Invisible city - escultura de Anton
Parsons
-
Introdução
O autoconceito "é um construto integrador que leva a reconhecer a unidade, a
identidade pessoal e a coerência do comportamento de um indivíduo
independentemente das influências do meio ambiente" (Vaz Serra, 1986, p. 57).
A investigação no domínio do autoconceito apresenta-se controversa, devido à
coexistência de diversos termos para designar este construto, assim como de
diversas definições e consequentemente de diferentes instrumentos de avaliação.
Ao longo do seu crescimento, o indivíduo vive experiências que contribuem para
desenvolver o seu autoconceito e a sua personalidade, desenvolvimento esse que
pode ser influenciado por algumas variáveis tais como: a idade/ano escolaridade,
o sexo, e o nível sócio-económico. Para além destas variáveis, podem existir
outras que influenciem positiva ou negativamente o desenvolvimento do
autoconceito, ou seja, a existência de necessidades educativas especiais.
Sabe-se que a actividade física contribui para o desenvolvimento biopsicossocial
do indivíduo, promovendo o seu bem-estar psicológico global, o que pode
contribuir para o desenvolvimento de um autoconceito positivo no indivíduo, em
geral, e nas crianças com necessidades educativas especiais, em particular.
Neste capítulo, vamos procurar definir e delimitar o autoconceito, assim como
descrever alguns instrumentos de avaliação (mais utilizados). Analisaremos
também as diferenças no autoconceito em função da idade/ano de escolaridade, do
sexo e do nível sócio-económico, assim como a manifestação do autoconceito em
populações especiais, salientando o papel da actividade física na sua promoção e
desenvolvimento
1- Definição e delimitação
1.1- Autoconceito
A vasta produção científica realizada sobre o autoconceito, revela uma
diversidade de terminologia para denominar este construto (Martins, 1999),
tornando difícil estabelecer uma definição clara e universal do mesmo (Muller et
ai, 1988; Shavelson et ai, 1976; Wylie, 1974; 1979, in Faria & Fontaine, 1990).
Sabe-se que o estudo e o interesse pelo autoconceito remontam à época da Grécia
Antiga (Harter, 1996), no entanto, o primeiro psicólogo a desenvolver a teoria
do autoconceito foi William James (1890/1963) (Harter, 1996; Marsh & Hattie,
1996; Peixoto & Mata, 1993; Veiga, 1988), que baseou o seu trabalho na
"Psicologia do Eu" (Oliveira & Oliveira, 1996; Vaz Serra, 1986; Veiga, 1988).
James (1890, 1892) fez a distinção entre dois aspectos fundamentais do self
global: o "eu" (I) e o "mim" (me) (Harter, 1996; Peixoto & Mata, 1993). Definiu
o "eu" como agente activo e conhecedor (Harter, 1996; Marsh & Hattie, 1996;
Oliveira & Oliveira, 1996), que organiza e interpreta subjectivamente as
experiências individuais (Harter, 1996), e o "mim" como conhecedor do contexto
das experiências (Marsh & Hattie, 1996), isto é, o sujeito objecto conhecido,
alvo de auto-percepções (Peixoto & Mata, 1993), baseadas em emoções, motivações
e avaliações (Oliveira & Oliveira, 1996).
Apesar de se constatar uma distinção clara entre o "eu" e o "mim", ambos
coexistem formando o se//"(Harter, 1996), contribuindo para que o indivíduo
tenha um conhecimento sobre a sua própria pessoa (Peixoto & Mata, 1993).
Harter
(1996), refere que o "mim" foi classificado como o autoconceito, sendo definido
por James (1890, in Harter, 1996) como a soma total das auto-percepções que o
indivíduo tem de si, totalidade essa, que pode ser subdividida em constituintes
principais, que são: o self material, o self social e o self espiritual (Harter,
1996).
James (1890) alega que "para se ter um verdadeiro conhecimento do eu, é
necessário ter em conta os seus constituintes, assim como as emoções e
sentimentos por eles evocados, bem como os actos que preparam" (Wells & Marwell,
1976; in Y az Serra, 1986, p. 57).
Baldwin (1897), caracteriza o self on o "eu próprio" com base na relação com o outro.
Ele refere que " a minha noção de mim próprio desenvolve-se por imitação de ti e
a minha noção de ti desenvolve-se no sentido da minha noção de mim próprio"
(Antunes & Fontaine, 1996, p. 82).
Ao contrário de James, Cooley (1902) considera o self como uma construção social
(Harter, 1996), e este "forma-se como o reflexo das respostas e avaliações dos
que pertencem ao meio social do indivíduo" (Veiga, 1988, p. 47).
Para Cooley (1902) e Mead (1934), as auto-avaliações são avaliações reflectidas
(fenómeno de espelho), baseadas nas avaliações que os outros fazem sobre o seu
próprio comportamento específico (Vaz Serra, 1986).
De acordo com Rosenberg (1965), o autoconceito é constituído por várias
auto-imagens, que correspondem a um conjunto de percepções relativas ao próprio
sujeito, quando este se constitui como objecto da sua própria observação (Vaz
Serra, 1986).
Fitts (1972) afirma que o "autoconceito acumula ou apreende a essência de
diversas variáveis como motivos, necessidades, atitudes, valores e
personalidade, o que permite constituir uma variável mais simples e geral" (Oliveira & Oliveira,
1996; Vaz Serra, 1986, p. 58).
Shavelson, Hubner e Stanton (1976), definem o autoconceito como uma
auto-percepção que o indivíduo forma, baseada nas experiências com o meio, nas
interpretações das experiências, nas atribuições que a pessoa faz aos seus
comportamentos e nas avaliações e reforços que têm significado para o indivíduo
(Antunes & Fontaine, 1996; Marsh & Hattie, 1996; Oliveira & Oliveira, 1996; Vaz
Serra, 1986; Veiga, 1988; Vispoel, 1995). Assim, para estes autores, o
autoconceito é um construto hipotético e útil que permite explicar e predizer
como a pessoa actua nos mais diversos contextos (Marsh & Hattie, 1996).
O autoconceito, definido por Shavelson e colaboradores (1976), é caracterizado
por sete circunstâncias críticas (Faria & Fontaine, 1990; Marsh & Hattie, 1996;
Vaz Serra, 1986; Veiga, 1988), que passamos a descrever:
-
Organizado e estruturado, pois o indivíduo organiza e estrutura em categorias
específicas todas as informações obtidas através das próprias experiências,
atribuindo-lhes um certo sentido;
-
Multifacetado, o autoconceito é um conjunto de facetas específicas, que
sintetizam as experiências do sujeito e estão organizadas por áreas distintas;
-
Hierárquico, a sua organização parte de uma dimensão geral (autoconceito
geral) para as experiências individuais do sujeito em situações específicas. No
topo da hierarquia situa-se o conceito de si próprio geral, que se divide em
autoconceito académico e autoconceito não académico. Estes autoconceitos
dividem-se em áreas específicas, que por sua vez, se subdividem em facetas mais
específicas e situam-se na base da hierarquia;
-
Estável, no topo da hierarquia é mais estável, diminuindo conforme se atinge
os níveis inferiores, isto é, os níveis de situações mais específicas;
-
Desenvolvimental, à medida que o indivíduo evolui, desde a infância até à
idade adulta, o autoconceito torna-se multifacetado, diferenciado e estruturado
em diferentes domínios da experiência do indivíduo;
-
Avaliativo, o indivíduo desenvolve auto-descrições (componente descritiva) e
auto-avaliações (componente avaliativa) perante as várias situações que
vivência;
-
Diferenciável, diferencia-se de outros construtos com os quais estabelece
relações.
Wells e Marwell (1976) referem que o autoconceito é um construto hipotético,
desenvolvido a partir das vivências do indivíduo e revela-se útil para
descrever, predizer e explicar o comportamento humano, assim como para saber
como a pessoa se auto-percepciona (Vaz Serra, 1986).
Gecas (1982), define o autoconceito como " o conceito que a pessoa faz de si
própria enquanto ser físico, social e espiritual ou moral" (Veiga, 1988, p. 47).
O'Malley
e Bachman (1983) caracterizam o autoconceito como uma disposição pessoal,
duradoura, que resulta de uma auto-avaliação regulada por acontecimentos
ambientais (Veiga, 1988).
Para Gottfredson (1985), o autoconceito consiste "numa constelação de percepções
e avaliações a respeito de si próprio. Tem por isso duas dimensões: identidade
do indivíduo (conteúdos das auto-percepções) e a auto-estima (auto-avaliação e
emoções)" (Oliveira & Oliveira, 1996, pp. 150-151).
Kulik, Sledge
e Mahler (1986) entendem o autoconceito como a forma distinta como cada sujeito
se vê, e "define um enquadramento organizado com base no qual os
sujeitos podem interpretar e reconhecer o seu próprio comportamento em
interacção com o exterior social envolvente" (Senos, 1996, p. 112).
Fontaine
(1991), define o autoconceito em termos gerais e específicos. O autoconceito em
termos gerais caracteriza-se "pela percepção que o sujeito tem de si próprio", e
em termos específicos, caracteriza-se por "um conjunto de atitudes, sentimentos
e conhecimentos, acerca das capacidades, competências, aparência, aceitabilidade
social e outras características pessoais. Essas percepções formam-se através da
experiência nos vários contextos da vida em que o sujeito se move, nomeadamente
através de reforços do meio e de outros significativos" (Antunes e Fontaine,
1996, p. 82).
Faria e Fontaine (1992, p. 42) descrevem o autoconceito como "a percepção que
cada um tem de si próprio, das suas capacidades e competências em vários
domínios de existência, como por exemplo, o social, o físico, o cognitivo e o
emocional".
Para Oliveira e Oliveira (1996, p. 150), o autoconceito é "uma variável estável,
preditiva e abrangente da personalidade, incluindo uma dimensão cognitiva e
afectiva (motivos, necessidades, atitudes, valores, etc.)".
Como referimos anteriormente, não tem havido consenso quanto à terminologia para
designar este construto. Têm-se utilizado vários termos, a saber: percepção de
si-mesmo, auto-imagem, consciência de si próprio, para referir "um conjunto de
traços, de imagens e de sentimentos que o indivíduo reconhece como fazendo parte
de si mesmo, conjunto influenciado pelo ambiente e organizado de maneira mais ou
menos consciente" (L' Écuyer, 1985, in Veiga, 1995, p. 30).
Alguns autores como Engel (1965) e Bachman e 0'Malley (1977), consideram o
autoconceito como um "traço" estável, cuja estruturação está dependente da
hereditariedade (Martins, 1999), e outros destacam a influência do meio social
(Baldwin, 1897; Cooley, 1902; Gordon, 1968, Mead, 1934; Sullivan, 1953; Ziller,
1973, in Veiga, 1995), defendendo que a estruturação deste construto tem origem
nas experiências sociais (Martins, 1999; Veiga, 1995).
Face a estas duas posturas, surge uma outra que aceita "que a estabilidade do
autoconceito deve ser vista como uma mudança ordenada do que como uma constante
mutacional através do tempo (Damon & Hart, 1986; Markus & Kunda, 1986, in
Martins, 1999, p. 74).
Outra discordância entre os diversos autores situa-se na distinção entre o
autoconceito unidimensional (Coopersmith, 1967; Marx & Winne, 1978, in Correia,
1994), e o autoconceito mutidimensional (Allport, 1961; Harter, 1983, in Veiga,
1995). Os defensores do autoconceito unidimensional argumentam que as facetas do
autoconceito são fortemente dominadas por um factor geral (Marsh & Hattie,
1996), enquanto os defensores do autoconceito mutidimensional justificam que o
autoconceito é constituído por facetas específicas que condensam as experiências
do indivíduo (Faria & Fontaine, 1990).
Verifica-se, assim, uma necessidade de delimitar o autoconceito relativamente a
outros construtos afins, que frequentemente são motivo de confusão conceptual,
como por exemplo a auto-estima.
1.2-
Auto-estima
Alguns autores usam de forma indistinta os termos autoconceito e auto-estima
(Fitts, 1965; Korman, 1968, in Veiga, 1995) e outros consideram que o
autoconceito e a auto-estima são termos semelhantes (Yamamoto, 1972, in Veiga,
1995).
O autoconceito tem uma faceta afectivo-avaliativa, geralmente designada por
auto-estima (Wells & Marwell, 1976, in Veiga, 1995), que pode ser considerada
como uma atitude positiva ou negativa relativamente ao próprio sujeito
(Rosenberg, 1965, in Veiga, 1995).
Rosenberg
(1976) considera que a auto-estima é uma dimensão do autoconceito e "é entendida
como a direcção de atitude (baixa ou alta) que a pessoa tem para consigo
própria" (Veiga, 1995, p. 27).
Wells e Marwell (1976) dividem a auto-estima em dois subtipos: a auto-estima
baseada num sentido de competência, poder ou eficácia, e a auto-estima baseada
num sentido de virtude ou de valor moral:
-
"A auto-estima baseada num sentimento de competência, está intimamente ligada
à execução eficaz e aos processos de auto-atribição e de comparação social;
-
A auto-estima baseada na virtude, considerada representativa do valor pessoal,
está ligada às normas e valores respeitantes ao comportamento pessoal e
interpessoal, em termos de justiça, reciprocidade e de honra" (Vaz Serra, 1986,
p. 62).
Segundo Gécas (1982), há três motivações associadas ao autoconceito, que são:
motivação de auto-eficácia, motivação de auto-estima e a motivação de
auto-consistência. A auto-estima compreende a auto-consistência e a
auto-relevância (Vaz Serra, 1986, in Oliveira & Oliveira, 1996).
Vaz Serra (1986) refere que a auto-estima é a faceta mais importante do
autoconceito e corresponde à avaliação que o indivíduo faz sobre as suas
próprias qualidades ou desempenhos. Refere ainda que a auto-estima "é a parte
afectiva do autoconceito, em que a pessoa faz julgamentos de si próprio, em que
liga sentimentos de bom e de mau aos diferentes dados da sua própria identidade"
(Vaz Serra, 1986, p. 60).
Para Leal (1989, p. 144), a auto-estima "exprime um valor que o sujeito concede
ou atribui a si próprio".
Battle
(1992), citado por Keith e Bracken (1996), define a auto-estima como a percepção que o
sujeito tem sobre o seu próprio valor, que quando é firme, positivo e estável,
tende a resistir às possíveis mudanças.
2 - Avaliação do autoconceito
Na literatura sobre o autoconceito, tem-se observado a falta de acordo
relativamente à noção de autoconceito, o que implica também uma diversidade nas
formas de avaliação do construto (Correia, 1994; Faria & Fontaine, 1995; Veiga,
1995).
Os primeiros instrumentos de avaliação começam a surgir a partir do momento em
que o autoconceito foi conceptualizado como um construto cognitivo (Roger, 1951;
Sarbin, 1952, in Keith & Bracken, 1986).
Alguns autores que desenvolveram instrumentos de avaliação, criaram escalas que
permitiam avaliar os construtos cognitivos ou afectivos, classificados como
unidimensionais e que davam ênfase ao autoconceito global, como por exemplo a
Rosenberg Self-Esteem Scale ( RSES, Rosenberg, 1965) e o Cooper smith
Self-Esteem Inventory (CSEI, Coopersmith, 1981) (Keith & Bracken, 1996).
Outros investigadores conceptualizaram o autoconceito como um construto
comportamental e desenvolveram instrumentos de avaliação baseados em princípios
comportamentais (Boersma & Chapman, 1992; Bracken, 1992, in Keith & Bracken,
1996).
Apesar de alguns investigadores defenderem a unidimensionalidade do
autoconceito, a maioria dos teóricos aceita o autoconceito como sendo um
construto multidimensional. O desenvolvimento teórico neste domínio, conduziu
também ao desenvolvimento de muitos instrumentos de avaliação, que avaliam
simultaneamente algumas facetas do autoconceito, bem como a sua componente
global (Keith & Bracken, 1996).
Antes de 1980, a pesquisa sobre o autoconceito foi criticada, pois
verificaram-se pequenos defeitos metodológicos e instrumentos de medição
inadequados, com pouco suporte teórico (Vispoel, 1995).
A partir de 1980, as definições e os objectivos relativos ao autoconceito
mudaram consideravelmente, o que permitiu o aparecimento de novos instrumentos
de avaliação, que permitiram avaliar domínios específicos do autoconceito
(Sherrill, 1998).
O método mais usado para a avaliação do autoconceito é o questionário
autodescritivo, em que o indivíduo responde sobre o que pensa acerca de si
próprio (Veiga, 1995).
A seguir iremos descrever de forma breve alguns instrumentos de avaliação do
autoconceito mais utilizados na investigação.
2.1 -
Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES)
Foi o primeiro instrumento de avaliação do autoconceito, cuja publicação inicial
foi em 1965, sendo considerado um marco histórico no campo dos instrumentos
neste domínio (Keith & Bracken, 1996).
É um instrumento muito utilizado para avaliar a auto-estima global como
construto unidimensional. É composto por 10 perguntas, cada uma pontuada numa
escala de Guttman com valores entre 0 e 6, classificando a auto-estima em alta,
média e baixa (Keith & Bracken, 1996; Veiga, 1995).
Alguns estudos realizados por Rosenberg e por Silber e Tippett (1965)
comprovaram a validade deste instrumento (Keith & Bracken, 1996; Veiga, 1995).
2.2 -
Coopersmith Self-Esteem Inventories (CSEI)
Para Coopersmith, o autoconceito é um construto unidimensional, pois na sua
perspectiva, as crianças não são capazes de diferenciar as suas competências
específicas em vários domínios (Correia, 1994).
Com a primeira publicação em 1967, o CSEI é uma versão melhorada da "Rosenberg
Self-Esteem Scale" (Keith & Bracken, 1996).
Os itens inicialmente seleccionados, foram posteriormente reformulados e
complementados, dando origem a dois grupos: um com itens referentes à
auto-estima alta e outro com itens relativos à auto-estima baixa (Veiga, 1995).
Revisto em 1981, passou a ser composto por 50 itens, referentes à auto-estima
alta ou baixa agrupados em 4 factores (Veiga, 1995), que são: companheiros,
escola, pais e vida familiar, e si-mesmo (Keith & Bracken, 1996; Veiga, 1995).
Posteriormente foram desenvolvidos dois tipos de CSEI; um destinado a crianças
com idades compreendidas entre os 8 e os 15 anos de idade, sendo composto por 50
itens, que correspondem a subescalas do autoconceito geral, social pares, pais e
académico, e o outro para indivíduos com 16 ou mais anos, sendo constituído por
25 itens (Keith & Bracken, 1996).
2.3 -
The Piers-Harris Children s Self-Concept Scale (PHCSCS)
Publicado em 1969, o PHCSCS é um instrumento de medida do autoconceito
unidimensional, com itens referentes aos domínios comportamentais,
intelectuais/escola, aparência física/atributos, ansiedade, popularidade e
felicidade/satisfação (Keith & Bracken, 1996).
Inicialmente, este instrumento era constituído por 164 itens relacionados com os
domínios referidos anteriormente, sendo depois, reduzido para 80 itens que
reflectem o autoconceito geral. Alguns itens são formulados no sentido positivo,
outros no sentido negativo e para cada item existem duas hipóteses de resposta:
sim/ não (Veiga, 1995).
O questionário pode ser administrado individualmente ou em grupo e demora
sensivelmente 20 minutos a ser preenchido (Keith & Bracken, 1996).
Inicialmente, este instrumento media o autoconceito unidimensional. Após ter-se
verificado a existência de vários factores, houve necessidade de construir
medidas para
avaliar essas facetas específicas, que atribuem características
multidimensionais ao autoconceito (Correia, 1994).
Veiga (1995, p. 41) refere que "é um dos instrumentos de medição do autoconceito
mais merecedor de considerações no âmbito da investigação".
2.4 -
Self-Perception Profile for Children (SPPC)
Publicado pela primeira vez em 1979 e reformulado em 1982, o SPPC de Harter
inclui 6 domínios (Keith & Bracken, 1996), que constituem seis escalas, e cada
escala é constituída por 6 itens, perfazendo 36 (Faria & Fontaine, 1995). As
subescalas dividem-se em competência escolar, aceitação social, competência
atlética, aparência física, conduta/comportamento e auto-estima global (Faria &
Fontaine, 1995; Keith & Bracken, 1996; Martins, 1999).
Este instrumento é apropriado para crianças com 8 anos de idade ou mais, podendo
ser utilizado com adolescentes até ao 9o ano de escolaridade (Faria & Fontaine,
1995).
A cada item do SPPC é atribuído um valor que varia entre 1 e 4, sendo o nível 1
correspondente a um "baixo autoconceito" e o nível 4 correspondente a um
"elevado autoconceito" (Faria & Fontaine, 1995; Keith & Bracken, 1996; Senos &
Diniz, 1998).
Com este instrumento, Harter pretendeu "captar a complexidade e a
multidimensionalidade do autoconceito, cujo objectivo é avaliar as suas
diferentes dimensões, tendo em conta que os sujeitos podem percepcionar-se de
forma diferente, em diferentes domínios da sua existência, e fazem uma avaliação
global de si próprios" (Faria & Fontaine, 1995, p. 130).
2.5 -
Self-Perception Profile for Adolescents (SPPA)
O SPPA (Harter, 1998) é uma extensão do "Self-Perception Profile for Children",
partilhando os seus 6 domínios, aos quais foram acrescentados três escalas
específicas, que fazem a avaliação do adolescente nas áreas de competência no
trabalho, amizades e relações amorosas. Cada subescala tem 5 itens o que perfaz
um total de 45 itens (Keith & Bracken, 1996).
2.6 -
Self-Perception Profile for College-Students (SPPCS)
O SPPCS de Neeman e Harter (1986) é constituído pelas seguintes escalas:
competência escolar, competência atlética, aceitação escolar, competência
profissional, relações amorosas, amizades, capacidade intelectual, moralidade,
aparência e auto-estima global, perfazendo um total de 54 itens.
Neeman e Harter acrescentaram três escalas, especialmente para a população
estudante, que são: criatividade, relações com os pares e sentido de humor
(Keith & Bracken, 1996).
2.7 -
The Adult Self- Perception Scale (ASPS)
Baseado na orientação teórica e na estrutura do "Self-Perception Profile for
Children", o ASPS (Messer & Harter, 1986) é constituído por 12 subescalas, que
são: sociabilidade, competência profissional, competência desportiva, aparência
física, educar e responsabilizar-se pelos outros, moralidade, competências
domésticas, relações
íntimas, inteligência, sentido de humor, auto-estima global e cuidar dos outros
(Keith & Bracken, 1996), totalizando 50 itens.
2.8 -
Self- Description Questionnaires (SDQ)
O Self-Description Questionnaire I (SDQ I, Marsh, 1988) foi baseado no modelo
proposto por Shavelson, Hubner e Stanton (1976), sendo considerado como um
instrumento de medida multidimensional (Keith & Bracken, 1996).
Este instrumento avalia três áreas do autoconceito académico (autoconceito
verbal, matemática e assuntos escolares em geral), quatro áreas do autoconceito
não académico (autoconceito em competência física/desportiva, em aparência
física, na relação com os pares e com os pais), que fazem parte do modelo de
Shavelson e colaboradores. Posteriormente, englobou uma nova área, que foi o
autoconceito global, que avalia o autoconceito global do próprio indivíduo
(Faria & Fontaine, 1990; Keith & Bracken, 1996).
O SDQ I é constituído por 76 itens, distribuídos por 8 subescalas que
correspondem às 8 dimensões de avaliação referidas, e permite obter resultados
globais: o autoconceito total, o autoconceito académico, o autoconceito não
académico e o autoconceito global (Faria & Fontaine, 1990; Fontaine, 1991a).
Os itens são frases formuladas quer na afirmativa quer na negativa, sendo cada
item avaliado através de uma escala de Likert de 4 pontos (na versão adaptada à
população portuguesa), correspondendo o 1 ao "discordo totalmente" e o 4 ao
"concordo totalmente", passando por dois níveis de concordância ou discordância
moderada (Faria & Fontaine, 1990; Fontaine, 1991a).
O SDQ I é de fácil administração, demorando cerca de vinte minutos a ser
preenchido (Keith & Bracken, 1996) e é destinado a crianças que frequentam entre
o 4o e o 6o anos de escolaridade, podendo ser utilizado até ao 9o ano (Faria &
Fontaine, 1990).
O Self- Description Questionnaire II (SDQ II, Marsh, 1990) também foi baseado no
modelo teórico multidimensional e hierárquico do autoconceito, desenvolvido por
Shavelson, Hubner e Stanton (1976) (Keith & Bracken, 1996).
Marsh manteve as oito escalas do SDQ I, tendo dividido a escala do autoconceito
pares em duas novas escalas, pares do sexo oposto e pares do mesmo sexo, e
acrescentando ainda a estabilidade emocional e a honestidade, perfazendo um
total de 102 itens (Keith & Bracken, 1996).
Este instrumento destina-se a avaliar o autoconceito dos jovens que frequentam
desde o T até ao 10° ano de escolaridade, é de fácil administração e demora
sensivelmente 30 minutos a ser preenchido (Keith & Bracken, 1996).
Também contribuiu para o desenvolvimento da avaliação no domínio do
autoconceito, dado que é um instrumento de medida baseado num forte e
consistente modelo teórico (Keith & Bracken, 1996).
O SDQ III foi elaborado por Marsh e colaboradores (1984) e também se baseia no
modelo hierárquico e multidimensional do autoconceito de Shavelson e
colaboradores (1976) (Faria & Fontaine, 1992).
Este instrumento avalia 13 dimensões do autoconceito, que são: matemática,
língua materna, assuntos escolares em geral, aparência física, competência
física, estabilidade emocional, relação com os pais, relação com os pares do
mesmo sexo, relação com os pares do sexo oposto, honestidade/fiabilidade,
resolução de problemas,
valores espirituais/religião e uma dimensão global (Faria & Fontaine, 1992;
Vispoel, 1995).
Estas subescalas organizam-se em três dimensões do autoconceito que são: o
autoconceito académico, constituído por três subescalas específicas; o
autoconceito não académico que compreende nove subescalas específicas, e o
autoconceito global (Faria & Fontaine, 1992).
Este instrumento destina-se a avaliar o autoconceito em estudantes
universitários, que respondem a 136 itens, dos quais metade são formulados na
negativa, com a utilização de uma escala de Likert de oito pontos, que variam
entre "concordo totalmente" e "discordo totalmente" (Byrne & Gavin, 1996; Faria
& Fontaine, 1992).
3 - Diferenças em função da idade/ano de escolaridade, sexo e nível
sócio-económico
Ao longo do ciclo de vida, a criança vai tendo experiências que contribuem para
o conhecimento de si própria (Shakespeare, 1977), aumentando assim "o número de
domínios do autoconceito que cada criança é capaz de diferenciar e articular"
(Correia, 1994, p. 393).
O estudo do autoconceito é também justificado pela sua relação com outras
variáveis, como a idade/ano de escolaridade, o sexo e o nível sócio-económico,
que são variáveis "classificatórias e mediadoras do sujeito ou de controlo"
(Veiga, 1995, p. 58).
3.1 - Autoconceito e idade/ano de escolaridade
Wylie
(1979), fez uma revisão de vários estudos que relacionam o autoconceito com a
idade e verificou que não havia nenhuma relação positiva ou negativa evidente,
entre indivíduos com idades compreendidas entre os 6 e os 50 anos de idade. Esta
conclusão foi baseada em avaliações realizadas com instrumentos de avaliação do
autoconceito bem conhecidos e de qualidade. Porém, encontrou resultados que
mostravam aumento, descida ou estabilidade do autoconceito em função da idade,
mas os instrumentos de avaliação foram considerados pobres e pouco conhecidos.
Autores como Bracken (1992) e Marsh, Parker e Barnes (1985) referem que a idade
contribui muito pouco para a variância do autoconceito, sobretudo quando se
utilizam instrumentos mais sofisticados e com boas qualidades psicométricas
(Crain, 1996).
Bracken
(1992, in Crain, 1996) avaliou seis domínios específicos do autoconceito através
da Multidimensional Self-Concept Scale (MSCS, Bracken, 1982), relacionando a
idade cronológica com o nível de autoconceito e verificou que a idade não teve
qualquer efeito significativo.
Marsh (1991) afirma que existe uma relação curvilínea entre o autoconceito e a
idade, verificando-se um declínio durante a pré-adolescência, uma inversão desse
declínio durante o início ou o meio da adolescência e um aumento na fase final
da adolescência e no início da fase adulta.
Marsh (1989) sugere que o declínio do autoconceito que ocorre na
pré-adolescência é devido a "uma visão mais realista e objectiva do
autoconceito, que
ocorre como resultado da maturação cognitiva e da experiência de vida" (Crain,
1996, p. 402).
Segundo Harter e Pike (1984, in Correia, 1999, p. 393), a partir dos 4 e até aos
7 anos de idade, a criança consegue fazer julgamentos sobre a sua "competência
cognitiva, aceitação social e comportamento, ainda que estes domínios não
estejam suficientemente diferenciados", mas a partir dos 8 anos de idade a
"criança já é capaz de fazer julgamentos sobre o seu valor global e de
distinguir mais domínios específicos".
Marsh e colaboradores (1984) utilizaram o Self-Description Questionnaire I (SDQ
I) para avaliar o autoconceito em alunos que frequentavam entre o 2o e o 576°
anos de escolaridade e verificaram que existia um efeito linear da idade no
autoconceito, excepto na escala "relação com os pais" em que não se verificou
qualquer modificação, e na escala "relação com os pares", onde se verificou uma
diminuição do autoconceito entre o 2o e o 4o anos de escolaridade, aumentando no
5o ano de escolaridade (Antunes & Fontaine, 1996; Crain, 1996; Fontaine, 1991a).
A evolução do autoconceito, no início e meio da adolescência, revela uma
recuperação dos níveis anteriores do autoconceito (Antunes & Fontaine, 1996). No
entanto, para autores como McCarthy e Hobe (1982), O'Malley e Bachman (1983), a
recuperação do autoconceito começa a partir do 7o ano de escolaridade
(verificado através de estudos longitudinais), enquanto para Marsh, Parker e
Barnes (1985) esta recuperação verifica-se a partir do 9o ano de escolaridade
(Fontaine, 1991a).
Crain (1996) afirma que não há conclusões coerentes sobre o efeito da idade no
autoconceito multidimensional de crianças e adolescentes, mas verifica-se que os
domínios específicos do autoconceito podem diferir em função da idade. No
entanto, para Marsh (1989) e para Stipek (1981) não há uma idade particular para
o declínio,
mas sim uma maturação cognitiva que permite à criança e ao adolescente avaliar
as suas capacidades nos diferentes domínios de forma progressivamente mais
realista (Crain, 1996).
3.2 - Autoconceito e sexo
O sexo dos sujeitos "tem sido uma variável muito estudada em psicologia e
aparece frequentemente ligada a expectativas familiares, escolares e sociais
diferentes" (Veiga, 1995, p. 61).
Nos estudos realizados sobre a influência do sexo no autoconceito,
encontraram-se resultados que não são concordantes quanto ao modo como estas
duas variáveis estão associadas (Peixoto & Mata, 1993).
Wylie (1979) concluiu que não existiam diferenças significativas e evidentes no
autoconceito geral entre rapazes e raparigas, independentemente da idade, mas as
pesquisas actuais sugerem que os rapazes apresentam valores mais elevados de
autoconceito geral e de auto-estima, relativamente às raparigas.
E de salientar que a maior parte dos estudos revistos por Wylie (1979),
apresentavam amostras pouco significativas e grupos de diferentes culturas
(Veiga, 1995) e os instrumentos utilizados serviam para avaliar o autoconceito
numa perspectiva unidimensional (Crain, 1996).
Piers
(1984), através de estudos realizados com a "Piers-Harris Children's
Self-Concept Scale" (Piers, 1969, 1984), conclui que há diferenças de sexo,
relativamente aos domínios específicos do autoconceito, apresentando os rapazes
valores mais
elevados nas dimensões de popularidade, aparência física e ansiedade (menos
ansiosos) (Crain, 1996; Veiga, 1995).
Marsh e colaboradores, aplicaram as diferentes versões do "Self-Description
Questionnaire" (SDQ) a indivíduos com idades compreendidas entre a
pré-adolescência e o fim da adolescência (Crain, 1996), e concluíram que não há
diferenças significativas para o autoconceito geral entre os rapazes e as
raparigas (Peixoto & Mata, 1993). No entanto, observaram diferenças em certas
dimensões específicas do autoconceito (Crain, 1996; Fontaine, 1991a; Peixoto &
Mata, 1993).
Estes estudos revelaram que durante a pré-adolescência, os rapazes têm
autoconceito mais alto do que as raparigas nas áreas da matemática, autoconceito
geral, aparência física e capacidade física, enquanto as raparigas têm um
autoconceito mais alto nas áreas verbal e global (Marsh et ai, 1984; Marsh,
Relich & Smith, 1983, in Crain, 1996).
Durante a adolescência, os rapazes apresentam valores mais altos nos domínios do
autoconceito relativos à capacidade física, aparência física e matemática e as
raparigas apresentam valores mais altos nas áreas verbal, honestidade e
relacionamento compares do mesmo sexo (Crain, 1996; Fontaine, 1991a; Veiga,
1995).
Marsh et ai. (1991) utilizaram uma versão do SDQ I para crianças com idades
compreendidas entre os 5 e os 8 anos de idade e encontraram resultados muito
idênticos aos que Marsh e colaboradores obtiveram com as crianças mais velhas
(Crain, 1996).
Osborne
e LeGette (1982), usaram a "Piers-Harris Children's Self-Concept Scale", a
"Self-Concept of Ability Scale" e o "Coopersmith Self-Esteem Inventory" e
verificaram que não havia diferenças significativas no autoconceito geral em
função do sexo, contudo, os rapazes apresentam valores mais altos em domínios
mais específicos
do autoconceito,
tais como: aparência física, atributos e ansiedade (valores mais altos
correspondem a menos ansiedade), enquanto as raparigas apresentam valores mais
altos de autoconceito nos domínios específicos de comportamento e social.
"Estas diferenças nas áreas específicas do autoconceito em função do sexo
apresentam-se geralmente consistentes com os estereótipos sexuais, além de
permanecerem relativamente estáveis ao longo da adolescência" (Fontaine, 1991b;
Marsh, 1985, 1989, in Veiga, 1995, p. 64; Peixoto & Mata, 1993). Os estereótipos
sexuais sugerem que as raparigas têm mais rendimento nos conteúdos verbais e os
rapazes têm mais rendimento na matemática, o que pode justificar as diferenças
no autoconceito verbal ou académico (Almeida, 1986; Marsh et ai., in Veiga,
1995).
Os diferentes estudos realizados mostram que a grande diferença entre os dois
sexos verifica-se, essencialmente, nos domínios específicos de capacidade física
e aparência física, a favor dos rapazes. Os valores mais altos relativos à
capacidade física, justificam-se pelo facto de haver uma maior participação dos
rapazes no desporto, associado a uma grande variedade de desportos de acesso
mais fácil para eles (Crain, 1996). Os valores mais altos de aparência física,
justificam-se pelo facto das raparigas se sentirem mais insatisfeitas com a sua
aparência física do que os rapazes, na fase da adolescência (Harter, 1990, in
Crain, 1996).
3.3 - Autoconceito e nível sócio-económico
Segundo Coopersmith (1981), as pessoas pertencentes a um nível sócio-económico
alto são mais valorizadas socialmente, o que contribui para uma auto-percepção
positiva do seu valor (Peixoto & Mata, 1993). Enquanto que as pessoas
pertencentes a um nível socioeconómico baixo, têm motivos para se considerarem
com menos valor (Veiga, 1995).
Veiga (1995), refere que a maioria dos estudos realizados concluem pela
existência de níveis de autoconceito significativamente superiores nas classes
com nível sócio-económico mais elevado (Buri et ai, 1987; Fu, Hinkle &
Korsslund, 1983; Hare, 1977; Kennedy, 1975; Musitu, 1984; Olowu, 1986; Richman
et ai, 1985), outros estudos não revelaram diferenças significativas no
autoconceito em função do nível sócio-económico (Healey & DeBlassie, 1974; Long
& Henderson, 1970), e outros ainda apresentam resultados contraditórios (Wylie,
1979).
Peixoto e Mata (1993, p. 403), referem que alguns estudos revelaram que "as
crianças socialmente desfavorecidas apresentam auto-estima baixa (Ausubel &
Ausubel, 1963; Groveto, Fischer & Boudreaux, 1967, cit. Ramos da Silva, 1988) e
auto-percepções menos positivas, do que as crianças mais favorecidas
socialmente" (Soares & Soares, 1969; cit. Ramos da Silva, 1988).
Rosenberg
(1979) afirma que as crianças, os adolescentes e os adultos têm percepções
diferentes da relação do autoconceito com a classe social, sendo menor na
criança e maior no adulto. O mesmo autor baseia-se em quatro princípios, para
justificar esta diferença, que são:
-
Avaliações reflectidas: percepções de si-mesmo reflectidas nos outros. Os
sujeitos, em cujo espelho a criança se observa (pais, irmãos e companheiros),
pertencem ao mesmo status sócio-económico, pelo que esta variável não apresenta
um efeito discriminador;
-
Auto-atribuições: os êxitos pessoais para as crianças e para os
pré-adolescentes têm mais directamente a ver com o meio familiar e com as
relações estabelecidas com os companheiros e contextos, estes menos
influenciados pela classe social;
-
Comparação social: os bairros habitacionais e algumas escolas são menos
variados na classe social do que os centros de trabalho dos adultos e, por outro
lado, o ambiente interpessoal destes últimos sujeitos é, social e
economicamente, mais heterogéneo;
-
Centralidade psicológica: os interesses das crianças e dos pré-adolescentes
não incluem a classe social como ponto especialmente importante, enquanto que
nos adolescentes e sobretudo nos adultos, o status social seria bem mais central
(importante) em relação ao autoconceito" (Veiga, 1995, p. 60).
Fontaine
(1991a, 1991b) salienta que estudos realizados, centrados nas subescalas
académicas do autoconceito (SDQ I e II), também revelam resultados
contraditórios. Alguns estudos apresentam diferenças significativas a favor do
nível sócio-económico alto (Richman et a/., 1985; Veiga, 1990), outros salientam
que não se verificam diferenças significativas (Bachman & 0'Malley, 1986;
Mayurama, Rubin & Kingsbury, 1981; O'Malley & Bachman, 1979), e por último
existem estudos que apresentam valores significativos a favor dos alunos
pertencentes ao nível sócio-económico mais baixo (Marsh & Parker, 1984;
Trowbridge, 1972).
Estas contradições podem ser justificadas pelo facto de, por vezes, se
compararem escolas frequentadas maioritariamente por alunos pertencentes a um
nível sócio-económico baixo, com aquelas que são frequentadas essencialmente por
alunos pertencentes a um nível sócio-económico alto (Fontaine, 1991a).
Fontaine (1991a)
refere que não há uma relação directa entre os resultados escolares e o
autoconceito académico dos alunos pertencentes ao nível sócio-económico baixo
(que geralmente têm resultados académicos inferiores) e os alunos pertencentes
ao nível sócio-económico alto.
Marsh (1987) salienta a importância do contexto escolar para o desenvolvimento
do autoconceito, pois "a comparação com níveis de capacidade e de realização dos
colegas, em contextos referenciais com níveis de exigências desiguais, vai
reforçar o conceito académico dos sujeitos de classe baixa" (Fontaine, 1991a, p.
17).
Podemos concluir que "a compreensão das diferenças do autoconceito, entre níveis
sócio-económicos, exige ter em consideração os vários quadros de referência
utilizados no processo de comparação social que, a nível de capacidade igual,
parecem beneficiar os sujeitos de nível sócio-económico baixo, pelo menos na
adolescência" (Fontaine, 1991a, p. 17).
4 - Autoconceito em populações especiais
Numa primeira fase, o autoconceito da criança começa a ser formado no seio
familiar. Posteriormente, e quando a criança vai para a escola, a interacção com
os pares e outros agentes exteriores à família também contribuem para a formação
do autoconceito. Nesta fase, a criança com deficiência apercebe-se de que é
diferente das outras crianças, o que pode afectar o seu autoconceito (Serrill,
1998).
O progresso de um estádio de vida para outro, pode afectar o autoconceito,
porque as crianças têm que enfrentar novas expectativas sociais e ajustá-las às
suas mudanças físicas (ex. puberdade) e às suas capacidades (Serrill, 1998).
Tem havido debates educacionais relativos à inclusão de crianças com
necessidades educativas especiais (NEE), no sistema educativo regular, e ao seu
efeito no desenvolvimento do autoconceito. Sinclair e Forness (1983) concluíram
que ainda se notam efeitos negativos da inclusão, devido aos rótulos e
categorizações atribuídas aos alunos com NEE. Por outro lado, Gurney (1988)
refere que a inclusão destes alunos pode trazer influências negativas, pois
podem tornar-se mais cientes das suas limitações devido às auto-comparações com
os alunos sem NEE, e desenvolverem uma auto-estima negativa (Prout & Prout,
1996).
Correia (1999) refere que vários estudos realizados com professores do ensino
regular, permitiram concluir que estes concordam que a inclusão da criança com
NEE traz ganhos sociais consideráveis e autoconceitos mais positivos.
Dunham
e Dunham (1987) referiram que as limitações visíveis e perceptíveis das pessoas
portadoras de deficiência física, dificultam o seu envolvimento em experiências
de vida social que, consequentemente, afectam as interacções sociais. Assim,
estes indivíduos podem apresentar autoconceitos físicos e sociais negativos.
Sethil e Sen (1981) compararam a auto-estima de deficientes físicos com um grupo
de controlo sem deficiência, ambos os grupos com idades compreendidas entre os 8
e os 12 anos e com QI semelhante. Concluíram que as crianças com deficiência
física apresentam níveis de autoconceito mais altos, embora pouco
significativos, relativamente ao grupo de controlo, justificando isto com o
facto da avaliação ser baseada essencialmente no QI (Prout & Prout, 1996).
Loeb e Sarigiani (1986) compararam crianças com visão reduzida e com audição
reduzida, com crianças que não tinham qualquer deficiência (idades compreendidas
entre os 8 e os 15 anos). As crianças com audição reduzida apresentavam um
autoconceito mais baixo relativamente ao grupo de crianças sem deficiência,
enquanto as crianças com visão reduzida não apresentavam qualquer diferença
(Prout & Prout, 1996)
Meighan (1971) aplicou a "Tennessee Self-Concept Scale" a adolescentes com
deficiência visual (cegos), matriculadas em escolas para cegos, e verificou que
apresentavam níveis negativos nas dimensões básicas do autoconceito, não havendo
qualquer relação entre o bom desempenho e um autoconceito positivo (Kirk &
Gallegher, 1987).
As crianças com deficiência visual têm dificuldade em elaborar uma auto-imagem
adequada, por não terem referências visuais para se observarem e compararem com
os outros, o que as pode levar a desenvolverem autoconceitos caracterizados por
sentimentos de inferioridade e incompetência, perante a vida diária e escolar
(Gómez, Pena & Moreno, 1999).
Montenegro (1997) aplicou a escala de autoconceito de Piers-Harris a crianças
deficientes auditivas (surdas), pretendendo avaliar os seus perfis, em
comparação com crianças com audição normal. Concluiu que as crianças deficientes
auditivas apresentam valores inferiores de autoconceito, principalmente nas
subescalas de comportamento e de popularidade. Estas diferenças justificam-se
pelas dificuldades específicas de integração que podem levar ao isolamento.
Relativamente aos alunos com dificuldades de aprendizagem (DA), a maioria dos
estudos realizados, comparam-nos com alunos ditos "normais". Winne, Woodlands e
Wong (1982) não encontraram diferenças no autoconceito geral entre os alunos com
DA, os alunos normais e os alunos dotados, que frequentavam desde o 4o até ao T
ano de escolaridade, enquanto que DeFrancesco e Taylor (1985) e Hall e Richmond
(1985)
concluíram que os alunos com DA apresentam valores mais baixos no autoconceito,
relativamente aos seus pares normais (Prout & Prout, 1996).
Stone
(1984) avaliou as variáveis autoconceito, nível sócio-económico e expectativas
dos pais, em estudantes com idades compreendidas entre os 7 e os 13 anos e
categorizados com DA. Neste estudo não foram encontrados resultados
significativos relativamente à categorização DA, no entanto, a análise dos
resultados sugeriu que as expectativas dos pais podem ter maior influência no
autoconceito.
Prout e Prout (1996), referem outros estudos que relacionaram o autoconceito com
problemas de saúde e com distúrbios emocionais, estudos esses que passamos a
referir.
Brown
(1985) estudou o autoconceito em crianças com diabetes e idades compreendidas
entre os 8 e os 10 anos. Ferrari, Matthews e Barabas (1983) compararam crianças
de 6 a 12 anos de idade com diabetes e crianças com epilepsia, com um grupo de
crianças normais. Em ambos os estudos, as crianças com diabetes não apresentaram
resultados diferentes do grupo de controlo, enquanto as crianças com epilepsia
apresentavam autoconceitos mais baixos.
Lund (1987) estudou crianças com distúrbios emocionais e comportamentais que
frequentavam programas especiais, com crianças que frequentavam a escola
regular, e concluiu que as crianças com distúrbios emocionais apresentavam
valores significativamente mais baixos do que as outras crianças, relativamente
à auto-estima. Outro estudo que comparou o autoconceito de crianças normais com
o de crianças com distúrbios emocionais, com idades compreendidas entre os 8 e
os 13 anos, foi realizado por Politino e Smith (1989), que concluíram que o
grupo com distúrbios emocionais tinha um autoconceito significativamente mais
baixo do que o dos sujeitos normais.
5 - Benefícios da actividade física na promoção do autoconceito
Hoje em dia, atribui-se grande importância à prática de actividade física e
desportiva, pois acredita-se que contribui para o desenvolvimento social, físico
e psicológico dos indivíduos (Batista, 2000).
No campo do desenvolvimento humano, a psicologia tem-se preocupado em estudar o
impacto da actividade física sobre o funcionamento psicológico dos indivíduos
(Ribeiro, 1988).
A relação entre o exercício físico e os benefícios psicológicos está associada à
promoção do bem-estar psicológico, entendido como "o grau de satisfação do
indivíduo com a sua vida" (Cruz, Machado & Mota, 1996, p. 98), e pode
traduzir-se "na melhoria da auto-imagem, aumento da auto-confíança e do
auto-conhecimento; melhoria da imagem corporal e da estabilidade; alterações
positivas de humor; libertação da tensão, ira, irritação, depressão e ansiedade;
melhoria do bem-estar mental, da vigilância e da clareza do pensamento; aumento
de prazer na prática do exercício físico e nos contactos sociais" (Botelho &
Duarte, 1999, p. 5).
Alguns autores (e. g. Biddel e col., 1993; Folsom-Meek, 1991; Melnick &
Mookerjee, 1991) defendem que "os benefícios da actividade física podem ser
notados no autoconceito, na auto-estima, na personalidade, na confiança, na
imagem corporal e no ajustamento social, induzindo assim, a alterações de
comportamento" (Batista, 2000, p.9).
Cruz, Machado e Mota (1996), referem que alguns estudos longitudinais realizados
indicam que o exercício físico provoca melhorias significativas no autoconceito,
como por exemplo, o estudo realizado por Plante e Rodin (1990), que
permitiu verificar que o exercício físico melhora o humor e o bem-estar
psicológico, assim como a auto-estima e o autoconceito.
Wilfley e Kunce (1986) realizaram uma experiência em que 83 adultos normais
foram submetidos a um programa de exercício individual durante oito semanas. No
final de experiência tinha havido ganhos significativos em características
psicológicas tais como persistência, autoconceito físico e redução da tensão
psicológica (Ribeiro, 1988).
Plummer e Koh (1987) implementaram um programa de exercício aeróbico, com 116
mulheres, durante 10 semanas, utilizando outras 117 mulheres como grupo de
controlo, com o objectivo de verificar o impacto no autoconceito. Os autores
concluíram que a participação na actividade aeróbica aumentou o autoconceito de
forma significativamente maior do que no grupo de controlo (Ribeiro, 1988).
Como já foi referido neste capítulo, a auto-estima é a componente avaliativa ou
afectiva do autoconceito, e está relacionada com os julgamentos que o indivíduo
faz de si próprio (Vaz Serra, 1986).
A auto-estima está dependente da satisfação com a imagem corporal, sendo assim,
dominada pela aparência física (Batista, 2000). O interesse pela aparência
física aumenta na fase da adolescência, período este marcado por mudanças
físicas significativas (Rego, 1998).
Segundo Cruz et ai (1996, p. 106), os resultados de uma análise efectuada sobre
exercícios e o desenvolvimento da auto-estima nas crianças, sugeriram que "os
jogos dirigidos ou os programas de educação física, isoladamente ou em grupo,
contribuíam para o desenvolvimento da auto-estima das crianças".
A prática desportiva pode ser encarada como um meio para melhorar a vida das
crianças com NEE, quer em termos de reabilitação, quer em termos integradores,
assim
como contribuir para melhorar a saúde e o autoconceito (Prat, 1998; Willis &
Campbell, 1992).
Outro aspecto importante está relacionado com o contributo da prática desportiva
para estabelecer inter e intra-relações de solidariedade e companheirismo,
contribuindo para o desenvolvimento social e para melhorar o autoconceito do
indivíduo (Moura e Castro, 1996).
Gruber (1986) concluiu que em 53 dos 65 estudos revistos, a actividade física
contribuiu para o desenvolvimento do domínio afectivo e que os programas de
educação física contribuem para desenvolver o autoconceito das crianças.
Observou também que as crianças com NEE mostravam maiores ganhos no autoconceito
do que as crianças normais, talvez pela riqueza dos programas que incutiam a
importância do sucesso (Willis & Campbell, 1992).
O aumento da participação nos eventos competitivos, por parte das pessoas com
deficiência, revela que estas estão a descobrir os benefícios emocionais e
mentais do desporto. No entanto, ainda existe pouca informação disponível sobre
a influência e benefícios do desporto nos aspectos psicológicos do indivíduo
(Willis & Campbell, 1992).
Quase todas as pesquisas relacionadas com atletas deficientes revelam que estes
têm auto-percepções e auto-avaliações iguais ou superiores às dos atletas sem
deficiência, assim como apresentam um autoconceito superior relativamente
àqueles deficientes que não praticam desporto (Sherrill, 1998).
Baseados em pesquisas e estudos sobre o autoconceito, Hutzler e Bar-Eli (1993),
concluíram que houve modificações significativas nos níveis de autoconceito das
pessoas com deficiência, após terem participado em programas desportivos.
Concluíram, também, que as pessoas deficientes que praticam desporto, apresentam
valores mais altos de autoconceito relativamente aos indivíduos normais que não
praticam desporto (Serrill, 1998).
Um estudo comparativo entre deficientes que praticavam desporto com um grupo de
deficientes não atletas, mostrou que o primeiro grupo apresentou níveis mais
altos de auto-estima, nomeadamente de felicidade e de satisfação com a vida
(Valliant, Bezzubyk, Daley & Asu, 1985, in Willis & Campbell, 1992).
Os benefícios do exercício e da actividade física parecem ser evidentes,
principalmente pelo impacto positivo no desenvolvimento da auto-estima e do
autoconceito quer nas populações especiais, quer na população em geral (Cruz,
Machado & Mota, 1996).
Conclusão
De um modo simples, pode definir-se o autoconceito como a percepção que um
indivíduo tem de si nas mais variadas facetas, sejam elas de natureza social,
emocional, física ou académica, sendo caracterizado por sete circunstâncias
críticas: organizado e estruturado, multifacetado, hierárquico, estável,
desenvolvimental, avaliativo e diferenciável.
A auto-estima é a faceta avaliativa ou afectiva do autoconceito.
O desenvolvimento e aprofundamento teórico do autoconceito levou também à
evolução dos instrumentos de avaliação. Os primeiros instrumentos avaliavam o
autoconceito como um construto unidimensional, dando maior ênfase ao
autoconceito geral, enquanto que os instrumentos mais actuais avaliam o
autoconceito
multidimensional,
atribuindo também valores às diferentes facetas que constituem o autoconceito
geral.
O estudo do autoconceito também é justificado pela sua relação com outras
variáveis como a idade/ano de escolaridade, sexo e nível sócio-económico.
Relativamente à influência da idade no autoconceito geral, não se verificam
conclusões uniformes, no entanto, podem verificar-se modificações em função da
idade em alguns domínios específicos do autoconceito.
Os diferentes estudos mostram que não há grandes diferenças no autoconceito
geral em função do sexo, mas verificam-se diferenças em domínios específicos,
como a aparência física e a capacidade física, a favor dos rapazes e o domínio
verbal e social a favor das raparigas.
Os resultados dos estudos realizados sobre a influência do nível sócio-económico
no autoconceito geral e no autoconceito académico, são contraditórios. Alguns
estudos apresentam diferenças significativas a favor do nível sócio-económico
alto, outros mostram que não há diferenças significativas e outros ainda
favorecem o nível sócio-económico baixo.
As crianças com NEE, geralmente, apresentam níveis de autoconceito mais baixos
que os seu pares ditos "normais". Alguns estudos mostram que os níveis de
autoconceito diferem em função das categorias das crianças com NEE que são
comparadas nos em estudos, por exemplo, as crianças com audição reduzida têm
autoconceito mais baixo relativamente às crianças com visão reduzida. Outros
estudos permitem concluir que as crianças com NEE que frequentam programas
específicos de educação, apresentam níveis mais baixos de autoconceito,
relativamente àquelas que estão incluídas nas escolas regulares.
A actividade física contribui para o desenvolvimento social, físico e
psicológico do ser humano. A maior parte dos estudos realizados, permitem
concluir que a actividade física contribui para melhorar a imagem corporal, a
auto-estima e consequentemente o autoconceito, da população em geral e das
crianças com NEE em particular, quer estejam sujeitas a programas desportivos ou
a programas de educação física.
Podemos concluir, que a prática desportiva deve fazer parte do dia-a-dia das
crianças com NEE, como meio para desenvolver e /ou reforçar o seu autoconceito
geral e as suas dimensões específicas, contribuindo assim para fomentar e
estruturar a sua personalidade.
No capítulo seguinte apresentaremos um estudo empírico que tem como objectivo
comparar o autoconceito, numa perspectiva multidimensional, entre alunos com NEE
e os seus pares "normais", relacionando também o autoconceito com o sucesso
escolar e com a prática de actividade física.
FIM
ϟ
Autoconceito: Definição e Delimitação, Avaliação e Manifestação em Populações
Especiais
Capítulo III da obra
ESTUDO COMPARATIVO DO AUTOCONCEITO EM ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCATIVAS ESPECIAIS
Maria Helena Almeida Figueiredo
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
da Universidade do Porto, para obtenção do grau de mestre em Ciências do
Desporto, área de Actividade Física Adaptada,
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
UNIVERSIDADE DO PORTO
2000
obra integral pdf:
https://repositorio-aberto.up.pt/
http://hdl.handle.net/10216/9901
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