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 Sobre a Deficiência Visual

Cegueira e Depressão

Ana Lúcia Pinheiro

excerto

Mulher cega no bosque - Paula Modersohn Becker
Mulher Cega no Bosque - Paula Modersohn Becker
 

   

Introdução

A cegueira é uma deficiência que se traduz numa desvantagem e, como tal, se traduz em dificuldades experienciadas pelo indivíduo nas suas interacções e na sua adaptação ao meio. De acordo com Maia (1987), a nossa cultura é predominantemente visual, ou seja, atribui-se à visão um valor extremamente elevado em detrimento dos outros sentidos e, assim, quem não vê, é em grande parte “desvalorizado”.

A diminuição do suporte da informação visual, faz com que o sujeito seja forçado a depender, num grau superior ao da generalidade da população, da informação proveniente dos outros sentidos. É relevante que este facto venha provocar uma desvantagem na pessoa cega, acarretando consequências ao nível da inclusão da mesma no grupo, no mercado de trabalho, educação, etc. limitando assim a sua qualidade de vida. Relativamente aos indivíduos com cegueira adquirida, estes têm de enfrentar a tarefa de integrar uma deficiência na personalidade desenvolvida, até então, como normo-visual. Por vezes, a atitude psicológica que o sujeito adopta, num determinado momento e em dadas condições, permite-lhe “adaptar-se” de alguma forma a esta situação.

Alguns autores defendem a perspectiva de que um indivíduo que cegou recentemente passa por um período de revolta e negação da situação, uma vez que toda a sua vida tem de ser reestruturada (Griffon, 1993). Shakespeare (1977) refere que existem algumas reacções características  de uma deficiência adquirida, nomeadamente a depressão. Fiorite (1997) refere existirem fases de ajustamento à cegueira, contudo este processo não é hierárquico, pois não é necessário concluir uma fase para passar à fase seguinte. O modelo é consecutivo, uma vez que as pessoas experimentam parcialmente cada fase. Estas são diferenciadas e a sua duração varia de pessoa para pessoa (Tuttle &Tuttle, 1996).

Na opinião de Scott (1977, citado por Tuttle & Tuttle, 1996) quanto mais tarde ocorre a perda de visão maior é o impacto emocional e físico, demorando mais tempo a adaptação à cegueira, sendo necessário um apoio familiar e dos amigos. O surgir de uma situação de cegueira na idade adulta, leva a que a auto-confiança, o sentido de competência e a adequação da pessoa que cegou sejam sentidas como ameaçadas.

Frequentemente, assume-se que não se pode continuar a actividade profissional, há como que uma precipitação sobre o futuro e a independência financeira. A gravidade e a duração das fases de ajustamento à cegueira aumentam, assim como a dependência para realizar as tarefas (Tuttle &Tuttle, 1996). Na perspectiva de Griffon (1993), a idade em que um indivíduo cegou é de extrema importância, já que, as consequências psicológicas podem ser díspares. Isto devido à intervenção de factores psicológicos, emocionais, desenvolvimentais, sócio-económicos, personalidade, história de vida, ou seja, factores vivenciados e experienciados em cada etapa da vida de uma forma distinta.

A reabilitação revela então um papel essencial no reajustamento a uma nova forma de estar. As melhorias na independência funcional, os indicadores de uma melhor qualidade de vida são factores determinantes no sucesso da reabilitação. O bem-estar psicológico e especificamente a depressão são importantes indicadores neste contexto. Ringering &Amaral (1988) identificaram que depressão é a maior barreira ao cumprimento de programas de reabilitação funcional, em adultos e idosos em situação de cegueira. Os autores verificaram ainda que as manifestações comportamentais da depressão (sentimentos de tristeza, apatia, fadiga e queixas somáticas) têm consequências negativas no processo de reabilitação, nomeadamente na adesão dos sujeitos. A intervenção dos técnicos pode ficar deste modo dificultada.

Assim, neste trabalho, propomos uma abordagem à depressão no contexto da situação de cegueira em três momentos do processo de reabilitação: reabilitação funcional, formação profissional e em contexto de mercado de trabalho, procurando verificar a influência de factores sócio-demográficos (idade, idade em que surge a cegueira, tempo de cegueira, género, estado civil, grau de escolaridade e o tipo de cegueira) na depressão nos três momentos em análise.

Desta forma, num primeiro momento, propomos uma revisão de literatura alusiva a cegueira, considerando a perspectiva histórica, etiologia, implicações psicológicas e do desenvolvimento. Abordamos ainda a temática de depressão e a sua relação com a situação de cegueira. De seguida apresentamos as nossas questões de investigação e o método para sustentação do nosso trabalho. Para finalizar procedemos à apresentação de resultados seguida da sua discussão e subsequente resposta às questões de investigação.


Perspectiva histórica e implicações sociais da cegueira

Desde sempre, a cegueira foi alvo do interesse e da preocupação dos homens. Os cegos sempre suscitaram receio, compaixão ou admiração pela sua capacidade de adaptação.

Antes de Cristo, a explicação da cegueira aparecia ligada a fins punitivos, por razões místicas, isto é, a cegueira acarretava impurezas e perigo de mácula para as pessoas sãs, havendo uma segregação profundamente religiosa. Neste sentido, era tido como uma manifestação de poder divino, já que a cegueira, tal como tudo o que existe na Terra é obra de Deus.

Desta forma os cegos eram segregados pela comunidade, tendo em conta que representavam um perigo para todos os que eram saudáveis. Assim o indivíduo cego estava possuído por um espírito maligno. Entrar em contacto com o cego era entrar em contacto com um mau espírito.

Com o aparecimento de Cristo os cegos passam a ocupar uma posição privilegiada no Evangelho, pois passam a ser eleitos para a relação com Cristo, nesta altura a cegueira deixa de ser considerada pecaminosa, mas sim como uma imperfeição necessária para demonstrar o poder divino. Assim, os cegos passam a ocupar um lugar privilegiado na sociedade, por serem portadores de virtudes especiais. Apesar de estarem privados da visão fisica, os cegos seriam premiados com uma visão e iluminação sobrenaturais que lhes permitia comunicar com o mundo invisível. Estas capacidades excepcionais do cego seriam uma compensação atribuída pelos deuses, pelo facto de os terem punido com a carência visual.

Na Idade Média, surgem os primeiros hospitais/hospícios que tinham como objectivo “alojar, alimentar e aquecer os cegos” (Hugonnier-Clayette, Magnard, Bourron, Hullo. (1989) - perspectiva meramente assistencialista.

No final do Século XvIII inicio do Século XIX inicia-se uma nova era na história da cegueira. O Instituto Nacional dos Jovens Cegos é fundado em 1784.

Aqui, pela primeira vez, tenta-se ensinar a ler através de letras gravadas em folhas de madeira fina, em caracteres a tinta. Valentin Hauy pretendia que os cegos utilizassem o mesmo método de leitura e escrita que os normo-visuais (Hugonier-Clayette et al., 1989)

Louis Braille, em 1825, elabora um outro sistema de leitura e escrita baseado na “Sonogratia Barbierºª que se adapta melhor às necessidades dos cegos. A partir da combinação de seis pontos concebe um alfabeto que, para além de ter sinais de pontuação, é possível ser utilizado em pautas de música e em conotações matemáticas. A partir do momento em que ficou provado que as crianças cegas poderiam ser educadas, o interesse por estabelecer programas especializados de aprendizagem foi crescente (Tutle & Tutle, 1996).

A pessoa cega sofreu em muitas épocas da história um olhar de ostracismo.

Com os esforços desenvolvidos nas áreas da educação e da reabilitação, algumas alterações positivas aconteceram (Kent, 1989, citado por Tutle & Tutle, 1996). No entanto uma das dificuldades mais notórias encontradas no processo de integração sócio-profissional do individuo cego situa-se ao nível do jogo de relação das imagens do passado, presente e futuro e do sentimento de valor pessoal em áreas específicas como as da imagem fisica, social, intelectual e moral.

A ideia base subjacente ao conceito de cegueira é o seu valor social - os indivíduos normo-visuais formam opiniões e mantêm atitudes, relativamente aos cegos, baseados nas suas representações da cegueira e na sua ausência de qualquer outra informação sobre o indivíduo, opiniões que se tornam significativas por serem interiorizadas pelos indivíduos cegos e por afectarem a sua posterior adaptação (Tutle & Tutle, 1996).

De acordo com Assis (1982) a integração da pessoa cega terá de suplantar a mera presença física, tornando-se globalizante. Segundo o autor, é necessário a “mudança de mentalidade” através dos seus vectores principais: família, escola e trabalho. Na medida em que “para que o deficiente se integre na sociedade de uma forma plena, é necessário que ele ocupe um estatuto social comparável ao do homem não deficiente. É preciso que ele ocupe o seu lugar de filho, de irmão, de vizinho, de estudante, de profissional, de pai, de tio, de cidadão, etc.” (Assis, 1982; p. 36).


A cegueira

A visão é uma fonte contínua, detalhada e precisa de informação, é uma via de acesso ao meio ambiente, tendo um papel fundamental no desenvolvimento da interacção social (Ávila, s/d). A afectação da visão, quer a nível parcial ou total, origina dificuldades no processamento de informação visual (Telmo, Santos, Fernandes & Madeira, 1990). A acuidade visual tem sido um guia bastante utilizado para determinar a visão útil do indivíduo. Em 1980, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugeriu uma classificação das deficiências visuais baseada na medida da acuidade visual e da amplitude do campo que serve aos países para a tomada de decisões com respeito à prestação de determinados serviços sociais às pessoas afectadas por deficiência visual. No entanto, um ano mais tarde, a própria OMS recomendou que fosse eliminada a categorização estabelecida, pelas injustiças que poderiam produzir-se na referida tomada de decisões, embora sem sugerir uma solução alternativa (Hyvarien, 1988 in Martin et al., 2003).

Em 2001 surge a nova classificação da Organização Mundial de Saúde - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - (OMS, 2001) que engloba todos os aspectos da saúde humana e alguns componentes relacionados com o bem-estar. Esta é aplicada a todas as pessoas, independentemente da sua condição, recaindo para a componente da Funcionalidade e da Incapacidade (corpo, actividades e participação) e para a componente dos Factores Contextuais (factores ambientais e pessoais). É de referir que esta classificação não se limita a catalogar pessoas, mas sim a descrever a situação de cada pessoa dentro de uma gama de domínios de saúde ou relacionados com esta. A OMS define, de acordo com a nova classificação a incapacidade para ver da seguinte forma: “Ausência ou redução grave da visão, não resolvida com recursos e ajudas técnicas ou dispositivos de compensação adequados”. Estão aqui compreendidas as pessoas cegas que sofrem de incapacidade para executar tarefas visuais de conjunto (ausência ou redução da capacidade para executar tarefas que requeiram a visão adequada à distância ou periférica), ou que sofram de uma ausência ou redução da capacidade de executar tarefas que requeiram acuidade visual adequada como ler, escrever, reconhecer rostos.”


Implicações psicológicas da cegueira

A perda brusca e inesperada da visão tem implicações fisicas, sociais, emocionais e económicas. O período imediato à perda da visão é chamado período de luto, que pode ou não anteceder o processo de ajustamento à cegueira (Freedman, 1965; citado por Silveira, 2000). Contudo, segundo Bauman (1954; citado por Silveira, 2000), este processo de ajustamento é condicionado pela idade em que ocorreu a cegueira e as circunstâncias desta ocorrência, podendo ter uma evolução prolongada ou repentina.

No entanto, de acordo com Clemente (1979) não existem aspectos psicológicos específicos dos indivíduos cegos, visto que não existe um único traço que não possa ser encontrado num sujeito normo-visual, com maior ou menor intensidade. Deste modo, é mais razoável falar em tendências psicológicas nas pessoas cegas e, inclusivamente, tendências numa determinada pessoa cega, uma vez que, como não há indivíduos normo-visuais iguais, também não existem dois cegos semelhantes.

A pessoa que cegou recentemente tem uma nova vida a percorrer. Tem de aprender a usar os outros sentidos para percepcionar o mundo que a rodeia. Ler em Braille, usar o relógio sonoro ou em Braille, ouvir as noticias e os livros são apenas algumas alterações, às quais a pessoa tem de se adaptar (Robinson, l971, citado por Silveira, 2000).

A idade em que a pessoa cegou e o próprio tempo que leva a deterioração da visão até à perda total da mesma, são factores importantes para o reajustamento e adaptação da pessoa cega à sua nova condição. Segundo Griffon (1993) a idade em que surge a deficiência é essencial e determinante nas consequências psicológicas. A perda precoce da visão pode trazer problemas ao nível do desenvolvimento, no entanto para o adulto, as consequências da perda da visão, prendem-se maioritariamente com o isolamento, a depressão e o aumento de ansiedade (Pring, 1997).

Os sentidos do Homem são fundamentais para o conhecimento do seu mundo exterior. Cada um dos cinco sentidos fornece informações características  do meio que rodeia o indivíduo, mas o seu valor como estímulo perceptivo é diferente (Rosa e Ochaíta, 1993). Segundo Magil (1984, citado por Rosadas 1989), a visão é a “rainha dos sentidos”. De acordo com este pensamento, Castro (1995), refere que é através da visão que se realiza a assimilação de 80% dos nossos conhecimentos. Sabemos que a visão desempenha um papel importante na comunicação interpessoal, mas a pessoa cega fica privada do uso de algumas pistas socialmente comunicativas tais como as expressões faciais, gestos e movimentos de outras pessoas, que são de grande importância (Telford & Sowrey, 1988).

Hungonnier e Magnard (1989, citados por Seabra 1989), referem que o ouvido é a melhor fonte de informação para a pessoa cega, mas deve ser complementado pela percepção táctil para se transformar em conceito. O tacto, é um sentido que ajuda a pessoa cega na aquisição de informação real dos objectos e a ajuda a compreender o mundo que a rodeia.

A pessoa cega recebe os estímulos através dos receptores sensoriais e a sua respectiva transmissão ao sistema nervoso central. A percepção é-lhe dada através da integração da recepção sensorial com os dados retidos no compartimento de reservas do cérebro. É construído desta forma um modelo, um conceito de algo através do treino dos sentidos. Como refere Rosadas (1989), o potencial de respostas do homem é relativo ao número de experiências novas que lhe são transmitidas. Portanto, o homem será tanto mais experiente tanto mais rico, quanto mais informações e oportunidades possa obter do seu meio ambiente e social. De acordo com Clemente (1979), os estímulos sensoriais que o indivíduo cego recebe, pelos sentidos não visuais, são muito mais significativos e, este sabe organizá-los de forma mais adequada para orientar a sua conduta. Desta forma verifica-se, que a diferença entre a percepção sensorial do cego e do normo-visual não é de ordem quantitativa mas, principalmente, de ordem qualitativa, visto que cada um organiza de forma diferente os vários elementos sensoriais que possui.

O indivíduo cego precisa de aproveitar mais os estímulos exteriores, utilizando a sua atenção para uma adaptação psicológica e social mais plena. Os sentidos dos cegos são iguais aos dos normo-visuais. A necessidade obriga-o a tirar mais partido dos sentidos do que o normo-visual, ou seja, uma cooperação de sentidos (School, 1986). De acordo com o autor, a nossa capacidade de percepção adapta-se ao meio ambiente e aprendemos a perceber de uma forma ou de outra, consoante os sentidos que colocamos em jogo e a forma como o fazemos.

Na opinião de Scott (1977, citado por Tuttle & Tuttle, 1996), quanto mais tarde ocorre a perda de visão, maior é o impacto emocional e físico demorando mais tempo a adaptação à cegueira, tal como é necessário um apoio familiar e dos amigos.

Lowenfeld (1974) refere que quando a cegueira ocorre na adolescência, as preocupações e necessidades da pessoa que cegou recentemente estão de acordo com a adolescência, especialmente nas áreas da sexualidade, nas relações afectivas, nos passatempos e nas suas perspectivas futuras. A etapa do desenvolvimento que se caracteriza por uma série de alterações fisicas, emocionais e psicológicas, torna-se ainda mais conturbada com o surgir de uma situação de cegueira.

Quando o trauma da cegueira ocorre na idade adulta, a auto-confiança, o sentido de competência e a adequação da pessoa que cegou estão ameaçadas. Frequentemente, assume-se que não se pode continuar a sua vocação, precipita-se sobre o futuro e na sua independência financeira. A gravidade e a duração das fases de ajustamento à cegueira aumentam, assim como a dependência para realizar as tarefas (Tuttle &Tuttle, 1996).

Assim, e de acordo com Tuttle &Tuttle, (1996), as fases do processo de ajustamento são as seguintes:

1ª fase - Trauma Psico-social - Entende-se como uma condição ou uma circunstância que causa desconforto e perturbação. A cegueira, que surge de uma forma repentina e brusca, é muito traumática, pois envolve as sensações visuais. O trauma não influencia só a pessoa que cegou recentemente, mas também as pessoas que estão em seu redor. Este trauma manifesta-se sobre as dúvidas das suas capacidades e auto-recriminação (Tuttle &Tuttle, 1996).

 

2ª fase - Choque e negação - O choque, a negação e também o descrédito são as primeiras reacções a uma crise. O choque e uma dormência mental, uma anestesia psíquica que se caracteriza pela imobilidade e pelos sentimentos de não pertencer a nada. Este permite à pessoa interiorizar todo o impacto causado pela dor e, esta paragem, ajuda-a a desenvolver os mecanismos necessários para lidar com a nova situação (Tuttle &Tuttle, 1996). Existem dois comportamentos típicos da negação como forma de ajustamento. O primeiro é a recusa dos serviços e das ajudas que possam ser benéficas para a pessoa. O segundo é a persistência que esta tem em realizar actividades que necessitam da visão (Tuttle &Tuttle, 1996). Os mecanismos de defesa, tais como a negação, a racionalização e a repressão, são estratégias para lidar com a sua nova condição e uma forma de adaptação. Com estes mecanismos, a pessoa vai ganhando, gradualmente, consciência dos efeitos resultantes da cegueira. Com o passar do tempo, a anestesia psíquica e a dormência começam a desaparecer. A pessoa começa a adquirir o sentido da realidade da sua nova condição e confronta-se com esta realidade, progredindo, desta forma, no processo de ajustamento.

 

3ª fase - Lamentação e isolamento - Após a fase da dormência, o sujeito lamenta, frequentemente, a perda e têm expressões de hostilidade e de raiva. Gradualmente, as pessoas tomam consciência da sua nova condição e que esta é irreversível. A lamentação pode ser motivada pelo sentimento de tristeza, pelas perdas da auto-estima, da igualdade e do sentimento de pertença. Normalmente, as pessoas que cegaram recentemente tornaram-se egocêntricas, focando-se só nos problemas relacionados com a cegueira, restringindo os seus interesses à cegueira.

 

4ª fase - Depressão - Nesta fase, normalmente acompanhada pela depressão e pela predominância de comportamentos da fase anterior, a pessoa analisa as repercussões do problema. A depressão surge conjuntamente com o desespero e o desinteresse, sendo esta uma resposta pessoal ao trauma, devido às perdas sentidas e às capacidades julgadas perdidas. Todos os objectivos parecem bloqueados, pois a pessoa é incapaz de encontrar objectivos positivos para a sua vida e centra-se nas actividades que não consegue concretizar (Wrigth, 1974 citado por Tuttle &Tuttle, 1996). Segundo Anderson (1981), as reacções à perda de visão implicam uma aguçada perda da auto-estima, acompanhada de reacções negativas, na qual as pessoas se vêem como não atraentes e pensam estar impossibilitadas de trabalhar normalmente. De acordo com Tuttle &Tuttle (1996), as pessoas que cegaram recentemente têm tendência para comentar a sua incapacidade de realizar as tarefas do dia a dia, sentindo-se frustradas e inúteis. A perda das interacções interpessoais é uma das implicações desta fase. Nesta fase pode surgir o retiro, a amargura, a fuga, a auto-comiseração, o auto-ódio e os pensamentos suicidas. Os sentimentos podem variar de intensidade com o tempo, pois com a ajuda dos técnicos, da família e dos amigos, os estados depressivos têm tendência a tornar-se menos intensos e frequentes.

 

5ª fase - Reafirmação - A pessoa que inicia o seu processo de reabilitação está também a recomeçar o seu processo de reavaliação, pois a maior parte dos sentimentos negativos começam a desaparecer (Giarratana-Oehelt, 1976 citado por Tuttle &Tuttle, 1996). Neste momento, a pessoa ao examinar-se, consciencializa-se e reconsidera que a vida ainda tem sentido, dando especial atenção aos seus próprios valores, crenças, prioridades e padrões habituais de comportamento. Analisando os seus atributos para determinar qual a necessidade que deve ser satisfeita, qual é que deve ser substituída ou modificada e quais as necessidades que podem permanecer imutáveis. A pessoa vai aprendendo as técnicas necessárias para ultrapassar as limitações. Mais tarde ou mais cedo, muitas delas descobrem que a maior parte dos seus atributos pessoais permanecem intocáveis ou apenas influenciados pelo trauma da cegueira. Existe, assim, uma reafirmação da pessoa e da sua vida. De acordo com Tuttle &Tuttle, (1996) as fases anteriores não permitem que a pessoa tenha uma visão objectiva das alterações da vida. Sendo esta a base de um novo começo de vida, sendo a fase impulsionadora que impele a pessoa e que a motiva para continuar o processo de ajustamento. Esta fase, envolve também uma reconstrução dos objectivos e valores. Os objectivos de alta prioridade, que entram em confronto com a cegueira, devem ser relegados para um plano secundário. O cego deve tentar atingir os valores mais acessíveis para aumentar a sua auto-estima, combatendo, desta forma, o negativismo.

 

6ª fase - Coping - A aceitação da realidade da cegueira, assim como reajustamento dos seus objectivos e valores, permite à pessoa estar preparada para a fase do coping e da mobilização. O coping refere-se à aprendizagem e à gestão das necessidades da pessoa, face ao meio físico e social onde vive. A pessoa adquire novas técnicas para realizar tarefas da sua vida quotidiana, mobilizando os recursos internos e externos para a resolução dos seus problemas (Blank, 1957, citado por Tuttle &Tuttle, 1996). O coping remete a reabilitação e é considerado um pré-requisito de auto- aceitação (Wright, 1983, citado por Tuttle &Tuttle, 1996). As características de um coping bem sucedido levam à auto-aceitação, e aumento da auto-estima. Para tal, é necessário dar ênfase ao que a pessoa consegue fazer, valorizar as áreas da vida em que pode participar, moldar os aspectos negativos da sua vida, tais como a dor, o sofrimento e as dificuldades que possam existir, resolvendo-as ou lidando com elas. Este conjunto de características significa “viver uma vida” em termos satisfatórios, atendendo às capacidades da pessoa.

 

7ª fase - Auto-aceitação e Auto-estima - Desempenhar tarefas quotidianas com sucesso não resulta necessariamente no aumento da auto-estima ou da auto-aceitação, mas contribui muito para este facto (Wright & Wright, 1993; citado por Tuttle Tuttle, 1996).


Fiorite (1997) refere acerca das fases de ajustamento à cegueira, que não existe um tempo limite para cada uma delas. No entanto, um tempo demasiado prolongado nas fases 2, 3 ou 4 pode ser considerado prejudicial, porque resulta de um comportamento de má adaptação e de crenças irracionais.

Estas fases são semelhantes para os indivíduos normo-visuais para se adaptarem a qualquer situação traumática como a morte, divórcio ou a separação de um amigo. Não há um estádio fixo ou final de ajustamento (Fiorite, 1997).

Contudo este processo não é hierárquico, pois não é necessário concluir uma fase para passar à fase seguinte. O modelo é consecutivo, uma vez que as pessoas experimentam parcialmente cada fase. Estas são diferenciadas e a sua duração vária de pessoa para pessoa (Tuttle &Tuttle, 1996). No entanto, a pessoa pode parar numa determinada fase, durante algum tempo, ou ficar nela para o resto da sua vida (Cohen, 1961; citado por Tuttle &Tuttle, 1996).

Na perspectiva de Shakespeare (1977), existe uma série de reacções, normais e naturais, características das pessoas que adquirem deficiências, mas, que se podem tornar patológicas se forem excessivas ou duradouras.

A aceitação da cegueira e das suas limitações constitui, na perspectiva de Tuttle Tuttle (1996), um pré-requisito para o aumento da auto-aceitação e da auto-estima.

A aceitação intelectual e emocional da cegueira é insuficiente para o aumento da auto-aceitação. Schultz (1980, citado por Tuttle &Tuttle, 1996) acredita que as pessoas, que estão a recuperar de um trauma, percepcionam que as suas capacidades estão afectadas pela cegueira, mas percebem que estas podem evoluir com o desenvolvimento de técnicas de adaptação, necessárias para ordenar os seus sentimentos face a cegueira.

Para um individuo aceitar a sua deficiência e aceitar-se a si próprio, como sendo uma pessoa com deficiência, implica que tenha conhecimento próprio dos problemas relacionados com a mesma.

Segundo Tuttle & Tuttle (1996), as pessoas que já completaram o processo de auto-aceitação são aquelas que aprenderam a viver com os seus atributos pessoais, mas também com as suas dependências. Reconhecem que todas as pessoas têm limitações, no entanto, não perdem a sua dignidade e valores fundamentais como pessoas. O amor-próprio, a auto aprovação e o auto-respeito são ingredientes básicos para o sucesso da auto-aceitação.

Wylie (1961, citado por Tuttle &Tuttle, 1996) constatou que um bom ajustamento à vida para uma pessoa cega resulta na auto-aceitação e na elevada auto- estima. Giarratana-Oehtler (1976, citado por Tuttle &Tuttle, 1996) chama-lhe integração de identidade, ou seja, um estado permanente de auto-actualização, em que a pessoa aprende a viver com a sua dehciência, toma consciência das suas limitações e volta a conseguir atingir os objectivos mais importantes da sua vida.

Com renovada auto-aceitação e auto-estima, a pessoa está perto de se relacionar positivamente com os outros. Existe uma conexão entre a capacidade da pessoa gostar de si própria, a capacidade de gostar dos outros e dos outros a aceitarem (Frorum, 1993, citado por Tuttle &Tuttle, 1996). A aceitação de si própria e dos outros implica uma responsabilidade de manter um relacionamento saudável. Em contraste, a pessoa cega, que encontra dificuldades em aceitar-se a si própria, terá muito mais dificuldades em aceitar os outros, sendo a sua tendência um confronto egocêntrico (Routh, 1970, citado por Tuttle &Tuttle, 1996). De acordo com Tuttle Tuttle (1996), as pessoas cegas que estão melhor adaptadas, que têm uma melhor auto-aceitação e uma elevada auto-estima, tendem a demonstrar estabilidade psicológica, a ter uma aceitação realista da cegueira, a serem autônomos e independentes, a terem boas aptidões interpessoais resolvendo os seus problemas, a demonstrar autonomia na mobilidade e nas tarefas diárias, a utilizar ajudas técnicas, que as levará a serem aceites de uma forma realista pelos membros da sua família.

O suporte social é um elemento primordial para a passagem pelas diferentes fases do processo de ajustamento. Os membros do suporte social podem ser os pais, a família, amigos e profissionais técnicos. A cegueira adquirida pode afectar o comportamento. Não só porque o indivíduo não está ajustado a receber informação através de fontes unicamente não visuais, mas também porque há muitas sequências comportamentais que só podem ser mantidas através da resposta visual. Nesse sentido, a cegueira restringe os limites das possibilidades comportamentais, já que, sem a visão, uma importante fonte de informação usada na regulação do comportamento está ausente (F oulke, 1972).

Nesta perspectiva, o autor refere que toda a reorganização requer um sistema extensivo, ou seja, o sucesso da reprogramação depende de muitos factores, nomeadamente, a capacidade de permanência dos componentes do sistema, os objectivos do sistema, as crenças sobre as possibilidades comportamentais definidas pela cegueira e, a disposição das condições externas que poderão afectar a aprendizagem. Schneiders (1965), refere que é necessário ter em consideração factores de ajustamento como a idade do aparecimento da cegueira, a personalidade do indivíduo, a extensão da própria deficiência e o contexto em que surge.


A cegueira e as quatro etapas do desenvolvimento

Mais recentemente Griffon (1993), reforça a ideia de que a idade em que surge a cegueira é essencial para determinar o tipo de consequências psicológicas. Nesta perspectiva o autor considera que existem quatro etapas essenciais: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade.

A infância é considerada um período sensível, onde são feitas as aprendizagens essenciais a nível motor, sensório, cognitivo, linguístico, socialização, bem como os elementos estruturais da personalidade em interacção com o meio.

É a idade onde a utilização do potencial visual, mesmo limitado, é fundamental para a constituição de um património visual de referência, a sua integração na construção da inteligência, da psicomotricidade e do domínio do espaço. Neste sentido, a infância é a fase onde a constituição da imagem de si e a utilização funcional do potencial visual são mais dependentes do meio familiar.

A adolescência é a etapa do desenvolvimento que se caracteriza por uma série de alterações físicas e psicológicas. Verificam-se, de igual forma, importantes mudanças na forma de pensar e de resolver problemas, que por sua vez, influenciam e modulam a personalidade do adolescente Rosa e Ochaita, 1993).

As transformações que se produzem no organismo depois da puberdade, fazem com que a imagem corporal do jovem mude de uma forma rápida e notável, passando de criança a adulto. O desenvolvimento das capacidades intelectuais vai-lhe permitir reflectir sobre ele próprio e sobre os outros, criticar os modelos familiares e sociais em que vive e formular hipóteses sobre outras formas de vida.

De acordo com Rosa e Ochaita (1993), a interacção com os amigos, na adolescência, desempenha funções semelhantes às da infância, mas de uma forma mais assertiva. Isto é, o grupo passa a constituir a instituição socializadora, a fonte principal onde o adolescente alcança o seu estatuto e o seu auto conceito. As relações com os amigos, do mesmo género e do outro, servem de modelos das futuras relações entre adultos. O adolescente encontra-se num processo de separação dos laços familiares e, para tal, necessita do apoio, da aprovação e da segurança que o grupo de amigos lhe pode proporcionar.

Scholl (1986, citado por Rosa e Ochaita, 1993), considera que a adolescência pode ser um período particularmente dificil para os indivíduos cegos. É um período em que os jovens se definem pela sua homogeneidade, nomeadamente na forma de vestir, nos gestos, na forma de falar etc. Deste modo, a cegueira pode impedir que o adolescente imite o comportamento do seu grupo e, por consequência, a integração do mesmo.

Numa outra perspectiva, Kent (1983, citado por Rosa e Ochaita, 1993), refere-nos que os problemas de aceitação da própria imagem, de integração no grupo e de relações com jovens de outro sexo podem ser maiores para as raparigas do que para os rapazes. O desenvolvimento intelectual que se produz durante esta fase, permite aos cegos reflectir sobre o seu próprio problema, o que pode conduzi-los a rejeitar a sua imagem corporal, bem como a não se relacionarem com jovens do outro sexo e, assim a não fazerem a sua integração social. O surgir da cegueira nesta etapa do desenvolvimento, constitui um elemento que pode retardar, prolongar ou complicar um período que já por si é constituído por uma “crise considerada normal”, sem colocar no entanto em causa, geralmente, as aquisições cognitivas e sensório-motoras.

As consequências do surgir de uma situação de cegueira na idade adulta, já depende dos determinantes da imagem de si, mas também da forma como vai reagir o sujeito, depois de uma fase transitória de depressão considerada como adaptativa. Vários factores vão influenciar a forma como o sujeito se vai defrontar com uma situação de cegueira. Nomeadamente a sua personalidade, história de vida, experiências de vida passada, suporte social etc.

Shakespeare (1977), refere que a reacção a deficiência adquirida na idade adulta não se relaciona proporcionalmente com a gravidade objectiva da deficiência.

Os factores causais no tipo de reacção parecem ser o que a deficiência adquirida significa para a pessoa, em função do seu estilo de vida, da sua profissão e dos seus interesses.

Quando o trauma da cegueira ocorre na idade adulta, a auto-confiança, o sentido de competência e a adequação da pessoa que cegou estão ameaçadas. A gravidade e a duração das fases de ajustamento à cegueira aumentam, assim como a dependência para realizar tarefas (Tuttle &Tuttle, 1996). Deste modo, o processo de ajustamento a cegueira caracteriza-se pela interacção da pessoa que cegou recentemente com o meio que a rodeia, é a readaptação das suas necessidades pessoais e do meio. Um bom ajustamento é um processo contínuo e dinâmico, no qual a pessoa se sente integrada na sociedade, é aceite socialmente e, por fim contribui para a construção da sociedade (Tuttle &Tuttle, 1996).

É na terceira idade que se situa o maior índice de deficiência visual e cegueira, pelo facto do aumento da esperança média de vida e do envelhecimento normal das funções do corpo. A deficiência funciona muitas vezes como o elemento acelerador do envelhecimento, podendo tornar-se para a pessoa idosa como a explicação principal das suas perdas de autonomia e de eficácia.

As consequências funcionais e psicológicas são de extrema importância pelo facto da redução das capacidades de adaptação, a resistência à mudança, o consequente isolamento, serem factores que acarretam dependência bem como um surgir de comportamentos depressivos, que vem diminuir as actividades e a possibilidade de reacção positiva à deficiência.


Personalidade e auto-imagem do indivíduo cego

Vários são os construtos e as definições utilizadas para definir personalidade. De acordo com Allport (1980; citado por Martin et al., 2003), personalidade refere-se tanto ao particular como ao geral, à pessoa em abstracto e em concreto. Ou seja, a personalidade é a organização dinâmica no interior do indivíduo dos sistemas psicofísicos que determinam o seu comportamento e os seus pensamentos característicos. Esta definição suscita todavia muita polémica, visto chocar com perspectivas mais “científicas”, que procuram acima de tudo, a generalização, as leis universais, que possam ser aplicadas a todos os casos.

Numa outra perspectiva, Rosa e Ochaita (1993) definem personalidade como a organização peculiar das características fisicas e psíquicas que determinam a conduta e o pensamento de um indivíduo como pessoa social.

Desta definição, podem retirar-se algumas conclusões. Nomeadamente: a personalidade de um indivíduo é única, de forma que todo o homem é diferente de qualquer outro; a personalidade é constituída por diferente traços ou características que abarcam desde a conduta observável até ao pensamento; é a organização dessas características que determina a forma particular da conduta de um indivíduo; a personalidade é influenciada pela educação, pela experiência e pelo meio social.


Segundo Cobo (2003), podem classificar-se as definições de personalidade em três grupos:

  1. Baseadas no efeito exterior, centradas em listas de características sobre a eficácia e atracção social do indivíduo. Não englobam a estrutura interna subjacente a essas relações externas.

  2. Baseadas na estrutura interna. Consideram a personalidade como o conjunto dos impulsos, instintos. A personalidade é entendida como uma espécie de “organização mental”. Seria o que a pessoa realmente é, independentemente do modo como as outras pessoas percebem as suas qualidades.

  3. Positivistas. Esta categoria é oposta às mencionadas anteriormente, visto que considera que a estrutura interna é inacessível cientificamente. Numa posição extrema, só faria sentido o que fosse directamente observável (redução ao estímulo-resposta).

Como se verifica, várias são as abordagens feitas à personalidade. Cobo (2003) refere que a personalidade é certamente 100% genética, visto que seja qual for a acção desenvolvida não está livre da influência genética, mas de igual modo a personalidade também é 100% ambiental, no sentido em que as influências do ambiente e da aprendizagem intervém em cada traço e acção. De acordo com Cobo (2003) existe um substrato biológico da personalidade, mas este não é o único.

Este autor refere de igual modo que não se encontram elementos que permitam falar na existência de uma personalidade do indivíduo cego. Podem é ser observados alguns traços, algumas tendências, mas, atenção, tal nem sempre acontece em todos os indivíduos cegos.

A cegueira é um complexo de situações variáveis que reduz a capacidade de reunir informações visuais, tornando a pessoa insensível à maior fonte de conteúdo informativo: O que, segundo o autor, afecta o comportamento da pessoa cega, reduzindo-o a um ambiente social diferente do da pessoa vidente.

De acordo com estudos recentes, nomeadamente em Cobo (2003), destacam-se duas variáveis que podem exercer influência no desenvolvimento da personalidade do cego:

Ansiedade - Manifesta-se num padrão de actividade fisiológica, de directrizes motoras mal organizadas e pouco limeionais, e num estado emotivo de ânimo desagradável para o indivíduo. A ansiedade funciona como um impulso ou a causa determinante da acção do comportamento. Actualmente existem alguns estudos que chamam a atenção para a relação entre a ansiedade e o rendimento, e entre ansiedade e aprendizagem.

Atribuições e expectativas do indivíduo em relação ao controle que exerce sobre o ambiente, sobre a eficácia dos seus actos - As pessoas cegas em algum período da sua vida podem passar pela experiência de se sentirem indefesas. Essa é uma experiência traumática, que pode trazer consequências sérias, não apenas do ponto de vista afectivo ou emocional, mas também de perda de energia e perda de interesse em realizar qualquer tipo de actividades. Pode igualmente interferir na capacidade de aprendizagem de novas relações e de uma correcta percepção dos acontecimentos e relações do seu ambiente (Seligman, 1975 citado por Cobo, 2003).

O conceito de auto-eficácia é de extrema importância para o desenvolvimento da personalidade. De acordo com o autor, entende-se por auto-eficácia a convicção que o indivíduo tem para poder realizar com sucesso a conduta necessária para produzir determinados efeitos sobre algo que lhe interessa. Diz respeito à capacidade, eficiência ou habilidade da própria conduta para produzir os efeitos desejados. As expectativas percebidas de auto-eficácia são importantes, para qualquer tipo de aprendizagem, tanto para o início como para a manutenção de uma conduta determinada (Bandura, 1986 citado por Cobo, 2003).

Não podemos esquecer a perspectiva de Cobo (2003) em que uma pessoa cega ou com baixa visão não estará apta para assumir uma vida social adequada até que tenha, na perspectiva de Cobo, superado alguns traumas psicológicos em consequência da sua cegueira. A pessoa cega, em muitos casos, costuma evitar situações sociais, prolongando o isolamento. Este torna-se um ciclo vicioso, visto que é encarado como consequência da insegurança. No entanto o que se verifica é que quanto maior for o isolamento maior a insegurança e vice-versa.

Cada indivíduo com ou sem problemas de visão, desde o momento do seu nascimento interage com o seu meio ambiente. É desta interacção que se constrói a ideia que cada pessoa tem sobre si própria e dos outros. Esta ideia no entanto pode diferir de como se é na realidade.

Davis (1959 citado por Cobo, 2003) refere que sem uma adequada imagem corporal a auto-imagem é totalmente distorcida. Desta forma, Cobo (2003) refere-se à auto-imagem ou conceito de si mesmo como um conjunto amplo de representações mentais que incluem imagens e julgamentos, além do conceito que o indivíduo tem acerca de si mesmo, e que engloba diferentes aspectos corporais, psicológicos, sociais e morais (Epstein, 1981 citado por Cobo, 2003).

A auto-imagem comporta juízos descritivos e também juízos avaliativos sobre si mesmo, que nascem da comparação com outros sujeitos, e constituem a auto-estima, parte da auto-imagem. Auto-imagem e auto-estima podem referir-se tanto à própria pessoa como um todo, como às aptidões ou características  particulares dessa pessoa.

Existe uma associação entre rendimento e auto-imagem e entre sucesso e aprendizagem. A auto-imagem e a auto-estima constituem uma previsão de sucesso escolar (Cobo, 2003). De acordo com este autor, não importa que a criança cega tenha um bom potencial intelectual para ser desenvolvido; se a sua auto-estima for negativa com respeito ao êxito a ser conquistado, o &acasso está assegurado muito antes do começo da actividade; refere ainda que, quanto maior a auto-estima, maior a possibilidade de sucesso escolar.

Para Gimeno (1976 citado por Cobo, 2003), a auto-imagem influência o sucesso e, este a auto-estima. E o sucesso é sentido como tal quando nasce da experiência da autonomia. Nesta linha teórica, uma pessoa cega ou normo-visual, aprende quando enfrenta uma tarefa impulsionada de dentro, ou seja, porque ela quer. A mudança será produzida a partir do auto-conhecimento, com uma actuação autónoma na qual o individuo assume como próprios os objectivos a serem alcançados.

Cobo (2003), refere que a maioria das crianças com baixa visão apresentam uma maior dificuldade de adaptação, o que se traduz, em inúmeros problemas de ordem emocional, fadiga e baixo rendimento escolar, podendo resultar em fracasso.

Bauman (1964 citado por Cobo, 2003), mostra que os alunos com visão parcial apresentam um nível muito mais alto de ansiedade e insegurança e mais sentimentos de solidão que aqueles que têm visão normal. Meighan (1971 citado por Cobo, 2003), pelo contrário, não encontra diferenças entre os cegos e individuos com baixa visão em nível de auto-imagem. Embora o autor destaque diferenças negativas nas pessoas que vivem em regime de internato. Nesse mesmo sentido McGuiness (1970 citado por Cobo, 2003), afirma que os estudantes que frequentam o ensino regular desenvolvem uma imagem própria mais forte do que aqueles que frequentam escolas de ensino especial, devido às suas relações com os colegas normo-visuais. As pessoas cegas ou com baixa visão costumam ter uma auto-imagem pobre, não se sentem confortáveis consigo mesmas nem com os outros. Deste modo, costumam utilizar muitos mecanismos de defesa. Na opinião de Cobo (2003), as pessoas cegas costumam ser excessivamente dependentes, evitando todas as situações que impliquem ansiedade e que possam demonstrar ou transparecer alguma incapacidade.

Normalmente, culpam a sua falta de visão por tudo aquilo que acontece de mal na sua vida, mesmo quando isso não tem qualquer relação com o sucedido.

Por vezes os conflitos emocionais derivam da acção ou da intervenção das outras pessoas na vida do cego. Para muitos cegos, a carga mais pesada pode não ser a cegueira, mas a atitude dos normo-visuais para com ela. Isto é, o cego, consciente de que é percebido pelos demais como um ser inútil, adopta mesmo involuntariamente mecanismos de defesa ou sentimentos de inferioridade.

Instalando-se estes na pessoa cega a partir do momento em que reconhece a sua impotência para ver e compreende que a visão é uma. De acordo com Cobo (2003), a maioria dos cegos vive um forte sentimento de solidão, apesar de aparentemente serem pessoas sociais, comunicativas, participativas na sociedade. Essa impressão faz com que se sintam isolados do ponto de vista vivencial, embora não estejam isolados da sociedade nem da família. Na perspectiva do autor, este sentimento de solidão será vivenciado mais intensamente em pessoas com um alto grau de introversão. Inferioridade, insegurança, solidão são alguns dos sentimentos perante os quais muitos cegos reagem por meio da fantasia, através da qual se evadem da realidade para criar um mundo imaginário inexistente.

Estes mecanismos de fantasia têm como objectivo diminuir as possíveis tensões que aquele sujeito possa estar a enfrentar e que não pode compensar pela própria realidade objectiva.

Os sentimentos de inferioridade podem ser atenuados pela própria pessoa através de mecanismos de compensação (Rosa e Ochaita, 1993). A compensação é um mecanismo psicológico através do qual se tenta equilibrar os efeitos de uma deficiência. Ou seja, por vezes a compensação prende-se com o desejo da pessoa se destacar numa área para a qual tem capacidades. Por exemplo, o caso dos indivíduos cegos que tentam sobressair na música, na literatura, com o objectivo de conseguirem a aceitação e um lugar importante na sociedade.

No entanto a compensação pode assumir uma forma obsessiva, como é o caso dos indivíduos cegos que ambicionam ser pintores, sem se darem conta que, para tal, é necessária a visão (Clemente et al., 1979). Existem outras situações em que a compensação é relativamente frequente, como é o caso de pais, que procuram satisfazer as suas aspirações através dos seus filhos, procurando, insistentemente, que sejam o que eles nunca conseguiram ser, bem como a busca da normalização (Rosa e Ochaita, 1993). Estas compensações paternas, poderão deixar marcas profundas nas crianças, causando-lhe complexos e frustrações.

É de referir que a compensação é um mecanismo próprio de todo o ser humano, não só dos cegos, e que pode ser altamente benéfica para o indivíduo e para a sociedade quando decorre de vias realistas e acessíveis à pessoa que a exercita.

Na perspectiva de Scholl (1986), uma forma de reacção dos cegos perante os problemas quotidianos é feita através da fantasia, mediante a qual, um indivíduo se afasta da realidade para elaborar um mundo de ilusão irreal. Através deste processo o indivíduo cego protege-se de situações perturbadoras.


De acordo com Scholl (1986) e Cobo (2003), as fantasias dos indivíduos cegos podem classificar-se em dois grandes grupos:

a) Fantasias de acção - O indivíduo tende a eliminar a fonte do seu desajuste/problema, ou seja, apagar da sua realidade aquilo que representa motivo de conflitos, ou supera-lo adquirindo alto nível de segurança perante os demais. Outra maneira de agir seria guardar para si as suas fantasias, o que torna mais dificil a sua expressão. Este tipo de comportamentos manifesta-se com mais &equência nos indivíduos com cegueira adquirida do que nos com cegueira congênita.

b) Fantasias de regressão - Através das quais o indivíduo evita defrontar-se com os problemas reais e retrocede a preocupações simples, mediante as quais a fuga pode conduzir ao isolamento. Na perspectiva dos autores, os mecanismos de evitamento, deixam o indivíduo diante uma atitude passiva, que desencadeia com frequência a falta de motivação.

Cobo (2003), refere que a saúde mental de qualquer criador de fantasias depende da sua capacidade para conservar o discernimento normal, Na perspectiva do autor, o cego conserva o discernimento da realidade, mas para isso, às  às vezes, deve enfrentar e vencer, sem qualquer preparação prévia, os problemas que lhe sejam característicos.

A vida imaginativa do cego não deriva da sua incapacidade fisica primária, mas das relações sociais que tal incapacidade traz consigo (Cobo, 2003). Os inconvenientes e desilusões que a cegueira implica, na perspectiva do autor, raras vezes produzem perturbações emocionais. Os conflitos emocionais surgem pela acção ou intervenção de outras pessoas na vida do cego. Essa circunstância não pode ser evitada, como também não pode ser evitado o preconceito resultante para o ego da pessoa cega, para quem, por vezes, qualquer acto, palavra ou atitude do normo- visual pode ser entendido como um insulto.

Scholl (1986), defende que a tendência para a fantasia é mais frequente durante a adolescência, tal como acontece com os normo-visuais, onde a imaginação tem a função de antecipar a realidade desejada para o futuro. Cobo (2003), refere que os pensamentos baseados na fantasia vão desaparecendo à medida que a idade adulta se vai aproximando, ou seja, conforme o Eu evolui e as relações sociais se normalizam.

As ilusões têm como aspecto positivo, uma liga às desilusões e dissabores da vida quotidiana, dando um novo alento ao sujeito para enfrentar as situações ditas habituais.

A perda de visão tardia implica uma reaprendizagem e reorganização de competências, anteriormente conhecidas. Deste modo, é necessário um trabalho de reabilitação funcional, onde se incide na utilização de outros canais sensoriais. Este trabalho é individual, tendo em consideração a estrutura psicológica do individuo.

Souza (1999), defende que o sujeito com cegueira adquirida tem um conjunto de desafios que se lhe apresentam a partir do momento em que cega. Assim e na perspectiva do autor, os desafios são a nível:


Emocional
- Toda a mudança implica adaptação e acomodação a novas situações. A ideia de se imaginar cego para o resto da vida, implica um trabalho emocional individual e a necessidade da intervenção técnica adequada; Social - A mobilidade e a locomoção bem como outras actividades da vida diária são aspectos da vida do indivíduo cego recente que sofrem uma alteração e uma restrição imediata. Este terá de aprender novas técnicas para funcionar com independência em todos os sectores da sua vida. No domínio social é importante também a aprendizagem do Braille e de competências informáticas, que reabrirão os horizontes para a leitura e a escrita.

Profissional - O indivíduo com cegueira não tem apenas de realizar trabalhos manuais. Existe uma panóplia de actividades que pode realizar. Se possuir uma actividade profissional anterior à sua condição de cegueira essa deve, se possível, ser retomada.

O momento em que ocorre a perda de visão é muito importante, visto que, quanto mais avançada for a idade, menos será afectado desenvolvimento, mais experiências terá vivido e mais avançado será o seu desenvolvimento. Por outro lado, a quantidade de imagens armazenadas no cérebro (quantidade de formas, tamanhos, cores, espaços) permitirá que a criança use uma linguagem vivida. A criança terá de se adaptar fisica e psicologicamente à cegueira, mas o seu desenvolvimento terá seguido um desenvolvimento semelhante ao da criança normo-visual, em especial se perdeu a visão após o período critico de organização sensório-motora. Fraiberg (1982, in Ortega, 2003), afirma que esse facto é uma vantagem para o desenvolvimento inicial da personalidade quando se estabelecem os esquemas primários visuais e motores. Johnson (1989), realizou alguns estudos com indivíduos cegos congênitos e recentes, e verificou que os dois grupos experienciam sentimentos diferentes e herdam diferentes valores sobre incapacidade e dependência.

O modo como se desenvolve a criança cega vai depender, em grande parte, dos estímulos que recebe no contexto familiar e social que lhe darão real acesso à informação e lhe permitirão trocas com o meio envolvente.

Telford & Sawrey (1989) referem que a pessoa cega congênita experimenta e percebe os objectos do universo e constrói o seu conhecimento do mundo através de meios diferentes dos das crianças normo-visuais. Verificam-se diferenças no desenvolvimento pessoal, social e educacional da pessoa cega congênita e da pessoa com cegueira adquirida. O tipo de cegueira surge como variável interveniente no comportamento, na adaptação e, de uma forma geral, nas características intra- pessoais da personalidade, dos indivíduos com deficiência visual.

Johnson (1989), definiu cegueira congênita como aquela em que os indivíduos cegaram durante o primeiro ano de vida, tendo esta sido vivenciada como parte integrante do seu desenvolvimento mental e emocional. De acordo com o autor, os indivíduos que cegaram mais tarde, são referenciados como cegos recentes ou com cegueira adquirida, tendo estes de enâentar a tarefa de integrar o handicap numa personalidade que, até aí, se desenvolveu num indivíduo normo-visual.

A cegueira não é impeditiva do desenvolvimento da criança, contudo, a falta de estimulação da família e do meio, reflecte-se a vários níveis (Aljuriaguerra, 1974), como o atraso ao nível social, emocional e educacional (Andrea, 1956). O modo como se desenvolve a criança cega congênita vai depender, em grande parte, dos estímulos que recebe no contexto familiar e social que lhe darão real acesso à informação e permitir trocas com o meio envolvente.

Telford & Sawrey (1989) referem que a pessoa cega congênita experimenta e percebe os objectos do universo e constrói o seu conhecimento do mundo por meios diferentes dos das crianças nomo-visuais.

Resumindo, diremos que se verificam diferenças no desenvolvimento pessoal, social e educacional da pessoa cega congênita e da pessoa com cegueira adquirida. O tipo de cegueira surge como variável interveniente no comportamento, na adaptação e, de uma forma geral, nas características intra-pessoais da personalidade, dos indivíduos com deãciência visual.


Depressão

Para Widlõcher (2001) “o quadro clínico e o modo de evolução das depressões sugerem sem dúvida a ideia de uma doença. A mudança afecta, inopinadamente ou após acontecimentos que não o justíjicam pela sua anzplitude, uma personalidade que nada predispunha, pelo menos aparentemente, para tal transformação ” (p. 17).

Na perspectiva do autor, a depressão não modifica a personalidade, vem sim dar uma nova cor a todos os pensamentos e acções. É o mesmo sujeito que pensa e age, mas tudo é marcado pelo pessimismo, pela falta de esperança e de interesse.

Assim, Widlõcher (2001) considera que é fácil distinguir entre a pessoa e o novo estado que a caracteriza. Refere o autor, que aquilo que é considerado um incidente motivado da vida quotidiana adquire um valor de doença pela sua intensidade e duração. Por último, a resolução da crise deixa a pessoa idêntica a si mesma.


Perspectiva histórica da depressão

Desde que se conhece a depressão, o ser humano procura uma explicação compreensiva para o porquê da doença, uma vez que o como e a evolução eram observáveis (Sabanés, 1990). Sempre existiu uma dualidade explicativa: por um lado, as escolas organicistas tentaram explicar a depressão através de erros, insuficiências ou intoxicações de tipo orgânico (Jenkins, Newton & Young, 1996), por outro, outras correntes tentaram compreender a depressão como uma disfunção cuja a origem se encontra para além do puramente orgânico.

Foi no século v a.C. que Hipócrates criou o termo melancolia, que significa “bílis negra”. Seria um excesso de bílis negra, que invadia o sangue, e agiria sobre o corpo e alma do doente para criar um estado caracterizado pela tristeza e pelo abatimento (Widlõcher, 2001). Desta forma é identificada a perturbação depressiva. E ainda hoje é utilizado o vocabulário de Hipócrates, quando falamos de “humor negro” para definir tristeza. Nesta perspectiva, a explicação para melancolia inscreve-se num sistema muito geral que permite classificar o conjunto de doenças em função das perturbações dos humores. Assim, como estas perturbações são em número limitado em relação à diversidade das doenças, tem de se admitir que a mesma perturbação se exprime de formas variadas (Widlõcher, 2001).

Desta forma, veio a admitir-se que esta representação da doença era puramente organogenética. Widlõcher (2001) refere que nesta fase a alma estava estreitamente dependente do corpo. Os sintomas psíquicos são descritos como perturbações do funcionamento da alma, devidas à viciação dos humores. Segundo esta perspectiva, existe entre a alma e o corpo uma dependência recíproca e as paixões da alma influenciam o estado dos humores.

Widlõcher (2001), refere que a sistemática hipocrática oferece um quadro no qual o conjunto da patologia encontra o seu lugar, mas a descrição das doenças permanece vaga, pois elas constituem apenas sinais a identificar para entender o equilíbrio geral dos humores. Desta primeira descrição nasce a clínica da depressão.

A oposição entre excitação maníaca e depressão melancólica está já bem captada na medida em que ela encontra a sua explicação no sistema.

Com Galeno, no século H d.C., a tradição hipocrática toma uma forma que imporá a sua autoridade até ao século XvIII. Segundo Galeno (citado por Widlõcher, 200 l) “a melancolia é uma doença do espírito, sem febre, com tristeza profunda e distanciamento face às coisas mais queridas. É uma aflição desmedida.

Durante séculos esta descrição clínica permaneceu sem grande alteração. No final do século XvIII nasce a clínica moderna, que vem romper com a tradição hipocrática. A clínica moderna via o organismo no seu conjunto e a doença fisica ou moral como sinal de um desequilíbrio global do organismo. Esta nova perspectiva vem instaurar a individualização da patologia mental.

Os alienistas do século XIX têm a seu cargo estabelecimentos especiais onde são agrupados os sujeitos privados da razão, que se haviam tornado estranhos a si próprios, ou seja, alienados. O que se pretendia nesta fase, era estabelecer uma classificação lógica das diferentes formas de que se revestia esta alienação mental. A loucura é vista como um entrave ao Eincionamento da inteligência, devido a uma alteração no cérebro, sendo considerada como uma doença única, resultante de causas múltiplas, fisicas ou morais.

Widlõcher (2001) refere que nesta fase, as diferentes formas que a loucura apresenta, são descritas com precisão, pois a sua evolução difere, e cedo se suporá que estão ligadas a causas distintas. É desta forma que o estado melancólico entra no quadro geral da alienação mental.

O autor refere-nos ainda, que à oposição hipocrática entre excitação maníaca e depressão melancólica sucede uma outra entre loucura global e loucura parcial.

Assim, a mania torna-se o paradigma da loucura global e a melancolia dissolve-se, em parte, no quadro da loucura parcial. Esta distinção apoia-se na extensão da perturbação do juízo.

Desta forma, na loucura global a razão desapareceu por completo e a excitação maníaca imprime a todas as actividades uma incoerência total. Todo o pensamento é caracterizado pela aceleração e pela luga de ideias. A melancolia pelo contrário, mesmo nas formas graves, só afecta parcialmente o juízo. 0 pessimismo domina todos os pensamentos, mas não altera a qualidade do raciocínio. Sendo este ultimo, tendencioso mas lógico e coerente.

No século XIX, em França, Esquirol, observou inúmeros casos de doentes melancólicos, após o que veio a levantar a hipótese de os portadores de melancolia sofrerem de uma insanidade parcial. Estes doentes estavam atingidos por um “delírio monotemático” a que chamou “lipemania” (Afonso, 2004). Ou seja, a melancolia era vista apenas como uma forma de delírio, entre outras.

Um pouco mais tarde, em 1854, dois autores franceses voltaram a destacar a importância da associação entre melancolia e a mania como pólos opostos do humor, muito embora já Hipócrates se lhes tivesse referido. Deste modo, Baillarger intitula a doença de “loucura de fora dupla” e Falret designa-a por “loucura circular” (Afonso, 2004).

O Século XIX fica assim marcado por um grande trabalho descritivo e fenomenológico que permitiu classificar e homogenizar as perturbação psíquicas em grupos de pacientes que manifestavam sintomas idênticos ou parecidos.

No entanto, foi Kraepelin quem distinguiu a psicose maníaco-depressiva (doença bipolar) da demência precoce (esquizofrenia). A primeira diferenciava-se da segunda através do prognóstico, visto que os doentes com psicose maníaco-depressiva não apresentavam deterioração intelectual observada na demência precoce (W idlõcher, 2001).

Kraepelin não contemplava nesta classificação uma série de perturbações do humor que actualmente são associadas às formas mais comuns de depressão.

Segundo Afonso (2004), este fenómeno poderá ser compreendido devido aos casos, naquela época serem habitualmente tratados pelos médicos de clínica geral ou até por neurologistas, uma vez que os doentes raramente eram internados em hospitais psiquiátricos.

No entanto, Kraepelin foi considerado um dos precursores da psiquiatria biológica. Entre 1909 e 1915, o autor descreve quarto formas de Psicose Maniaco depressiva: os estados maníacos; os estados liindamentais de humor emergentes ente os acessos maníacos e depressivos; os estados depressivos ou melancólicos e os estados mistos (Ruiloba &Ferrer, 2000). A partir desta classificação estabelecida pelo autor, as escolas psiquiátricas do inicio do século XX, aceitaram as formas básicas da patologia do humor (Ruiloba & Ferrer, 2000).

Na perspectiva de Afonso (2004), a depressão foi alvo da disputa entre duas correntes distintas, quer ao nível da interpretação e da explicação da doença, quer ao nível das propostas terapêuticas. Deste modo, a primeira corrente assentava o seu modelo teórico numa visão psicológica da doença, enquanto a segunda propunha uma perspectiva biológica da mesma. O início do século XX ficou igualmente marcado pelas ideias de Freud e dos seus seguidores, que influenciaram os métodos de tratamento da depressão privilegiando a psicoterapia. Até à primeira metade do século XX, a psicanálise foi o tratamento preferencial para a depressão (Afonso 2004). Até ao linal dos anos 50, a corrente biológica não dispôs de um modelo teón'co válido, nem de um tratamento biológico minimamente eficaz para a depressão, em oposição à corrente psicológica (Widlôcher, 2001).

Com o surgir dos antidepressivos e com o desenvolvimento das técnicas laboratoriais e imagiológicas, o modelo biológico ou organicista da depressão começou a ter alguma credibilidade junto da sociedade científica. De acordo com Afonso (2004), esta disputa teórica dicotómica da depressão encontra-se actualmente abandonada. O autor defende que perante uma doença tão diversificada e complexa como a depressão, se devem colocar de parte alguns íimdamentalismos ideológicos para se aceitar com algum consenso o modelo biopsicosocial da doença.


Os sinais da depressão

De acordo com Widlõcher (2001) reconhece-se a depressão quando à simples tristeza se juntam os outros sinais. O verdadeiro problema consiste em conseguir distinguir, perante um estado mental patológico e os sinais que permitem classificá- 10 como depressão. Segundo o autor, para reconhecer a depressão é necessário detectar os sinais. Isto é, a pessoa deprimida exprime numerosas queixas e apresenta um comportamento característico. Afonso (2004) refere que cada sujeito é um caso único, embora possa apresentar alguns sintomas que habitualmente estão descritos para determinada patologia. E no caso das doenças mentais, essa individualização é ainda maior, visto que na perspectiva do autor há por detrás de cada sujeito um passado biográfico, uma cultura, uma linguagem e uma forma muito própria de exprimir e apresentar os seus sentimentos e emoções. Assim sendo, para o autor, isto significa que apesar da doença ser a mesma numa perspectiva meramente biológica, a forma de apresentação pode variar bastante de sujeito para sujeito.

Afonso (2004) salienta ainda que a depressão se manifesta de forma bem distinta num sujeito que tenha uma personalidade com características de maior extroversão, face a outro mais reservado e menos comunicativo.Se em determinados sujeitos os sintomas da linha afectiva são mais evidentes, tais como a tristeza, a falta de esperança, o desânimo, tornando-se mais fácil o diagnóstico, por outro lado, existem outros em que a depressão se pode manifestar com uma componente fisica mais marcada (cefaleias, alterações de sono etc.), o que dificulta o diagnóstico (Afonso, 2004).

Neste sentido, Widlõcher (2001) refere que o clínico deve certificar-se que as queixas apresentadas pelo sujeito e o seu comportamento correspondem efectivamente ao quadro clínico da depressão, denominado de diagnóstico positivo, e que estes não comportam nenhum sinal que faça suspeitar de uma outra forma de doença (diagnóstico diferencial).Um grande número de critérios de diagnóstico tem sido utilizado nas últimas décadas, com o objectivo de uma maior fidedignidade de diagnóstico. Desses, os mais importantes talvez sejam o RDC (The Research Diagnostic Criteria) de Spitzer (1978 citado por Assumpção Jr, 2000), CID 10 (Classificação Internacional das Doenças) (Menezes, 2000) e o DSM-Iv-TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da American Psychiatric Association (2000 citado por Assumpção Jr, 2000).

Assumpção Jr. (2000) refere que apesar de divergirem quanto ao tempo de duração da sintomatologia, as características são consideradas como idênticas com o diagnóstico. Tendo este que ser feito em bases predominantemente clínicas, usando- se nas crianças e adolescentes os critérios para a depressão major de forma similar ao utilizado para os adultosDesta forma, a nova Classificação Internacional das Doenças - CID 10 - (WHO, 1992), abandona a divisão clássica entre depressão neurótica e depressão psicótica, privilegiando uma classificação operacional, onde o diagnóstico depende da presença de um número mínimo de sintomas listados a partir do qual se avalia a gravidade do quadro clínico.

Vargas (2000) refere que de acordo com o DSM-Iv e a CID-10 se pode falar de depressão quando estão presentes pelo menos cinco dos seguintes sintomas e durante duas semanas: Humor depressivo; perda de interesse ou prazer (um destes dois ou ambos são obrigatórios); perda ou ganho de peso significativo; insónia ou hipersonia; agitação ou quietude motora; fadiga ou perda de energia; sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada; indecisão ou capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se; pensamentos de morte recorrentes.

A CID-10 refere que “nos episódios típicos de cada um dos três graus de depressão: leve, moderado ou grave, o paciente apresenta um rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da actividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas em geral à fadiga importante, mesmo após um esforço mínimo."

A Classificação Internacional de Doença refere que são observados em geral problemas do sono e diminuição do apetite. E que quase sempre existe uma diminuição da auto-estima e da autoconfiança e frequentemente ideias de culpabilidade e ou de indignidade, mesmo nas formas leves (WHO, 1992).

O humor depressivo varia pouco de dia para dia ou segundo as circunstâncias podendo ser acompanhado de sintomas ditos "somáticos", por exemplo perda de interesse ou prazer, acordar matinal precoce, várias horas antes da hora habitual de acordar, agravamento matinal da depressão, lentidão psicomotora importante, agitação, perda de apetite, perda de peso e perda da libido. O número e a gravidade dos sintomas permitem determinar três graus de um episódio depressivo: leve, moderado e grave (WHO, 1992).

Widlôcher (2001) refere que o primeiro passo do diagnóstico consiste na recolha dos dados que são conformes ao quadro da depressão e que excluem outras hipóteses. Na perspectiva do autor, o clínico deve operar uma redução dos dados de observação e converte-los em sinais da doença. Para tal é necessário saber os sintomas que definem depressão. Esta é uma síndrome, isto é, um conjunto de sintomas. E é pelo facto de em diversos sujeitos se encontrarem os mesmos sinais, que autentica a doença como entidade autónoma (Widlõcher, 2001). Paúl (1993) considera, que a depressão pode prolongar-se por alguns meses ou mesmo anos, sem alterações da personalidade mas apenas do ânimo e trazendo consigo uma modificação das perspectivas pessoais, levando a que o indivíduo recorde apenas os aspectos negativos da sua vida, alterando as perspectivas passadas, presentes e futuras, com uma desvalorização pessoal e sentimentos de incapacidade, sendo acompanhada por transtornos do sono, apetite, peso, variações diurnas do humor e da libido. Uma perda pode ser vista como irreparável, uma indiferença ocasional como rejeição total. O evento precipitante apresenta sempre um significado particular para o sujeito, envolvendo uma vivência de perda. Apesar de tudo, nem sempre é apenas um facto isolado, podendo também tornar o aspecto de um Stress insidz'oso, como é o caso da perda gradual do cônjuge. (Gallagher et al., 1989; cit. Dura, Stukenberg Kiecolt-Glaser, 1990).


Modelos psicológicos de depressão

Modelo Psicanalítico

As teorias psicanalíticas assentam a causa da depressão na perda real ou imaginária de um objecto e nas experiências precoces.

Em 1917 Freud no seu trabalho 'Luta e melancolia', estabelece uma analogia entre estas duas situações. Desta forma melancolia era entendida como uma espécie de luto patológico em que não ocorreria a necessária aceitação do objecto perdido pessoa perdida - (Afonso 2004).Freud refere que o luto é um conjunto de operações de pensamento destinadas a realizar uma certa tarefa. O luto é um desprendimento progressivo do objecto ao qual a libido estava fixada, um desinvestimento das representações deste objecto. Esta análise é fundamentada na teoria das pulsões, que unifica todas as formas de ligação a um objecto (ser ou situação) em redor de uma energia comum, a libido. Esta teoria permite a Freud descrever o trabalho mental do luto (Widlõcher, 2001). No luto normal que sucede a uma perda, o indivíduo conserva a ilusão de que esse objecto perdido ainda permanece, mas a realidade e o dia a dia vão-lhe dando provas de que a perda é bem real. Há a transição de uma ilusão para a realidade, transição essa que é dolorosa e dura algum tempo. Esse trabalho de aceitação da perda é emocionalmente dificil e é feito de uma forma progressiva até que o indivíduo aceite conscientemente a perda definitiva do objecto amado (Afonso, 2004).

É nesta fase que surge a recordação e a nostalgia no lugar da fixação de uma ilusão. O processo de luto termina logo que o sujeito consiga disponibilidade para se relacionar com o mundo, de forma a permitir a realização de outros desejos e outras ligações (Afonso, 2004). Para Freud, a diferença fundamental entre luto e depressão consiste em que nesta ultima a baixa de auto-estima é um sintoma e a perda é inconsciente, enquanto que no luto & perda é consciente (Mannoni, 1978). Na perspectiva do autor, o indivíduo depressivo também sofre uma perda, mas esta e simbólica e não está relacionada com a pessoa perdida, ou seja, a tendência para a culpabilização e para as auto-criticas no indivíduo depressivo estão dirigidas, de forma inconsciente, à pessoa perdida.

O indivíduo depressivo assume os atributos que reconhecia nessa pessoa e, a partir desse momento, a depressão converte-se num processo narcisista dirigido para o interior, em vez de estar dirigido para o exterior.

Em l911, Abraham comparou a depressão com o luto. Na perspectiva do autor, a diferença essencial entre estes dois conceitos reside no facto de que o sujeito afectado pelo luto está consciente da sua preocupação pela perda de um ser querido e, por sua vez, o sujeito depressivo está envolvido em imprecisos sentimentos de perda, de culpa e de baixa auto-estima. De acordo com esta perspectiva, considera-se que o individuo depressivo interioriza a perda como uma repulsão de si próprio e coníhnde-a ou relaciona-a inconscientemente com as suas próprias experiências anteriores (Coelho, 2004). Antes do estado de depressão se instalar completamente, muitos indivíduos são energéticos nos seus investimentos e forma de vida e frequentemente sublimam de uma maneira forçada a sua libido, quando não conseguem direcciona-la para o seu verdadeiro obj ectivo. Para Abraham fazem-no de forma a negar o seu conflito interno e a desalojar o estado depressivo que tende a irromper a consciência (Coelho, 2004).Esta atitude resulta por longos períodos mas nunca completamente, ou seja, a pessoa que tem de combater influências perturbadoras por longos períodos de tempo raramente chega a usufruir de serenidade ou segurança interna. Coelho (2004) refere que para, Abraham, qualquer situação que exija uma decisão definida no campo da libido causará um súbito colapso no seu equilíbrio psíquico, que até então tinha sido mantido funcional a grande custo.

Nesta mesma perspectiva, quando a depressão surge, os interesses prévios (sublimações) do sujeito cessam repentinamente, conduzindo a um estreitamento da perspectiva mental do sujeito.

A partir dos trabalhos de Abraham e Freud, surgiram como parâmetros nucleares da depressão: alguma precariedade na organização do objecto interno ou seja, um deficit narcísico da organização do Eu com a consequente diminuição da auto-estima (Coimbra de Matos, 1986 citado por Coelho, 2004).

Coelho (2004) refere que os aspectos delineados em Freud e Abraham, são sistematicamente retomados pelos autores que lhe sucederam, sendo as actuais divergências de delimitação e concepção da depressão um reflexo das direcções tomadas, no pensamento psicanalítico, pelo pensamento original de Freud.

Numa outra perspectiva, Melanie Klein estabeleceu dois estados mentais que se sucedem ao longo do desenvolvimento da vida mental da criança. O primeiro denominado de “posição esquizo-paranoide” através do qual se transita para um segundo estado denominado de “posição depressiva” (Afonso, 2004).

A ideia de posição depressiva estabelece uma analogia entre o desenvolvimento normal da criança e a depressão. Para Melanie Klein, a posição depressiva vai sendo superada na infância, podendo ser posteriormente reactivada na vida adulta com a depressão (Afonso, 2004). O Eu tenta pôr fim a todo o sofrimento que se relaciona com a posição depressiva através de uma ou duas formas:

1 - através de fuga para o bom objecto internalizado. O resultado desta fuga pode ser a negação das realidades psíquica e externa e uma psicose mais profunda;

2 - através de fuga para os bons objectos externos como meio de refutar todas as ansiedades, internas e externas. E é um mecanismo característico da neurose que pode conduzir a uma dependência escravizante dos objectos e a uma fraqueza do Eu (Coelho, 2004).

Estes mecanismos de defesa fazem parte da elaboração psíquica da posição depressiva da infância. A incapacidade na superação desta posição com sucesso pode conduzir à predominância de um dos mecanismos de fuga e portanto, conduzir a uma psicose ou neurose grave (Coelho, 2004). Coelho (2004) refere que, de acordo com Klein, a posição depressiva na infância é a posição central no desenvolvimento psíquico, como tal o desenvolvimento saudável da criança e a sua capacidade para amar parecem depender da forma como o Eu ultrapassa esta posição. E esta passagem depende da modificação sofrida pelos mecanismos mais precoces, que se mantém activos nas pessoas sadias, de acordo com as alterações ocorridas nas relações do Eu com os seus objectos, especialmente numa inter-relação eficiente entre posições e mecanismos depressivos, maníacos e obsessivos.

Desta forma, de acordo com Afonso (2004) a teoria da autora faz dos mecanismos depressivos processos universais. Ao encarar a depressão como uma regressão para formas de actividade mental existentes em todas as crianças.

Mais recentemente e numa linha diferente, Meltzer (1990, In Coelho, 2004) questionou o pensamento de Klein relativamente à descrição da posição esquizo- paranóide como sendo anterior à depressiva. O autor designou de contlito estético o impacte estético que a mãe tem com o seu bebé, e afirmou que o desenvolvimento, normal ou patológico, poderia ser influenciado pela forma como o bebé reage a esse impacto. Meltzer refere que Bion contribui para o desenvolvimento da teoria de Klein, quando descreve a interacção dinâmica entre a posição esquizo-paranoide e a depressiva como mecanismo básico ao desenvolvimento psíquico (Coelho, 2004).

Coelho (2004), refere que Bion utilizou o conceito de vínculo para descrever uma experiência emocional em que duas pessoas ou duas partes de uma pessoa estão relacionadas, e tentou esclarecer e aprofundar a dualidade amor e ódio, bem como a progressão ou regressão face à dor mental, ultrapassando assim a concepção de sofrimento mental como resultado da frustração relacional.

Bion descreveu três emoções básicas que são factores sempre presentes num vinculo: amor, ódio e conhecimento. Aspecto inovador a inclusão do conhecimento na categoria dos vínculos emocionais e a introdução dos vínculos emocionais negativos, sugerindo que uns e outros se interligam (Gasto & vallejo, 2000).

Hayanal (1978 In Coelho, 2004) considera a depressão o sintoma principal de um quadro clínico bem definido que denominou de doença depressiva. Nesta perspectiva, o afecto depressivo surge num período da vida em que acriança necessita de uma maior independência da mãe. Este é um processo essencial para a construção do seu próprio Self. Para esta elaboração teórica o autor relacionou os conceitos de posição depressiva de Klein, estado de inquietude de Winnicot, separação-individuação de Mahler e da fase do espelho de Lacan. Concluiu que representavam o reconhecimento da mãe como objecto total, independente e como sujeito portador de intenções e desejosNesta perspectiva, seria do sentimento de perda deiinitiva do objecto, do amor do objecto, e da incapacidade real de transformar o objecto, tomá-lo amante, que surgiria o afecto depressivo e a susceptibilidade à depressão.

Hayanal (1987, In Coelho, 2004) salienta a importância do papel dos sentimentos de desamparo no desencadear da depressão, evidenciando a relação entre a perda do amor do objecto, o sentimento de impotência e o estado depressivo. Desta forma a culpa resultaria da preocupação com o bem-estar e com o sofrimento do objecto que o sujeito pensa ter lesado através das suas próprias acções ou não acções.

O autor considera que através da culpa é favorecida determinada auto-representação, na qual o sujeito se identifica como pessoa má, agressiva, causadora de sofrimento e consequentemente indigna e incapaz de atingir as expectativas do Self. Tendo em consideração as duas dimensões, preocupação com o bem-estar do objecto e com a própria imagem do sujeito, quando prevalece a preocupação pelo bem-estar do objecto (identificação ao objecto), serão postos em funcionamento sentimentos de culpa e mecanismos orientados para a reparação do objecto. Nesta perspectiva, quando predominam os sentimentos de inadequação narcísica, os mecanismos de compensação visam a recuperação da imagem do Self, embora a existência excessiva de sentimentos de inadequação narcísica possa accionar mecanismos patológicos de compensação narcísica com o intuito de reparação do Self danificado.

Um outro autor, Brenner (1991, In Coelho, 2004) introduziu o termo calamidade em alternativa ao conceito de sofrimento psíquico, para designar as experiências negativas ocorridas ou capazes de ocorrer na criança. Brenner define o afecto como uma combinação da sensação ou da vivência de prazer ou desprazer e da ideia associada. Deste modo, a ansiedade inclui a fantasia de um perigo futuro, ao contrário do afecto depressivo que inclui a ideia de algo de desprazer já ocorrido. O afecto depressivo e a ansiedade distinguem-se essencialmente com base na sua temporalidade (Coelho, 2004).

Coimbra de Matos (2001) refere que não existe depressão sem culpa e sobretudo sem inferioridade, porque a retirada de amor pelo objecto é só por si desnarcisante. Desta forma o sintoma patognomónico da depressão é a baixa auto- estima. Na perspectiva do autor é neste ponto que o luto se distingue de depressão.

No luto não existe perda de auto-estima, a não ser no luto infantil, em que a perda do objecto é sentida, ou tende a ser sentida, como prova de desafecto. Em adultos pode aparecer um luto patológico, com carácter de depressão quando o enlutado pensa que o obj ecto morreu, se deixou morrer, porque não gostava do sujeito.Salienta ainda que isto não quer dizer que todas as depressões sej am lutos patológicos. De acordo com o autor o luto é a perda do objecto e depressão a perda do amor do objecto. Ainda de referir que na depressão o sintoma característico é o abatimento enquanto que no luto é a tristeza.

Em consequência, o autor refere que na depressão normal predomina a raiva e a revolta e na depressão patológica o abatimento e a culpa.

Após uma perda afectiva/abandono afectivo, o sujeito reage por dor e abatimento que são acompanhados de raiva/revolta, que caracteriza a reacção depressiva. Na consequência desta reacção, o sujeito pode fazer um desenvolvimento depressivo (Coelho, 2004). O desenvolvimento depressivo, consiste essencialmente, na auto-desvalorização e/ou auto-acusação numa tentativa de o sujeito explicar a si mesmo a razão da perda. São elaborados então sentimentos de inferioridade e/ou culpa. Por outro lado, a tendência depressiva de se inferiorizar e culpabilizar condiciona o processo interpretativo, o que leva o sujeito a auto-recriminar-se e a auto-diminuir-se (Coelho, 2004). Nesta perspectiva, Coelho (2004) refere que se fala de processo depressivo quando entram em jogo mecanismos psicológicos mais profundos e arcaicos. São vários os mecanismos subjacentes à depressão, nomeadamente: a agressão, a culpa, a perturbação do narcisismo, a ansiedade persecutória, o processo de identificação, os défices do Eu e a realidade externa traumática. Considera Coelho (2004) que situações de realidade externa, quando o sujeito é exposto a personalidades patológicas, doenças graves ou incapacitantes, especialmente quando vividas precocemente, condições de abandono e de falha parental, ou ainda, dor fisica ou patológica. Todos estes aspectos poderão desempenhar um papel importante nos sentimentos nucleares do afecto depressivo, desamparo, desespero e impotência.

Na perspectiva do autor a depressão pode resultar de todos estes mecanismos que são distintos. No entanto qualquer um poderá ter um papel importante na sua génese, ou poderão actuar vários em complementaridade ou em sequência.

Bleichmar (1996 in Coelho, 2004) refere que a depressão pode ser componente de várias perturbações ou um sintoma que resulte dos sentimentos de desamparo e de impotência do sujeito para superar as dificuldades impostas pelos elementos principais da perturbação. Desta forma, e de acordo com o autor, a depressão seria um afecto básico, podendo ocasionalmente tornar-se mais importante. Por outro lado, pode ser uma entidade nosológica, dominando toda a vida psíquica do sujeito e que pode coexistir com outras perturbações tendo, contudo, origens diferentes.

Coimbra de Matos (2001) menciona que o” percurso em volta da compreensão do fenómeno depressivo tem sido longo e sinuoso, por vezes com visões discordantes e ideias contraditórias, e frequentemente sobrecarregado com inúteis concepções mitigas e ultrapassadas (mais míticas e especulativas que científicas), mas salda-se pelo encontro da inegável realidade de uma relação patogénica com um objecto depressígeno, geradora de uma economia afectiva relacional de perda, em que o sujeito dá mais do que do que recebe (em termos de amor) - economia dita depressiva (caracteriza a depressão) e depressígena (causa da depressão), não fora a depressão a consequência do amor não correspondido.” (p. XVII)


Modelo Cognitivo

O modelo cognitivo da depressão foi elaborado nos Estados Unidos da América, durante os anos 60, pelo psiquiatra Aaron Beck. Defendendo este que a depressão não estaria baseada em motivações inconscientes, nem em factores estritamente biológicos, mas sim na forma como se estrutura a experiência (Afonso, 2004).

O modelo cognitivo da depressão evoluiu a partir de observações clínicas sistemáticas e de testagem experimental. Esta interacção das abordagens clinicas e experimentais permitiu um desenvolvimento progressivo do modelo e da psicoterapia dele derivada (Beck, Rush, Sham & Emery, 1997) Ou sej a, engloba uma organização cognitiva, uma técnica e instrumentos conceptuais utilizados para a obtenção de dados e, um conjunto de principios geralmente aceites para a construção de uma teoria e uma técnica especializada para recolher e avaliar as comprovações que sustentam essa teoria.

Neste sentido, procura-se que tudo se centre no paradigma pessoal, isto é, a visão pessoal do mundo de cada indivíduo, bem como as suas crenças e ideias são consideradas importantes (Beck et al., 1997).

A teoria cognitiva da depressão tem por base a ideia de que o afecto e o comportamento são, em larga medida resultado das interpretações da pessoa, do meio, das memórias e expectativas. Deste modo, o indivíduo percepciona, avalia, interpreta e narra a informação de forma a fazer sentido no seu mundo e poder actuar nele (Beck et al., 1997).Segundo Beck (1997) há uma perturbação primária e autónoma que vai desencadear todas as outras, ou seja, há um sintoma primário à volta do qual os outros se organizam, que é denominada de perturbação cognitiva.

Deste modo, as distorções cognitivas surgem a partir de experiências traumáticas precoces, tais como a perda ou privação parental, rejeição de grupos sociais.

Situações estas que podem ser activadas mais tarde em momentos de stress.

Afonso (2004) refere, a titulo exemplificativo, que se um determinado indivíduo que tivesse sido alvo de negligência e descuido durante a infância poderia desenvolver a ideia negativa de que não era uma pessoa amada. O autor refere ainda que a ideia de negligência permaneceria latente durante um longo período de tempo. Até ao dia em que, perante determinado acontecimento com um significado idêntico, fossem reactivadas.

Conclui-se então, que a experiência precoce de abandono daria origem a uma cognição disfuncional que permaneceria em estado latente até um incidente crítico a reactivasse conduzindo a uma série de pensamentos automáticos negativos (Afonso, 2004).

Lafer, Almeida, Fráguas Jr. & Miguel (2000) referem que o sistema de tratamento proposto por Beck tem passado por avaliações empíricas rigorosas e os resultados dos diversos estudos controlados indicam que a terapia cognitiva apresenta uma eficácia equivalente à medicação antidepressiva, e superior à psicoterapia psicodinâmica no final do tratamento.

O modelo cognitivo assume três conceitos específicos para explicar a base psicológica da depressão. Nomeadamente a tríade cognitiva, os esquemas e os erros cognitivos (Beck et al., 1997).

A tríade cognitiva consiste em três padrões cognitivos maiores que induzem o sujeito a considera-se a si mesmo, o seu futuro e as suas experiências de uma forma peculiar, única, individual (Beck et al., 1997).

O primeiro componente da tríade anda em redor da visão negativa que o suj eito tem sobre si. Vê-se como defeituoso, inadequado, doente ou carente e tende a atribuir as suas experiências desagradáveis a um defeito psicológico, moral ou físico em si mesmo. O sujeito acredita que devido aos seus supostos defeitos, ele é indesejável e sem valor. Tende a não se dar o devido valor, diminuir-se ou a criticar-se devido aos seus supostos defeitos bem como acredita que carece dos atributos que ele considera essenciais para alcançar a felicidade e satisfação (Beck et al., 1997).

Beck et al. (1997) referem que o segundo componente da tríade cognitiva consiste na tendência da pessoa deprimida interpretar as suas experiências actuais de uma forma negativa. O sujeito sente o mundo exterior como demasiado exigente e com obstáculos intransponíveis e que faz exigências exorbitantes. Interpreta mal as suas interacções com o meio que o rodeia, só vendo demonstrações de derrota ou privação. Sente-se indigno de ser amado, apreciado e pensa-se indesejado. Estas falsas interpretações não dão lugar a interpretações alternativas mais plausíveis. Beck et al. (1997) referem que a pessoa deprimida pode dar-se conta de que as suas interpretações negativas iniciais são tendenciosas se for persuadida a reflectir sobre estas explicações alternativas menos negativas. Desta forma ela poder-se-á dar conta de que trabalhou os acontecimentos para encaixarem com as suas conclusões negativas pré-formadas.

O terceiro componente, é do dominio do futuro, ou sej a, uma visão negativa do futuro. Quando o sujeito deprimido faz projecções a longo prazo, antecipa o seu sofrimento ou considera que as dificuldades actuais irão continuar para sempre. O mesmo acontece quando planeia iniciar uma tarefa especifica num futuro próximo. O pensamento de fracasso está sempre patente.

Beck identificou o pensamento negativo relacionado com a tríade cognitiva como sendo o núcleo de pensamento depressivo e que permite compreender todos os outros sintomas da depressão (Blackburn, Jones &Lewin, 1986). De acordo com o modelo cognitivo os sintomas motivacionais podem ser explicados como consequência de cognições negativas. A paralisia da vontade resulta do pessimismo e da falta de esperança do sujeito. Visto que este espera um resultado negativo, não se irá comprometer com uma meta ou objectivo. Por vezes o suicídio é entendido como uma única forma de escapar a um problema que não parece ter solução ou de retirar aos outros o fardo inútil que pensa ser (Beck et al., 1997).

O aumento da dependência também explicável em termos cognitivos. Ou seja, o sujeito vê-se como inapto e desamparado. Desvaloriza-se e inferioriza-se na realização de tarefas banais. Tende a procurar o conforto de outros que considera mais capazes e competentes. Os sintomas físicos da depressão são entendidos pelo modelo cognitivo como resultantes da crença do sujeito de que está condenado ao fracasso. Há uma inibição negativa do 131er que pode conduzir a uma inibição psicomotora (Beck et al., 1997).

Um outro aspecto importante do modelo cognitivo é o conceito de esquemas.

Este conceito é usado para explicar porque o sujeito deprimido mantém as atitudes que causam sofrimento e que são auto-derrotistas em relação a provas objectivas de factores positivos que vão acontecendo na sua vida (Beck et al., 1997).De acordo com Beck et al., (1997), qualquer situação é composta por um conjunto de estímulos.

Perante uma determinada situação, o sujeito presta atenção a estímulos específicos, combina-os num padrão e conceptualiza-a. O autor refere, que perante uma mesma situação, as pessoas reagem de formas diferentes. Isto porque cada uma delas retira aspectos para os combinar de uma forma coerente e chegar desta forma a uma conclusão. E isto acontece porque há estruturas cognitivas básicas, relativamente estáveis, que são subjacentes à actividade mental e que conduzem o processo de pensamento. E são estas estruturas que são denominadas de esquemas.

Nesta linha teórica, quando uma pessoa se defronta com uma situação específica, existe um esquema relacionado com aquela circunstância que é activado.

Assim, o esquema constitui a base para separar, diferenciar e codificar os estímulos com que se confronta o sujeito. Este caracteriza e avalia as suas experiências através de uma matriz de esquemas. E são estes que determinam a forma como o sujeito irá estruturar as diversas experiências.

Beck et al (1997), sugerem que cada esquema se desenvolve prematuramente através de experiências negativas, tal como a perda de um familiar significativo e será incorporado na organização cognitiva do sujeito. Um esquema pode permanecer inactivo durante longos períodos, mas pode emergir devido a estímulos ambientais específicosOs autores referem que em estados psicopatológicos como a depressão, as conceptualizações feitas pelo sujeito, numa situação específica, são distorcidas para se encaixarem nos esquemas disfuncionais prevalentes. Estes são denominados de esquemas idiossincrásicos hiperactivos. E à medida que estes se tornam mais activos, são cada vez mais evocados por um leque vasto de estímulos menos logicamente relacionados com eles. Ou seja, o sujeito perde grande parte do controlo voluntário sobre os seus processos de pensamento e é incapaz de invocar outros esquemas mais apropriados.

Os esquemas podem envolver diferentes temáticas, no entanto têm sido agrupados em duas grandes áreas: a dependência social e a autonomia (Beck et al., 1997)

O primeiro grupo é denominado de sociotrópico. Neste caso os sujeitos atribuem um elevado valor às relações interpessoais e baseiam o seu valor, como pessoa na percepção que fazem do feedback que recebem dos outros.Este grupo é especialmente sensível à perda do amor dos objectos e à rejeição de figuras chave.

Quando estas acontecem, os esquemas correspondentes são activados. E vão actuar como filtro entre o sujeito e o meio, admitindo apenas a informação negativa consistente com o esquema processado.

O segundo grupo de esquemas corresponde aos sujeitos que deprimem quando são confrontados com ameaças à sua autonomia. Isto é, um sujeito considerado autónomo valoriza a sua independência, auto-coníiança e os objectivos que estabelece para a sua vida. Quando confrontado com situações que levam à perda de independência ou a uma incapacidade para atingir os objectivos que delineou para si, como é o caso da deficiência adquirida, deprime.

Os sintomas padrão para a depressão das personalidades sociotrópica e autônoma são diferentes Os sujeitos sociotrópicos pedem frequentemente ajuda, choram e reagem aos acontecimentos positivos e negativos. Pelo contrário, os sujeitos com uma personalidade autónoma afastam-se dos outros e manifestam depressões constantes (Beck et al., 1997).

Em depressões mais suaves, o sujeito é geralmente capaz de ver os seus pensamentos negativos com alguma objectividade. Á medida que a depressão agrava, o pensamento fica cada vez mais repleto de ideias negativas, embora possa não haver uma ligação lógica entre as situações reais e as suas interpretações negativas do sujeito.

Beck et al., (1997) refere ainda que à medida que os esquemas idiossincrásicos prevalentes levam a distorções da realidade e consequentemente a erros sistemáticos no pensamento do sujeito deprimido, cada vez menos ele é capaz de ponderar a noção de que as suas interpretações negativistas são errôneas.

Nos casos mais graves de depressão, o pensamento pode tornar-se completamente dominado pelos esquemas idiossincrásicos. O sujeito fica completamente preocupado com pensamentos negativistas repetitivos, perseverantes e pode considerar muito dificil concentrar-se em estímulos externos, como por exemplo ler, responder a perguntas, envolver-se num processo de reabilitação funcional, ou envolver-se em actividades mentais voluntárias, por exemplo a resolução de problemas (Beck et al., 1997).

Beck et al., (1997) afirma ainda que no caso de depressão mais grave a organização cognitiva idiossincrásica torna-se autônoma e pode tornar-se tão independente de estimulação externa, que o sujeito se pode mostrar resistente a mudanças no seu ambiente imediato. O autor refere que um sujeito deprimido comete uma série de erros no processamento da informação que conduzem a uma visão distorcida da realidade. Sendo os mais usuais:

  • Inferência arbitrária (chegar a uma conclusão sem dados que a apoiem, até mesmo quando há provas em contrário);

  • Abstracção selectiva (chegar a uma conclusão, focalizando apenas detalhes irrelevantes da situação);

  • Exagero e minimização (considerar determinados acontecimentos como cruciais ou triviais quando não o são, o que se reflecte em erros na avaliação do significado);

  • Personalização (o sujeito relaciona consigo acontecimentos externos a si mesmo sem qualquer indício lógico) e por último

  • Pensamento dicotómico absolutista (catalogar situações, pessoas etc., em categorias opostas e irredutíveis.

Beck (1997) salienta que a depressão resulta de sistemáticas distorções cognitivas na forma como o sujeito percepciona o mundo, o seu futuro e ele próprio.

Hammen & Mayol (1982) vão de encontro à teoria de Beck quando demonstram que os indivíduos deprimidos fazem distorções cognitivas das informações pessoais.

Refere Beck que os sujeitos depressivos elevam os seus padrões de performance a escalões de desempenho extremamente elevados e como resultado apercebem-se serem incapazes de executar satisfatoriamente tudo o que seja independente das suas capacidades comportamentais. Neste sentido Kanfer & Zeiss (1983) salientam que a diferença entre os padrões exigidos pelo próprio sujeito e a experiência dará origem à depressão.

Estudos realizados por Golin & Terre], Nelson, LaPointe & Crandell (1977, 1977, 1980 citado por Kanfer & Zeiss, 1983) referem ainda que os sujeitos depressivos mantêm auto-expectativas relativamente aos sujeitos não depressivos.

Neste sentido Beck (1997) demonstrou que as distorções cognitivas conduzem a auto-avaliação negativa e ao excessivo sentido auto-critico que ocorre frequentemente em áreas importantes para o indivíduo, nomeadamente, o desempenho profissional, em casa ou em situações sociais.

A teoria de Beck sobre a depressão foi ao longo dos tempos sofrendo modificações. Desta forma Abramson (1978) e Seligman (1979) completam esta teoria atribuindo aos acontecimentos que são considerados um reforço das crenças e acções do sujeito uma importância principal. A teoria é denominada de Teoria do Estilo Atribucional ou do Desamparo Aprendido. Dreyfus (1988) refere que esta teoria se inspira na Teoria do Locus de Controlo, que faz a distinção entre o pensamento que considera os acontecimentos como imprevisíveis devido à sorte e ao acaso (locus de controlo externo) e o estilo de pensamento com tendência a compreender os acontecimentos como consequência do comportamento do sujeito (locus de controlo interno).

A ideia base da Teoria do Estilo Atribucional salienta que um sujeito deprimido aprendeu a considerar, de uma maneira geral, os acontecimentos como independentes das suas próprias acções (Seligman, 1979). Desta forma o sentimento de desamparo e impotência que o sujeito vivência em relação às situações exteriores induzirá um efeito perturbador a nível cognitivo (a exposição às situações incontroláveis incita o sujeito a esperar que estas situações sejam incontroláveis), motivacional (o facto dos acontecimentos serem vistos como incontroláveis, conduz a uma lentificação das respostas voluntárias e uma diminuição na probabilidade de emitir as respostas) e emocional (o afecto depressivo é considerado como uma consequência da aprendizagem que os acontecimentos são incontroláveis).

Esta teoria foi revista por Abramson e Seligman. Neste sentido a Teoria Reformulada do Desamparo Aprendido refere os sujeitos deprimidos tendem a atribuir os fracassos a factores como a sua falta de esforço ou incapacidade pessoal e os êxitos, ao acaso ou à facilidade da tarefa. Seligman (1979) refere que a duração da depressão está relacionada com as atribuições estáveis, a sua intensidade e a sua gravidade encontra-se relacionada com a presença de atribuições internas e com o seu grau de convicção.

Tendo por base a Teoria Reformulada do Desamparo Apreendido surge a Teoria da Falta de Esperança da Depressão que sustenta a ideia da existência na natureza de um subtipo de depressão ainda não identificado. Ou seja, a falta de esperança é uma causa necessária e próxima do sentimento de desamparo da depressão (Abramson, Alloy, 1997).

Abramson, Alloy & Hogan (1997) propõem uma cadeia causal, isto é, os acontecimentos negativos da vida actuam como conjuntos de ocasiões para os indivíduos que se sentem sem esperança. Os autores colocam a hipótese de o sentimento de falta de esperança que ocorre na depressão ser caracterizado por um conjunto especifico de sintomas, incluindo a lentificação de respostas voluntárias (sintoma motivacional) e o sentimento de tristeza (sintoma emocional) e alguns sintomas secundários como ideias suicidas, falta de energia, lentifrcação psicomotora, perturbações do sono, dificuldade de concentração e agravamento de humor negativo.

Em resumo e de acordo com Afonso (2004), poder-se-á referir que o sujeito com depressão, segundo o Modelo Cognitivo apresenta uma visão negativa de si próprio, do mundo e do futuro. Ainda na perspectiva do autor, surgem erros cognitivos na percepção dos acontecimentos que conduzem a ideias arbitrárias e desadaptativas. Ideias estas que dão por sua vez lugar a pensamentos negativos que são perseverantes e irreflectidos.

Culminando este processo num estado depressivo - Lafer, Almeida, Fráguas Miguel (2000) referem que neste modelo a depressão distorce, exagera e intensifica todo o processo de cognição. E este processo de cognição distorcida é um dos aspectos responsáveis pela manutenção da depressão. Os autores referem ainda que a interacção de factores biológicos, sociais e psicológicos parecem contribuir para a predisposição e início de um episódio depressivo.


Cegueira e depressão

Horowitz & Reinhardt (2000) referem que a investigação feita sobre cegueira e deficiência visual (e.g., Becker, Bogaert-Tillis, Drake & Hester, 1984; Carroll, 1961, Cholden, 1978, Emerson, 1981;Leinhaas & Hedstrom, 1994) têm identificado a depressão como uma reacção emocional comum às pessoas que são confrontadas com a perda de visão. No entanto os autores referem que são poucos os estudos empíricos que se debruçaram sobre a relação específica entre perda de visão ou cegueira e a depressão em adultos ou em idosos.

Os estudos existentes neste campo, como salientam Horowitz & Reinhardt (2000), são compostos por amostras pequenas e têm um desenho transversal. No entanto, embora sujeitos a algumas limitações, estes estudos fornecem indícios para reflexões teóricas e ajudam a identificar orientações para novas investigações.

Apesar da depressão entre os adultos com problemas de saúde crónicos, incluindo a deficiência visual e a cegueira, ser prevalente, não é claramente universal. Deste modo, uma das áreas de pesquisa tem se focalizado na identificação dos problemas associados com o risco da depressão.

O Modelo de Stress e Coping de Lazarus & Folkman (1884, In Horowitz Reinhardt, 2000) proporciona um útil enquadramento conceptual, de acordo com Horowitz & Reinhardt (2000), para a ligação entre a doença, deficiência e a depressão, sendo esta mediada pelos factores contextuais. De acordo com o modelo de coping e stress, os factores de stress (deficiência visual e a cegueira), recursos pessoais (estratégias de coping) e os recursos sociais, (por exemplo o suporte formal e informal) são cruciais para influenciar a adaptação dos sujeitos (exemplo a depressão).

Karshmer & Koenes (2000) referem que a depressão é a doença mental mais comum nos Estados Unidos da América, afectando entre 15 - 25% da população adulta. A depressão é igualmente comum nos adolescentes. Estima-se que 20% dos adolescentes experiênciam desordens mentais. Os sintomas que são considerados como normais e usuais nesta fase do desenvolvimento, não devem ser descurados pois podem evoluir para um quadro crítico de depressão (Kools, 1998, In Karshmer Koenes, 2000).

A depressão quando experienciada numa idade jovem, pode trazer efeitos negativos de longo prazo, uma vez que conduz a ruptura significativa ao nível da aprendizagem, desempenho académico e adaptação social.

Karshmer & Koenes (2000) referem que existe uma ligação entre a depressão e a condição física do sujeito. Muitos estudos realizados demonstraram que a deficiência fisica bem como a “fraca saúde fisica” foram identificadas entre os factores de risco potenciadores da depressão. No entanto têm sido poucos os estudos que incidem sobre a relação entre a adolescência, deficiência fisica e a depressão.

Sendo ainda menos frequentes os estudos que se debruçam sobre a cegueira, a adolescência e a depressão. Macuspie (1992, In Karshmer & Koenes, 2000) descobriu que as crianças com deficiência visual ou cegueira tinham uma maior propensão para o isolamento social do que as crianças normo-visuais. Este isolamento das crianças e adolescentes cegos, na prespectiva do autor, tornou-se mais evidente com o aumento da integração destes jovens em escolas regulares. De acordo com Hoben & Lindstrom (1980, In Karshmer & Koenes, 2000), isto não quer dizer que tenha havido um aumento de jovens cegos isolados socialmente, tornou-se foi mais evidente com a sua inclusão em escolas regulares.

Hulre & Aro (1998 In Karshmer & Koenes, 2000) compararam um grupo de 54 adolescentes cegos e com deficiência visual com um grupo de controlo de 385 adolescentes normo-visuais. A percepção da limitação da visão nos adolescentes com deficiência visual ou cegos não diferia do grupo de controlo relativamente a frequência da depressão.

Karshmer & Koenes, (2000) realizaram um estudo com o intuito de verificar se a incidência da depressão era maior entre os adolescentes cegos do que entre os normo-visuais. Utilizou o Inventário Depressivo de Beck para medir a depressão e um pequeno questionário demográiico para recolher informação sobre a idade, género, etnia, composição do agregado familiar, ano escolar, actividades extra- escolares, problemas de saúde e a existência ou não de medicação obrigatóriaO grupo dos adolescentes cegos era constituído por 12 rapazes e 10 raparigas com uma média de idades de 15 anos. O grupo dos adolescentes fiorino-visuais tinha 13 rapazes e 16 raparigas com uma média de idades de 16 anos. Ambos os grupos tinham uma variedade étnica mas similaridade nas restantes variáveis em estudo.

Os autores verificaram a existência de indices de depressão mais elevados entre os jovens adolescentes cegos. A correlação efectuada entre a depressão e as variáveis demográficas não demonstrou diferenças significativas. Mesmo ao nível da variável género, que é considerada uma variável que aumenta o risco de depressão. Brage (1995, In Karshmer & Koenes, 2000) verificou ocorre mais vezes em raparigas adolescentes do que em rapazes. No estudo efectuado por Karshmer & Koenes, (2000) apesar do índice depressivo ser mais elevado nas raparigas do que nos rapazes, não foi significativo estatisticamente. Concluíram ainda os autores, que as consequências da depressão tornam-se mais aparentes e com maiores custos, uma vez que os efeitos de longo prazo podem levar à toxicodependência, suicídio ou homicidio bem como a outros problemas psiquiátricos. As disfunções emocionais e sociais tomam-se um problema cada vez maior quando a depressão não é tratada.

Em paralelo com outras disfunções associadas à idade, como por exemplo a artrite, surdez, ataque de coração, doenças cardíacas, grandes estudos efectuados na comunidade revelam que a disfunção visual está associada com um maior risco de depressão.

Horowitz & Reinhardt (2000) referem que estudos efectuados sobre a percepção das limitações da visão e cegueira estão significativamente correlacionados com a sintomatologia depressiva. O que foi verificado num estudo transnacional, com amostras representativas de sujeitos idosos (idades a partir dos 65 anos), recolhidas em Nova Iorque e Londres.

Branch, Horowitz & Carr (1989, In Horowitz & Reinhardt, 2000) examinaram uma amostra representativa (n 496) a nível estadual de idosos que participaram num estudo para o Health Care Panel Survey de Massachusetts. O grupo de participantes que inicialmente tinha avaliado a sua visão como excelente ou boa e que num follow- up de cinco anos demonstraram ter um nível de visão constante ou decrescente, foram comparados com aqueles que durante este período tinham avaliado a sua visão como boa ou excelente. Os investigadores concluiram após controlarem as variáveis idade e género, que os participantes que tinham apresentado uma perda da visão ao longo dos cinco anos, apresentavam um índice de depressão mais elevado de acordo com o Inventário depressivo de Zung, do que aqueles que aqueles que tinham avaliado a sua visão como boa ou excelente.

Carabelese, Appollonio, Rozzini, Bianchetti, Frisoni, Frattola & Trabucchi (1993, In Horowitz & Reinhardt, 2000) realizaram um estudo que vai de encontro aos dados obtidos no estudo de Branch, Horowitz & Carr (1989, In Horowitz Reinhardt, 2000), anteriormente citado. Os investigadores elaboraram um estudo em Itália com 1,191 idosos com idades compreendidas entre os 70 e os 75 anos, com cegueira e deficiência visual. Verificou-se que a cegueira e a deficiência visual são independentemente associadas com sintomatologia depressiva (avaliada pelo Inventário depressivo de Beck). Neste estudo, os participantes com cegueira e deficiência visual apresentavam um risco 2, 3 maior de depressão que aqueles sem problemas de visão.

De acordo com Horowitz & Reinhardt, (2000), existe uma grande limitação a estes estudos que são longitudinais. Visto que não permitem uma clara delineação causal das relações. Isto é, a depressão pode quer ser uma causa quer uma consequência de diversas características psicossociais e de saúde, ou, ter uma relação recíproca com estas ao longo do tempo. Apenas os dados retirados dos estudos longitudinais, que são pouco e por vezes demasiado separados no tempo, poderão proporcionar um melhor entendimento tanto da direcção como do grau de reciprocidade ente os factores associados com a depressão.


Relação entre variáveis sócio-demograficas e a depressão

Existem também evidências da relação entre a cegueira ou deficiência visual e a depressão nos diferentes grupos étnicos. Lee, Gomes-Marin & Lam (1996, In Horowitz & Reinhardt, 2000) analisaram dados relativos a um estudo sobre saúde e nutrição com adultos Espanicos. A amostra constituída por 2500 participantes (Cubanos, Mexicanos, Porto Ricanhos Americanos) com idades compreendidas entre os 20 e os 74 anos. Foi utilizado o CES-D (Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos), verificou-se que a deficiência visual e a cegueira colocaram os Mexicanos a um nível superior de risco de depressão comparativamente aos Cubanos. No entanto não se verificou uma relação entre acuidade visual e depressão dentro do grupo dos participantes Porto Ricanhos.

Bazargan & Hamm-Baugh (1995, In Horowitz & Reinhardt, 2000) investigaram o efeito de onze condições crónicas comuns na sintomatologia depressiva, entre um grupo de Afro-americanos (N = 1,022) com idades compreendidas entre os 62 e 96 anos, seleccionados aleatoriamente em New Orleans.

Os autores concluíram que não só a percepção da limitação de visão estava significativamente relacionada com a depressão (avaliada com o CES-D), mas também que a deficiência visual surgia como uma das três únicas condições, para além de problemas renais ou circulatórios, que levava à depressão, mesmo quando o suporte social e outras variáveis de saúde se apresentavam constantes.

Horowitz & Reinhardt (2000) referem que dados de diversos estudos de pequena dimensão realizados entre pessoas com cegueira e deficiência visual proporcionam um suporte adicional que prova um maior risco de depressão neste tipo de população. As pontuações médias do Inventário Depressivo de Beck são muito mais elevadas, comparativamente com os resultados padronizados para aquela idade, numa amostra de 57 adultos com degeneração macular (Robbins McMurray, 1988, In Horowitz & Reinhardt, 2000) e entre 22 sujeitos com retinopatia diabética (Bernbaum, Stewart & Duckro, 1993, In Horowitz & Reinhardt, 2000).

Hersen (1995, In Horowitz & Reinhardt, 2000) obteve resultados idênticos num estudo realizado com uma amostra composta por100 adultos em contexto residencial de reabilitação. com idades superiores aos 55 anos, com deficiência visual e cegueira. Foi utilizado como instrumento a Escala Depressiva Geriátrica.

Horowitz & Reinhardt (2000) referem que os dados existentes até ao momento salientam a existência de um risco elevado de depressão entre os adultos com cegueira ou deficiência visual. A validade da relação entre a perda de visão e depressão é ainda mais suportada pelo facto desta associação surgir independentemente da deficiência visual poder ser definida clinicamente (medidas de acuidade visual) ou ser definida de uma forma subjectiva (percepção do sujeito. Os autores referem ainda que a relação entre a perda de visão e a depressão não deve ser considerada surpreendente, uma vez que os dados médicos têm rotulado a depressão como um dos grandes problemas entre os idosos. Um grande número de estudos confirmam a existência de uma associação entre e outras doenças, como por exemplo o ataque cardiaco, a doença cardíaca, doença de Parkinson e a artrite. Mas na perspectiva do autor, é de realçar que o estudo de Bazargan & Hamm-Baugh (1995, In Horowitz & Reinhardt, 2000) identifica a perda de visão como um dos três únicos factores que por si só leva à depressão.

Horowitz & Reinhardt (2000) referem que existem dois factores primários que podem contribuir fortemente para justificar a razão de aparentemente a cegueira e a deficiência visual terem uma relação independente com a depressão. Urna explicação fundamenta-se no conhecimento teórico sobre a relação entre a deficiência funcional e a depressão e a outra na relação entre a perda de visão e a deficiência funcional.

Existem inúmeras evidências empíricas na literatura sobre a saúde mental na gerontologia de que a ligação preliminar entre doença crónica e depressão é semelhante à doença crónica com deficiência funcional (Lewinsohn, Hoberman, Teri Hautzinger, 1985; Parmelee et al., 1992; Williamson & Schulz, 1992; Zeiss et al., 1996, In Horowitz & Reinhardt, 2000). O seja, não é a doença crónica por si só que aumenta o risco de depressão, mas sim as consequências dessa situação.

Horowitz & Reinhardt (2000) salientam que existe que existe um crescente número de evidências que realçam a relação entre de visão e deficiência funcional entre os adultos de meia-idade e idosos. Estes estudos revelam que os adultos cegos ou com deficiência visual, são mais afectados ao nível da funcionalidade nas actividades do dia a dia do que os normo-visuais. Existem evidências que a deficiência visual e a cegueira podem ter um impacto mais severo do que outras deficiências fisicas na funcionalidade da vida diária (verbrugge & Patrick, 1995, In Horowitz & Reinhardt, 2000).

Furner, Rudberg e & Cassel (1995) salientam que de entre nove doenças comuns nos idosos, a deficiência visual, a cegueira e o ataque cardíaco, são as mais prejudiciais nas suas implicações no que respeito ao desempenho de actividades com instrumentos ou máquinas que exijam ser manipuladas no dia a dia.

Neste sentido Ford, Folmar, Salmon, Neste sentido Ford, Folmar, Salmon, Medalie, Roy, & Galazka (1989) identificam a cegueira como a pior, logo a seguir à artrite reumatóide, causadora de disfunções Eincionais nos idosos. A deficiência visual está intimamente relacionada com um risco acrescido de declínio no desempenho funcional ao longo do tempo, mesmo depois de serem controladas outras variáveis importantes como a idade e o género.

Uma outra explicação para a forte relação entre a perda de visão e a depressão está subj acente nas características subjectivas da deficiência visual relacionada com a idade. Talvez a característica mais peculiar da deficiência visual e da cegueira, seja o forte medo que provocam, por exemplo a cegueira foi identificada como sendo a mais temida deficiência fisica (mais do que a surdez, a perda de um membro ou o uso de uma cadeira de rodas).

Num estudo levado a cabo pela Nacional Society for Prevention ofBlindeness (1984, In Horowitz & Reinhardt, 2000), verificou-se que para a opinião pública a cegueira é a quarta doença mais temida pelos Americanos, logo a seguir à SIDA, cancro e à doença de Alzeimer, principalmente pela sua grande associação a uma completa dependência e impossibilidade de resolução de situações e problemas. De acordo com Horowitz & Reinhardt (2000), os adultos que cegam numa fase avançada da sua vida internalizam esta atitude de desvalorização. Tem sido sugerido que os idosos constroem de uma forma errada a ideia de perda de visão, considerando que esta conduz inevitavelmente a uma dependência. Esta ideia deixa os idosos mais vulneráveis a um isolamento social. Hershberger (1992, ln Horowitz & Reinhardt, 2000), refere que a perda de informação é considerada uma característica específica da cegueira e da deficiência visual, e que afecta a qualidade de vida.

Oppegard, Hansson, Morgan, Indart, Crutcher & Hampton (1984, In Horowitz Reinhardt, 2000) verificaram que em adição à questão da saúde fisica, a perda de visão afecta a mobilidade e o acesso à comunicação e pode resultar em isolamento social. Todos estes aspectos, na perspectiva do autor, reforçam a ideia que se deve ter em consideração a associação entre a perda sensorial e a depressão.

Horowitz & Reinhardt (2000) considera que tem sido sugerido que a perda de visão é mais debilitante tanto funcionalmente como emocionalmente do que muitos outros problemas de saúde relacionados com a idade. O autor considera igual forma, que os sujeitos com deficiência visual grave ou cegueira se encontram em risco de depressão. Na perspectiva dos autores, os estudos realizados com enfoque em adultos de meia-idade corn deficiência visual e cegueira têm geralmente falhado na identificação de uma relação independente entre idade e sintomatologia depressiva em análises com multivariáveis. Alguns autores salientam que o acesso à informação, Horowitz & Reinhardt (2000) considera que tem sido sugerido que a perda de visão é mais debilitante tanto funcionalmente como emocionalmente do que muitos outros problemas de saúde relacionados com a idade. O autor considera igual forma, que os sujeitos com deficiência visual grave ou cegueira se encontram em risco de depressão. Na perspectiva dos autores, os estudos realizados com enfoque em adultos de meia-idade com deficiência visual e cegueira têm geralmente falhado na identificação de uma relação independente entre idade e sintomatologia depressiva em análises com multivariáveis. Alguns autores salientam que o acesso à informação, nomeadamente a informação relativa à saúde, e de extrema importância principalmente entre as pessoas idosas. Hirdes & Forbes (1992) referem que a educação se encontra associada às práticas de saúde do indivíduo e Grundy Glasser (2000) identificaram uma relação entre habilitações literárias mais baixas e maior incidência de incapacidade.

Relativamente ao género, as evidências empíricas indicam que as mulheres experinciam a depressão com uma frequência duas vezes superior aos homens (Brems, 1995; Culberstson, 1997 In Horowitz & Reinhardt, 2000). Esta diferença pode ser devida a um número de factores, tais como, as mulheres serem mais propensas a procurar ajuda para desordens de humor ou em alternativa por terem estilos de vida diferentes dos homens no que se refere ao meio ambiente, regras sociais e oportunidades sócio-económicas (Culbertson, 1997).

Entre os adultos e os idosos com deficiência visual e cegueira, alguns estudos tem constatado níveis mais significativamente elevados de sintomas depressivos nas mulheres do que nos homens (Horowitz et al., 1994; Reinhardt, 1996). No entanto Horowitz & Reinhardt (2000) consideram ser necessário mais pesquisa no concerne à examinação de diferenças ao nível do género no que se refere aos sintomas e à desordem depressiva entre adultos cegos e com deficiência visual.


Cegueira, depressão e reabilitação

Recentemente tem-se verificado a necessidade da pesquisa dos resultados dos serviços da reabilitação funcional na área da visão. As melhorias na independência funcional, os indicadores de uma melhor qualidade de vida são factores determinantes no sucesso da reabilitação. O bem-estar psicológico e especificamente a depressão são importantes indicadores neste contexto. No entanto os resultados dos estudos efectuados nesta área são por vezes limitados e com resultados contraditórios (Horowitz & Reinhardt, 2000).

Dodds, Bailey, Pearson & Yates (1991) referem que significativas alterações na sintomatologia depressiva têm sido relatadas após programas de reabilitação residencial de 10 semanas com adultos com deficiência visual e cegueira. Neste sentido Greig, West & Overbury (1986) referem que nos estudos realizados entre adultos e idosos com deficiência visual e cegueira se verificou que a depressão está associada com a rejeição de aparelhos para suporte visual (lentes de ampliação, óculos) e do treino de mobilidade (uso da bengala branca).

Neste sentido, Dodds et al., (1991) sugerem que a depressão entre adultos e idosos com deficiência visual e cegueira é uma consequência directa de auto- percepção da incapacidade de realizar as tarefas do dia a dia, mesmo as mais simples. O que leva ainda a uma mais negativa auto-avaliação e uma baixa motivação para desempenhar as tarefas da reabilitação.

Van Zanddt, van Zandt & Wang (1994), realizaram um estudo com adultos e idosos do Nebrasca, com deficiência visual ou cegueira. Pretendiam verificar o efeito da participação em grupos de apoio e em reabilitação funcional. Os resultados do estudo revelaram que o envolvimento num grupo de apoio para pessoas com deficiência visual ou cegueira, proporciona um apoio que poderá não conseguido com outros tipos de apoio. Em geral, os sujeitos da amostra tinham na sua maioria uma rede de suporte bem desenvolvida. O que indica que os sujeitos que frequentam grupos de apoio e reabilitação não carecem dos usuais sistemas de suporte.

Ringering &Amaral (1988) identificaram que depressão é a maior barreira ao cumprimento de programas de reabilitação funcional/ visual, em adultos e idosos com deficiência visual e cegueira. Os autores verificaram ainda que a manifestação comportamental da depressão (sentimentos de tristeza, apatia, fadiga e queixas somáticas) complicam os esforços dos profissionais de reabilitação em entrevir e em ganhar a confiança e a adesão dos sujeitos ao programa de reabilitação.

Quando se efectuar a interpretação de estudos com resultados negativos ou significativos nesta área, devem ser consideradas três precauções: primeiro os estudos baseados em pequenas amostras proporcionam uma validade estatistica limitada na identificação de relações significativas, mesmo que estas ocorram; em segundo lugar pode acontecer que alguns dos sujeitos sejam clinicamente deprimidos anteriormente à aplicação do instrumento para o estudo em questão; terceiro, se ocorrem reduções na sintomatologia depressiva que devam ser examinadas como indicador dos resultados do programa de reabilitação, estes deverão ser reflectidos nos objectivos dos programas.

Após a pesquisa teórica realizada verificamos serem poucos os trabalhos realizados que abordem aspectos relacionados com a cegueira, depressão e o processo de reabilitação. Horowitz & Reinhardt (2000) referem que apesar da importância que a reabilitação pode ter na melhoria funcional e na saúde mental de adultos de meia-idade e idosos com deficiência visual e cegueira, tem sido pouca a pesquisa sistemática que tenha em consideração as intenções da reabilitação no estudo da relação entre a deficiência e a depressão.

Consideramos desta forma pertinente no presente estudo averiguar a existência de factores depressivos em três momentos do processo de reabilitação: reabilitação funcional, formação profissional e em contexto de mercado de trabalho. Tendo em consideração os objectivos a que nos propomos, consideramos ser um estudo descritivo, transversal e comparativo (Ribeiro, 1999). Transversal, porque é realizado apenas num dado momento e descritivo; comparativo, porque estuda nos três grupos a existência de depressão.

De acordo com Sampaio e Ferreira, em 1997 (cit. in Ribeiro, 1999, pp. 34) designam- se por “variáveis primárias aquelas que pode responder à questão inicialmente formulada e variáveis secundárias aquelas que complementam a resposta mas caja a análise é desprovida de sentido sem a resposta obtida através das variáveis primárias”. Deste modo, a variável primária do nosso estudo é a cegueira. E consideramos variáveis secundárias a depressão, idade, idade em que surge a cegueira, o tempo de cegueira, género, situação actual (reabilitação funcional, formação profissional e mercado de trabalho), estado civil, habilitações literárias e o tipo de cegueira. Ou seja, estas são algumas das variáveis que a literatura considera como relevantes para a compreensão da depressão na deficiência.

Assim propomos as seguintes questões de investigação:

  • Diferentes momentos do processo de reabilitação - reabilitação funcional, formação profissional e em contexto de mercado de trabalho - traduzem-se em diferentes níveis de depressão?

  • Qual a importância dos factores sócio-demográficos (idade, idade em que surge a cegueira, o tempo de cegueira, género, estado civil, habilitações literárias e o tipo de cegueira) para a depressão nos três momentos do processo de reabilitação?


Discussão de resultados

Propusemo-nos neste estudo averiguar se diferentes momentos do processo de reabilitação: reabilitação funcional, formação profissional e em contexto de mercado de trabalho em indivíduos com cegueira, se traduzem em diferentes níveis de depressão. Este conhecimento permite delinear uma melhor intervenção bem como a construção de programas de reabilitação funcional estruturados e o acompanhamento posterior a todo este processo (Ringering & Amaral, 1988). Tal como se pode verificar na literatura existente, o envolvimento em grupos de apoio para sujeitos com cegueira ou deficiência visual são considerados benéficos (van Zanddt et al., 1994). Desta forma, foi nosso objectivo verificar se existia uma relação entre a cegueira, depressão, factores sócio-demográficos e factores de causa e duração da cegueira durante a reabilitação (reabilitação funcional, formação profissional e mercado de trabalho).

Assim, iniciaremos & nossa discussão com a análise das variáveis sócio- demográficas e a sua relação com a depressão.

No que concerne à análise da depressão nos três contextos do processo de reabilitação, verificamos que os níveis mais elevados de depressão se encontram no grupo da reabilitação funcional, o primeiro dos três estágios do processo de reabilitação em análise. Dodds, Pearson & Yates (1991) referem que existe uma alteração da sintomatologia depressiva durante o processo de reabilitação funcional.

O que vai de encontro aos dados recolhidos no nosso trabalho. Estudos existentes referem ainda que a depressão está relacionada com um conãonto do sujeito com as suas limitações a nível funcional na realização das tarefas do quotidiano, bem como está associada a rejeição de aparelhos para suporte visual tais como lentes de ampliação ou óculos de correcção e do treino de mobilidade (uso da bengala branca).

Verificamos nos nossos dados que a diferença de médias entre os três grupos em estudo é estatisticamente significativa. O que nos leva a aceitar a hipótese de que os sujeitos em reabilitação funcional apresentam níveis de depressão superiores.

A depressão pode ser a maior barreira ao cumprimento de programas de reabilitação funcional no campo da cegueira, visto que a manifestação comportamental da depressão funciona como uma barreira para a intervenção dos técnicos, bem como para a adesão dos sujeitos aos programa (Ringering &Amaral, 1988). Verificamos ainda no nosso estudo que conforme o processo de reabilitação e de integração na sociedade dos sujeitos vai progredindo, os níveis de depressão vão diminuindo. Segundo Horowittz & Reinhardt (2000), o modelo de coping e stress, refere que os factores de stress (cegueira), os recursos pessoais (estratégias de coping) e os recursos sociais (suporte formal e informal) são cruciais para influenciar a adaptação do sujeito. Deste modo, os nossos dados parecem indicar que níveis mais baixos de depressão possam estar relacionados com uma melhor adaptação dos sujeitos à sua condição de cegueira bem como a uma melhor adaptação ao meio e à comunidade. Van Zandt et al. (1994) referem que o envolvimento dos sujeitos com cegueira em grupos de apoio é fundamental para uma melhor adaptação à condição de cegueira, referem ainda que a reabilitação funcional pode funcionar como grupo de apoio para esta adaptação. Tendo em consideração a nossa primeira questão de investigação “Diferentes momentos do processo de reabilitação - reabilitação funcional, formação profissional e em contexto de mercado de trabalho - traduzem- se em diferentes níveis de depressão? ”, podemos referir que nos nossos participantes os diferentes momentos do processo de reabilitação se traduzem em diferentes níveis de depressão, sendo esta maior no momento de reabilitação funcional e menor em contexto de mercado de trabalho.

Relativamente à idade dos participantes (devido à heterogeneidade de idades dentro dos três grupos em análise, não nos foi possivel fazer uma análise por intervalos de idades dentro de cada grupo) e à idade em que surge a cegueira, verificamos de uma forma global que quanto mais avançada é a idade do sujeito e quanto mais tarde surge a cegueira maior é o nível de depressão. Segundo Horowitz Reinhardt (2000), sujeitos cegos adultos experienciam significantes sintomas clínicos depressivos. Neste sentido Ford et al., (1989) identificam a cegueira como a pior, logo a seguir à artrite reumatóide, causadora de disfuncionalidade funcional nos adultos e nos idosos. A deficiência visual está intimamente relacionada com um risco acrescido de declínio no desempenho funcional ao longo do tempo, mesmo depois de serem controladas outras variáveis importantes como a idade e o género. Uma outra explicação para a forte relação entre a perda de visão e a depressão está subjacente nas características subjectivas da deficiência visual relacionada com a idade. Talvez a característica mais peculiar da deficiência visual e da cegueira, seja o forte medo que provocam. Shakespeare (1977), refere que a reacção a deficiência adquirida na idade adulta não se relaciona proporcionahnente com a gravidade objectiva da deficiência. Os factores causais no tipo de reacção parecem ser o que a deficiência adquirida significa para a pessoa, em função do seu estilo de vida, da sua profissão e dos seus interesses. Quando o trauma da cegueira ocorre na idade adulta, a auto- confiança, o sentido de competência e a adequação da pessoa que cegou estão ameaçadas. A gravidade e a duração das fases de ajustamento à cegueira aumentam, assim como a dependência para realizar tarefas (Tuttle &Tuttle, 1996). A literatura refere-nos a depressão como uma reacção intimamente relacionada com a cegueira e aidade.

No entanto deparamo-nos com a questão de os indivíduos com idade inferior a 30 anos apresentarem níveis de depressão superiores aos dois intervalos intermédios e apenas inferiores aos indivíduos com mais de 50 anos. Tal pode ser justificados por este grupo incluir sujeitos na adolescência. Segundo Scholl (1986, citado por Rosa e Ochaita, 1993), a adolescência pode ser um período particularmente dificil para os indivíduos cegos. É um período em que os jovens se definem pela sua homogeneidade, nomeadamente na forma de vestir, nos gestos, na forma de falar etc.

Deste modo, a cegueira pode impedir que o adolescente irnite o comportamento do seu grupo e, por consequência, a integração do mesmo. O surgir da cegueira nesta etapa do desenvolvimento, constitui um elemento que pode retardar, prolongar ou complicar um período que já por si é constituído por uma “crise considerada normal”, sem colocar no entanto em causa, geralmente, as aquisições cognitivas e sensório-motoras.

No contexto tempo de cegueira verificamos que os nossos resultados revelam uma associação positiva e estatisticamente significativa com os niveis de depressão.

A idade em que a pessoa cegou e o próprio tempo que leva a deterioração da visão até à perda total da mesma, são factores importantes para o reajustamento e adaptação da pessoa cega à sua nova condição. A perda precoce da visão pode trazer problemas ao nível do desenvolvimento, no entanto para o adulto, as consequências da perda da visão, prendem-se maioritariamente com o isolamento, a depressão e o aumento de ansiedade (Pring, 1997). Na opinião de Scott (1977, citado por Tuttle Tuttle, 1996), quanto mais tarde ocorre a perda de visão, maior é o impacto emocional e físico demorando mais tempo a adaptação a cegueira, sendo necessário um apoio familiar e dos amigos.

Deste modo poderíamos concluir que indivíduos que cegaram há mais tempo estariam melhor adaptados à sua condição de cegueira. Os resultados por nós obtidos parecem apontar nesse sentido, visto que, como se verifica, os níveis de depressão vão diminuindo a medida que vai aumentando o tempo de cegueira. De acordo com Horowitz & Reinhardt (2000), o Modelo de Stress e Coping de Lazarus & Folkman (1884, In Horowitz & Reinhardt, 2000) proporciona um enquadramento conceptual para a ligação entre a deíiciência e a depressão, sendo esta mediada pelos factores contextuais. De acordo com o modelo de coping e stress, os factores de stress (cegueira), recursos pessoais (estratégias de coping) e os recursos sociais, (por exemplo o suporte formal e informal) são cruciais para influenciar a adaptação dos sujeitos (exemplo a depressão). Deste modo podemos referir que os sujeitos cegos há mais tempo se encontram mais adaptados à sua condição de cegueira, devido a todas as estratégias desenvolvidas ao longo da sua condição de pessoa cega. O coping remete à reabilitação e é considerado um pré-requisito de auto-aceitação (Wright, 1983, citado por Tuttle &Tuttle, 1996). As características de um coping bem sucedido levam à auto-aceitação, e aumento da auto-estima. Para tal, é necessário dar ênfase ao que a pessoa consegue fazer, valorizar as áreas da vida em que pode participar, moldar os aspectos negativos da sua vida, tais como a dor, o sofrimento e as dificuldades que possam existir, resolvendo-as ou lidando com elas. Este conjunto de características significa “viver uma vida” em termos satisfatórios, atendendo às capacidades da pessoa.

No entanto indivíduos cegos há menos tempo necessitam ainda de delinear estratégias adaptativas bem como por vezes ainda realizarem o luto da sua condição de pessoa com deficiência ou de pessoa cega. Para um indivíduo aceitar a sua deficiência e aceitar-se a si próprio, como sendo uma pessoa com deficiência, implica que tenha conhecimento profundo dos problemas relacionados com a mesma.

Alguns autores, como Ford, Folmar, Salmon, Medalie, Roy, & Galazka (1989), identificam a cegueira como estando intimamente relacionada com um risco acrescido de declínio no desempenho funcional ao longo do tempo, mesmo depois de serem controladas outras variáveis importantes como a idade e o género. A aceitação da realidade da cegueira, assim como o reajustamento dos seus objectivos e valores, permite à pessoa estar preparada para a fase do coping e da mobilização.

No contexto do género e da sintomatologia depressiva, a literatura existente refere que existem diferenças, isto é, as evidências empíricas indicam que as mulheres experienciam a depressão com uma frequência duas vezes superior aos homens (Brems, 1995; Culberstson, 1997 In Horowitz & Reinhardt, 2000). Os dados por nós obtidos vão de encontro ao referenciado na literatura. Ou seja, constatamos que a nível geral, a diferença entre os géneros é estatisticamente significativa, ou seja, são as mulheres que apresentam níveis de depressão mais elevados. Na análise feita por grupo, esta tendência mantém-se, no entanto apenas na situação de reabilitação funcional se pode constatar uma diferença estatisticamente significativa.

A diferença entre géneros pode ser devida um leque vasto de factores, nomeadamente ao facto de as mulheres terem estilos de vida diferentes dos homens no que se refere ao meio ambiente, regras sociais e oportunidades sócio-económicas (Culbertson, 1997). É de salientar que no nosso estudo foi mais dificil encontrar participantes do sexo feminino em situação de mercado de trabalho do que homens.

De acordo com dados do INE (2001), o predomínio da população masculina é evidente em quase todos os tipos de deficiência. No entanto este facto não se verifica entre a população com deficiência visual, cuja relação é de 90,7 homens por 100 mulheres em Portugal. Poderemos então pensar se não haverá uma discrepância entre o número de mulheres com deficiência visual ou cegas e a sua inserção em mercado de trabalho. De acordo com a literatura as oportunidades sócio-económicas poderão ser uma das causas para a maior incidência de depressão nas mulheres do que nos homens. Neste sentido Weich (1997, In Lafer et al., 2000) refere que entre as mulheres as associações entre transtornos mentais comuns, emprego e estado civil são altamente complexas e variam de acordo com a transformação específica dos papéis sociais ocupados. Esta complexidade é claramente demonstrada no caso do emprego, cujo efeito não somente é fortemente dependente do contexto como pode também ter mudado de sentido à medida que as mulheres entram no mercado de trabalho. Deste modo o nosso trabalho parece ir de encontro aos dados existentes na literatura.

No que concerne ao contexto do estado civil, a maioria dos nossos participantes, independentemente do grupo, são casados (N 44), logo seguidos pelos solteiros (N 41). No entanto, não foram por nós encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente ao estado civil e à sua relação com a depressão. No que se refere aos níveis de depressão, os solteiros são o grupo que apresenta uma maior sintomatologia depressiva, o que está de acordo com o Modelo de Coping e Stress quando se refere que os recursos sociais são essenciais para influenciar a adaptação dos sujeitos. O coping remete à reabilitação e é considerado um pré-requisito de auto-aceitação (Wright, 1983, citado por Tuttle &Tuttle, 1996).

As características de um coping bem sucedido levam à auto-aceitação, e aumento da auto-estima. Curiosamente os divorciados são aqueles que apresentam níveis de depressão mais baixos. Poderíamos pensar, ainda de acordo com o modelo anteriormente referido, que os sujeitos divorciados ou viúvos tenderiam a apresentar niveis de depressão mais elevados do que os casados, devido à falta de suporte formal. No entanto na nossa análise, talvez devido a um N reduzido nestes grupos aliado a uma relação estatisticamente não significativa, tal não se verifica.

Relativamente às Habilitações Literárias, não foi encontrada literatura relevante sobre a temática e a sua relação com a depressão e a deficiência, nomeadamente a cegueira. No entanto podemos fazer algumas inferências. Partimos do princípio que a níveis de educação mais altos corresponde um estatuto social mais elevado bem como a uma maior informação teórica. Entre os nossos participantes verificamos que quanto mais baixas são as habilitações literárias maior é o nível de depressão, não sendo estes resultados estatisticamente significativos. No entanto é de referir que, nos nossos resultados, os sujeitos com ensino secundário apresentam um nível de depressão inferior aos que possuem uma licenciatura. Alguns autores salientam que o acesso à informação, nomeadamente a informação relativa à saúde, é de extrema importância principalmente entre as pessoas idosas. Hirdes & Forbes (1992) referem que a educação se encontra associada às práticas de saúde do indivíduo e Grundy & Glasser (2000) identificaram uma relação entre habilitações literárias mais baixas e maior incidência de incapacidade.

No que concerne ao tipo de cegueira verificamos que os sujeitos com cegueira adquirida no geral apresentam níveis de depressão mais elevada. Existem diferenças no desenvolvimento pessoal, social e educacional da pessoa cega congênita e da pessoa com cegueira adquirida. O tipo de cegueira surge como variável interveniente no comportamento, na adaptação e, de uma forma geral, nas características intra- pessoais da personalidade dos indivíduos com deficiência visual. O nosso trabalho apresenta resultados em linha com o que a literatura nos revela, no entanto estatisticamente os resultados não são significativos. É ainda de salientar que nos grupos de formação profissional e de mercado de trabalho, os resultados vão de encontro ao referenciado na literatura, no entanto no que se refere ao grupo de reabilitação funcional os resultados são contrários. Partimos para esta análise a pensar que os sujeitos com cegueira congênita estariam melhor adaptados à sua condição, o que se verifica nos nossos resultados em termos globais.

A aceitação da cegueira e das suas limitações constitui, na perspectiva de Tuttle &Tuttle (1996), um pré-requisito para o aumento da auto-aceitação e da auto-estima. Segundo o autor, as pessoas que já completaram o processo de auto-aceitação são aquelas que aprenderam a viver com os seus atributos pessoais, mas também com as suas dependências. Reconhecem que todas as pessoas têm limitações, no entanto, não perdem a sua dignidade e valores fundamentais como pessoas. O amor-próprio, a auto aprovação e o auto-respeito são ingredientes básicos para o sucesso da auto- aceitação. Wylie (1961, citado por Tuttle &Tuttle, 1996) constatou que um bom ajustamento à vida para uma pessoa cega resulta na auto-aceitação e na elevada auto- estima. Giarratana-Oehtler (1976, citado por Tuttle &Tuttle, 1996) chama-lhe integração de identidade, ou seja, um estado permanente de auto-actualização, em que a pessoa aprende a viver com a sua deficiência, toma consciência das suas limitações e volta a conseguir atingir os objectivos mais importantes da sua vida. De acordo com Telford & Sawrey (1989) a pessoa cega congênita experimenta e percebe os objectos do universo e constrói o seu conhecimento do mundo por meios diferentes dos normo-visuais.

Encontramo-nos neste momento preparados para responder à nossa segunda questão de investigação: “Qual a importância dos factores sócio-demográficos (idade, idade em que surge a cegueira, o tempo de cegueira, género, estado civil, habilitações literárias e o tipo de cegueira) para a depressão nos três momentos do processo de reabilitação? Os nossos resultados indicam uma associação positiva e estatisticamente significativa das variáveis sócio-demográficas: idade, idade em que surge a cegueira, tempo de cegueira, género e grau de escolaridade com a depressão, nos participantes do nosso estudo. Consideramos que a identificação destes factores é de fundamental importância pois podem permitir aos técnicos uma intervenção mais delineada e ajustada às necessidades individuais de cada um.

Salientamos no entanto algumas limitações ao nosso estudo. Consideramos ser pertinente a utilização de um instrumento complementar à identificação da depressão e da sintomatologia depressiva, que nos permitisse identificar e detalhar. Tal facto possibilitaria perceber os comportamentos e consequências funcionais no processo de reabilitação. Salientamos ainda como limitação, mas de igual modo como sugestão para futuras investigações, a pertinência da avaliação da depressão no início e no fim do processo de reabilitação funcional e formação profissional, visto que nos permitiria saber a influência de todo o processo na sintomatologia depressiva, bem como a influência de cada uma destas etapas na mesma. Referimos ainda como limitação o facto de não controlarmos & existência de factores depressivos anteriores a todo o processo de reabilitação. Tal como refere a literatura, algumas pessoas consideradas como casos novos de depressão, podem na realidade estar a ter uma recaída. Deixamos como sugestão para uma futura investigação a realização de um estudo longitudinal mais alargado, com uma amostra mais representativa, com a análise de diferentes metodologias interventivas no processo de reabilitação e as suas consequências na sintomatologia depressiva. Estes estudos podem contribuir para o delinear de modelos de reabilitação que irão ao encontro das necessidades dos sujeitos com cegueira.

Os nossos dados, ainda que circunscritos à realidade própria do grupo específico de sujeitos estudado, permite-nos uma reflexão sobre a depressão das pessoas cegas em três momentos distintos do seu processo de reabilitação. De acordo com Ribeiro (1998) “A saúde é um elemento fundamental na evolução das espécies vivas. Com efeito, não é suficiente estar vivo: é essencial que haja energia e vigor para actuar, que haja relaxamento e calma para reflectir num estado de vigilância activo, mesmo na ausência de acção, que haja expectativas de futuro, desejo e finalmente que haja equilíbrio entre diferentes aspectos, e entre eles e o ambiente onde tudo ocorre. ” (p. 47). Assim, o conhecimento da influência de factores sócio-demográficos bem como da sintomatologia depressiva, revelam-se pertinentes no contexto da saúde no desenrolar de todo o processo reabilitativo.
 

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Cegueira e Depressão: Três Momentos do Processo de Reabilitação
-excerto-
Ana Lúcia Araújo da Costa Lourenço Pinheiro
Tese de Mestrado em Psicologia da Saúde
Instituto Superior de Psicologia Aplicada
2003-2004

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20.Nov.2016
publicadopor MJA