|

Um harpista cego, uma
dançarina e Tawi, a cantora com flores de lótus | Túmulo de Nakht, escriba no
templo de Karnak , 1570-1320 aC.. No Antigo Egipto uma porção significativa dos
poetas e músicos eram cegos .
Anísis, faraó cego da IV Dinastia: século XXV a.C.
Heródoto fala-nos de um faraó cego, sem citá-lo como lendário. Trata-se de
Anísis, que viveu muitas atribulações como rei dos egípcios em época localizada
aproximadamente 2.500 anos antes da Era Cristã. Em breves palavras o Pai da
História informa que durante seu reinado o Egipto foi invadido pelos
etíopes - vizinhos do sul - não restando ao faraó outra alternativa a não ser a
fuga.
O então jovem rei fugiu através dos pântanos e ali viveu refugiado durante a
longa ocupação inimiga por nada menos do que 50 anos. Heródoto acrescenta que
"assim que Sábados - o rei dos invasores - deixou o Egipto, Anísis (o cego)
saiu da região pantanosa onde se refugiara e retomou as rédeas do governo. Tinha
permanecido 50 anos numa ilha por ele próprio formada com cinza e terra, pois
quando os egípcios lhe iam levar víveres, cada um de acordo com as suas posses,
ele lhes pedia um pouco de cinza, que ia acumulando em mistura com a terra"
("História", de Heródoto).
Sesóstris e Phéron
O mesmo historiador refere-se a mais dois faraós que ficaram cegos, mas seus
nomes são um tanto lendários. O primeiro deles é Sesóstris, que dividiu o Egipto
em 36 "nomos" e conquistou pelas armas todo o mundo conhecido. De volta ao
Egipto
com uma multidão de cativos, foi bastante exaltado, fez construir muitos
monumentos e mandou executar muitas obras de utilidade pública. Ficou cego em
sua velhice e acabou suicidando-se.
Seu sucessor foi Phéron, que ficou cego logo após assumir o poder. A narrativa
de Heródoto leva nos a analisar factos bastante fantasiosos: "Conta-se que tendo
o Nilo transbordado dezoito côvados nessa ocasião" - correspondem a mais de onze
metros acima de seu leito original - "submergindo todos os campos vizinhos,
começou a soprar um vento impetuoso, agitando as vagas com violência. Phéron,
numa louca temeridade, tomou de um dardo e lançou-o no meio do turbilhão das
águas. Pouco depois seus olhos eram acometidos de um mal súbito e ele ficava
cego. Permaneceu dez anos nesse estado". ("História", de Heródoto).
No décimo primeiro ano, já muito arrependido, obteve do deus Nilo a promessa de
recuperar a visão, desde que lavasse os olhos com a urina de uma mulher que
nunca tivesse tido contato com outro homem senão com o seu próprio marido.
A experiência com a urina de sua própria esposa não deu resultados. O infeliz
faraó continuou a fazer tentativas, até que um dia recuperou a visão. Agradeceu
ao deus Nilo com oferendas e tomou uma providência adicional: reuniu todas as
mulheres infiéis aos seus maridos - inclusive a sua - numa cidade abandonada e
mandou incendiá-la, matando a todas elas. Logo em seguida casou-se com a mulher
que lhe devolvera a visão.
Um coral de homens cegos para Amenhotep IV
Na XVIII Dinastia de faraós egípcios, ou seja, no século XIV a.C., Amenhotep IV
destacou-se pelas suas fortes e persistentes tentativas de introduzir no Egipto o
culto a um deus único. Durante os 18 anos de seu reinado combateu duramente toda
a plêiade de deuses e deusas, incluindo o mais forte de todos eles: Amon.
O novo deus era representado pelo sol e seu nome era Aton. Em sua homenagem
Amenhotep IV alterou seu próprio nome para Akhenaton (ou Ikhnaton), nome que
significa "aquele que torna Aton feliz" ou algo semelhante. Fez mais, mudando a
sede imperial de Tebas para uma nova cidade planejada para homenagear Aton:
Akhetaton (hojeTel-el-Amarna). Foi casado com Nefertiti, tendo o casal gerado
seis filhas, ou seja, nenhum herdeiro do sexo masculino, o que, segundo Neubert,
talvez explique o rosto triste da rainha em contraste com sua beleza pura,
retratado numa famosa estatueta de 34 cm de altura, que todos conhecem.

Akhenaton
Foi considerado um idealista, um pacifista, um revolucionário. O clero voltado
ao deus Amon considerava-o evidentemente um herético.
Akhenaton era um homem doentio e sofria muito com ataques epiléticos, então
considerados como evidentes sinais de contatos com o seu deus. Vários
historiadores dedicaram-se a esse estranho faraó monoteísta. Contam alguns deles
que em sua nova capital ele cultuava esse seu deus único não só em público, mas
também particularmente e em especial quando sentia a iminência da "aproximação
de Aton", nos ataques de epilepsia. E, para não haver testemunhas oculares de
suas crises quando em palácio, só admitia cantores cegos no coral masculino do
templo do palácio.
Esse coral de homens cegos cantava em tons severos a exaltação a Aton, em um
hino que passou para a posteridade e do qual destacamos o seguinte belo trecho:
"Quão vastos são os vossos trabalhos!
Eles estão escondidos em nossa frente,
O deus único, cujos poderes nenhum outro possui!
Criastes a terra de acordo com o vosso coração."
(Apud Encyclopaedia Britannica).
Ainda sobre a vida dos cegos no Egipto:
Adriano - Publius Aelius Hadrianus - foi imperador de 117 até o
ano de sua morte em 138 d.C.. Durante sua gestão o Império Romano viveu anos de grande
desenvolvimento.O imperador viajou durante vários anos por quase todos os quadrantes do vasto
Império e no ano 130/131 esteve no Egipto não só como imperador mas também como
estudioso dos usos e costumes do Egipto.
Em uma carta escrita a seu cunhado
Serviano, Adriano afirma: "Tenho estudado bem os egípcios de que me falaste
....
A sua cidade é de tudo abundante, e pessoa alguma está ali ociosa, nem mesmo os
cegos: um sopra o vidro; outro faz papel, aqueles tecem; todos se ocupam em
algum mister." ("História Universal", de Cantu).
ϟ
A Deficiência Visual na Mitologia Egípcia
in A EPOPÉIA IGNORADA
(A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje)
Autor: Otto Marques da Silva
São Paulo - CEDAS, 1987.
|