Três irmãs, cegas de nascença
e cantoras - Maria, Regina e Conceição - habitam em
Campina Grande (Paraíba) e sobrevivem cantando e tocando ganzá
pelas ruas da cidade.
- “Nós nascemos cegas de nascença, é mais difícil sim, porque, tudo pelos
outros, os outros que tomam conta, ai vamos vivendo assim, um dia tem, outro dia
não tem. Quando a gente andava pelo meio do mundo era que a gente aprendia as
coisas, era o povo ensinando, a gente cantando, e a gente aprendia assim”.
- “Quando eu to sonhando eu vejo tudinho as coisas”.
- “A gente vê tanta coisa”.
- “Vê tanta coisa bonita”.
- “Vê os pé-de-pau, as plantas, as nuvens, as estrelas, o
mato verde, o jeito do pessoal”.
- “Aí quando você acorda você não vê mais nada, aí pronto,
lá vai... foi. É por isso que o povo diz, que a hora que o cego vê, é a hora que
ta dormindo”.
- “A pessoa é pra que nasce, ninguém pode dar jeito. A
pessoa tem que cumprir com o destino que Deus dá, é porque foi feito por ele”.
[in
portacurtas]
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Regina Barbosa nasceu em 1940 e é mais conhecida como "Poroca". Já Maria
Barbosa, nascida em 1944, também é mais conhecida como "Maroca" ou
"Lia". Nascida em 1950, Francisca da Conceição Barbosa, da mesma
maneira, é conhecida por outros dois nomes: "Indaiá" ou "Gueão". As três
são cegas de nascença e passaram a infância e juventude cantando nas
feiras do interior dos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do
Norte, Alagoas e, é claro, Paraíba.
Em meados dos anos 70, elas passaram a viver em Campina Grande em
companhia da mãe e de outros 14 parentes e agregados, a quem sustentavam
com as ofertas em dinheiro que conseguiam cantando no centro da cidade.
Foram protagonistas do filme "A pessoa é
para o que nasce" de Roberto Berling.
A Pessoa é para o que nasce
de Roberto Berling
Lembro-me delas desde criança. Estavam sempre as três, ao lado da Livraria
Pedrosa, no centro da cidade, juntas, cantando emboladas e balançando seus
instrumentos de percussão em troca das esmolas dos passantes. Quem vive ou viveu
em Campina Grande (Paraíba) nas décadas de 80 ou 90 (ou mesmo antes) com certeza há
de lembrar-se das três irmãs cegas que são tema do documentário «A Pessoa é para
o que Nasce», do carioca
Roberto Berling, em cartaz na 28.ª Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo. [...]
O filme retrata o quotidiano das personagens documentadas em várias fases de sua
vida, revelando suas estratégias de sobrevivência, suas histórias de amor e de
tragédia, a fama momentânea causada pelo encontro com o cinema e a convivência
de vários anos (desde 1997) com o director, que acabou tornando-se, também,
personagem da sua própria obra. É estimulante ouvir as histórias da valente
Maria, duas vezes casada e duas vezes viúva, mãe de Dalvinha e responsável pelas
irmãs mais novas.
É um filme corajoso, que vence o preconceito de olhar para
estas pessoas que não podem olhar de volta. Longe de violar-lhes a privacidade,
aproxima-nos de seres humanos vitoriosos, cujas deficiências não são
impedimentos para sua felicidade.