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-excerto-
Ilustração de Burgess Sharrocks para a
1.ª edição inglesa de 'Os Sete e o Violino Roubado'
... Uma voz fez com que os Sete dessem um pulo com o susto. Viram então um homem que avançava
para eles. Era um indivíduo alto e forte, com o cabelo muito escuro. Os seus olhos eram exactamente iguais aos do Benny. Só podia ser o Lúcio Bolan e parecia muito
zangado.― Dêem-me cá isso! A intrometerem-se desta maneira! Eu dou-vos um puxão de orelhas a todos!
― O senhor é que é o Lúcio Bolan?
― perguntou o Pedro. ― Este violino não foi roubado da loja de antiguidades?
Ouviu-se um grito por trás deles e a senhora Bolan apareceu a correr, vinda da
caravana, com o Benny atrás dela.― Lúcio! Lúcio! Deixa essas crianças em paz! Não te atrevas a fazer-lhes mal. Ah, olha só, agora encontraram o violino! ― E para grande desânimo das crianças, tapou a
cara com as mãos e começou a soluçar. O Benny também começou a chorar, amedrontado, puxando a saia da mãe.
O Lúcio tirou abruptamente o violino das mãos do
Pedro e segurou-o no ar como se fosse atirá-lo para o chão. Mas a senhora Bolan segurou-lhe no braço.
― Não, Lúcio, não. Isso só vai piorar as coisas. O que
é que vocês, crianças, sabem sobre isto? Como é que descobriram?
― É uma história muito longa ― disse o Pedro. Mas aqui o Carlos viu o seu marido partir o
vidro da montra e roubar o violino, e viu também que ele trazia a roupa do velho espantalho. Lamento, mas vimos essas mesmas roupas penduradas na vossa caravana. E agora,
como é evidente, encontrámos o violino!
― Ah, Lúcio, Lúcio, o que é que nos fizeste? ― choramingou a senhora Bolan. ― Vais para a prisão, é certo e sabido, e depois
o que é que vai ser de mim e dos miúdos? As nossas coisas arderam e eu vou ficar sozinha com o bebé e o pobre Benny!
O Lúcio abraçou a mulher,
parecendo muito preocupado. A senhora Bolan lançou um olhar às crianças.
― Eu ia devolver o violino à loja esta manhã! Sim, eu ia fazer isso e aqui o Lúcio
vai confirmar o que estou a dizer. Não sabíamos que era tão valioso! O Lúcio pensou que parecia tão velho que não devia valer muito!
― Estou a ver ― disse o Pedro, com um ar compreensivo. ― Realmente, o violino tem um aspecto muito velho. Mas será que o Lúcio não viu a explicação que estava
na montra, mesmo ao lado do violino?
― Pois vi ― disse o Lúcio -, mas aquilo não significava nada para mim.
― O Lúcio não sabe ler ― explicou a
senhora Bolan, limpando os olhos. ― Nunca foi à escola. Viveu numa caravana quando era criança, e não ficava em sítio nenhum o tempo suficiente para ir à escola. Se ele
tivesse lido a explicação e percebido como o violino era antigo, nunca o teria tirado, pois não, Lúcio?
― Não tinha, não ― afirmou o Lúcio. ― Nunca pensei
que valesse mais do que uns euros, mas nem sequer tinha esse dinheiro depois do incêndio da cabana. Tencionava pagá-lo mais tarde, mas precisava tanto dele!
― Porquê? Só porque o seu banjo ardeu no incêndio?
― perguntou o Carlos, com desprezo.
― Banjo? Não dei muita importância a isso! ― disse o Lúcio,
surpreendido. ― Posso sempre pedir um emprestado. Era para o Benny que eu queria o violino.
― Para o Benny! Mas ele não sabe tocar violino! gritou a
Joaninha, espantada.― Benny, meu querido, queres tocar um pouco para nós ouvirmos? ― pediu a senhora Bolan, debruçando-se sobre o rapazinho. Este não percebia nada do que se passava e
continuava muito assustado. Porque é que a sua mãe estaria a chorar?
O Lúcio tirou o violino do carrinho de bebé, onde o tinha deixado quando fora
reconfortar a mulher. Entregou-o nas mãozinhas impacientes do rapazinho. As pequenas mãos do Benny pareceram ganhar vida quando sentiram o violino.
O miúdo
afastou-se um pouco e manteve-se de costas voltadas para eles. Colocou o violino sob o queixo e levantou o arco. E, então, ouviu-se de novo aquele estranho ”gemido”,
maravilhoso e irreal, que os rapazes tinham ouvido na noite anterior. Não era uma melodia; apenas um conjunto de sons muito belos, como se o Benny expressasse por música
os seus pensamentos.”Está a tocar para ele próprio, tal como o melro canta só para ele”, pensou a Joaninha.
― Não, não, Benny, toca antes A
Dança da Arvore da Primavera ― pediu a mãe. ― Não toques as tuas músicas!
E, logo de imediato, o rapaz começou a tocar uma canção muito
alegre, que as crianças nunca tinham ouvido. Era animada, rápida, surpreendente. Os jovens estavam maravilhados.
O miúdo afastou-se um
pouco e manteve-se de costas voltadas para eles.
A senhora Bolan sorriu.
― É uma velha canção cigana. O Benny sabe tocá-las todas! Meu querido
Benny! Nunca o tinham ouvido tocar, pois não? Ele...
― Bom, de facto, ouvimo-lo tocar ontem à noite disse o Pedro. ― E o velho Matias já o ouvira na noite
anterior. Mas ele só tocou aquela música tipo ”gemido” e o pastor ficou surpreendido e contou-nos tudo.
― Por isso, viemos aqui ontem à noite, para ver se
conseguíamos ouvir os tais ”gemidos” ― disse o Carlos. ― Mas percebemos que era alguém que tocava violino maravilhosamente bem. E pensámos logo que o violino devia ser muito bom, tão bom como aquele que tinha sido roubado!
― Oh, Benny, e eu
deixei-te na cama a dormir! disse a senhora Bolan. ― E fiz o mesmo na noite anterior. Tu saíste da cama, encontraste o violino e levaste-o lá para fora para tocar nos
montes, não foi?O Benny não respondeu. Nem sequer olhou para a mãe. Estava a passar o arco pelas cordas, produzindo um som curioso como se fosse o vento
nas árvores. A Joaninha percebeu, de repente, que era exactamente isso que ele estava a tocar: a música do vento sussurrando nas árvores!
”Este miúdo é um
artista!”, pensou ela. ”Quase não consigo distinguir qual é o som do vento e qual o do violino.”
― Senhora Bolan! ― disse em voz alta. ― O
Benny é uma maravilha! É um verdadeiro artista! Porque é que não o manda para a escola? Porque é que não deixa que ele aprenda música a sério?
― O Benny não
conseguia aprender nada na escola, menina ― disse a senhora Bolan, e puxou a criança para perto dela. ― Estou a ver que não sabem qual é que é o problema dele. O meu
Benny é cego.Cego! Agora, as crianças percebiam porque é que aqueles grandes olhos escuros não tinham qualquer expressão e porque é que o Benny tinha tanto
cuidado ao andar! Coitadinho do pequeno Benny!
― A música é a única coisa que o faz feliz ― disse a senhora Bolan. ― E
quando perdeu o seu violino no incêndio ficou com o coração despedaçado. Foi por isso que o Lúcio roubou aquele velho violino, só para ver o nosso Benny contente outra
vez!Os Sete olharam para a senhora Bolan e depois para o misterioso Benny. A Joaninha sentiu que as lágrimas lhe vinham aos
olhos. Que poderiam eles fazer para ajudar aquele rapaz tão dotado? Tinham de fazer alguma coisa! Mas não podiam ser os Sete a fazê-la. Os adultos deviam tornar
conhecimento daquilo, pois sabiam sempre o que fazer!
Por isso, os Sete foram ter com os pais do Pedro e contaram-lhes a história toda.
― Não
sabemos o que fazer agora, mãe ― disse o Pedro quando acabaram de contar a história. ― O violino tem de ser devolvido, mas, pai, o pobre do Lúcio não pode ir parar à
prisão! O Benny deve ir para a escola e aprender música, e tem de ter um violino só para ele. Os Sete estão dispostos a comprar-lhe um,
nem que tenham de poupar dinheiro durante um ano.
― Vocês são muito generosos ― disse o pai, satisfeito. ― Esta história é extraordinária! Não sei como conseguem
envolver-se em histórias destas! Agora, em primeiro lugar, o violino. Acho que é possível devolvê-lo sem que nenhum mal recaia sobre o Lúcio. O Matias disse-me que ele
era boa pessoa, e acho que não teria roubado o violino se não estivesse tão preocupado com o desgosto que o Benny sentiu quando o violino ardeu no incêndio.
― Ele adora o Benny!
― disse a Paulina. ― Mas como se pode devolver o violino sem acusar o Lúcio?
― Oferecem uma recompensa a quem o devolver, e se for
entregue em boas condições, ninguém fará perguntas ― disse o pai do Pedro. ― Proponho ser eu a devolvê-lo, guardando segredo de como me veio parar às mãos, mas digo que a
pessoa que o tirou está muito arrependida. Claro que não aceitarei o prémio.
― Ah, óptimo! ― disseram os Sete.
― E quanto ao Benny? ― perguntou a Joaninha.
― Acho que o posso ajudar ― disse a mãe. ― Poderá ir para uma escola de crianças cegas, onde o seu jeito para a música se
desenvolverá. Com certeza não se importará de deixar a mãe se puder ter a sua querida música, e passará todas as férias com os pais, como é evidente!
― Ah, Graças a Deus!
― exclamaram a Bárbara e a Paulina ao mesmo tempo.
Fora um choque terrível para os Sete saberem que o pequeno Benny, com os seus lindos
olhos escuros, era cego. Mas, agora, isso já não parecia tão terrível, pois seria sempre feliz com a sua música!
FIM
Os Sete e o Violino Roubado
[pp 112-121]
Enid Blyton
Título original: Puzzle for the Secret Seven
Publicado originalmente na Grã-Bretanha em 1958
9.Abr.2013
Publicado por
MJA
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