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excerto
Dante e Virgílio no Purgatório,
entre os Invejosos atingidos
pela cegueira - Hippolyte Flandrin, detalhe (1835)
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Purgatório, Canto XIII:
Chegam os Poetas ao segundo
recinto, no qual estão os pecadores que expiam o pecado da inveja. Os invejosos têm os olhos cosidos com fio de arame.
Da escada ao topo
havíamos chegado, Onde, outra vez cortado, o monte estreita, Que alma sobe, expiando o seu pecado.
Como a primeira, outra cornija feita Circundava a colina, só diferente Em que a um arco menor ela se ajeita.
Relevo, formas, como a precedente, Não mostra: e, lisa sobre a escarpa a entrada, Lívida cor a pedra tem somente.
— “Se a presença de alguém fosse esperada, Que nos preste conselho” — diz meu Guia — “Temo que fique a escolha retardada.” —
Os olhos para o sol depois erguia, E, sobre o pé direito se firmando, Para a esquerda girava e se volvia.
— “Tu, de quem tudo fio, ó lume brando No caminho conduz-nos que se oferece Como o exige o lugar” — disse — “guiando!
“Raiando, o teu calor o mundo aquece: Se motivo não surge de embaraço, De conduzir-nos teu fulgor não cesse!”
Vencido em breve tínhamos espaço, Que por milha na terra calculamos, Porque o desejo estimulava o passo:
Em direitura a nós voar julgamos Invisíveis espíritos, chamando De amor à mesa em lépidos reclamos.
A voz primeira que passou voando,
Vinum non habent proferiu sonora E ainda muito além foi reiterando.
Mas antes de perder-se pelo ar fora, Outra acercou-se. — “Orestes sou!” — dizia; E apartou-se igualmente sem demora.
— “Que vozes estas são, Mestre?” — inquiria. Mas, apenas falara, eis vem terceira. — “Amai imigos vossos!” — eu lhe ouvia.
— “Pune este círculo a culpa traiçoeira” — O Mestre diz — “da inveja; o açoite aplica O amor, que os rigores lhe aligeira.
“Contrário som, porém, o freio indica. Antes que atinjas do perdão a entrada, Terás de ouvi-lo; e disto certo fica.
“Tem ora a vista para além fitada; De espíritos, ao longo do alto muro, Assentados verás soma avultada.” —
Mais que de antes então a vista apuro; Almas distingo, que envolviam mantos, Que a cor imitam do penhasco duro.
Um pouco avante ouvi de espíritos tantos A voz bradar: — “Por nós orai, Maria, Pedro, Miguel e todos os mais Santos!”
Na terra homem tão fero não seria, Que não sentisse o coração pungido Em vendo o que aos meus olhos se of?recia.
Acerquei-me por ser mais distinguido De cada sombra o menear e o gesto: Pelos olhos à dor alívio hei tido.
Então foi claramente manifesto Que entre si, uns aos outros se arrimavam, Todos à pedra, em seu cilício mesto.
Os Invejosos no
Purgatório - gravura de Gustav Doré
Assim os pobres cegos mendigavam Nos dias de Perdão da igreja à porta, Mutuamente as cabeças encostavam;
Pois a piedade o coração nos corta, Quando ao som das palavras se acrescenta Da vista a ação que o peito desconforta
E como o sol aos cegos não se ostenta, Assim também às sombras que alivia, Não mais do céu a luz olhos alenta.
Fio de ferro as pálpebras prendia A todas, como ao gavião selvage Para domar-lhe a condição bravia.
Cuidei, se andasse, lhes fazer ultraje, Lhes vendo as faces e ocultando a minha: E o Mestre olhei em tácita linguage.
E o Mestre, bem sabendo o que convinha, Antecipou-se logo ao meu desejo E disse: — “Arguto sê, e fala asinha.” —
Virgílio caminhava neste ensejo Do lado, onde à cornija falta amparo; Dali cair se pode e o risco eu vejo.
As almas do outro lado eram; reparo Que dos olhos a hórrida costura Provoca pranto copioso e amaro.
Voltei-me e disse: — “Ó almas, que a ventura De ver tereis ao certo o excelso Lume; De que somente o vosso anelo cura,
“Dissolva a Graça em vós todo o negrume Da consciência e nela manar faça Da mente o rio em límpido corrume! [...]
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Dante olha o Purgatório
Agnolo Bronzino (1530)
excerto de:
A Divina Comédia
Dante Alighieri
tradução de José Pedro Xavier Pinheiro [1822 - 1882]
[3.Mar.2015]
Publicado por
MJA
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