Tatuagem braille [letra de canção da Björk] - fotografia de Nadia Prigoda, 2005
1. Visitando o Feminino
Numa troca de correspondências com Catherine Clément, Julia Kristeva (CLÉMENT e
KRISTEVA, 2001, p. 24) propôs à amiga o “perfume” como metáfora da feminilidade,
um “eu vaporoso”, possivelmente lembrando o Verflüchtigen ― evaporação ― usado
por Freud (apud BREEN, 1998, p. 14) ao se reportar aos conceitos de masculino e
feminino. Catherine respondeu-lhe que
-
a palavra é poética. Polida demais para ser honesta. De resto, a fabricação dos
perfumes depende apenas das essências das flores e do almíscar que é uma
secreção animal de origem genital; tudo está ligado. Mais que ‘perfume’,
proponho secreção, humores, odores (CLÉMENT e KRISTEVA, 2001, p. 29).
À lista de Catherine, talvez o próprio Freud adicionasse medo, sangue, tabu,
inveja, ódio, insatisfação, todas as palavras que habitam o “continente negro
2”, entendido posteriormente por Lacan como linguagem, um universo simbólico da
falta, do Outro. É exatamente sobre este discurso, o do feminino, que se falará
nas próximas linhas, um assunto a respeito do qual se debruçaram numerosos
psicanalistas: Horney, Klein, Jones, Masters e Johnson, ou ainda Sherfey. Tal
problemática, pesquisada detalhadamente em outras ocasiões (SANTOS 2010; SANTOS
e RIBEIRO, 2012), será trabalhada aqui muito superficialmente, pois esta não é
uma pesquisa psicanalítica. Para tanto, encontram-se convocadas exclusivamente
concepções freudo-lacanianas, pois estas últimas permitem, como nenhuma outra,
ler os processos de construção da masculinidade e feminilidade enquanto
semióticos e, por consequência, comunicativos, submetidos à linguagem e suas
vicissitudes.
Freud (apud BREEN, 1998, p.11) dizia “que os conceitos de ‘feminino’ e
‘masculino’, cujos significados parecem tão livres de ambiguidade para as
pessoas comuns, estão entre os mais confusos da ciência”. Sempre tratando da
questão pela interface entre aspectos anatômicos e psíquicos, o médico austríaco
defendia que essas categorias estavam diretamente ligadas à forma como cada
indivíduo lida com seu corpo 3 (BREEN, 1998, p.13). “Para Freud, não há
sexualidade natural; é sempre psicossexualidade, sempre uma construção
relativamente independente da biologia” (ibid.). Tanto que o que psicanalista
descreve como feminino não se encontra circunscrito, exclusivamente, ao corpo da
mulher; é o caso da noção de “masoquismo feminino”, discutido especificamente em
relação aos homens (ibid.).
O interesse de Freud pelas mulheres surge ao mesmo tempo em que ele desenvolve
as bases do campo psicanalítico, através do estudo das histéricas do século XIX
na sociedade burguesa vienense (ROCHA, 2003, p.111). Esses distúrbios psíquicos
seriam “uma forma de expressão possível da sexualidade reprimida (...) em
direção a uma proposta, quem sabe, de subjetividade e singularidade feminina”
(ibid.).
No “Tabu da Virgindade”, em 1917, Freud fala de uma mulher que é toda tabu, cuja
vida sexual encontra-se atravessada pela virgindade, pelo sangue menstrual ―
signo da morte, da mordida de um espírito ancestral ―, pela gravidez e pelo
parto, simbolizando a angústia que, ademais do prazer, enevoa a sexualidade.
Desde os primeiros tempos, existiria um temor em relação às mulheres; talvez
-
este receio se baseie no fato de que a mulher é diferente do homem, eternamente
incompreensível e misteriosa, estranha, e, portanto, aparentemente hostil. O
homem teme ser enfraquecido pela mulher, contaminado por sua feminilidade e,
então, mostra-se ele próprio incapaz. O efeito que tem o coito de descarregar
tensões e causar flacidez pode ser o protótipo do que o homem teme; e a
representação da influência que a mulher adquire sobre ele através do ato
sexual, a consideração que ela em decorrência do mesmo lhe exige pode justificar
a ampliação desse medo (FREUD, 2000).
Assim, o homem afasta-se da experiência feminina objetivando proteger-se,
salvaguardar-se do estranho, os genitais da mulher, portal para um desconhecido
― o interior materno ― que antes lhe era familiar, Unheimliche (FARIAS, 2005,
p.106). Em 1923, o texto “A Organização Genital Infantil” avança na compreensão
da sexualidade: Freud defende a existência de uma similaridade entre a
conformação da sexualidade no adulto e na criança, estabelecendo, porém, uma
diferença – na organização genital infantil apenas o órgão masculino
desempenharia o seu papel; é o chamado “primado do falo”.
O menino acredita que todos os seres têm pênis, considerando o clitóris como um
“pênis em miniatura”, a desenvolver-se; posteriormente, ele conclui que, na
verdade, o pênis havia estado naquele lugar e teria sido cortado: a
possibilidade de castração é descoberta. Para não ser punido com tamanha
penalidade, o garoto abandona ou reprime seu desejo de tomar o lugar do pai
junto à mãe.
A menina, por sua vez, que também acreditava ser um menino, ao descobrir não
possuir pênis, torna-se raivosa e invejosa, no sentido de que ela também tinha a
mãe como objeto de amor, e nutria anseios fálicos em relação a ela vindos de seu
clitóris. A partir da progressiva ― nunca, porém, total ― aceitação da
“castração”, a menina transfere seu desejo do objeto-mãe para o objeto-pai e os
bebês que ele possa lhe dar como substitutos para o pênis.
Esse seria um grande complicador da sexualidade da menina: enquanto, para o
menino, a aceitação da diferença sexual e o medo da castração conduzem à
dissolução do complexo de Édipo, “para a menina o reconhecimento da diferença
sexual inicia o complexo de Édipo, ocasião em que ela abandona seu desejo de um
pênis e o substitui pelo desejo de um filho” (BLOS, 1998, pp.51-52), tomando o
pai como signo de amor e a mãe como objeto de ciúmes.
-
O caminho para o desenvolvimento da feminilidade está agora aberto para a
menina, até o ponto em que ele não se restrinja aos restos da ligação
pré-edipiana com a mãe, que foi superada. Por esta mudança para o pai ser
realizada com a ajuda das tendências passivas, uma atitude masoquista será
importante na sexualidade feminina, enquanto a ferida narcísica da descoberta da
diferença sexual a conduzirá a identificar seu corpo inteiro como falo (ibid.,
p. 52). O masculino reúne o sujeito, a atividade e a possessão do pênis; o feminino, o
objeto e a passividade. A vagina é apreciada agora como albergue do pênis,
recebe a herança do ventre materno (FREUD apud FARIAS, 2005, p. 99).
A “castração” torna-se, pois, um signo para o menino e a menina: passa a ser a
representação “do incompleto, das limitações humanas, do abandono da crença na
própria onipotência e na posse de todos os atributos, inclusive na posse única
do amor da mãe” (BREEN, 1998, p. 41). Signo esse, como falará Lacan anos depois,
com o poder de lei; “refere-se, então, a uma proibição do incesto que vai além
da experiência individual e que pertence à espécie humana” (ibid., p.40).
Evidentemente, considerando, como já se indicou, que na teoria freudiana o
importante é a forma através da qual as pessoas lidam com sua anatomia, há um
porém: o menino e a menina podem, também, assumir as identidades masculina ou
feminina independentemente de serem macho ou fêmea da espécie: se a garota não
supera a fase do primado do falo e continua a acreditar na fantasia de possuir
um pênis, “seu desenvolvimento será masculino (...). O desenvolvimento do menino
será feminino se seu medo da castração for tão grande a ponto de ele ‘renunciar’
a seu pênis, na fantasia” (ibid., p. 13).
Na “Sexualidade Feminina”, de 1931, Freud se esforça em entender o complicado
processo no qual a menina é conduzida a trocar a mãe pelo pai como objeto de
amor. Assim o autor abre o texto:
-
Durante a fase do complexo de Édipo normal, encontramos a criança ternamente
ligada ao genitor do sexo oposto, ao passo que seu relacionamento com o do seu
próprio sexo é predominantemente hostil. No caso do menino, isso não é difícil
de explicar. Seu primeiro objeto amoroso foi a mãe. Continua sendo, e, com a
intensificação de seus desejos eróticos e sua compreensão interna mais profunda
das relações entre o pai e a mãe, o primeiro está fadado a se tornar seu rival.
Com a menina, é diferente. Também seu primeiro objeto foi a mãe. Como encontra o
caminho para o pai? Como, quando e por que se desliga da mãe? Há muito tempo
compreendemos que o desenvolvimento da sexualidade feminina é complicado pelo
fato de a menina ter a tarefa de abandonar o que originalmente constituiu sua
principal zona genital — o clitóris [pretenso falo] — em favor de outra, nova, a
vagina (FREUD, 2000).
Dessa forma, ainda nas palavras de Freud (2000), a vida sexual da mulher “é
regularmente dividida em duas fases, a primeira das quais possui um caráter
masculino, ao passo que apenas a segunda é especificamente feminina”. Logo,
apesar de a bissexualidade estar presente tanto para os homens quanto para as
mulheres, no caso delas, tal condição
-
vem para o primeiro plano muito mais claramente (...) do que nos homens. Um
homem, afinal de contas, possui apenas uma zona sexual principal, um só órgão
sexual, ao passo que a mulher tem duas: a vagina, ou seja, o órgão genital
propriamente dito, e o clitóris, análogo ao órgão masculino (ibid.).
No seu “Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” ―
1925 ― Freud (2000), todavia, escreve
-
que mesmo em meninos o complexo de Édipo possui uma orientação dupla, ativa e
passiva, de acordo com sua constituição bissexual; o menino também deseja tomar
o lugar de sua mãe como objeto de amor de seu pai — fato que descrevemos como
sendo a atitude feminina.
Finalmente, em 1932, Freud (2000) afirma categoricamente na conferência “A
Feminilidade” “que aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é uma
característica desconhecida que foge do alcance da anatomia”. A sexualidade e,
em especial, o feminino, são tidos por enigmas, longe de concepções simplistas e
fechadas.
De meados dos anos de 1930 em diante, a sexualidade feminina cai em um
ostracismo, voltando a despertar interesse apenas na década de 1960, tempo de
difusão do movimento feminista (BREEN, 1998, p.17). Nessa época, Lacan e seus
seguidores propõem uma inovação: a compreensão da sexualidade por meio da
linguística estrutural, considerando a sexualidade como discurso (ibid, p.20).
Nesse sentido, é assumido que o “feminino não existe como uma entidade por si
só, mas apenas como uma divisão na linguagem; o feminino está sempre em oposição
ao masculino, e, no sistema linguístico, ‘feminino’ se refere ao polo negativo,
à ‘falta’ e ao ‘Outro’” (ibid, p.21).
Lacan afirma essa posição em diversos momentos, como na seguinte fala: “É claro
que uma mulher não tem pênis, mas, se vocês não simbolizarem o pênis como
elemento essencial para se ter ou não ter, ela não saberá dessa privação” (LACAN
apud TEIXEIRA, 2007, p.78). O psicanalista francês defende, também, a
inexistência de uma feminilidade antes do complexo de castração, pois se “não há
realidade pré-discursiva, não há feminino fora da linguagem” (BREEN, 1998,
p.29). Dessa forma, como observa Safouan (apud BREEN, 1998, p.30), “‘a anatomia
não é o destino’, embora determine a forma do complexo de castração”.
Um problema específico da sexualidade feminina seria o fato de não existir um
elemento específico que simbolize a feminilidade, já que esse é, como propõe
Lacan, o polo da falta. Enquanto os homens podem se reunir em torno do pênis, as
mulheres ficariam sem referência simbólica, tornando-se, em graus variados,
dependentes do imaginário. “Uma das consequências de tal dependência é que, por
ser um registro que não oferece outra garantia senão a boa imagem, o sujeito é
lançado na busca incessante de tal imagem, tão idealizada quanto inatingível”
(TEIXEIRA, 2007, p.80).
Sabendo-se que são tempos de videosfera, inflação do imaginário, é de se
esperar, portanto, que o esforço em se obter a “boa imagem”, especialmente nas
mulheres, seja maior do que nunca; mas quando uma mulher é privada da visão e,
assim, relaciona-se diferentemente com o mundo visual, como se processa a sua
busca pelo feminino? Essa questão será investigada nas seções cinco e seis.
Antes, todavia, de apresentá-las, é necessário introduzir certos assuntos,
iniciando-se pelos significados sociais atrelados à cegueira desde tempos
imemoráveis.
2. Algumas Ideias sobre o Olho e a sua Ausência
Em muitas culturas, a visão ou o olhar sempre foram identificados com a
sabedoria (CIRLOT, 1984, p. 427) e a libido. São termos como “evidente” ou “sem
sombra de dúvidas”, a evocar que “o conhecimento verdadeiro equivale à visão
perfeita” (AMIRALIAN, 1997, p. 24).
-
Falamos em ‘visões de mundo’ quando nos referimos às diferenças culturais, de
pontos de vista e enfoque, ao nos referimos a uma estrutura conceitual de
referência, ou em ‘revisão’ quando queremos nos referir a mudanças ou correções
de ideias. Assim, em nossa mente, identificamos o não-ver com a incompreensão,
incompetência, ou incapacidade de compreender e conhecer com perspicácia e
profundidade as verdades do mundo.(ibid.).
Na mitologia germânica, especialmente a escandinava, um caso a parte: o paladar,
e não a visão, foi o sentido associado ao saber. Para obter o conhecimento,
diluído nas águas do poço do gigante Mimir, Odim 4 arranca um de seus olhos e o
entrega ao guardião da fonte da sabedoria, obtendo o direito de beber o precioso
líquido, degustando-o (BISHOP, 2007, p.14). Essa relação ― saber/saborear ― foi
também explicitada por Barthes (1989, p.47); certamente, ademais de uma correção
epistemológica, o semioticista francês fez uma crítica à sociedade escópica ― e
possivelmente ele estivesse certo: tal qual desvela a simbologia,
multiplicidade, inclusive a da visão, é sinal de inferioridade. Foi o “caso do
pastor de Argos 5, que com seus múltiplos olhos não pôde evitar a morte”
(CIRLOT, 1984, p.428).
Quanto à ligação do olho com o desejo, encontra-se manifesta em palavras a
exemplo de “vistosa”, ou expressões do tipo “ela (e) ‘limpa a vista’”, usadas
para se referir à beleza de outrem. Na bíblia, o texto do Gêneses parece resumir
essa dupla de significados – conhecimento e libido – imputada à visão:
-
1. É de saber que a serpente era o mais astuto de todos os animais da terra, que
Deus tinha feito: e ela disse à mulher: Por que vos proibiu Deus que não
comêsseis do fruto de todas as árvores do paraíso?
2. Respondeu-lhe a mulher: Nós comemos dos frutos das árvores que há no paraíso.
3. Mas o fruto da árvore que está no meio do paraíso, Deus nos proibiu não
comêssemos, nem a tocarmos, sob a pena de morrermos.
4. Mas a serpente disse à mulher: Bem podeis estar seguro que não haveis de
morrer:
5. porque Deus sabe que tanto que vós comerdes desse fruto, se abrirão vossos
olhos; e vós sereis como uns deuses pelo conhecimento, que terei do bem e do
mal.
6. A mulher, pois, vendo que o fruto daquela árvore era bom para se comer, e era
formoso, e agradável à vista, tomou dele, e comeu, e deu a seu marido, que comeu
do mesmo fruto com ela.
7. No mesmo ponto se lhes abriram os olhos, e ambos conheceram que estavam nus;
(...)
(BÍBLIA SAGRADA, 1950, pp.38-39).
Assim aconteceu o pecado original: Adão e Eva viram, souberam, perceberam,
contrariaram Deus, a lei. Foram seus olhos que os expulsaram do Éden,
apresentando-os ao bem e ao mal, marcando, para todo sempre, a eles e seus
descendentes com o fardo do conhecimento e do desejo. Saboreando a doce e
proibitiva fruta – estaria Barthes certo? -, viram-se o primeiro homem e a
primeira mulher nus; a libido de ambos foi despertada - ou encontrava-se ela, a
libido, já presente antes do suposto sêmen transgressor, na pulsão escópica que
guiou os olhos de Eva à “formosa” e sedutora maçã, “agradável à vista”? O desejo
vem antes do saber.
Atraída e traída, salvar-se-ia Eva fosse ela cega. E quem sabe por isso, até
hoje, sejam os portadores de cegueira considerados, ademais de ignorantes, como
seres puros, inocentes, incapazes de lançar o mau-olhado, assexuados, livres do
pecado 6, do olhar ardente de desejo e, assim, “moralmente superiores aos
videntes” (AMIRALIAN, 1997, p. 24). Nasceriam os sem visão castrados, como o
Édipo 7 que fura os olhos ao dar-se conta do incesto, crime enxergado por
Tirésias, um cego cujo olhar ia além das sempre enganadoras aparências (QUINET,
2004, p.113). Aí está outra representação dos cegos: a de possuidores de “de
insights e poderes sobrenaturais”, um sexto sentido (AMIRALIAN, 1997, p. 23),
pois a “posse dos dois olhos expressa a normalidade física e seu equivalente
espiritual; por isto o terceiro olho é símbolo de sobre-humanidade ou divindade”
(CIRLOT, 1984, p. 427), e era usado pelos faraós a fim de marcar a sua condição
de deidade.
No antigo Egito, Hórus, o deus falcão, rebento de Ísis e Osíris, trazia nos
olhos o Sol e a Lua (HART, 1992, pp. 33-34). Seu nome traduz-se como “Aquele das
Grandes Alturas”, cujo destino seria o de reinar sobre o Nilo. Chegando à
maturidade, Hórus decide por reclamar o seu trono a um tribunal presidido pelo
Deus Sol Rá de Heliópolis, escolhendo um auspicioso momento: Tot, deus da
sabedoria, acabara de presentear o Deus Sol “com o ‘Olho Sagrado’, símbolo da
ordem cósmica, justiça e realeza” (ibid.). A empreitada de Hórus foi, todavia,
interrompida por Seti, com quem o deus falcão precisou lutar para ascender ao
trono, perdendo um de seus olhos numa batalha,
-
o olho esquerdo, o olho lunar (...). Tot, o deus letrado, patrono dos escribas,
voltou a colocar no seu lugar o olho ferido, restabelecido pela sua magia e que
fica a ser conhecido como o ‘intacto’, símbolo da vitória do bem sobre o mal.
Sendo o símbolo divino do bem, também era associado à prosperidade. (...). A
partir de finais do Império Antigo dois udjat [outro nome para o olho de Hórus]
eram pintados à entrada dos túmulos, ladeando a porta os dois reconfortantes
símbolos mágicos: o olho direito representando o Sol, e o olho esquerdo a lua.
Também aparecem nos sarcófagos para garantir a segurança eterna do defunto
contra o mau-olhado. O sepultado teria a possibilidade de ‘ver’, através deles,
o que se passava no mundo exterior, quem ia à sua casa de eternidade levar as
oferendas e proferir as invocações que o manteriam vivo pela eternidade. O udjat
tornou-se o signo de protecção por excelência e ainda um dos mais poderosos
signos da realeza (o faraó era o Hórus vivo reinando sobre a terra legada por
Osíris). O olho divino era mesmo considerado uma entidade autônoma tão
impregnado de divindade como o seu possuidor (MUSEUS NA ESCOLA, 2007)
Ver a luz seria ver deus, perceber a energia cósmica criadora (CIRLOT, 1984, p.
357) e, assim, conhecer a “essência” do universo, num jogo onde o homem é alçado
à condição divina; como profetizara a serpente no Paraíso: “se abrirão vossos
olhos; e vós sereis como uns deuses pelo conhecimento”. O filósofo grego Plotino
(apud. CIRLOT, 1984, p. 427) defendia que o olho não poderia ver o Sol se não
fosse um sol, o fogo do olhar, havendo, então, uma “relação de causalidade
analógica em que somente o semelhante pode agir sobre o semelhante” (QUINET,
2004, p. 20): olhar é conversar com o sagrado e, assim, fazer parte dele. Mas
adentrar no mundo do divino exige uma paga, às vezes, a própria vida. O horror
da Gorgó 8 que, fitada nos olhos, transmuta o sujeito em objeto, pedra opaca.
Nesse momento, o homem e o deus se miram frente a frente, e “o voyeur é
arrancado a si mesmo, destituído de seu próprio olhar, investido e como que
invadido pelo da figura que o encara e, pelo terror que seus traços e seu olho
mobilizam, apodera-se dele e o possui 9 (VERNANT, 1988, pp.103-104).
Imunes à Gorgó, mais uma vez, estão os cegos. Todavia, ao não poderem encarar o
olhar de frente, ou saber que esse os persegue, eles se encontrariam, também,
livres do vigia, do gozo barrado aos filhos do pai primitivo em Totem e Tabu
10
(QUINET, 2004, p.113), e, desse modo, seriam “protótipos da maldade e
imoralidade” (AMIRALIAN, 1997, p.23), impossibilitados de conhecer a lei. “Desde
a antiguidade, a cultura grega identificava pela linguagem o ver e o pensar.
Eidos, forma ou figura, é afim à Idéia. Sócrates, em Fédon, descreve a cegueira
como a perda do olho da mente” (ibid., p. 24). Sem globos oculares, adentra-se
na mais profunda ignorância, impede-se o conhecimento do simbólico, guia da vida
em sociedade, da humanização 11, permanecendo-se, logo, num estágio anímico.
Possivelmente em função disso, ao estudar os personagens cegos na literatura
clássica, romântica e nas novelas ianques do século XX, a escritora
norte-americana Débora Kent (apud AMIRALIAN, 1997, pp. 27-28) deparou-se, além
de uma concepção da cegueira igualada ao castigo e à superioridade, com o seu
entendimento enquanto encarnação da maldade, em vilões como o pirata “Pew”, na
“Ilha do tesouro”, de Robert Lewis Stevenson, ou, em outros momentos, com a
elevação dos cegos à categoria de “poderosos amantes” ― afinal, eles não teriam
pudores, tabus, e seriam dotados de uma sensibilidade especial. Frente à grande
quantidade de significações descobertas por Kent, um denominador comum: “a
descrença da sociedade com relação aos cegos, e a solução frequente é uma
miraculosa recuperação da visão” (ibid., p.28) e, consequentemente, da dita
condição humana.
Nessa sintética, porém reveladora incursão à dicotomia visão/cegueira, o que se
consegue constatar é a simbolização dos cegos como pertencentes a um gênero
específico dentre as criaturas, em alguns momentos, inferiores, em outros,
superiores; nunca, contudo, ordinariamente humanos.
3. O Cego Hoje: Definição da OMS e alguns Dados Estatísticos
A Organização Mundial de Saúde - OMS - sugeriu em 1980 a classificação das
deficiências visuais a partir da medida da acuidade, a precisão visual
12 (MARTIN e RAMÍREZ, 2003, p. 40). Desde então
13, esse tem sido o parâmetro mais utilizado para aferir a
“visão útil” dos indivíduos (ibid.), tanto que, ao “se consultar Masini (1994),
Cavalcante (1995), Carvalho et al. (1992), Brasil (1994) e Almeida & Conde
(2002), observa-se que as definições dos termos relacionados à deficiência
visual são muito semelhantes” (PORTO, 2005, p.21), e sempre fundamentadas nesse
elemento: a capacidade de distinguir os detalhes dos objetos captados pelos
olhos (ibid.).
Partindo da acuidade como balizador, dois grandes grupos são então tipificados:
os portadores de baixa visão ou visão subnormal e os cegos. No primeiro caso,
englobam-se as pessoas onde se conserva uma capacidade visual
14, ainda que extremamente limitada, como a habilidade de distinguir
contornos, sombras ou pontos de luz, permitindo-se o planejamento ou execução de
uma tarefa com o auxílio da visão 15 (PORTO, 2005, p.
21). Já a cegueira, conceito unificado em quase todos os países ocidentais
(MARTIN e RAMÍREZ, 2003, p. 40), indica um portador de acuidade visual
insignificante ou até nula; “um olho é cego quando sua acuidade visual com
correção é 1/10 (0,1), ou cujo campo visual se encontre reduzido a 20°
16 (ibid.), ou ainda menos.
Em 2002, noticia a OMS (2004), havia 37 milhões de portadores de cegueira no
mundo, dos quais por volta de 82% tinham 50 anos ou mais; independentemente da
faixa etária, a prevalência da deficiência era superior em mulheres. Segundo
dados de 2000 (BRITO e VEITZMAN, p. 2000), todos os anos, por volta de 500 mil
crianças ficavam cegas e, desse total, entre 70% e 80% morriam ainda nos
primeiros 12 meses de vida, pois a cegueira estaria associada à pobreza:
informações referentes a 1992 apontavam que dos 1,5 milhão de cegos menores de
16 anos existentes no mundo naquele ano, 90% estavam nos chamados países em
desenvolvimento 17 (ibid.). “Estudos populacionais
indicam baixa prevalência da cegueira infantil, de 0,2 a 0,3 por 1000 crianças
em países desenvolvidos, e de 1,0 a 1,5 por 1000 crianças em países em
desenvolvimento” (ibid.). O mais surpreendente ― ou revoltante ― é que, com os
avanços das ciências médicas na atualidade, “pelo menos 60% das causas de
cegueira e severo comprometimento visual infantil são preveníveis ou tratáveis
18 (ibid.), e, hoje, cerca de 36 milhões de cegos
poderiam estar enxergando caso tivessem sido assistidos a tempo (AGÊNCIA SENADO
DE NOTÍCIAS, 2006).
-
Sem ações de prevenção, o número de cegos em todo o mundo deve chegar a 76
milhões em 2020, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda de acordo
com a OMS, 51 milhões dessas pessoas não ficarão cegas se tiverem acesso aos
atuais recursos da medicina e a melhores condições de vida (ibid.).
No Brasil, informações conflitantes. O censo demográfico realizado em 2000 pelo
IBGE revelou um total de 14,48% da população como portadora de, no mínimo, uma
das deficiências investigadas pela pesquisa 19. No
tocante às deficiências visuais, isso representa 16.644.842 pessoas (Censo
Demográfico 2000 – IBGE, 2000), cerca de 9,8% 20 do
total de habitantes, dos quais aproximadamente 55% seriam mulheres ― confirmando
a tendência mundial ― e quase 80% viveriam nas áreas urbanas. Ainda segundo o
IBGE (ibid.), 148 mil pessoas seriam portadoras de cegueira, e 2,4 milhões
teriam grande dificuldade de enxergar. A Agência Senado de Notícias (2006), por
sua vez, afirma que o número de cegos no Brasil seria de 1,2 milhão
21, dado obtido em um estudo desenvolvido em 2004 pelo
Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO -, entidade vinculada ao Departamento
de Oftalmologia da Associação Médica Brasileira (CBO, 2008; UNIVERSO VISUAL,
2004).
Também de acordo com o CBO, a associação da cegueira à pobreza parece
confirmar-se no país: um estudo divulgado no ano de 2007 apontou que 90% dos
casos de cegueira no Brasil ocorrem em pessoas de baixa renda (Conviva – Jornal
da Associação de Deficientes Visuais e Amigos: 2007). Entre as maiores causas
desse mal, destacam-se enfermidades tratáveis, a exemplo do glaucoma, da
catarata e da retinopatia diabética (ibid.).
Como se não bastasse o fato de serem, muitas vezes, o reflexo do descaso com a
saúde, especialmente nos países pobres, os cegos enfrentam outro tipo de
problema, mais complexo do que possam aferir os estudos demográficos e
estatísticos. Trata-se do preconceito, a estigmatização citada na segunda seção
deste artigo, cujas raízes, profundas e caudalosas, remontam às concepções
construídas ao longo dos séculos a respeito do olho e sua ausência,
acondicionando os cegos num gênero segregado; esse fato, inevitavelmente, traz
repercussões ao desenvolvimento as pessoas cegas, e será o tema do texto
subsequente. A discussão encontra-se estruturada sobre alguns aspectos psíquicos
e cognitivos do portador de cegueira.
4. Considerações Psíquicas e Cognitivas sobre a Cegueira Congênita
Para um vidente, o mais próximo que se pode imaginar de ser cego é fechar os
olhos e, em função disso, enfrentar uma série de dificuldades cognitivas,
físicas e emocionais: “A situação de ficarmos momentaneamente privados de visão
é sem dúvida traumática e perturbadora. (...). E acreditamos ser este o estado
constante dos sujeitos cegos” (AMIRALIAN, 1997, p. 22). Evidentemente, a perda
visual é uma perda de informação, mas, obrigatoriamente, nada além disso
(AMIRALIAN, 1997, p. 21; ORTEGA, 2003. Pp. 81-82). São outros os fatores que
serão responsáveis pela qualidade da aquisição de conhecimento e a formação da
personalidade do portador de cegueira.
Logo ao nascer, o primeiro problema: é preciso lidar com os sentimentos confusos
dos pais, que sonhavam com uma “criança perfeita”:
-
O choque, a frustração, o
sentimento de pena ou culpa influenciam profundamente a maternagem e a interação
mãe-filho, e podem ser por si sós, responsáveis pela não construção de um
vínculo saudável e pela desestruturação da dinâmica e relação familiar (BRUNO,
1993, p. 9). Um diagnóstico de cegueira é provavelmente um dos maiores choques que os pais
podem suportar, e Sonksen (...) entende que há uma qualidade específica no
choque a este diagnóstico em comparação com as outras condições crônicas,
explicado pela simbologia da cegueira (...). Algumas reações familiares são
consistentemente apontadas (...): depressão dos pais (especialmente da mãe),
narcisismo ferido e sentimentos de culpa e ansiedade, que vão progressivamente
evoluindo para atitudes compensatórias de rejeição, superproteção ou aceitação
(AMIRALIAN, 1997, p. 58).
Ortega (2003, p. 82) chama a atenção para a necessidade de separar a cegueira
não congênita, que “não afeta o estabelecimento do vínculo mãe-filho no seu
início”, daquela presente já na chegada do bebê ao mundo; nesse segundo caso, “a
mãe tem grande dificuldade para estabelecer o vínculo com o filho, por que tem
de enfrentar, às vezes, (...) [a] perda da sua criança ideal sonhada, e aceitar
seu interlocutor real, a criança cega” (ibid., p. 85). Os estudos mais
importantes sobre psicanálise a respeito do desenvolvimento nos primeiros anos
de vida “salientam as dificuldades dos primeiros contatos da mãe com seu bebê
cego, em contraste com o orgulho e o prazer das mães de bebês normais”
(AMIRALIAN, 1997, p. 59).
-
O olhar é a primeira linguagem social 22. O contato conota cumprimento e
reconhecimento muito antes de ter significado para a criança. O contato ocular
provoca o sorriso e, mais tarde, a discriminação visual conduz ao sorriso
preferencial. Por isso, diante da ausência de visão, a mãe pergunta, implícita
ou explicitamente, como seu filho vai reconhecê-la (ORTEGA, 2003, p. 85).
Num dos períodos mais vulneráveis do seu desenvolvimento, o bebê reage
passivamente ao afastamento materno; esse momento crítico é considerado por
alguns psicanalistas como irreversível (AMIRALIAN, 1997, p. 59). Até os quatro
meses, Sandler (apud AMIRALIAN, 1997, p. 59) admite que tanto as crianças cegas
quanto as videntes tenham um desenvolvimento semelhante, encontrando-se no
estado do narcisismo primário, ou seja, incapazes de diferenciar o “eu” do “não
eu”, experimentando o prazer e a sua ausência conforme as suas necessidades são
satisfeitas. Após esse período, o bebê percebe uma ameaça à sua onipotência
original, sendo coagido a sair do narcisismo primário e, ao mesmo tempo,
lançar-se na busca de regressar a tal estágio (AMIRALIAN, 1997, pp.59-60). É
nesse momento que o infant, cuja boca era até então o órgão-mor de busca do
prazer, começa a usar as mãos e os olhos: progressivamente separadas do orifício
oral, essas “ferramentas” ganham cada vez mais autonomia da sucção e da mordida
como fontes de libido e agressão, transferindo, parcialmente, o interesse da
criança do próprio corpo para uma interação social direta (ibid, p. 60). O jogo
de olhar e mexer as mãos, abrindo e fechando-as até a aquisição de coordenação
viso-tátil-sinestésica, “prepara a mão para a apreensão dos objetos e para as
primeiras ações intencionais” (BRUNO, 1993, pp.16-17).
-
Como dizem Fraiberg e Fredman (1964), a falha na aquisição da autonomia da mão e
uma percepção centrada na boca são uma das características principais das
crianças cegas com sérias perturbações de desenvolvimento. Embora grande parte
das crianças cegas conserve a boca como um órgão importante de discriminações
perceptivas por toda a vida, o uso de uma zona altamente carregada de força
pulsional para a percepção traz implicações para a formação do ego. Um objeto
para ser desejável precisa satisfazer necessidades ou estar associado à
estimulação oral; permanecendo a boca como órgão primário de percepção,
restringe experiências com objetos e põe obstáculos ao desenvolvimento que
conduz à descoberta da natureza dos objetos (AMIRALIAN, 1997, p. 60).
Dessa maneira, é negada à criança cega a possibilidade de “tatear” o mundo com
os olhos. Em função disso, autores como Cutsforth (1969, p. 21) afirmam que os
bebês portadores de cegueira tendem a trilhar o caminho da introversão,
resumindo seus contatos àqueles em que são o centro do mundo, tornando-se,
inevitavelmente, egocêntricos (ibid, p.23), e se concentrando “sobre suas
próprias experiências corporais, a experienciar uma constante auto-sedução”
(AMIRALIAN, 1997, p.61). Mas não existe fatalismo:
-
Um bebê que não pode ver a mãe desenvolve novas habilidades e novas formas de
contato. Somente se torna odiento e invejoso se não contiver, diante da
frustração, sua tendência natural de absolutizar o relativo e de ser dominado
por insaciável fome narcísica. (...) Têm sido amplamente descritas as
possibilidades de se construir a personalidade sob novas bases de sensibilidade
23, de aguçamento e de alargamento mentais. Por difíceis que sejam as condições,
os recursos humanos são imensos e, às vezes, inacreditáveis (TRINCA, 1997, p.
11).
Nesse sentido Bruno (1993, p.17), apesar de concordar com a existência das
supracitadas dificuldades no desenvolvimento da criança cega, chama a atenção,
pragmaticamente, para ações simples que podem minimizá-las. Sem o olho para
antecipar a sua conduta de preensão, a criança portadora de cegueira “deve ser
avisada auditivamente pelo barulho do objeto e alertada concomitantemente pelo
toque à parte externa da mão, de que o objeto se encontra no seu campo tátil de
ação. Desta forma ela poderá coordenar os esquemas audição-preensão” (ibid.),
integrando sistemas “táteis-cinestésicos-auditivos através das condutas de
sucção e preensão” (ibid.).
Isso também contribuirá para que o cego adquira autonomia na mobilidade, que é
constantemente apontada como “atrasada” em relação a das crianças videntes
(AMIRALIAN, 1997, p.61; BRUNO, 1993, p.19; FELIPPE e FELIPPE, 1997; HEIMERS,
1970, p.13). Na verdade,
-
muitas crianças com deficiência visual têm plena condição motora para a marcha,
porém não se deslocam por insegurança e medo de se moverem sem a orientação e
controle do ambiente, por isso adquirem a marcha por volta de um ano e meio ou
mais. Necessitam de alguém para caminhar junto, que lhes dê segurança pelo
contato físico e antecipe os acontecimentos auditivamente para que possam se
organizar motoramente e para que adquiram o padrão motor de marcha pela
experiência com o outro (BRUNO, 1993, p.19).
Ou seja, o que a criança cega precisa é ser acolhida pelo ambiente, encontrar
condições favoráveis ao seu desenvolvimento, como as que são ofertadas aos
outros bebês, pois “a limitação na orientação e mobilidade é considerada como o
mais grave efeito da cegueira sobre o indivíduo 24” (WELSER apud FELIPPE e
FELIPPE, 1997, p.107). Outro fator importante é atentar para a necessidade de se
ensinar ao cego, desde cedo, gestos e expressões faciais, tão importantes na
comunicação 25 e usualmente quase ausentes em pessoas privadas do sentido
visual, impossibilitadas de imitar 26 pela observação (BRUNO, 1993, pp.21-22;
LORA, 1997, pp.105-106; ORTEGA, 2003, p.86). Quanto à aquisição da linguagem
oral, não há nenhum tipo de impedimento causado pela falta da visão (ORTEGA,
2003, p.81). Amiralian (1997, p.63) chega a afirmar, inclusive, que às vezes a
fala torna-se uma ferramenta da criança cega para expressar coisas que ela não
enxerga, como características do ambiente, dos objetos e das pessoas. Existe,
todavia, um fator complicador: o cego é alienado do mundo daquele ― o vidente ―
que lhe transmite a oralidade; “se considerarmos a linguagem como uma tradução
de experiências de modelos de mundo, devemos considerar o mundo da criança cega”
(SIMMONS apud AMIRALIAN, 1997, p. 61) distinto daquele usado pelos pais e
educadores portadores de visão para ensiná-la. “Enquanto o cego experimenta o
mundo pelo tato, audição, cinestesia, olfato e gosto, o mundo lhe é explicado
pela linguagem daqueles que pouco se utilizam deste conjunto de experiências
sensoriais” (AMIRALIAN, 1997, p.63). Face a essa situação, o cego é,
repetidamente, confrontado com a constante necessidade de solucionar problemas
(ibid., p.64).
Uma questão apontada por Bruno (1993, p.49) é a frequência da tipificação de
crianças cegas como autistas por conta do chamado “blindismo”, movimentos
rítmicos produzidos pelo corpo. “Estas crianças são descritas como apresentando
comportamento estereotipado de movimento de mãos, balanço ou rotação corporal,
mutismo ou fala ecolática” (AMIRALIAN, 1997, p.70) – referir-se a si mesmo em
terceira pessoa repetindo tudo que já foi dito (KANNER, 1997) –, e não esboçam
reações afetivas, seja em relação à mãe ou outras pessoas (AMIRALIAN, 1997,
p.70).
Por fim, é preciso dizer que, até onde esta pesquisa conseguiu
avanças, não há dados conclusivos e ou fartos sobre as repercussões da cegueira
no desenvolvimento cognitivo e psíquico humano ― nesse último caso, o hiato
parece ser ainda maior ―, apesar de existirem alguns pontos consensuais: “A
criança cega apresenta desenvolvimento mais lento se compara à criança vidente.
Este tempo maior exigido pelo cego parece estar relacionado à sua maior
dificuldade na apreensão do mundo externo na ausência da visão” (AMIRALIAN,
1997, p.65), ou, ao que se pôde perceber, na impossibilidade de acessar um
exterior – o qual precisa ser introjetado para construção da alteridade e das
funções cognitivas ― que é simbolizado pelos seus interlocutores segundo
experiências imagéticas. O cerne da questão parece ser, pois, a tradução de um
mundo pensado para os videntes àqueles portadores de cegueira, que não têm
limites maiores ou menores que os ditos “normais”, e sim possibilidades
diferentes.
5. A Mulher cega e sua Autoimagem: um Estudo Empírico
Nas seções anteriores, foram descritas algumas características gerais de dois
sistemas humanos: os categorizados como pertencentes ao gênero feminino e os
portadores de cegueira. Agora, será apresentado um estudo realizado com mulheres
cegas ― intercessão dos sistemas “feminino” e “ausência de visão” ―, tentando-se
compreender de que modo, destituídas da possibilidade de receber sentidos
visuais, elas se comunicam em uma sociedade fortemente imagética, atentando-se,
especialmente, para o modo pelo qual os sujeitos em questão constroem a tão
necessária noção de autoimagem, vetor fundamental da comunicação contemporânea e
da estruturação do feminino (cf. SANTOS, 2008).
5.1 Delimitação do Objeto de Estudo
O primeiro passo metodológico adotado foi a criação de “filtros” para
delimitação dos sujeitos que estariam aptos a fazer parte do estudo.
Instituíram-se, então, as seguintes condições:
1. Os sujeitos deveriam ser portadores de cegueira, desconsiderando-se aqueles
com baixa visão, onde, mesmo que numa escala ínfima, existisse a possibilidade
de percepção das imagens;
2. Era preciso ter cegueira congênita, pois naqueles que já enxergaram,
resguarda-se uma memória visual;
3. Não se poderiam possuir outras deficiências além da cegueira, pois elas se
constituiriam como formadoras de sistemas distintos daqueles apenas privados da
visão;
4. Todos os entrevistados deveriam ser mulheres portadoras de 18 anos ou mais, e
assim aptas a responder por si legalmente.
É importante dizer que o critério escolhido para aferir a veracidade dos itens
“1”, “2” e “3” foi a autodeclararão 27. No caso do item
“4”, seria necessário comprovar a informação pela apresentação de documento,
como o Registro Geral (RG) ou certidão de nascimento.
5.2 Coleta de dados
Entre os meses de janeiro e março de 2008, contataram-se diversas instituições
frequentadas por portadores de deficiência visual na cidade de São Paulo,
capital do Estado da Federação com o maior número de cegos, um total de 23.900
pessoas, segundo o IBGE (Censo Demográfico 2000). Então, três locais foram então
escolhidos para a realização da pesquisa, por se mostrarem os mais receptivos ao
estudo:
-
Associação de Deficientes Visuais e Amigos (ADEVA): Fundada em 1978, como
organização da Sociedade Civil sem fins lucrativos, oferece desde cursos
profissionalizantes ― informática, telemarketing, vendas... ―, até atividades
recreativas, a exemplo de aulas de dança de salão;
-
Biblioteca Braille do Centro Cultural São Paulo: Idealizada por Dorina
Nowill, iniciou seus trabalhos oficialmente em 29 de abril de 1947. O objetivo
inicial era o de transcrever para o sistema Braille o acervo da Biblioteca
Infanto-Juvenil Monteiro Lobato, mas hoje o espaço, alocado desde 1986 no Centro
Cultural São Paulo, oferece aos usuários vários gêneros literários, além de
acesso a periódicos e internet adaptada ao uso de deficientes visuais;
-
Unidade de Reabilitação do Deficiente Visual (U.R.D.V): É uma das unidades
da Associação Cívica Feminina (A.C.F.), fundada em 20/12/1932 como uma entidade
filantrópica. No local, são oferecidos diversos cursos para portadores de
deficiência visual, como aulas de braile.
As perguntas do questionário foram cuidadosamente estruturadas no intento de,
com o mínimo possível de enquetes, obter as informações de relevância para o
estudo; assim, antes de elaborá-las, foi preciso definir quais dados
objetivavam-se apreender através da investigação empírica. Chegaram-se aos
seguintes pontos:
-
1. Aferir o nível de escolaridade e financeiro dos sujeitos, para posterior
triagem;
2. Investigar quais eram as mídias mais usadas e, dentro de cada universo
midiático, descobrir que produtos eram os mais consumidos; tratavam-se das
mídias visuais da sociedade em geral, ou de outras?
3. Compreender qual era o modelo ideal dos sujeitos em questão, além de,
superficialmente, perceber que estratégias de representação eles usavam para se
aproximar de tal conceito; se espelhavam em alguém? Como tentavam imitar esse
alguém?
4. Questionar sobre a autoimagem: como se percebiam através do olhar do outro?
5. Saber se, para as cegas, os conceitos de mulher/feminino/beleza caminhavam
juntos, como parece se verificar no restante da sociedade;
6. Compreender como percebiam o corpo, que significado atribuíam a ele? O de
identidade, beleza, saúde?
7. Finalmente, investigar que tipo de “desejo” os sujeitos em questão mantinham,
e se havia alguma relação entre esse desejo e a importância da imagem na
contemporaneidade.
Eram, certamente, muitas as questões; procurando, na medida do possível,
contemplar a todas, chegou-se ao seguinte modelo de questionário
semiestruturado:
1. Você tem alguma fonte de renda?
□não (vá para a pergunta 3) □ sim – qual: Quanto você ganha?
2. Qual é a renda mensal de sua família, juntando a sua com a das pessoas que
moram com você?
3. Qual é o seu nível de escolaridade:
4. Você está: □ Namorando □ Casada □ Solteira □ Viúva □ Outros:
5. Que mídias você usa no seu dia-a-dia?
□ Assiste TV:
□ Usa a internet:
□ Lê em braile:
□ Escuta livro falado 28:
□ Escuta rádio:
□ Outros:
6. Qual dessas atividades é a sua preferida e por que?
7. Você tem algum ídolo: □ não (vá para pergunta 10) □ sim – quem?
8. Por que ela (e) é seu ídolo?
9. Você gostaria de ser parecido com seu ídolo:
□ não □ sim – O que você faz para
ficar parecido com ele:
10. (Além do seu ídolo – para quem respondeu até a 9) –
Você gostaria de ser
parecido com alguém?
□ não □ sim – Quem e por quê?
11. O que você faz para ficar parecido com essa pessoa (resposta 10)?
12. Para você, o que é beleza?
13. Para você, o que é ser mulher?
14. Quem é um modelo de mulher bonita? Por que ela é bonita?
15. O quanto você se preocupa com a sua aparência:
□ nada □ pouco □ mais ou menos □ muito □ é a coisa mais importante da minha vida
16. Você gosta de usar cosméticos? □ não □sim – enumere:
17. Segue a moda? □não □sim – como?
18. Faz exercícios: □não □sim – Com quais objetivos? Frequenta academia de
ginástica □não □sim
19. Complete a frase: meu corpo é: ...
20. Você se considera uma mulher bonita? □ não □ sim – Por que?
21.Você acha que as pessoas também consideram você uma (resposta 20) □ sim □ não
Por que?
22. Que tipo de imagem você acha que as pessoas têm de você?
23. Como você gostaria de ser vista pelas pessoas?
24. Se eu pudesse ser outra pessoa eu seria? Por que?
25. Você tem algum sonho? □ não □ sim – qual:
|
O modelo semi-estruturado foi o escolhido por não se ter a intenção de trabalhar
com uma amostragem muito grande e, ademais, por ele minimizar o discurso
hegemônico do pesquisador, possibilitando aos sujeitos, ainda que dentro de
campos pré-determinados, a livre expressão.
As perguntas de 1 a 4 objetivaram aferir o “item 1” entre os destacados como
objetivos do questionário, ou seja, traçar um breve perfil socioeconômico; as
perguntas 5 e 6 reportaram-se ao “item 2” dos objetivos, investigar as mídias
consumidas pelos sujeitos em questão, bem como qual era a “mídia” preferia; as
questões de 7 a 11 tentaram observar, ainda que superficialmente, as relações
com o “ideal de Eu”, “item 3”; no caso das perguntas de 12 a 19, elas se
formularam segundo os “itens 5 e 6” dos objetivos, as relações entre identidade
feminina e um corpo construído através da moda, de exercícios, cosméticos...;
quantos às perguntas de 20 a 24, tentaram perceber a autoimagem dos sujeitos,
como se veem e pensam serem vistos pelo outro; finalmente, a pergunta 25
reportou-se ao “objetivo 7”, numa tentativa de construir alguma relação entre os
desejos dos sujeitos estudados e o macro-sistema da sociedade escopofílica.
Resolveu-se que todos os questionários seriam aplicados pelo pesquisador
responsável, de modo individual. Para esse procedimento, foi solicitado, nas
instituições onde se desenvolveram a pesquisa, um local reservado para tal.
Percebendo, contudo, que não se conseguiriam tantos sujeitos quanto esperado, o
pesquisador passou a solicitar às entrevistadas que lhe fornecessem nomes e
telefones de amigas cegas; também lhes foi entregue um cartão em braile
29, para que, caso lembrassem de alguém para participar do estudo, telefonassem ao
pesquisador e repassassem a informação.
Quando as primeiras entrevistadas começaram a ligar para recomendar conhecidas,
o pesquisador percebeu que elas estavam bem mais à vontade que no momento da
aplicação do questionário. Ao refletir sobre tal assunto, chegou-se à conclusão
que, além de não estarem sendo interrogadas, ao telefone, entrevistador e
entrevistado estavam igualados: a voz intermediava a comunicação de ambos ― um
vidente e um cego ―, equiparando, ao menos parcialmente, a relação de poder. Em
função disso, resolveu-se que, feita a triagem com os sujeitos que efetivamente
entrariam na pesquisa, todos teriam seus questionários reaplicados por telefone.
Os questionários nos quais houve recusa de resposta a algum dos itens
perguntados foram excluídos, assim como aqueles pertencentes aos três sujeitos
que, após participarem da pesquisa, solicitaram a sua retirada do estudo. O
prazo limite para tal foi o dia 14 de março de 2008.
5.3 Procedimentos de Avaliação e Análise dos Questionários
Um total de 69 questionários foi aplicado, dos quais três foram
posteriormente retirados, como informado há pouco, por solicitação dos sujeitos
participantes. Dos 66 questionários restantes, 24 referem-se aos obtidos a
partir de pessoas indicadas por outros entrevistados, e 42 aos sujeitos
encontrados nas instituições que concordaram em permitir a realização do estudo
em suas dependências. Por questão de espaço, apenas parte dos resultados obtidos
serão apresentados.
A primeira análise incidiu sobre as perguntas de 1 a 5, objetivando-se fechar um
grupo com um nível de instrução e poder aquisitivo o mais próximo possível. Isso
se revelou um grande problema, pois as características individuais eram bastante
heterogêneas: havia sujeitos com primeiro grau incompleto e outros com
pós-graduação; alguns não tinham fonte de renda, enquanto outras pessoas
ganhavam perto de R$3.000,00. Chegou-se, então, a dois grupos distintos,
compreendendo um total de 36 sujeitos: no primeiro, estavam os que possuíam
idades entre 20 e 40 anos ― 17 ― segundo, os com idades entre 41 e 61 anos ― 19
―. Todas as pessoas escolhidas deveriam ter segundo grau completo ou formação
superior, além de uma fonte de renda 30 entre três e quatro salários mínimos ―
na época da pesquisa, o salário mínimo era de R$380,00, o que dá uma renda de
entre R$1104,00 e R$1472,00. Para avaliação das demais respostas, foram usados
os referenciais semiótico, psicanalítico e sistêmico.
5.4 Apresentação e Análise dos Dados Obtidos
No grupo que possuía entre 20 e 40 anos, a maior parte das entrevistadas, ou
precisamente 12, declarou estar namorando; nas mulheres com idade entre 41 e 61
anos, as relações mostram-se mais distribuídas: 7 declaram namorar; 8 falaram
estar casadas; e 4 informaram ser solteiras. No segundo grupo parece manter-se a
média nacional aferida pelo IBGE no censo de 2000, com 49,5% da população total
do país casada. As respostas obtidas, no referente às duas faixas etárias,
quebram o estigma de mulheres deficientes como “fadadas à solidão”, ao
“isolamento amoroso”.
Na investigação a respeito do “consumo de mídias”, os dados alusivos aos dois
grupos também foram distintos. No das mulheres entre 20 e 40 anos, as mídias
rádio, música 31 e televisão aparecem empatadas em primeiro lugar, tendo sido
citadas por todas as entrevistadas. No caso do grupo com idades entre 41 e 61
anos, o rádio e a música também foram citados por todas das entrevistadas, mas a
televisão ocupou o terceiro lugar, obtendo 16 referências. Nos dois grupos,
contudo, um dado em comum: a internet quase não foi escolhida, talvez, revelando
as dificuldades cognitivas que os deficientes visuais ainda tenham para usar
essa “mídia”.
Para proceder a uma análise qualitativa dos dados acima expostos, sugere-se,
antes de tudo, desconsiderar as “mídias” citadas e entendê-las como medias, a
partir dos sentidos visual, tátil e auditivo. Esse último está presente, para os
dois grupos em questão, em todas as opções apontadas como as mais utilizadas:
rádio (auditivo), música (auditivo) e televisão (audiovisual). Pode-se, ainda,
pensar que as qualidades da audição sejam preferidas em relação às táteis para
obtenção de conhecimento, pois o livro falado foi mais citado que a leitura em
braile pelas entrevistadas das duas faixas etárias tipificadas. Por fim,
considerando, por um lado, que a linguagem “hipermidiática” da internet seja
basicamente traduzida na forma de áudio para os deficientes visuais, através de
programas específicos, e, por outro, que a quantidade de informações perdidas em
tais processos ― todos os sentidos visuais de fotografias, vídeos, infográficos,
diagramação, cores... ― e que as dificuldades neles existentes devam ser
grandes, não causa estranheza o baixo uso do “mundo digital”.
Pensando-se, também, que à exceção do braile, todas as outras “mídias” citadas
são ― ou tornam-se para os cegos ― medias auditivas, pode-se indicar que o som
seja o meio de comunicação com o qual os portadores de cegueira tenham mais
familiaridade ― até porque, além da visão, ausente para o caso especificado, é a
audição o outro sentido que goza de intimidade com o cérebro (SANTAELLA, 2001,
pp. 70-75). Além disso, é possível sugerir que, apesar de ser o melhor método
pala leitura tátil até agora desenvolvido, o braile ainda esteja longe da
sofisticação conseguida pela leitura feita por meio da visão, aperfeiçoada há
séculos, o que levaria os cegos a se sentirem mais confortáveis ouvindo os
livros que os tateando, por ser este um processo tecnicamente ainda pouco
desenvolvido; também é preciso lembrar que o tato é um sentido cujo potencial
semiótico foi socialmente restrito ― pela proibição cultural do toque... (NÖTH,
1990, p.407) ―, isto é, há um problema simbólico, o que talvez induza os
portadores de cegueira a, inconscientemente, assumirem uma predileção ou um
maior conforto através do uso do código auditivo, e não do tátil, para a
tradução da linguagem verbal feita no ato de ler. Por fim, é preciso lembrar que
o ouvido, ao contrário do tato e de modo análogo à visão, é fonte de pulsão, a
energia da qual se alimenta a psique, isto é, o inconsciente (cf. SANTOS e
RIBEIRO, 2012).
No tocante à “mídia preferida”, os dois grupos apontaram o rádio, citado por 11
mulheres com idade entre 20 e 40 anos, e por 18 das pertencentes à faixa etária
circunscrita entre os 41 e os 61 anos de idade. A televisão, no grupo das
mulheres com idades entre 20 e 40 anos, ainda conseguiu chegar a expressivas 05
referências como preferida, e o número ganha ainda mais força quando se observa
que, no grupo com idade entre 41 e 61 anos, a mídia televisiva não foi citada
por nenhuma entrevistada. Quanto às qualidades apontadas nos dois grupos para a
preferência pelo rádio, elas foram analisadas em conjunto 32, por estarem muito
próximas em ambas as situações ― as duas faixas etárias; seguem as expressões
mais faladas para aludir à predileção por essa mídia: “é rápido
33” (32); “levo para todo canto” (30); “gosto mais” (30); “é melhor (30)”; “é melhor que a TV,
porque é só a voz” (27); “sempre escutei, me acostumei (22)”. Assim, além de se
reportarem a algumas características da própria mídia radiofônica, ou se
prenderem a qualidades ― “é melhor”, “gosto mais”, “é rápido”... ― as
entrevistadas parecem se sentir mais confortáveis com um meio onde a visão não
seja solicitada. Aqui, todavia, cabe noticiar, como o faz Machado (2001, p. 17),
-
que [quando] se fala em ‘civilização das imagens’, pensa-se evidentemente na
atual hegemonia da televisão, mas ela, na verdade, é um meio bem pouco
imagético. (...) a esmagadora maioria dos programas de televisão está fundada
predominantemente no discurso oral e (...) neles as imagens servem apenas como
suporte visual para o corpo que fala. Tanto isso é verdade que a grande maioria
das pessoas deixa a televisão ligada enquanto executa outras tarefas, sendo
suficiente, em termos significantes, o que se diz na pista do som
34.
No tocante ao “item 7” do questionário, o qual investigava se as entrevistadas
tinham algum ídolo 12 das mulheres com idades entre 20 e 40 anos responderam que
sim, contra 5 das com idades entre 41 e 61 anos. Esse, por si só, já é um dado
interessante, e que se repetirá em vários momentos: nos sistemas mais jovens
cronologicamente, a incorporação dos padrões da sociedade escópica ― como a
profusão de ídolos, ideais de eu ― parece se dar de modo mais intenso quando
comparada aos com mais idade. Assim, os dados colhidos através das mulheres com
entre 20 e 40 anos sugerem que, ao terem vivenciado desde cedo padrões de outros
seres humanos visualmente hipertrofiados, com os quais interagiram, eles se
deixaram contaminar por tais paradigmas ― afinal, o ser humano é um sistema
aberto e evolutivo. E como a curva do tempo se confunde, do século XIX em
diante, com a progressão da importância da imagem na sociedade, estabelece-se o
binômio ― lei ― mais jovem/mais escópico, ou mais padrões escópicos incorporados
― mesmo para os cegos!
No grupo com idades entre 20 e 40 anos, 8 das mulheres que responderam ter
ídolos se referiram a alguém famoso ― ator, cantor, apresentador de programa de
televisão, escritor ou esportista ; as outras 4 apontaram como ídolo algum amigo
ou parente. No caso das mulheres que tinham entre 41 e 61 anos, o resultado foi
o oposto: 1 declarou idolatrar alguém famoso, contra 4 que se referiram, em
todos os casos, à mãe, sempre destacando a importância materna na sua formação e
aceitação de sua deficiência. Aqui, novamente um indicativo de que os “sistemas
jovens”, quando contrapostos aos com mais idade, incorporam mais os “padrões
escópicos”.
Perguntadas se gostariam de parecer com seus ídolos, 3 entrevistadas com idade
entre 20 e 40 anos e 4 das com idade entre 41 e 61 anos responderam que sim; em
repetidos casos, as mulheres se sentiam incomodadas com uso da palavra
“parecer”, classificando a pergunta como “idiota”, ou tendo dificuldade em
entendê-la; questionavam ao pesquisador: “como assim, parecer?”. Possivelmente,
houve um problema de tradução não verificado na realização do pré-teste com o
questionário, que poderia ter sido evitado com o uso de algum outro termo; ou,
quem sabe, esse “incômodo” seja advindo das dificuldades em entender um
“parecer”, ou um espelhamento baseado, assim como hoje se faz, quase que
integralmente na imagem de signos visuais, e não nas outras possibilidades
semióticas.
Pôde-se perceber a clara identificação com o ideal materno nas mulheres do grupo
possuidor de idades entre 41 e 61 anos; todas que responderam terem a mãe como
ídolo declararam querem imitá-la; no lado oposto, as “jovens” que afirmaram
majoritariamente admirar famosos, não se mostraram muito interessadas em
imitá-los: poucas assinalaram a opção “gostaria de ser parecido com meu ídolo”;
quem sabe, ao responderem terem como ídolos pessoas da mídia, elas estivessem
apenas reproduzido o discurso hegemônico.
Na pergunta 10, onde se insistia em saber se as entrevistadas, mesmo sem ter
declaradamente um ídolo, espelhavam-se em alguém, índices importantes: somente 3
das mulheres com idades entre 20 e 40 anos informaram que gostariam de parecer
com alguém, e apenas uma mulher das que possuíam entre 41 e 61 anos disse querer
parecer com alguma outra pessoa – tratava-se de um caso especial; a entrevista
era “testemunha de Jeová ”, e declarou seguir os preceitos de “Jeová Rei”,
objetivando imitá-lo. No grupo dos sujeitos com idades de 20 a 40 anos, ninguém
afirmou fazer algo para imitar o objeto de admiração.
Questionadas sobre o que entendiam por “beleza”, 14 entrevistadas com idade
entre 20 e 40 anos declararam uma mescla da “aparência” com “qualidades
internas, o caráter, a essência”; no caso das mulheres que tinham entre 41 e 61
anos, prevaleceu a resposta de que a beleza, como indicado por 15 das
entrevistadas, seria “apenas interna”. Quando, todavia, questionadas se davam
importância à própria aparência, todas entrevistadas com 41 aos ou mais se
declararam preocupadas com o tópico; desse total, 18 responderam se preocupar
muito, e apenas uma “mais ou menos”. Para quem tinha afirmado valorar apenas a
“beleza interna”, um dado que soa contraditório; talvez, este dado indique que,
inconscientemente, a autoimagem seja importante, ou, em outro sentido, que
sabendo da importância da imagem corporal para o resto da sociedade, o cuidado
estético com a mesma surja. Das mulheres com idade entre 20 e 40 anos, todas as
entrevistadas responderam se preocupar muito com a aparência.
Analisando-se conjuntamente os dados obtidos sobre a “preocupação com a
aparência”, torna-se possível apontar que a importância do imaginário, registro
no qual circunscreve-se a feminilidade, mantenha-se para as mulheres cegas, pois
nenhum dos sujeitos ouvidos declarou não dar atenção ao tópico “aparência”. No
caso das com idades entre 41 e 61 anos, elas podem até pensar que a beleza seja
“interna”, como apontou a maioria; mas devem considerar que o “feminino” esteja
na superfície.
Ainda nos dois grupos estudados, mais um ponto de confluência: todas as
entrevistadas de ambas as faixas etárias tipificadas declararam usar cosméticos,
especialmente cremes para pele e perfumes. Interessante notar que a maquiagem
tenha sido apontada, ainda que timidamente, apenas no grupo com idades entre 20
e 40 anos. Trata-se de um código inteiramente visual, confirmando, outra uma
vez, que os sistemas com menos idade incorporam mais os “padrões escópicos”. Uma
questão que não foi contemplada seria aferir o meio pelo qual essas mulheres
cegas conseguem se maquiar: Alguém faz isso para elas? O fazem sozinhas?
Das entrevistadas pertencentes ao grupo mais jovem, cinco afirmaram seguir a
moda, resposta fornecida por três sujeitos no grupo das mulheres com idade entre
41 e 61 anos. Parece não tratar-se de um assunto que desperte muito interesse
entre os cegos – afinal, a moda é um código basicamente imagético.
Proporcionalmente, ela foi citada pelo dobro das mulheres com idades entre 20 e
40 anos quando relacionadas às de entre 41 e 61 anos. Muitas – 32 do total dos
dois grupos avaliados em conjunto - afirmaram adotar um “estilo clássico”, para
assim “estar bem em todas as ocasiões”. Entre as que afirmaram seguir a moda,
nos dois grupos se verificaram as mesmas três respostas no sentido de saber como
elas “descobriam as últimas tendências”: disseram perguntar a parentes, amigas
e/ou vendedoras videntes ― a dependência de alguém que enxerga para inserir-se
numa linguagem visual fica clara.
Ao se referirem ao conceito de mulher, não houve diferenças significativas entre
os dois grupos: as palavras empregadas, quase sempre todas juntas, foram, “mãe”,
“profissional”, “tudo ao mesmo tempo”, uma série de conceitos que se reportam,
exatamente, à grande quantidade de papéis sociais vivenciados na
contemporaneidade. As entrevistadas eram livres para falarem o que quisessem,
mas apenas as opções indicadas foram reportadas, com variações do tipo ao invés
de falar “trabalhar”, dizer “ter uma carreira”; também se podia escolher mais de
uma opção. O interessante é que nenhuma pessoa usou para traduzir “mulher”
alguma palavra que denotasse especificamente à imagem, como “bonita” ou
“elegante”, tal qual seria esperado de um “feminino” construído sobre o registro
do imaginário, da “boa figura”. Conscientemente, talvez não seja assim que elas
percebam a questão da feminilidade, o que, contudo, foi apontado quando os
sujeitos estudados informaram se preocupar com a aparência.
Perguntadas se se consideravam mulheres bonitas ― os conceitos de mulher e
beleza foram anteriormente suscitados antes de se chegar a esse ―, todas as
entrevistadas com idade entre 20 e 40 anos afirmaram que sim; desse total, todas
disseram achar isso porque outras pessoas lhes diziam, e quatro ― podia-se
responder mais de uma opção ― afirmaram saber, ademais da opinião alheia, por
sua auto-percepção: o toque, altura, a textura da pele. No grupo das mulheres
com faixa etária dos 41 aos 60 anos, também todas declararam-se como “mulheres
bonitas”; as 19 mulheres pesquisadas afirmaram saber disso, mais uma vez, porque
lhes era dito. Isso revela que, possivelmente, a autoimagem do cego não use de
mecanismos tão mirabolantes quanto se poderia supor para construir-se; há uma
introjeção, tanto quanto possível, do outro para a construção do eu imaginário.
Desse modo, o discurso das outras pessoas adentra na psique do deficiente visual
por caminhos distintos da visão, mas ele está lá, em movimento, numa relação
especular de constante reconstrução. Todas as entrevistadas, em ambos os grupos,
declararam-se “mulheres bonitas” e afirmaram supor serem vistas assim pelos
outros; logo, são eles, os outros, os construtores da sua auto-noção como
“bonita”.
O “item 24” do questionário, onde se pedia para completar a frase “Se eu pudesse
ser outra pessoa eu seria:” foi o que causou mais controvérsia – ou desconforto
- durante a pesquisa. Ao ler-se a questão, as entrevistadas, quase sempre
descontraídas, esboçavam raiva, indignação ou surpresa, quem sabe descrentes da
proposta, por julgá-la “absurda, sem sentido”, nas palavras delas; não
raramente, pediam que a sentença fosse novamente lida. Então, de pronto, a maior
parte das mulheres ouvidas tiveram a mesma resposta: um seco “eu!”. Todas as que
responderam que “seriam eu”, independentemente da faixa estaria, afirmaram que
se bastavam, que estavam satisfeitas consigo, possivelmente apontando os
problemas de saída do narcisismo primário enfrentados pelos cegos. É preciso,
ainda, recordar que quase nenhuma das mulheres ouvidas, em todas as faixas
etárias investigadas, afirmou se “espelhar” em outra pessoa; talvez, outro
índice a apontar questões mal resolvidas do narcisismo primário, ou, como já
dito, as dificuldades em elaborar conscientemente um espelhamento não embasado
majoritariamente na imagem de signos visuais.
Entre as entrevistadas que afirmaram que, caso pudessem, seriam pessoas famosas,
todas justificaram a opção indicando o “dinheiro” (4 mulheres), o
“reconhecimento” (4 mulheres) e a “facilidade de comunicação” (2 mulheres) como
atrativos para imitação; na última opção apontada, transparece o desejo de
conseguir se fazer entender, em sendo-se cego, numa sociedade baseada na
comunicação visual. Para as que falaram que seriam a mãe ― todas pertenciam ao
grupo com idades entre 41 e 61 anos ―, elas disseram admirar na figura materna a
“força” em ajudá-las a aceitar a própria deficiência e o carinho recebido.
6. Algumas Reflexões
Este artigo abordou muitas temáticas e, possivelmente, cada uma delas poderia
originar uma investigação em separado. O objetivo aqui almejado, entretanto, não
foi o de se aprofundar em todos os assuntos referidos, mas o de propor ligações
entre eles. Talvez, o percurso tenha sido cansativo, todavia, a partir dele, se
poderão, agora, sugerir algumas reflexões acerca da sociedade visual e de como a
mulher cega, tendo por base o seu corpo, comunica-se com outros sistemas
psiquico-cognitvo-sociais visualmente hipertrofiados.
O desafio do cego é grande: ainda bebê, ele tem que descobrir os mecanismos
táteis-sinestésicos-auditivos para interagir com uma mãe não raramente
“frustrada”, que esperava dele a troca de olhares, o reconhecimento da face e,
como resposta, um sorriso preferencial. Repetidamente, a sua tarefa será a de
solucionar os problemas em entender e se fazer entendido por uma sociedade
escópica – existe, portanto, uma questão semiótica, de tradução. Desse modo, o
trabalho realizado pelo portador de cegueira será o de converter, para a sua
percepção, códigos visuais em auditivos, táteis, olfativos, palatáveis,
sinestésicos e, talvez, sobre todos os outros, verbais/sonoros, já que é pela
fala que a criança cega parece conseguir melhor expressar aos videntes suas
sensações, pensamentos, emoções, e organizar mentalmente as informações captadas
pelos seus sistemas cognitivo e psíquico. Além disso, ao contrário do tato, que
poderia ser melhor explorado pelo portador de cegueira, a fala não conta com
severas restrições culturais ao seu uso. Num sentido oposto, além de perceber um
“exterior visual”, será necessário, também, traduzir signos de outras naturezas
em representações visuais no intento de comunicar-se.
Para o deficiente visual que assume a condição feminina ― supõe-se serem
predominantemente as mulheres ―, esses processos comunicacionais devem
revelar-se ainda mais complexos, pois, conforme anteriormente reportado, o
feminino é um gênero extremamente ligado ao imaginário, à “boa imagem”. Nesse
sentido, tal qual constatado na pesquisa empírica apresentada na seção anterior,
as mulheres cegas, ao se declararam “bonitas”, afirmaram obter esse conceito
pela fala do outro; destituídas da percepção do “outro do espelho” visual, é
sobretudo pelo verbal que elas introjetam as expectativas e valorações alheias
e, assim, assumem uma feminilidade.
A possibilidade de falhas nessa comunicação é grande, especialmente no momento
de corporificar o discurso do outro no próprio corpo, assumindo uma persona
frente à sociedade; é preciso fabricar os signos visuais aos quais não se tem
acesso. Quem sabe em função disso, por exemplo, a maior parte das entrevistadas
tenha declarado usar “roupas clássicas”, pretensamente independentes da moda e,
assim, “seguras”, ou ainda falarem “odiar” maquiagem, código inteiramente
visual. Certamente, é de difícil operacionalização para alguém sem a capacidade
de enxergar usar a corporeidade em sua qualidade de media visual, o que deve ser
profundamente angustiante quando se sabe da importância dada pelos outros com os
quais se convive aos sentidos visuais.
Um índice interessante foi o que indicou, conforme os dados apresentados na
pesquisa empírica, que para as cegas o binômio mulher/aparência não se encontra
estruturado conscientemente como um par; é como se o feminino ― a imagem ― e o
“ser mulher” fossem dois conceitos distintos, ao contrário do proposto para a
grande parcela da sociedade, onde feminino e “boa imagem” são quase sinônimos.
Ainda assim, o supracitado binômio conceitual fez-se presentificado quando todas
as mulheres ouvidas declararam-se vaidosas, preocupadas com o quesito
“aparência”. Isso sugere pensar que, apesar do imaginário não se estruturar por
signos imagéticos visuais para as cegas, ele seja, mesmo nelas, o registro da
imagem, da aparência do objeto. O problema é que as outras pessoas com as quais
a mulheres sem visão convivem estruturam seu ego predominantemente nas imagens
visuais, e as portadoras de cegueira assumem um Outro visual sem, muitas vezes,
o compreenderem: seria um eu ainda mais alienado? Aqui, cabe fazer uma correção, quase uma abdução ocorrida nessas reflexões
finais: no decorrer deste trabalho, em inúmeros momentos, usou-se a palavra
imagem como sinônimo de signo visual, o que acarretaria na impossibilidade dos
cegos possuírem imaginário. Peirce, contudo, ao expandir os hipoícones
imagéticos para além do visual, resolve o que seria um impasse, explicando como,
mesmo sem enxergar, os cegos conseguem apreender signos imagéticos – sonoros,
táteis, gustativos... – e assim edificarem seu eu: a cegueira é uma deficiência
visual, e não imagética.
Outro dado interessante, e que confirma uma maior “desenvoltura” dos portadores
de cegueira no uso dos signos verbais/sonoros, foi a escolha das entrevistas
pelo rádio como mídia preferida, um canal inteiramente auditivo – extensão
técnica do ouvido. Além disso, todas as outras mídias citadas como mais usadas –
televisão, livro falado e “música” – são ou tornam-se sonoras para os cegos. Por
isso, sugere-se que os esquemas táteis-cinestésicos-auditivos dos primeiros
meses de vida sejam posteriormente reorganizados com a audição ficando na
primeira posição.
A partir do exposto, essas breves reflexões enceram-se com a certeza de que o
universo dos portadores de cegueira ainda tem muito a revelar, e que a pesquisa
aqui desenvolvida foi muito mais uma “carta de intenções” e uma tentativa de
compreensão de estruturas gerais, do que qualquer outra coisa. Ainda assim, foi
possível inferir algumas ideias; recapitulando: sugere-se que os cegos edifiquem
seu imaginário ― e assim sua identidade ― da mesma forma que os videntes, no
sentido de incorporar o discurso do outros, mas diferentemente desses por não
usarem nesse procedimento as imagens visuais; acredita-se, também, que os signos
verbais/sonoros sejam os mais permeáveis ao sistema psico-cognitivo dos
portadores de cegueira, bem como que poderia existir um melhor aproveitamento
dos potenciais semióticos do tato, através, por exemplo, de um aperfeiçoamento
do braile; pensa-se, ademais, que o feminino, estruturalmente, seja também para
as cegas um signo baseado no imaginário, inclusive no tocante aos signos
visuais, pois todas as entrevistadas reportaram dar atenção à vaidade.
7 Referências
-
AGÊNCIA SENADO DE NOTÍCIAS. Cegueira é mal que se pode evitar. Publicado em 03
de abril de 2006 - (Edição n°116). Disponível em <http://www.senado.gov.br/ comunica/agencia/cidadania/ Cegueira/Cegueira.htm>.
Acessado em 01 de março de 2008.
-
AMIRALIAN, Maria Lúcia T. M. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da
cegueira por meio de Desenhos-Estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
-
BARTHES, Roland. Aula. Trad. e posf. Leyla Perrone-Moises. São Paulo: Cultrix,
1989.
-
BÍBLIA SAGRADA - Volume I. Reedição da versão do padre Antônio Pereira de
Figueiredo. Organização: Padre Santos Farinha. Revisão Elói Braga Jr. São Paulo:
Editora das Américas, 1950.
-
BICAS, Harley E. A. Acuidade visual. Medidas e notações. Arq Bras Oftalmol
2002;65:375-84.
-
BISHOP, Christopher Ray. Runic Magic. Thesis submitted to the Faculty of the
Graduate School of the University of Maryland, College Park in partial
fulfillment of the equirements for the degree of Master of Arts, 2007.
-
BLOS, Peter. Filho e Pai. In: O enigma dos sexos perspectivas psicanalíticas
contemporâneas da feminilidade e da masculinidade. Trad. de. Fernando Naufel,
Maria da Penha Ferreira, Tania Penido. Rio de Janeiro: Imago, 1998.
-
BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega
Junito de Souza Brandao. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
-
BREEN, Danna. Introdução. In: O enigma dos sexos perspectivas psicanalíticas
contemporâneas da feminilidade e da masculinidade. Trad. Fernando Naufel, Maria
da Penha Ferreira, Tania Penido. Rio de Janeiro: Imago, 1998.
-
BRITO e VEITZMAN. Causas da cegueira e baixa visão em crianças. ARQ. BRAS.
OFTAL. 63(1), FEVEREIRO/2000.
-
BRUN, Danièle. Figurações do feminino. Trad. Martha Prada e Silva. São Paulo:
Escuta, 1989.
-
CARMICHAEL, Leonard. Manual de psicologia da criança/ Volume 2: O primeiro ano
de vida e as experiências iniciais I. São Paulo: Editora da USP: 1975a.
Manual de psicologia da criança/ Volume 8: Socialização I. São Paulo: Editora da
USP: 1975b.
-
CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionário de símbolos Juan-Eduardo Cirlot; trad. Rubens
Eduardo Ferreira Frias. São Paulo: Moraes, 1984.
-
CLÉMENT, Catherine e Kristeva, Julia. O feminino e o sagrado. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001.
-
CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA.
Disponível em <
http://209.85.165.104/ search?q=cache:UElTpebxuE0J:www.cbo.com.br/ cbo/campanhas_sociais.htm+ Conselho+Brasileiro+de+Oftalmologia+1,2+milh%C3%A3o+ cegos&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br>.
Acessado em 03 de março de 2008.
-
CONVIVA – Jornal da Associação de Deficientes Visuais e Amigos. ADEVA – Ano
VIII, nº41: 2007.
-
CUTSFORTH, Thomas D. O cego na escola e na sociedade: um estudo psicológico. São
Paulo: CAMP NAC EDUC CEGOS, 1969.
-
DALL'ACQUA, Maria Júlia Canazza. Intervenção no ambiente escolar estimulação
visual de uma criança com visão subnormal ou baixa visão. São Paulo: UNESP,
2002.
-
DEBRAY, R. Manifestos Midiológicos. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994.
-
FARIAS, Ana Maria Amorim de. Da costela de Adão: o recalque e a negativação do
feminino em nossa cultura e na psicanálise. Dissertação de Mestrado. Programa de
Psicologia Clínica, PUC-SP. São Paulo: 2005.
-
FELIPPE e FELIPPE. Orientação e mobilidade. In: Deficiência visual: reflexão
sobre a prática pedagógica. São Paulo: Laramara, 1997.
-
FREUD, Sigmund. Edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
-
GLOBO.COM. G1. Vitoriosa, UE chega aos 50 anos desunida. 2007. Disponível em <
http://209
.85.165.104/search? q=cache:lhmRJBlfwa4J:g1.globo.com/ Noticias/Mundo/0,,MUL13700-5602,00.html+ uni%C3%A3o+europeia+popula%C3%A7%C3%A3o+ paises&hl=ptBR&ct=clnk&cd
=9&gl=br >. Acessado em 20 de fevereiro de 2008.
-
HART, George. Mitos Egípcios. Trad. Geraldo Costa Filho. São Paulo: Editora
Moraes: 1992.
-
HEIMERS, Wilhelm. Como devo educar meu filho cego: um guia. Trad. Humberto
Schoenfeldt. São Paulo: Fundação para o Livro do Cego no Brasil, 1970.
-
IBGE – Censo Demográfico 2000. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/
presidencia/noticias/27062003censo.shtm >. Acessado em 02 de março de 2008.
-
IBGE – Cidades @. Disponível em < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>.
Acessado em 02 de março de 2008.
-
KANNER, L. Os distúrbios autísticos do contato afetivo. In Rocha, P.S. (org.)
Autismos. S. Paulo: Editora Escuta, 1997.
-
MACHADO, Arlindo. O quarto iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro:
Rios Ambiciosos, 2001.
-
MARTIN e RAMÍREZ. Visão subnormal. In: Deficiência Visual – Aspectos
Psicoevolutivos e educativos. Trad. Magali de Lourdes Pedro. Coordenadores
Manuel Bueno Martín e Salvador Toro Bueno. Livraria Santos Editora, 2003.
-
MASSIP, Vicente. História da filosofia ocidental. São Paulo: EPU, 2001.
-
MONTILHA, Ritta de Cassia, GASPARETTO, Maria Elisabete e NOBRES, Maria Inês.
Deficiência visual e inclusão escolar. In: Escola inclusiva. Organizado por
Marina Silveira Palhares, Simone Cristina Marins. São Carlos: EdUFSCAR, 2002.
-
MUSEUS NA ESCOLA. PROJECTO CO-FINANCIADO PELA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <
http://museusnaescola.eselx.ipl.pt/>. Acesso em 02 de fevereiro de 2008.
-
NASIO, Juan-David. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise. Trad.
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995a.
O olhar em psicanálise. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1995b.
-
NEGRINI, Maria Carolina. A evolução do conceito de desenvolvimento na esfera da
Organização das Nações Unidas (ONU) e o tratamento especial dos países em
desenvolvimento na Organização Mundial do Comercio (OMC). Dissertação de
Mestrado defendida no Programa de Direito da PUC-SP. São Paulo: 2007.
-
OMS – Organização mundial de saúde. Blindness. Disponível em <
http://www.who.int/topics/ blindness/en/>. Acessado em 18 de fevereiro de 2008.
-
OMS – Organização mundial de saúde - Magnitude and causes of visual impairment. Disponível em: < http:// www.who.int
/mediacentre /factsheets/fs282/en/index.html>. Acessado em 18 de fevereiro de
2008.
-
ORTEGA, Maria Pilar Platero. Linguagem e deficiência visual. In: Deficiência
Visual – Aspectos Psicoevolutivos e educativos. Trad. Magali de Lourdes Pedro.
Coordenadores Manuel Bueno Martín e Salvador Toro Bueno. Livraria Santos
Editora, 2003 .
-
PAGE, I. R. Mitos nórdicos. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Editora Centauro:
1999.
-
Portal UNESP – Assessoria de Comunicação. Ensino de Física para cegos. 2007.
Disponível em <
http://209.85.165.104/search?q= cache:SvGmUyU7WvMJ:www.unesp.br/ aci/jornal/220/fisica.php+ acuidade +unesp &hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>. Acessado em 02 de
março de 2008.
-
PORTO, Eline. A corporeidade do cego: novos olhares. Piracicaba/São Paulo:
Editora UNIMEP/Memnon, 2005.
-
QUINET, Antonio. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
-
ROCHA, Ana Maria Martins Lino. Entre vasos de cristal: corpo feminino na clínica
social da psicanálise. Dissertação de Mestrado. Programa de Psicologia Clínica,
PUC-SP. São Paulo: 2003.
-
ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Trads. Vera
Ribeiro, Lucy Magalhaes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
-
SANTOS, Marcelo. Semiótica do feminino freudiano: uma mudança de hábito.
Psicanálise & Barroco em Revista, v. 8, p. 12-20, 2010.
-
SANTOS, Marcelo e RIBEIRO, Maria. O garoto da capa: castração e gozo na banca de
revistas. Comunicação e Sociedade, v. 21, p. 49-66, 2012.
-
TEIXEIRA, Marcus. A feminilidade nas dimensões Real, Simbólica e Imaginária. In:
Associação Psicanalítica de Curitiba, em Revista, nº 14, 2007, p.75-86.
-
TRINCA,Walter. Prefácio. In: Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da
cegueira por meio de Desenhos-Estórias. Amiralian, Maria Lucia Toledo Moraes.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
-
Universo Visual. Prevenção em foco, 2004. Disponível em <
http://209.85.165.104/ search?q= cache: Y9gDdt0HilAJ: www.universovisual.com. br /publisher/preview.php%3 Fedicao%3D0904%26id_mat%3D479+s%C3%A3o+paulo+ tem+milh%C3%A3o+de+deficientes+visuais&hl= pt-BR&ct=clnk&cd=9&gl=br>.
Acessado em 03 de março de 2008.
-
VERNANT, Jean-Pierre. A morte nos olhos – Figurações do Outro na Grécia Antiga:
Ártemis e Gorgó. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
NOTAS
-
1 Marcelo Santos é professor permanente do Mestrado em comunicação da Faculdade
Cásper Líbero. Contato: masmoraes@casperlibero.edu.b
-
2 A expressão, famosa, é utilizada por Freud em 1926, no texto “A questão da
análise profana”.
-
3 Por isso, a confusão de alguns e perceber a teoria freudiana enquanto um
modelo biologizante, quando ela enfoca sua abordagem na simbolização das
diferenças anatômicas (BREEN, 1998, p.13).
-
4 No panteão nórdico, Odin era o “pai universal, deus da inspiração poética,
do mistério e da magia, patrono dos guerreiros” (PAGE, 1999, p.7).
-
5 Filho de Zeus e sua primeira amante mortal, Argos herdou uma parte do
Peloponeso, batizando-a Argólida. Seu bisneto, homônimo, possuía, segundo
algumas versões, “apenas um olho, segundo outras, quatro: dois voltados para a
frente e dois para trás. A tradição mais seguida, todavia, é a de que Argos era
um verdadeiro gigante, dotado de cem olhos” (BRANDÃO, 1991, p. 115). Encarregado
por Era de vigiar Io, a bela filha de Ínaco e Mélia por quem Zeus se apaixona,
Argos é derrotado por Hermes, que o faz dormir com a flauta mágica de Pã e corta
sua cabeça (ibid.; ibid., p.610).
-
6 “Victor Hugo, em O homem que ri, refere-se à garota cega Déa como capaz de
êxtase e profunda harmonia com Deus, como se estas qualidades fossem peculiares
à cegueira” (AMIRALIAN, 1997, p. 27).
-
7 No mito de Édipo, o protagonista, sem saber, mata seu pai e casa-se com a
Mãe-coisa proibida. Ao se darem conta do ocorrido, Jocasta, a mãe, mata-se, e
Édipo fura seus olhos por não ter conseguido reconhecer a sua genitora, assim
transgredindo a necessária lei (QUINET, 2004, pp.112-114). “Sófocles [autor da
tragédia Édipo Rei] descreve a cegueira como uma condição pior que a morte, uma
autopunição para o pecado do incesto. Por outro lado, quando a vista de Tirésias
(...) é destruída pelos deuses, ele é recompensado com o dom da profecia”
(AMIRALIAN, 1997, p.26). Na Idade Média, a significação da cegueira como
punição, tal qual se passou em Édipo, tornou-se comum, associando-se a perda da
visão, a lepra, a hidrocefalia e uma série de mazelas com o pecado próprio ou
dos ascendentes; isso levou ao extermínio de muitos deficientes pela Inquisição
(CAIADO apud DALL’ACQUA, 2002, pp. 52-53).
-
8 Na mitologia grega, as três Górgonas, Medusa, Ésteno e Euríale (BRANDÃO,
1991, p. 115), “pertencem à descendência de Fórcis e Ceto, cujo nome evoca ao
mesmo tempo uma enormidade monstruosa e, no mais profundo do mar ou da terra,
abismos cavernosos” (VERNANT, 1988, pp. 65-66). Elas vivem “para além das
fronteiras do mundo, junto à Noite, no país das Hespérides de voz estridente
(...). A Górgona mortal, cujo nome é Medusa” (ibid.), petrifica aqueles que
cruzam sua face, à qual “nenhum humano pode olhar sem expirar imediatamente”
(ibid., p. 67).
-
9 Um dos Ilos citados na mitologia grega – no total são três heróis - perde a
visão ao entrar no Paládio – templo de Palas Atena – em chamas para salvar a
estatueta sagrada da deusa; como não era permitido ver o ídolo divino – a
própria Atena – Ilo fica cego (BRANDÃO, 1991, p. 606); essa é a mesma lógica da
Górgona – um mortal só pode ver o sagrado na hora de sua morte. Depois,
reconhecendo o mérito do sacrifício de seu adorador, Atena lhe restitui a visão
(ibid.).
-
10 Em Totem e Tabu, Freud (2000) sugere que nos tempos primitivos o pai chefe do
grupo, que detinha o monopólio sobre todas as mulheres, teria sido assassinado e
devorado por seus filhos, desejosos de ocupar seu lugar. Como esse pai era
também objeto de admiração, sua morte o torna ainda mais forte: ele passa a
simbolizar a culpa, o olho repressor, sempre vigilante.
-
11 Rousseau (apud MASSIP, 2001, p.207), ao tipificar os estágios de desenvolvimento da humanidade, destaca exatamente a importância do “contrato social”, a lei, na transformação do indivíduo em cidadão imprimida no estado social
-
12 Aqui, segue uma definição mais detalhada: a
acuidade visual “exprime a capacidade discriminativa de formas; ou como o
método com que se mede o reconhecimento da separação angular entre dois
pontos no espaço (isto é, distância entre eles, relacionada ao primeiro
ponto nodal do olho); ou da resolução (visual) de suas respectivas imagens
sobre a retina, relacionadas ao segundo ponto nodal do olho. Nessas
‘definições’, a primeira com ordenação psicobiológica, as outras duas
operacionais, não fica claro o que seja ‘forma’ ou ‘reconhecimento’ ou
‘resolução de imagens’. De fato, os próprios conceitos a que tais termos
ficam subordinados não são facilmente delimitados. Assim, a resolução visual
depende dos níveis diferenciais de iluminação (contrastes) entre as partes
do estímulo (por exemplo, entre as tonalidades dos traços de uma figura e as
de seu fundo)” (BICAS, 2002, p.376). Desse modo, apesar de amplamente usada,
a media da acuidade é ainda um método impreciso para aferir a capacidade
visual.
-
13 Num estudo de 1966, a OMS encontrou “mais de
65 diferentes definições de cegueira que eram usadas em vários países”
(COLEMBANDER apud DALL’ACQUA, 2002, p.77).
-
14 Nos últimos anos, a OMS “tem mostrado
preocupação com o uso de uma definição que se baseia na acuidade visual
tomada à distância e conclui que seria necessário formular uma nova
definição” (DALL’ACQUA, 2002, p.78) para diagnosticar os portadores de visão
subnormal, pautada na “utilidade da visão residual [grau de visão não
aferido numérica, mas clinicamente, por meio da percepção da luz, objetos,
dedos...] e a importância de se testar a visão de perto” (ibid.).
-
15 Por muito tempo, pessoas com baixa visão
foram erroneamente enquadradas como cegas. Relatórios do início da década de
1960 “apontavam que em torno de 60% das crianças legalmente cegas
registradas na American Printing House for the Blind apresentavam um nível
de visão que excedia à percepção de luz, o que significava que tais
crianças, embora categorizadas como cegas, percebiam mais coisas no ambiente
além da luz” (DALL’ACQUA, 2002, p.71). Em virtude da falta de uma
estimulação precoce, portadores de baixa visão tomados por cegos acabavam
por atrofiar a sua, ainda que limitada, capacidade visual. Mesmo, todavia,
quando se tinha o diagnóstico de visão subnormal, as crianças eram tratadas
como cegas, “com base na crença de que a visão se desgastava e o uso poderia
ser prejudicial à pessoa, acelerando o processo da doença ocular” (PIÑERO
apud MONTILHA, GASPARETTO e NOBRES, 2002, p.188). Hoje, novas práticas
metodológicas permitem uma maior precisão no detalhamento das perdas
visuais, possibilitando diferenciar com menos inseguranças os portadores de
visão subnormal e cegueira, e assim imprimir os procedimentos adequados
(DALL’ACQUA, 2002, pp.77-81).
-
16 Para efeito de comparação, uma pessoa com a
visão em perfeito funcionamento apresenta acuidade entre 0,3 e 1,0, e um
campo de visão que chega a até 180º (UNESP: 2007).
-
17 Com o término da II Guerra Mundial, em 1945,
a Organização das Nações Unidas, ONU, foi implementada e passou a ter como
foco de ação a temática do desenvolvimento. Até 1970, esse conceito era
definido a partir da geração de dividendos, tomando por parâmetro o Produto
Interno Bruto - PIB -, ou seja, a soma das riquezas produzidas por um país
(NEGRINE, 2007, p. 25). Com o passar dos anos, o desenvolvimento econômico
começou a ser entendido enquanto meio, e não como fim, não podendo “ser
associado automaticamente ao desenvolvimento social e cultural” (ibid., p.
31). No ano de 1990, propôs-se o Índice de Desenvolvimento Humano ― IDH ―
para aferir o estágio de qualidade de vida em um Estado, que além de
considerar o poder de compra per capita, abrange a longevidade e a educação
como parâmetros (ibid.: 40). “Não obstante, logo se verificou que a
liberdade humana e avanços no domínio cultural são itens extremamente
importantes, não contemplados no IDH. Contudo, atualmente, apenas os fatores
anteriormente citados são contemplados” (ibid., p. 41). A partir do exposto,
o termo “país em desenvolvimento”, para cujo uso não há unanimidade,
refere-se às nações possuidoras de indicadores econômicos e sociais –
normalmente, os primeiros são mais valorados - abaixo dos verificados nos
países onde há uma melhor qualidade de vida, os quais concentram 20% da
população mundial e 86% de todo PIB gerado no globo (ibid., pp. 142-146).
-
18 Se considerada apenas a cegueira e também os
adultos, o número de casos evitáveis chega a chocantes 75% (OMS, 2008).
-
19 No senso de 2000, investigaram-se as
seguintes categorias de deficiência: 1) metal permanente; 2) tetraplegia,
paraplegia ou hemiplegia permanente; 3) falta de membro ou de parte dele; 4)
incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar; 5)
incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir; 6) incapaz,
com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas. Os
sujeitos ouvidos foram considerados deficientes mesmo sem portar declaração
que comprovasse esse fato (Censo Demográfico 2000 – IBGE, 2000a).
-
20 Considerando uma população de 169.872.856
habitantes (Censo Demográfico 2000 – IBGE, 2000a).
-
21 O número é expressivo; corresponde, por
exemplo, a praticamente a população de países como a Estônia, possuidora de
1,3 milhão de habitantes (G1, São Paulo: 2007),ou a mais de quatro vezes o
número de moradores de Florianópolis, que em 2007, segundo dados do IBGE,
tinha 396.723 residentes.
-
22 Para mais informações sobre as possibilidades semióticas do olhar, ver
Nöth (1990, pp.405-406).
-
23 Nasio (1995, p 64) informa que “Lacan voltou à dialética do estádio do
espelho e assinalou que a visão da imagem do outro não basta, por si só, para
constituir a imagem do próprio corpo, caso contrário, o cego não disporia de um
eu!”. Não foi possível encontrar, entretanto, ao menos até onde esta pesquisa
conseguiu levantar, informações detalhadas sobre os “recursos” usados pelos
cegos na construção de seu ego. O que talvez valha a pena referir dentro da
bibliografia estudada, no tocante à formação egóica, é a seguinte passagem de
Bruno (1993, p.22): as crianças cegas “necessitam ter vivências corporais
significativas para poderem organizar suas ações no tempo e no espaço. A
construção da imagem corporal [ou seja, do ego] advém também da oportunidade de
relacionar-se com crianças de sua idade, para poder perceber o próprio corpo em
relação ao outro, e construir desta forma a noção de eu-outro e a noção da
permanência do objeto” (grifos meus). Logo, pode-se supor que os cegos se
utilizam de signos não visuais para construir imagens mentais, inclusive a
autoimagem.
-
24 Burlinghan (apud AMIRALIAN, 1997, p.62) afirma, por outro lado, “que o
controle da movimentação é uma forma essencial de autoproteção adotada pelos
cegos, podendo-se notar a determinação com que algumas destas crianças desde
cedo fecham este caminho”; daí, mais ainda, a necessidade de estimular a
mobilidade de portador de cegueira desde cedo.
-
25 A semiótica da face e dos gestos é exposta panoramicamente por Nöth (1990,
pp.392-404). Para mais, consultar autor.
-
26 O termo “imitação” foi usado, historicamente, na explicação dos mais diversos
tipos de comportamento humano; o filósofo francês Gabriel Tarde chegou a propor
a imitação como base de uma teoria para compreensão do desenvolvimento e das
mudanças sociais. Para Bandura (apud CARMICHAEL 1975b, pp.46-47), a palavra
“imitação” deve ser tomada como sinônimo de “identificação” ou “aprendizagem por
observação”, referindo-se às “modificações de comportamento que resultam de
exposição a estímulos que servem de modelo”.
-
27 Certamente, um critério questionável, mas o único à mão do responsável
pela pesquisa. É bom lembrar que, mesmo enevoado por uma “imprecisão subjetiva”,
tal critério é amplamente usado e foi, por exemplo, o adotado pelo IBGE no censo
demográfico realizado em 2000 pelo citado órgão.
-
28 Consiste na reprodução em áudio de obras da literatura escrita.
-
29 Este cartão também servia para que, em querendo se retirar do estudo, os
sujeitos entrevistados pudessem entrar em contato com o pesquisador. Sua
confecção foi uma sugestão e uma gentileza de uma das entrevistadas.
-
30 Para o quesito “fonte de renda”, além do salário, eram consideradas as
outras rendas da família da entrevistada: pais, marido, filhos, as pessoas com
as quais ela morava e contribuíam na renda familiar.
-
31 A palavra “música” foi um termo introduzido pelas entrevistadas para se
referir a quando não escutavam músicas através do rádio, mas por outros
equipamentos, como tocadores de discos compactos.
-
32 Nesse caso, consideram-se os 36 sujeitos pesquisados.
-
33 Palavras como rápido, veloz ou ligeiro foram tomadas por sinônimos a fim de
se fazerem as porcentagens; esse critério foi o adotado para análise
quantitativa de todas as respostas abertas.
-
34 No final do texto em questão, Machado (2001, p. 17) afirma que a atual
civilização é marcada pela hegemonia da palavra sobre a imagem; a partir do
percurso até aqui desenvolvido nesta dissertação, discorda-se, contudo, dessa
posição assumida pelo autor.
FIM
ϟ
A Autoimagem de Quem não Vê: Recepção, Produção e Mediação de Sentidos por
Mulheres Cegas numa Sociedade Visual Autor: Marcelo Santos in 'Comunicação, mídia e sociedade' (pp.169-202)
São Paulo: Editora Intermeios, 2015, v. 1, p. 169-202
fonte:
https://www.researchgate.net/publication/303988532
|