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Marco António de Queiroz
Moema - Rodolfo Bernardelli,
1895 (Museu Nacional de Belas Artes, RJ)
A minha primeira experiência tátil em museus após ter adquirido cegueira em 1978, com 21 anos de idade, foi no museu da Pinacoteca de São Paulo. Em toda a minha vida fui apreciador da arte e, mesmo desde muito novo, lia sobre história da
arte, visitava museus e suas obras através de livros e presencialmente, comprava reproduções de telas de grandes artistas, como Van Gogh, Renoir e outros, visitava galerias de arte e me sentia muito bem contemplando algumas obras,
imaginando seus autores e os ambientes onde eram produzidas.
Certa vez, aos 20 anos, sonhei que as mulheres de todas as obras que havia reproduzidas nas paredes de meu quarto, saíam e vinham estar comigo para conversar, tornando-se verdadeiras.
Perdi a visão e, como muitas outras coisas, perdi o acesso as telas, esculturas, das quais “O Pensador” e especialmente “O Beijo”, de Rodin, permaneceram na estrada de minhas lembranças. Também nas telas, mas nas dos cinemas, Bergman,
Visconti, Zefirelli coloriram a estética e simbolismos de minhas perdas.
Quando entrei na Pinacoteca de São Paulo, em um final de ano de 2003, com minha esposa, filho e sogro, conduzido pelo artista plástico Alfonso Ballestero e rodeado por Amanda Tojal fui pego de surpresa em meio de tanta emoção.
A primeira escultura que toquei foi de Moema. Enquanto Alfonso nos fotografava, Amanda me observava e eu, muito sem graça, fiquei me perguntando se estava tocando naquilo que pensava estar tocando na frente de minha família, de Amanda,
que era uma pessoa que estava conhecendo naquele momento. Ninguém ainda havia me dito que era a escultura de Moema, apenas deixaram que eu me aproximasse e tocasse na primeira coisa que me aparecesse à frente. Era tão sensual o que tocava e
tão bom de tocar, que fiquei sem graça de dizer-lhes o que achava que estava tocando. Eram as nádegas de Moema, para mim simplesmente a bunda, da estátua nua e morta na praia.
O detalhe de estar morta não foi exatamente o que me chamou a atenção, mas eu estava tocando numa bunda muito sensual, como poderia ser, de algo feito de pedra! Uma bunda! Todos me observavam quando Amanda me perguntou: o que você está
tocando? Alfonso tirando fotos e eu me perguntando se eu poderia pesquisar mais os detalhes da obra… com um sorriso sem graça, respondi:
― É muito sensual…
Amanda, totalmente descontraída, me incentivou: “Pode tocar mais, toca em tudo”.
A essa altura notei que minha família se dispersara vendo outras obras e eu, com a mão na bunda, digo, na bunda dela, da Moema, a escultura, perdi a vergonha e lasquei: “mas isso é uma bunda!”. Amanda sorriu e disse para eu continuar
tocando. Eu, todo oferecido, lancei-me à ordem, passando pelas coxas que sumiam até aparecer, um pouco além, as batatas da perna de Moema e, só depois, o calcanhar. Percebi que ela estava de lado e que partes do seu corpo não apareciam… fui
mais fundo em meu toque, mas fundo, claro, não na pedra, mas na atenção à obra.
Compreendi então que, para o corpo ficar com aquela forma, só poderia estar parcialmente enterrado. Aos poucos, fui montando os pedaços do que estava tocando e percebi, na lateral, que havia dois níveis daquela estátua deitada. Uma
pequena onda na pedra me revelou que aquilo deveria ser água e mais abaixo… areia! Abrindo os braços e tocando, ou tentando tocar em tudo para “ver” além de pedaços, soube então que era Moema, morta, na beira do mar, onde a água e areia
tinham quase o mesmo nível e minha emoção foi me tomando, um arrepio subiu-me pela coluna, um nó se fez na garganta, senti um sei lá o quê de felicidade: a arte da escultura estava novamente possível em minha vida!
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No
Brasil, no início da colonização dos portugueses, Diogo Álvares Correia naufragou próximo à Bahia de Todos os Santos. Salvou-se matando dois pássaros com um arcabuz,
sendo reverenciado pelos indígenas como amássununga, que quer dizer entre outros: O Trovão, Caramuru, a grande moréia, o dragão que surgiu do mar, homem de fogo.
Foi assim que em 1509 Diogo Álvares Correia, o Caramuru se tornou um líder entre os tupinambás, e como presente do cacique, podia se deitar com as mais belas
mulheres. De entre elas, escolheu Moema, concebendo os primeiros mestiços, que seriam mais tarde denominados de “Brasileiros”.
Alvares Correia transformou-se em um grande negociante de pau-de-tinta, talvez o primeiro comerciante brasileiro. O forasteiro passava muitas horas com Moema e afeiçoou-se a ela. Aprendeu-lhe a fala, o dialeto tupi, e confidenciou-lhe os segredos do seu mundo, um lugar chamado Portugal. Dizia “Na terra de onde vim, em última
partida da localidade de Lisboa, não há aldeias e sim cidades com muitas casas feitas de tijolos e pedras, com portas e janelas, trancas de ferro e outros objetos,
inclusive um tipo de tocha que clareia as noites. O local se chama Viana do Castelo e sou uma pessoa distinta e de destaque na cidade, assim com são aqui na Aldeia os
guerreiros Piatã e Itapuã.”
Dessa forma, aos poucos, Diogo, entre beijos ardentes, ensinou a Moema, sua língua estrangeira. Diogo era muito paciente e contou-lhe toda a
história de sua vida. Moema foi aprendendo com Caramuru.
Entretanto, um dia, Diogo, que ajudava a proteger os indígenas seus amigos de outros mais ferozes, foi chamado para auxiliar o Cacique Taparica da guerra com
outros indígenas. Com seus arcabuzes e astúcia bélica, saíram-se vencedores. Para comemorar, o cacique fez-lhe uma festa e apresentou ao Caramuru a sua filha
mais bonita, a linda Paraguaçu. Ela lhe disse: “Meu nome é Quaydim-Paraguaçu” e ele embasbacado: “Sou Diogo Álvares Correia”. Os dois ficaram inebriados e imediatamente
se casaram dentro da tribo. Depois da Lua de Mel, Caramuru voltou à aldeia de Piatã e levou consigo Paraguaçu, consciente de haver encontrado a mulher dos seus sonhos.
Quando chegou à aldeia, Moema viu a bela nativa e ficou muito triste. Percebeu que tinha perdido o seu amado. Diogo só tinha olhos para Paraguaçu e anunciou que ela seria a única mulher da sua vida.
Diogo levou Paraguaçu para a Europa, em 1528. No momento em que o navio partiu, Moema lançou-se desesperada à água, com fortes braçadas perseguindo
a embarcação, gritando o nome de Caramuru, até as velas sumirem no horizonte. O mesmo aconteceu com a tupinambá, que seguiu seu destino para o fundo do mar, morrendo por
amor. Fonte:
Peregrinação Cultural
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[11.Abr.2012]
Publicado por
MJA
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