

Cegos nas ruas de Lisboa - fotografia de
Jorge Rodrigues, 1976
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Resumo | A alfabetização de cegos adultos: A pessoa que perde a visão na idade adulta, necessita aprender o
sistema braille para poder aceder à leitura e escrita e assim potenciar a sua
autonomia. As peculiaridades do código braille e os processos cognitivos
envolvidos na sua aprendizagem fundamentam as metodologias a serem usadas no
ensino do sistema braille e abordá-los-emos neste trabalho. Refletiremos, ainda,
sobre a ação complementar das novas tecnologias relativamente ao braille e sobre
a necessidade de se criar um ambiente inclusivo, no qual o sujeito que aprende
perspetive justificação para o seu investimento na aprendizagem do código.
Introdução
O sistema braille é o meio natural de leitura das pessoas cegas ou com
deficiência visual grave. O sistema braille confere às pessoas que o usam
vantagens no incremento de sua autonomia, dado que pode potenciar o seu acesso
ao mercado de trabalho, a organização de sua vida doméstica através da
etiquetagem de objetos, leitura das embalagens de medicamentos, consulta de
mapas, etc. Estas e outras vantagens justificam plenamente a necessidade da
aprendizagem do sistema braille pelas pessoas com deficiência visual e
abordaremos seguidamente as metodologias para ensino do mesmo na idade adulta.
1. Pré-requisitos para a aprendizagem do Braille
Para aprender o braille a pessoa necessita ter uma estabilidade emocional e
motivação suficientes para iniciar o processo e o sentido áptico minimamente
desenvolvido para poder ler. Quando a pessoa perde a visão, sofre uma
perturbação de ânimo que pode fazer com que não se interesse por aprender algo
novo ou reduza as suas expectativas de ser capaz de o aprender. É necessário
proceder ao reajuste emocional da pessoa e, logo que seja possível iniciar a
aprendizagem do braille, manter-lhe um bom nível de motivação, através do
estabelecimento de objetivos de aprendizagem claros, desafiantes e alcançáveis,
considerando o progresso do sujeito na aprendizagem. O sentido áptico
(combinação do sentido do tato com o cinestésico), deve ser estimulado e
desenvolvido através da perceção de um conjunto de texturas variadas e do
contacto com sequências de sinais braille, nas quais o sujeito deverá captar
diferenças de forma e de distância entre pontos.
2. Aprendizagem da Leitura e Escrita
Estas aprendizagens deverão realizar-se em simultâneos, do simples para o
complexo, com a flexibilidade necessária para se adaptarem às características do
aluno e com conteúdos significativos para o mesmo, a fim de aumentar a
motivação.
2.1. Interiorização da Célula Braille
Num primeiro momento apresenta-se ao aluno a célula braille e posteriormente
ele responderá a uma série de questões relativas a posição de cada ponto face
aos demais, considerando as direções esquerda-direita e acima-abaixo.
2.2. A Leitura
Apresenta-se ao aluno um pequeno conjunto de letras com as quais se possa
formar um número razoável de palavras. Pede-se ao aluno que associe a cada 91
símbolo braille uma imagem mental que o mesmo lhe sugira, a fim de reforçar a
sua memorização. Estas primeiras palavras deverão ter menos de 7 letras para
respeitar a amplitude da memória de trabalho. Neste conjunto deverá evitar-se a
presença de letras simétricas, por gerarem confusão em muitos alunos
(Martínez-Liébana et al., 2004, p. 53; Sendín et al., 2015, p. 335). À medida
que o número de letras aprendidas o permita, o aluno lerá pequenas frases e
depois textos, escolhidos de acordo com os seus interesses para fomentar a
motivação. O material para leitura será apresentado inicialmente em linha
escrita seguida de linha em branco, numa segunda fase em duas linhas escritas e
uma em branco e finalmente sem linhas em branco. A leitura deve ser bimanual,
com os dedos indicadores, com movimento horizontal e a pressão mínima sobre os
pontos. A mão esquerda lerá até certo ponto da linha, lendo a mão direita o
resto da mesma enquanto a esquerda retrocede e se posiciona no início da linha
seguinte (Sendín et al., 2015, p. 356).
2.3. A Escrita
Após lidas as primeiras palavras, o aluno escreve repetidamente na máquina
perkins as mesmas para facilitar a formação de um esquema motor para cada letra
que, com a continuação da prática, se ativará quase automaticamente. Depois de
exercícios de escrita de palavras, passar-se-á para a escrita de frases e
posteriormente de textos, ditados pelo formador ou criados pelo aluno.
3. Papel da Tecnologia na Aprendizagem do Braille
O uso de uma linha braille pode constituir um fator motivador na aprendizagem
do sistema braille, dado que permite ao aluno beneficiar das potencialidades do
92 processamento de texto, ter acesso a informação em maior quantidade e
diversidade e perspetivar as vantagens que poderá ter com o seu uso no âmbito
laboral. O formador, utilizando um computador e uma impressora braille, pode
mais facilmente disponibilizar material impresso, com conteúdos e disposição do
texto mais ajustados às necessidades e interesses do aluno.
4. O Ambiente Como Incentivo Para Aprender o Braille
Um poderoso estímulo para a aquisição de conhecimento é ter a expectativa de
o vir a aplicar o mais plenamente possível. Algumas pessoas cegas encontram na
possibilidade de lerem os rótulos dos medicamentos uma justificação suficiente
para o investimento na aprendizagem do braille. Pensamos, contudo, que o
ambiente deve oferecer mais conteúdos e meios para se ler braille. Necessitam-se
muitos mais livros transcritos em braille, maior disponibilidade das bibliotecas
para oferecer livros impressos em interlinhas para as pessoas com mais
dificuldades de leitura, todas as embalagens de produtos com uma identificação
mínima em braille, linhas braille menos onerosas e com reparação mais célere,
etc. etc.
Referências bibliográficas
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Martínez-Liébana, I. y Chacón, D. P. (2004).
Guía didáctica para la
lectoescritura braille. Madrid. ONCE.
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Sendín, A. M. A., Pedroche, I. A., Ponce,
J. B., Pérez, A. M. D., Labrador, M. V. D., Esteban, M. Á. F., Álvarez, L. B.
G., Martín, A. H., López, M. D. L., Fernández, E. M., Riazuelo, A. G. M.,
Chantres, P. M., Fiol, L. N., Hernando, F. O., Moralo, M. Á. Q., Flores, C. R.,
Sánchez, P. S., Domínguez, M. T. T., Rodrigo, I. V. (2015). La didáctica del
braille más allá del código. Madrid. ONCE.
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Aprender Braille Rumo a Maior Autonomia
autor: Carlos Bastardo | Fundação Raquel e Martin Sain
in A Didática do Braille – Compilação das comunicações apresentadas no
Seminário comemorativo do Dia Mundial do Braille de 2020
Núcleo para o
Braille e Meios Complementares de Leitura
Editor: Instituto Nacional para a
Reabilitação I.P.
2021
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