao problema são parecidas com as utilizadas para a sua resolução, ainda que abranjam um leque mais amplo.

Como recursos para fazer face ao stress consideram-se principalmente propriedades do indivíduo, como a saúde e a energia (recursos físicos), as crenças positivas (recursos psicológicos), e as técnicas sociais (atitudes) e de resolução de problemas. As restantes são mais ambientais e incluem recursos sociais e materiais (Lazarus & Folkman, 1986).

Maes, Leventhal e De Ridder (1996) e Maes e Van Elderen (2000) chamam a atenção para aspectos que, na sua opinião, foram negligenciados pelo modelo anterior, para a compreensão do coping com as doenças crónicas. Esses aspectos referem-se à necessidade de se ter em conta as características do stressor relacionado com a doença, a complexidade que constitui a dinâmica do coping, e a variedade de resultados possíveis. Os autores propõem assim um modelo alargado de coping com o stress, que inclui o papel dos acontecimentos de vida que rodeiam uma doença, as características da própria doença e do seu tratamento, o papel das metas pessoais que se encontram afectadas, e a importância dos recursos internos e externos para um coping adequado. Na sua opinião, só atendendo a todos estes aspectos, será possível compreender a relação entre ajustamento e coping.

No caso da deficiência visual, é improvável que as suas consequências sejam percebidas de forma imediata, e o stress será experimentado repetidamente a cada implicação e a cada nova frustração (Dodds, 1993). É deste modo que Tuttle (1984) e Tuttle e Tuttle (1996) sugerem que os indivíduos, quando confrontados por um novo stress, podem percorrer mais uma vez o percurso de ajustamento que vai até uma nova auto-aceitação e auto-estima.


3. Factores Intervenientes no Ajustamento e Adaptação à Deficiência Visual

Como referem Ringering e Amaral (2000), a pesquisa sobre os preditores de resultados positivos no ajustamento e na reabilitação tem explorado: o impacto de características demográficas como a idade, género, ambiente cultural e rendimento económico; características da perda de visão, como grau de visão residual, idade na altura do início da perda de visão, tempo decorrido desde a perda, grau de mudança, e presença de outras incapacidades; circunstâncias externas que incluem atitudes dos outros em relação à deficiência visual, apoio social, e acessibilidade do ambiente; e variáveis intra-psíquicas de personalidade, auto-conceito, e inteligência.

Vejamos, de forma sucinta, alguns destes aspectos, recordando contudo que, nos estudos realizados, são muito variados os critérios de ajustamento e adaptação utilizados.

No que se refere às características demográficas, alguns factores sociais podem mediar a intensidade das reacções emocionais à deficiência, como sejam ter uma posição laboral segura, meios financeiros para contratar secretárias ou ajuda doméstica, a par de uma família que proporcione apoio (Emerson, 1984). Além disso, factores como ser jovem, ter boa condição financeira, e pertencer a um nível socio-cultural médio ou elevado, protegem os indivíduos da psicopatologia (Ash, Keegan, Greenough, 1978, in De Leo et al., 1999), o que sugere facilitar a forma de lidar com a perda em causa.

De acordo com a revisão da literatura feita por Livneh e Antonak (1997), a adaptação psicossocial bem sucedida à deficiência visual pode ser facilitada através de níveis intelectuais e educacionais mais elevados. Parece então ser consensual que condições económicas favoráveis, e consequentemente as culturais, influenciam positivamente a forma dos sujeitos lidarem com a perda da visão.

Quanto às características da própria deficiência, no que respeita à possível relação entre grau de perda de visão e ajustamento ou adaptação, existe muito desacordo. Na revisão de Livneh e Antonak (1997), é apresentada a conclusão de que graus mais elevados de perda visual têm sido frequentemente encontrados como estando associados com sentimentos aumentados de depressão e com adaptação psicossocial mais pobre. No entanto, os autores admitem, ao longo da revisão, que os resultados têm sido variáveis, e apresentam referências da literatura na qual esta relação não foi encontrada. O estudo de Karlsson (1998, in Ringering & Amaral, 2000), com 167 islandeses com deficiência visual, concluiu que um maior grau de perda de visão estava associado com relatos mais frequentes de distress psicológico. Também o estudo de Wustin, Jacobson e Rand (1991, in Ringering & Amaral, 2000), com sujeitos que apresentavam Retinopatia Diabética Proliferativa em períodos diferentes da evolução da perda, aponta que à medida que diminuía a acuidade visual, verificava-se um ajustamento mais pobre.

A partir desta ideia, os autores do estudo sugeriram que a disfunção psicossocial relacionada com a perda de visão se desenvolve muito antes de uma perda grave ou mesmo da cegueira (Ringering & Amaral, 2000).

Para outros autores (Oehler & Fitzgerald, 1980, in De Leo et al., 1999), o quadro psicopatológico surgia mais desfavorável em sujeitos com visão parcial, nomeadamente com manifestação mais acentuada de depressão, cólera e hostilidade. Também Sacks (1996) refere que os estudos que compararam o ajustamento de pessoas cegas e com visão reduzida, concluíram que estas últimas se percepcionavam mais negativamente, quer em relação às pessoas cegas, quer em relação às pessoas sem deficiência. Recordemos que as necessidades das pessoas com visão reduzida normalmente não são tidas em conta, que estes indivíduos podem apresentar níveis mais elevados de ansiedade por ser esperado que funcionem como pessoas com visão normal, e que existe insegurança devido à possibilidade de perda de mais visão (Falvo, 1991).

No tocante à questão da idade de início da perda da visão, ressaltamos a opinião de Tuttle (1984) e de Tuttle e Tuttle (1996), de que quanto mais nova for a pessoa, menos traumático será o início da cegueira.

Ainda no que respeita às características da própria deficiência, a forma como a evolução da perda da visão interfere no ajustamento ou adaptação não é consensual. Autores como Canejo (1996), Dale (1992) e Emerson (1984) sugerem que uma perda gradual possibilita mecanismos mais adequados de lidar com a situação, do que uma perda súbita ou repentina. Estas opiniões fazem supor que seria mais fácil lidar com a perda da visão quando esta é gradual ou progressiva, mas De Leo e colaboradores (1999), com base no trabalho de Ash e colaboradores (1978) e de Fitzgerald (1970), indicam não haver diferenças significativas no processo de aceitação da cegueira entre aqueles que perdem a sua visão ao longo de um período de poucos meses ou de vários anos. De qualquer modo, não está claro qual o período a partir do qual a perda pode ser considerada gradual.

A propósito da evolução da perda, a estabilidade da visão parece relacionar-se com melhor adaptação (De Leo et al., 1999). No entanto, este aspecto não parece estar muito explorado na literatura.

Klose (1998) questiona precisamente até que ponto podem reflectir-se de forma sistemática as consequências da insegurança da perda de visão progressiva. O autor indica a dificuldade daqueles que sofrem uma perda de visão de curso imprevisível se prepararem antecipadamente para essa crise, que representa a perda da visão, e de no seu meio não encontrarem geralmente ninguém que tenha superado uma crise parecida.

Com a sua investigação, De Leo e colaboradores (1999), fazendo uma ressalva que o pequeno tamanho da amostra não permita tirar conclusões muito seguras, sugerem que uma previsível perda de visão pode induzir uma angústia psicológica severa que pode levar ao suicídio. Mesmo quando comparadas com outras formas de perda sensorial, como a audição, as populações com um prognóstico de cegueira progressiva correm o risco mais elevado de suicídio, aparentemente até mesmo mais do que pessoas com cegueira completa adquirida.

Sobre a questão do tempo decorrido após a perda, Livneh e Antonak (1997) e Ringering e Amaral (2000) sugerem que esse tempo pode funcionar como amortizador das reacções mais negativas.

Outra questão interessante, no que se refere às características da deficiência, é o da sua visibilidade. Na opinião de Vash (1988), a falta da visibilidade das deficiências, em geral, pode causar situações constrangedoras e interferir nas relações interpessoais, na medida em que a pessoa aparenta ser aquilo que não é. Aplicado à deficiência visual, este aspecto alerta-nos para o problema do isolamento social, que necessariamente diz respeito ao ajustamento e adaptação. A falta de visibilidade será certamente mais frequente em pessoas com visão reduzida.

Tendo em atenção todos estes dados, verificamos que existem muitos aspectos a esclarecer quanto à possível relação entre características da perda da visão e ajustamento, adaptação ou aceitação.

Não esqueçamos que há que ter ainda em consideração as condições ou circunstâncias que rodeiam a perda, tal como quando esta ocorre em consequência de um acidente. Nestes casos, a primeira preocupação pode ser a sobrevivência da vítima, e pode haver a necessidade de se proceder à resolução de um conjunto de problemas ou de perdas concomitantes (Dale, 1992). O mesmo autor indica cinco razões que podem fazer diferir o processo psicossocial de ajustamento à cegueira traumática e à cegueira causada por uma doença:
 

  1. O período de negação pode ser mais longo,

  2. a pessoa usualmente atribui a causa da cegueira a uma pessoa específica ou a um objecto,

  3. o desejo de vingança pode preocupar a pessoa,

  4. a motivação para melhorar pode estar escondida pela necessidade de se mostrar como muito mal, na esperança de receber uma compensação monetária e,

  5. pode estar presente a perturbação de stress pós-traumático” (p. 142).


Os problemas de saúde física simultâneos têm também uma importante influência no ajustamento à incapacidade (Ringering & Amaral, 2000). Fitzgerald e colaboradores (1987, in Ringering & Amaral, 2000) consideram que a saúde pobre é um dos preditores mais fortes de distress para pessoas que experimentaram uma perda significativa da visão.

Passando às circunstâncias externas que podem influenciar o ajustamento à perda da visão, já no primeiro ponto deste capítulo explicamos como os estereótipos afectam as pessoas que sofrem uma deficiência visual. Para Needham (1980, in Diaz, 1995) e para Welsh e Tuttle (1997), a presença ou ausência das crenças irracionais, que derivam dos mitos passados pela própria sociedade, está relacionada com as diferenças individuais no que respeita à adaptação à cegueira.

Destacamos aqui a importância do apoio social e familiar, a qual tem sido enfatizada por vários autores. Hudson (1994) levou a cabo uma revisão de 27 trabalhos que abordam as causas das reacções emocionais e psicológicas à cegueira adquirida. Destes, 15 consideram factores sociais como sendo a principal influência nas reacções dos indivíduos, 4 atribuem estas reacções somente a factores pessoais, e 8 combinam os dois pontos de vista, o que vem ressaltar, na opinião do autor, a intervenção do suporte social no ajustamento e adaptação à perda da visão.

As reacções da comunidade, da família, dos colegas ou amigos, e dos empregadores, podem ser muito diversas e influenciam a forma como as pessoas cegas ou com visão reduzida enfrentam a situação (Sacks, 1996). De facto, de acordo com Reinhardt e D’Allura (2000), a investigação tem demonstrado que a família (num conceito alargado), afecta os processos de adaptação e reabilitação da pessoa com deficiência visual, e que esta também tem um efeito importante sobre a família. No que diz respeito à adaptação dos adultos com deficiência visual, esta tem sido avaliada com base no bem-estar psicológico, nos resultados profissionais, e nos resultados da reabilitação (Reinhardt & D’Allura, 2000).

Um estudo realizado por Jackson e Lawson (1995) investigou a relação entre o ambiente familiar e o distress psicológico percebido por uma amostra de 76 sujeitos, com idades compreendidas entre os 18 e os 94 anos, que fizeram um estágio de reabilitação durante um período mínimo de 4 meses. Os resultados apontavam para relações significativas entre as distintas características do ambiente familiar e os níveis de distress psicológico dos sujeitos. Como se pressupunha que o distress psicológico reflectia em proporção inversa a adaptação à perda da visão, a influência do ambiente social familiar serviu como elemento para predizer a adaptação. Assim, coesão e independência geravam pontuações baixas de distress. Pelo contrário, o conflito e o controlo estavam positivamente correlacionados com o distress, e quando as pontuações das escalas de distress eram elevadas, as pontuações do conflito e do controlo também eram elevadas.

Os bons resultados profissionais estão também relacionados com o apoio da família (as atitudes positivas sobre a capacidade para trabalhar do membro da família deficiente visual) e com as características do ambiente familiar (com a expressividade) (Reinhardt & D’Allura, 2000).

Shulz (1977, in De Leo et al., 1999) descreve quatro reacções que podem ocorrer nos membros da família: a negação, a rejeição, a aceitação e a super-protecção. Na sua investigação, Canejo (1996) verificou que:

“(...) em muitos casos, quando o indivíduo perde a visão na idade adulta, são os familiares que têm as reacções mais adversas, incluindo a rejeição, a simulação, a segregação, a super-protecção, o paternalismo, e até mesmo a piedade, todas retardando e/ou prejudicando o processo reintegratório da pessoa que ficou cega” (p. 34).

De Leo e colaboradores (1999) consideram que a super-protecção é a reacção mais frequente, mas também a mais contra-produtiva para o paciente, por reforçar a sua dependência física e financeira relativamente a outros. Ao abordar o perigo das reacções de super-protecção da família e dos amigos para com uma pessoa que sofreu cegueira traumática, Dale (1992) explica que, ao pretenderem proteger a pessoa cega de outros golpes futuros que a possam magoar, podem levar a que esta pessoa desenvolva ansiedade e uma reacção de evitamento, de tal modo que pode evitar mover-se por medo de novo acidente.

Quando existe história de cegueira na família, a aceitação e integração do sujeito que sofre uma deficiência visual está facilitada (Fitzgerald, Ebert & Chambers, 1987, in De Leo et al., 1999). Ao relatar a sua experiência pessoal de cegueira, Hocken (1977) testemunha precisamente como o facto de os seus pais possuírem uma deficiência visual facilitou, do seu ponto de vista, o lidar com a deficiência visual dos filhos.

Sacks (1996) explica que, perante a visão reduzida, a família pode reagir com frustração e impaciência, por não estarem seguros do que a pessoa pode ver ou pode realizar, e mesmo com maior incompreensão perante tarefas que as pessoas não executam, como conduzir, podendo existir conflitos de expectativas com aquilo que a sociedade espera dessas pessoas.

Vejamos agora alguns aspectos que se poderão relacionar com as características internas dos sujeitos, nomeadamente no que concerne a estratégias de coping utilizados para lidar com a situação de perda da visão.

Em primeiro lugar, a avaliação de uma ameaça e o significado que lhe é atribuído, são decisivos para o grau de stress, quer para a deficiência visual (Klose, 1998), quer para as doenças crónicas (Maes et al., 1996; Maes & Van Elderen, 2000).

Alguns indivíduos afirmam que não querem tornar-se uma pessoa cega. Esta afirmação pode ser uma oportunidade para explorar o que é que significa ser cego para um indivíduo no presente e o que significou para ele no passado (Dale, 1992).

Esta questão leva-nos ao significado do estatuto de deficiente visual, que em alguns países fica definido a partir do momento em que se realiza um registo individual numa entidade para o efeito (e.g., Conyers, 1992; Dodds, 1993).

Quando as pessoas com visão reduzida são consideradas legalmente cegas, podem reagir de formas muito diversas. Podem mostrar-se defensivas, procurando explicar que conseguem ver; podem expressar raiva, sentindo que estão a ser categorizadas como pessoas que são totalmente cegas; ou podem sentir-se aliviadas, por encontrar uma oportunidade de explicar o seu funcionamento visual aos outros (Sacks, 1996).

O contacto com outras pessoas com deficiência visual parece ser, segundo Junge (1997, in Klose, 1998), importante para uma análise positiva das próprias possibilidades e limitações.

De acordo com Royer (1998), as pessoas que sofrem doenças crónicas tendem a estar atentas a outras que se encontram nas mesmas circunstâncias, provavelmente por motivos de reafirmação e/ou preservação da auto-estima. No entanto, a autora refere que estes doentes tendem a seleccionar ou recordar apenas exemplos do "pior cenário" e, portanto, comparar-se a si próprios apenas com pessoas que estão em piores situações.

Sacks (1996) explica o que pode suceder com pessoas que apresentam visão reduzida:

“Embora algumas pessoas com baixa visão se considerem afortunadas em comparação com aqueles que são totalmente cegos, na medida em que eles retêm alguma visão ou nasceram com visão, outros não comparam o seu estado visual com pessoas que são cegas; ao invés, eles comparam-se àqueles que são normo-visuais, considerando que eles, também, são indivíduos que vêem” (p. 34).

Já a negação, ainda que seja frequentemente apontada como um mecanismo de defesa comum no ajustamento ou adaptação à deficiência visual, não se encontra devidamente explorado nem esclarecido (Livneh & Antonak, 1997; Ringering & Amaral, 2000).

A negação também se verifica em muitas doenças crónicas; contudo, o não reconhecimento de uma doença pode também ficar a dever-se à ambiguidade e à pouca familiaridade com os seus sintomas, e a falta de informação e compreensão de um diagnóstico pode ser confundida com a negação (Royer, 1998).

A negação é particularmente problemática quando as pessoas realizam actividades de algum risco para si e para os outros, como por exemplo a condução por pessoas com visão reduzida (Falvo, 1991).

Considerando-se ou não como estratégia de negação, no caso de uma deficiência visual, a pessoa pode passar muito tempo em busca de uma cura (Caylor, 1974; Dale, 1992). Embora esta procura muitas vezes não tenha resultados, pode diminuir a ansiedade do paciente, a qual de outra forma se tornaria mais efectiva (De Leo et al., 1999).

Esta procura pode resultar de uma falsa esperança, e uma forma sob a qual ela se manifesta é uma repentina dependência da religião. Se, em muitos casos, este fervor religioso é autêntico, em muitos outros a fé é superficial, baseando-se na esperança de um milagre que devolverá a visão (Caylor, 1974). No seu testemunho pessoal, Hull (1994) conta como é necessária alguma firmeza e serenidade para não se deixar influenciar pelas falsas esperanças que algumas pessoas insistem em transmitir. De qualquer modo, a base religiosa e filosófica de cada pessoa poderá ainda influenciar o significado que esta atribui à sua deficiência, bem como as suas reacções perante ela (Vash, 1988).

Ao terminar este capítulo, destacamos o contributo dos profissionais da área da saúde para o ajustamento e adaptação à perda da visão. O papel do apoio e encaminhamento por parte de um médico de clínica geral ou de oftalmologia, é ressaltado por vários autores, quer na utilização de competências de comunicação para fornecer a informação do diagnóstico e do prognóstico, quer no encaminhamento para (e na colaboração com) serviços e profissionais de reabilitação e mesmo de saúde mental (Conyers, 1992; De Leo et al., 1999; Emerson, 1984). O efeito terapêutico é facilitado pela relação que o médico estabelece com o seu cliente, encorajando-o a expor as suas reacções, os seus medos e receios. Para o paciente, uma breve revisão da sua história é uma excelente oportunidade para destacar áreas de dificuldade pessoal e o impacto da doença na sua vida (Faye, 1996).

Também o apoio e o aconselhamento psicológico para auxiliar os indivíduos a lidar com a perda da visão tem sido reconhecido por vários autores (e.g., Emerson, 1981; Conyers, 1992). Como resultado de dinâmica de grupos de sujeitos com deficiência visual que conduziu, Emerson (1981) aponta que, ao terminar as sessões, a maior parte dos membros tinham conseguido uma melhor aceitação da sua perda sensorial. A insensibilidade, a ira, e as restrições da sua vida social e de trabalho haviam sido substituídas pela consciência das novas maneiras de se confrontar com a redução da visão, pela esperança no futuro, e pelo retomar de trabalhos agradáveis e de iniciativas pessoais.

Se considerarmos a deficiência visual como uma condição de saúde que acarreta algum grau de sofrimento, poderemos considerá-la como mais uma área na qual se enquadram e justificam as intervenções dos psicólogos da saúde, tal como as sugere McIntyre (1995), quando as aplica ao sofrimento do doente em geral: nas avaliações cognitivas e coping com a doença, na relação profissional de saúde-doente, e na relação do doente com a família e amigos.

 

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O IMPACTO PSICOSSOCIAL DA DEFICIÊNCIA VISUAL
excerto da obra:
A Experiência da perda da visão, a vivência de um processo de reabilitação, e as percepções sobre a qualidade de vida
-Cap 4-
autora: Sandra Maria Ferreira Estêvão Rodrigues
Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre no âmbito do Mestrado em Psicologia da Saúde
Instituto de Educação e Psicologia
Universidade do Minho
Maio 2004
 

 

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11.Jun.2017
publicado por MJA