Ξ  

 

 Sobre a Deficiência Visual


Simulações do Olhar de Pintores Doentes

Monet | Degas | Renoir | Mary Cassat | Pissarro | Van Gogh

Guy Gugliotta
 

Monet - La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924         Monet - La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924
La Maison vue du Jardin aux Roses: Monet, 1922-1924 (olho com catarata)


Para Claude Monet, 1912-1922 foi uma década divisora de águas. Ele talvez tenha sido o artista mais bem-sucedido de seu tempo, e a sua genialidade já tinha lhe assegurado um lugar na história.

Mas à medida que envelhecia, as suas pinturas notadamente perderam a sutileza. As pinceladas tornaram-se mais bruscas, as cores mais fortemente azuis, laranjas ou acastanhadas. Suas imagens perderam detalhe e se misturavam. Seus dias como rebelde de vanguarda tinham passado, mas alguns críticos posteriormente se perguntariam se o impressionista estava repentinamente tentando se tornar um expressionista abstrato.

O que há muito se sabe sobre os últimos anos de Monet é que ele sofria de catarata e que a sua visão piorou tanto que ele pintava de memória. Ele reconheceu a um entrevistador que confiava “apenas nos rótulos dos tubos de tinta e na força do hábito”.

Agora, graças a técnicas digitais modernas, cientistas e críticos podem ter uma idéia melhor de como a catarata mudou o que Monet via. Este ano, um oftalmologista de Stanford, Michael F. Marmor, descreveu no “The Archives of Ophthalmology” a criação de simulações de computador do mundo de Monet à medida que a sua visão se tornava opaca, tornando-se esborratada e transformando padrões de cor e luz em manchas turvas, sem foco, amarelo-esverdeadas.
 

A Ponte Japonesa - Monet

versões de A Ponte Japonesa - Monet

  

1. À esquerda 'Le Pont Japonais' no seu jardim em Giverny, perto de Paris, pintada em 1899.

2. Ao centro a mesma cena capturada entre 1918 e 1924, mostra que as cataratas lhe tinham já enevoado e amarelecido a visão, impedindo a percepção do azul e do verde, imergindo-o num mundo lamacento de vermelhos e castanhos.

3. À direita vê-se uma imagem - recriada por Marmor - representando aquilo que Monet realmente via, enquanto re-pintava aquele motivo, entre 1918 and 1924 - uma visão esborratada, com padrões de cor e luz transformados em borrões de tinta turvos, desfocados, amarelo-esverdeados.


Apesar de ser impossível saber como Monet queria as que suas telas ficassem, a pesquisa de Marmor sugere que o entendimento de sua enfermidade física pode ajudar a avaliar o seu trabalho. Independentemente de qual fosse a intenção de Monet, seus olhos forneciam pouca ajuda. “Ele não podia julgar o que estava vendo ou ver o que estava pintando”, disse Marmor. “É um mistério como ele trabalhava.”

Monet não foi o único. A França no final do século 19 e início do século 20 contou com um grande número de artistas importantes que enfrentaram sérias deficiências físicas - às vezes por décadas. Edgar Degas, conhecido por suas pinturas de nus e bailarinas, sofreu de degeneração macular, um mal na retina, durante quase metade de sua vida. Quando morreu em 1917, o seu colega Pierre-Auguste Renoir disse: “Qualquer morte concebível é melhor para ele do que viver da forma como estava”.
 


Duas bailarinas em amarelo e rosa - Edgar Degas, 1910


Renoir sofreu de uma dolorosa artrite reumatóide durante mais de 30 anos, continuando a pintar com a ajuda de assistentes que inseriam os pincéis entre os seus dedos retorcidos.
 


Pierre Auguste Renoir


Mary Cassatt, tal como Monet, tinha cataratas. Camille Pissarro tinha problemas no canal lacrimal. Ataques e outras desordens nervosas torturaram e finalmente destruíram Vincent Van Gogh. Ao longo dos anos, Marmor e outros cientistas estudaram artistas em busca de um entendimento da influência da condição física no estilo e percepção. “Era difícil para eles julgar se sua arte estava atingindo o que pretendiam”, disse Marmor.

Para alguns, a doença encerrou a carreira. A cirurgia de catarata era possível no início dos anos 1900, mas nem sempre funcionava.


As cataratas forçaram Mary Cassatt a parar de trabalhar anos antes da sua morte em 1926. Pintou ''Young Mother Sewing''  em 1900.
 

“Eu aguardo com horror a escuridão completa”, escreveu Cassatt em 1919, temendo que uma operação em seu olho esquerdo seria “um fracasso tão grande quanto a última”. Realmente foi e ela parou de pintar.

Renoir sofreu seu primeiro ataque de artrite em 1888 e com o tempo sua capacidade motora foi comprometida. Ao longo do restante de sua vida, a artrite deformou progressivamente suas mãos e inchou suas juntas. “É demasiado doloroso vê-lo pela manhã”, escreveu Julie Manet, uma sobrinha de Edouard Manet. “Ele não tem força para virar uma maçaneta.”

Uma biógrafa de Renoir, a historiadora de arte Barbara Ehrlich White, escreveu em uma mensagem por e-mail: “Devido às suas incapacidades físicas”, Renoir “teve que mudar, tornar-se menos detalhista e mais solto. Ele continuou pintando até o dia em que morreu, mas devido ao seu problema, seus últimos trabalhos não chegavam perto do brilhantismo de suas pinturas anteriores”.

Para artistas com problemas nos olhos, talvez seja surpreendente que enfermidades não mudem seus estilos de forma mais radical. Uma chave, disseram alguns especialistas, pode ser que apesar das percepções dos artistas poderem ser influenciadas por limitações físicas, elas também são formadas pelo que os artistas sabem e o que querem fazer.

“A maioria de nós está em modo foto instantânea”, disse John Elderfield, curador chefe de pintura e escultura do Museu de Arte Moderna. “Mas a capacidade de traduzir memória visual em um meio diferente é outra coisa. Monet pintava há 50 anos quando teve cataratas. É claro que pintava de memória. Ele pintava a partir da memória de toda sua vida.”

É fácil ver o contraste de estilo. No quinto andar do Museu de Arte Moderna, um conjunto de três telas de ninféias de Monet estão distribuídas pela parede em uma homenagem ao artista no auge de seu brilhantismo. De um lado está uma pintura da ponte japonesa em Giverny do início dos anos 20, quando a catarata de Monet estava no pior estado. É uma mistura perturbadora de vermelhos escuros e marrons, mais escuros do que as ninféias, mas igualmente cativamente em sua intensidade.

Monet, apavorado com o exemplo de Cassatt, adiou a cirurgia, mas finalmente teve um olho operado com sucesso em 1923. Sua última pintura antes de sua morte, três anos depois, lembrava seus trabalhos iniciais. Ele também destruiu muitas telas do período da catarata, mas não se sabe se elas o surpreenderam. Ele também destruiu pinturas em outras ocasiões, em acessos de irritação.

Degas primeiro notou problemas nos olhos quando era membro da guarda nacional na Guerra Franco-Prussiana em 1870-1871, quando não conseguia mirar seu rifle por causa de um ponto cego em seu olho direito. Em 1890, seu olho esquerdo também começou a se deteriorar. A luz cegava-o. Ele tentava usar a visão periférica para compensar a perda da visão central.

Marmor usou simulações de computador para avaliar o problema. A doença na retina, diferente da catarata, não causa grandes problemas com a percepção das cores. Mas Degas tinha a visão esborratada, afetando a sua capacidade de perceber forma e linha.
 

Degas: imagens A B C e D E F


A - Edgar Degas, “Mulher a pentear-se”  (1886)

B - Edgar Degas, “Depois do banho, mulher a secar-se” (1889)

C - Edgar Degas,  “Mulher a secar o cabelo”  (1905)


D - E - F  Simulações:

Marmor recriou digitalmente, em computador com acuidade visual de 20/50, 20/200 e finalmente de 20/400 os mesmos 3 quadros - para replicar o que Degas teria efectivamente visto, à medida que a sua doença progredia.
 

Um oftalmologista em Toledo, Ohio, o dr. James G. Ravin, que colaborou com Marmor no passado, sugeriu que o retorno de Degas ao pastel e o seu interesse pela escultura podem ter surgido da busca por um meio mais fácil de controlar.

As simulações mostraram que o desenho se tornou menos detalhado e as sombras se tornaram mais brutais à medida que a visão de Degas se deteriorava. Mesmo assim, disse Marmor, o seu trabalho parecia-lhe provavelmente mais suave do que realmente era.

Um historiador de arte e um estudioso de Degas que lecionava na Columbia, Theodore F. Reff, escreveu numa entrevista por e-mail que o problema na retina foi um fator importante no estilo posterior de Degas. “Amargura e crescente isolamento”, causados em parte pela doença, podem tê-lo levado a “pintar, desenhar e esculpir de forma mais brusca e sucinta”, disse Reff. Mas a doença nos olhos de forma alguma comprometeu sua arte, ele acrescentou. “O que seu desenho perdeu em plenitude de descrição realista e refinamento de execução, ganhou em grandeza e expressão.”

Pissarro, que nos últimos 15 anos sofreu de infecção crónica no saco lacrimal de seu olho direito, tinha dificuldade de pintar ao ar livre, particularmente no inverno.

“Mas há um certo elemento de ‘eu não vou parar o que quero fazer’”, disse um bisneto do artista, Joachim Pissarro, um historiador de arte do Hunter College. “Você não quer analisar demais o impacto.”
 


Pissarro (1898): L'Avenue de l'Opéra. Effet de neige. Matin.
 

De facto, as paisagens urbanas de Pissarro de Rouen e Paris, consideradas como obras-primas, foram pintadas em interiores, atrás de uma janela, para proteger seus olhos.

A idéia de que a doença e suas conseqüências poderiam conduzir um artista por caminhos frutíferos gerou grande interesse em Van Gogh. Seu suicídio aos 37 anos após ataques e crises nervosas atribuídas de forma diversa à epilepsia, bipolaridade, esquizofrenia e abuso de substâncias.

Marmor rejeitou a especulação de que a afinidade de Van Gogh pelo amarelo em suas pinturas veio da “visão amarelada”, causada pelo uso de dedaleira para o tratamento da suposta epilepsia. “Ele não poderia tomar uma quantidade suficiente para ter tal efeito”, disse Marmor. “É tóxica demais. Ele adorou o amarelo em toda a sua carreira.”
 


Vincent van Gogh estava internado numa instituição em St. Rémy, quando pintou ''Champ de Blé derrière l'Hôpital Saint-Paul. (1889)


Um bioquímico da Universidade do Kansas, Wilfred N. Arnold, também rejeitou as teorias de que a “loucura” resultou em um artista melhor. Arnold sugeriu que Van Gogh sofria de um mal metabólico congênito centrado no fígado, porfiria intermitente aguda, que pode provocar transtornos episódicos, depressão, alucinações, incapacidade e dores abdominais. Entre as crises, Van Gogh se comportava normalmente e pintava espetacularmente, disse Arnold, mas quando teve uma crise, ele desejou a morte.

FIM

 

ϟ


Simulations of Ailing Artists’ Eyes Yield New Insights on Style
artigo de GUY GUGLIOTTA
New York Times | 4-12-2007
"Simulações do olhar de pintores doentes produzem novo entendimento da obra" - GUY GUGLIOTTA
Fonte da tradução: Blog Controversia

 



Δ

Jun.2010|Nov.2013
Publicado por MJA