"Diz-se a um cego, estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo, vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ali ficou parado no meio de rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição, um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar."
José Saramago.
A doença ocular tem merecido lugar de destaque nas artes. Na pintura, há registos de casos de estrabismo, catarata e cegueira, dentre outros interessantes temas. Pieter Bruegel “O Velho” é o responsável pela notável
A Parábola dos Cegos, na qual
se vêem cegos de mãos dadas, numa fila, tateando com bengalas o caminho a percorrer. O quadro faz alusão ao
Evangelho de Mateus, 15:14, que diz:
“Não se preocupem com eles, são guias cegos. E quando
um cego guia o outro, os dois acabam caindo no buraco”.
A Parábola dos Cegos, 1568, Pieter Bruegel;
Óleo sobre tela, 154 x 86 cm; Galeria Nacional, Nápoles
Uma inspeção mais próxima dos seus rostos fornece evidências físicas que nos fazem supor as condições que determinaram a cegueira de cada um.
O rosto do primeiro homem não é visto. O segundo homem aparece sem pálpebras e globos de ambos os lados, o que sugere a possibilidade de enucleação bilateral.
A Parábola dos Cegos - Pieter Bruegel - 1568 - pormenor 1
Leucoma corneano é o diagnóstico proposto para explicar a cegueira da terceira figura retratada na pintura com evidente opacificação da córnea.
A Parábola dos
Cegos - Pieter Bruegel -
1568 - pormenor 2
O quarto homem parece demonstrar sinais consistentes com uma resposta inflamatória ocular grave. A lesão facial do lado direito de sua face parece sugerir que fora vítima de um insulto externo, tal como queimadura.
A Parábola dos
Cegos - Pieter Bruegel -
1568 - pormenor 3
Os olhos do quinto homem não são vistos sob a viseira. É considerada a possibilidade de fotofobia ou cegueira severa resultando na completa perda da percepção luminosa. Quanto ao sexto homem, argumenta-se que
as suas características faciais indicam o diagnóstico de cegueira
decorrente de pênfigo bolhoso.
A Parábola dos
Cegos - Pieter Bruegel -
1568 - pormenor 4
REFERÊNCIAS:
SALER, V. "Medical conditions in works of art" British Journal of Hospital Medicine, February 2008, Vol 69, No 2
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das. Letras, 1995.
BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
II. Ciclopia: Monstruosidade Representada na Literatura Mitológica, Escultura e Música Clássica
A ciclopia é uma rara anomalia na qual os olhos estão parcialmente ou completamente fundidos, formando um único olho mediano incluído em uma única órbita. Geralmente
aparece associada a um apêndice em forma de probóscide superior ao olho.
Transmitida por herança recessiva, a malformação parece resultar de uma severa supressão de estruturas cerebrais da linha média – holoprosencefalia – que se desenvolvem a partir da parte cefálica da placa neural. Essa grave anomalia ocular está associada com outros defeitos craniocerebrais incompatíveis com a vida.
Monstro não comparável aos humanos
[...] De carne humana estás, Ciclope, farto. Odisséia (séc. VIII a.C) - IX canto.
Homero.
Os ciclopes foram cantados por
Homero no IX livro da famosa Odisséia. Segundo a mitologia grega, o raio que fulminou
Esculápio (deus da medicina) gerou os seres com um só olho. Como mostra o trecho acima, nas palavras do autor grego tais seres monstruosos
não são comparáveis aos humanos.
Ulisses e os
companheiros cegam o
Ciclope Polifemo
enquanto este dormia - Jan van der Straet
[1523-1605]
A
obra acima mostra o momento em que Ulisses
(Odisseu, em grego) consegue vingar-se do Ciclope pela morte de seus companheiros. Conta Homero que no regresso de Tróia ao reino de Ítaca, Ulisses chegou ao país dos gigantes ciclopes, que moravam em cavernas. Nesse local desembarcou com seus companheiros e, encontrando uma grande caverna, lá entrou. Pouco depois, chegou o dono da caverna,
Polifemo (o mais famoso dos ciclopes), que voltando então o grande olho, viu os estrangeiros e perguntou-lhes, com maus modos, quem eram e de onde haviam vindo. Respondeu-lhe Ulisses com muita humildade que eram gregos e terminou implorando hospitalidade, mas Polifemo estendeu o braço, agarrou dois dos gregos, que atirou contra a parede da caverna, esmagando-lhes a cabeça, depois tratou de devorá-los. Na manhã seguinte o ciclope apanhou mais dois gregos e devorou-os da mesma maneira que a seus companheiros. Ulisses tratou então de como se vingaria da morte dos amigos e conseguiria fugir com os companheiros sobreviventes. Teve a ideia
de dar vinho ao gigante,
que tanto bebeu que não
tardou a adormecer.
Então, Ulisses com seus
quatro companheiros
escolhidos, colocou no
fogo a extremidade do
espeto que haviam feito,
até que esta se
transformou num carvão
em brasa e, depois,
colocando a haste exatamente sobre o único olho do gigante,
ali a enterraram profundamente e a giraram.
No olho o tição. Cálido sangue espirra; O vapor da pupila afogueada As pálpebras queimava e a sobrancelha. Odisséia (séc. VIII a.C) - IX canto.
Homero.
Os gritos dolorosos do monstro ecoaram pela caverna
mas, deixando Polifemo entregue à sua dor, Ulisses e seus companheiros fugiram seguindo o caminho à Ítaca.
Na Música Clássica:
Aci, Galatea e Polifemo é uma dramática serenata que inclui três personagens míticas (inclusive Polifemo. A bela mini ópera foi criada pelo célebre compositor alemão George Frideric Händel em 1708. Polifemo amava Galatéia, mas esta nutria uma paixão por Ácis, sentimento que lhe era recíproco. Num dado momento, dominado pelo ciúme, o ciclope perseguiu Ácis e, arrancando um rochedo da encosta da montanha, atirou nele, que imediatamente foi esmagado e transformado no rio que conserva seu nome. O papel do ciclope Polifemo, cujas ações têm conseqüências letais para Ácis, é particularmente notável para a singular agilidade necessária à música de Händel.
vídeo: Excerto
da ópera de Händel "Aci, Galatea e Polifemo"
REFERÊNCIAS:
Bulfinch, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: (a idade da fábula).
Ediouro, Rio de Janeiro, 2002.
Moore, Keith, L. Embriologia Clínica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
Decano, Winton & Knapp, J. Merrill (1987), Óperas de Handel, 1704-1726, Imprensa de Clarendon.
O "Retrato de Tommaso Inghirami" é uma pintura a óleo do famoso artista italiano
Rafael Sanzio.
Concluída em 1516, a obra ficou conhecida por seu extremo realismo, trazendo como tema o retrato do conde
Thommaso Inghirami, um humanista altamente respeitado que serviu como bibliotecário do Vaticano durante o reinado do
Papa Júlio II.
Dotado de um espírito nobre e intelectual, o conde era um dos mais estimados amigos de Rafael.
Retrato de Tommaso Inghirami (1516). Rafael Sanzio (1483-1520).
Óleo sobre painel, 91 x 61cm. Palazzo Pitti (Florença).
Tommaso era obeso e
sofria de desvio do eixo ocular.
O seu estrabismo era do tipo divergente vertical superior. Segundo consta, o conde mostrava-se muito complexado com o transtorno oftalmológico e com o excesso de peso.
Rafael teve como maior desafio misturar o idealismo e
o realismo, a fim de
mostrar um equilíbrio exato do corpo e da mente do amigo. O artista conseguiu minimizar as imperfeições físicas de Inghirami estrategicamente pelo
seu posicionamento num cenário de composição que dirige a atenção do espectador para determinados pormenores descritivos da sua personalidade. Com uma caneta na mão, Inghirami está sentado atrás de sua mesa, cercado por artigos que enfatizam
os seus dois maiores bens:
a sua mente iluminada e
o seu talento literário (note-se que ele aparece como que buscando inspiração para escrever). Um livro apoiado aberto à esquerda denota a intelectualidade do bibliotecário.
Com a habilidade inerente aos grandes artistas, Rafael dissipou o estigma do “olho vagueando” de Inghirami registando-o a olhar para cima,
como que apanhado num momento de contemplação espiritual.
REFERÊNCIAS:
BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
STRINATI, Claudio M. 1998. Raphael. Giunti Editore Firenze Italy. ISBN 9788809762510. June, 2010
De entre as obras de arte mais discutidas entre os
médicos que visitam o museu municipal de Bruges, na Bélgica, destaca-se um trabalho concluído por Jan van Eyck há mais de 500 anos, representando
A
Madona com o Cónego Van der Paele. O
cónego é particularmente foco do interesse médico.
A Madona com o Cónego van der Paele (1436). Jan van Eyck.
- Museu
Municipal de Bruges (Bélgica).
Oftalmologistas diagnosticaram ligeiro estrabismo divergente e lagoftalmo. Além disso, a distorção produzida pelas lentes que aparecem sobre o manuscrito em suas mãos sugere que
o
cónego era míope e não presbíope, como se poderia esperar
na sua idade.
Também dermatologistas têm comentado anormalidades
na sua pele. Eles observaram alguns nevos celulares na face, um
quisto sebáceo na orelha esquerda e um epitelioma labial que fora obliterado pela restauração da pintura em 1934.
Pormenor de
"A Madona com o Cónego" evidenciando
o espessamento das artérias temporais.
Reumatologistas ficaram impressionados com a aparência que van Eyck registou da região temporal de Van der Paele. São nítidamente visíveis as artérias proeminentes, bem com a formação de cicatrizes e perda de cabelo
à frente da orelha esquerda e entre as sobrancelhas. Mesmo sem uma biópsia, muitos clínicos consideraram esse aspecto característico de arterite temporal.
Estudos históricos posteriores evidenciaram que ele tinha dor e rigidez no braço esquerdo. O edema difuso
na sua mão esquerda indica uma esclerose crónica observada em pacientes com ombralgia de longa duração ou a síndrome de ombro-mão, uma das características de polimialgia reumática.
Segundo a
acta da catedral, após onze anos de serviço regular, der Paele
começou a apresentar as primeiras dificuldades durante um culto que aconteceu numa manhã de
Novembro, no ano de 1431. Em
Setembro de 1434 o
cónego, "tendo em vista
o seu estado de debilitação geral", obteve permissão para manter
os seus rendimentos, apesar de não frequentar os serviços
religiosos.
Nessa época, julgando próximo o seu fim, resolveu convidar Jan van Eyck para
lhe fazer um retrato especial, em que aparecia ao lado da Virgem,
destinado a decorar a Igreja, em sua memória. A pintura foi concluída em 1436.
Morreu em 25 de
Agosto de 1443. Dados históricos
com registos sobre a sua saúde apoiam o diagnóstico clínico de arterite temporal associado a polimialgia reumática, visto que esta última condição ocorre em 40% dos casos de arterite de células gigantes. A dor reumática com rigidez matinal, associada a fraqueza geral, forçou van Paele a abandonar
as suas atividades matinais. Esta debilitação, não fatal, permitiu que ele sobrevivesse ainda por doze anos, uma história compatível com o curso natural da polimialgia reumática.
REFERÊNCIAS:
Antônio Carlos Lopes, tratado de Clínica Médica, 2.ª edição, Roca, 2009.
DEQUEKER, JV. “Polymyalgia rheumatic with temporal arteritis, as painted by Jan Van Eyck in 1436”. CMA JOURNAL/JUNE 15. 1981/VOL.
124.
Pintada em 1636, a famosa
pintura "Tobias devolve
a visão a seu pai"
(1636), exposta abaixo, é obra do prodigioso neerlandês
Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669):
Tobias Devolve a Visão a seu Pai
(1636). Rembrandt van Rijn - Óleo sobre tela, 47 x 38,7 cm Staatsgalerie (Stuttgart).
Este “Rembrandt genuíno” representa Tobias em idade avançada, sentado à esquerda, perto da janela; sua esposa segura-lhe as mãos sobre os joelhos, enquanto
o filho, usando um turbante verde, trata-o com um remédio trazido da sua viagem. Seu companheiro, o anjo Rafael, vestido de branco e com asas estendidas, observa atentamente a cena.
Conta a Bíblia que Tobias, da tribo e da cidade de Neftali – situada na Galiléia superior –, desposou uma mulher de sua tribo, chamada Ana, da qual teve um filho, a quem denominou também Tobias. Certo dia, enquanto dormia,
foi atingido, nos olhos,
por dejectos quentes de
uma andorinha:
Não tinha notado, porém, que havia umas
andorinhas no muro, mesmo por cima de mim. Caiu excremento quente nos meus olhos, produzindo neles manchas brancas [...] Fiquei cego durante quatro anos.
(Tobias 2:10)
O incidente que supostamente o cegou foi consequência de um castigo por haver ele sepultado os corpos de alguns judeus, prática ilegal na época. Tobias suportou a punição divina guardando os mandamentos do Senhor e não lamentando a
sua cegueira. Tempos depois, o
filho, o jovem Tobias recebeu a seguinte mensagem do anjo Rafael:
Esfrega fel de peixe nos seus olhos. O remédio vai fazer com que as manchas brancas diminuam e desapareçam. Então teu pai vai recuperar a vista e poderá ver.
(Tobias 2:18)
O filho aplicou o remédio nos olhos do pai, aguardou um momento e viu então desprender-se dos olhos de Tobias uma catarata semelhante a uma clara de ovo. O jovem Tobias limpou-lhe os olhos e prontamente seu pai retomou a visão.
É relatado no livro sagrado que a leucocoria – a mais clássica manifestação da opacificação do cristalino –
estava presente nos olhos de Tobias. Tal dado leva-nos a crer que a história bíblica
relata um claro exemplo de catarata.
Curiosamente, nos tempos antigos, o fel de vários peixes
era considerado um remédio eficaz contra a cegueira, prova disso é que o naturalista romano
Plínio o refere em sua "História Natural”. Oftalmologistas sugerem que
o acto de esfregar vigorosamente os olhos determinaria o deslocamento da lente de catarata. Neste caso, especialmente se Tobias
era míope, a visão teria sido restaurada súbita e perfeitamente.
Acima da obra de Rembrandt, há uma inscrição dizendo: “Nenhum esforço é desperdiçado”, ressaltando, junto à imagem, o sucesso da cura de Tobias utilizando a fé em associação ao fel de peixe.
A conversão de
São Paulo, descrita em três ocasiões na
Bíblia sagrada, ocorreu a caminho
de Damasco, onde ia aprisionar cristãos. No capítulo 22
[6 a 8 e 11] do livro de Atos, o apóstolo conta a sua experiência:
6. Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. 7. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? 8. E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues.
11. E, como eu não via, por causa do brilho daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo, e cheguei a Damasco.
Em
'A Conversão de São Paulo' de Michelangelo
(1475–1564), Paulo é retratado no chão, ofuscado pela visão de uma luz divina:
Michelangelo Buonarroti. A Conversão de São Paulo, 1542-45. Capela Paulina (Vaticano).
Em Atos, o apóstolo relata que uma luz brilhante o cegou e que, em seguida, caiu no chão.
A sua visão foi recuperada somente três dias
depois. A experiência de Paulo foi atribuída a uma crise epiléptica do lobo temporal com aura emocional que talvez tenha evoluído para generalização secundária, que foi assustadora e dramática, seguida de cegueira cortical pós-ictal (Landsborough, 1987).
Em algumas de suas cartas, Paulo dizia possuir uma enfermidade que
- quem dela padecia - costumava ser desprezado. Lembremos que, à época, a epilepsia era chamada de "morbus insputatus"
(doença cuspida), pois, lamentavelmente, o preconceito gerou um costume que perdurou durante séculos: cuspir nos epilépticos.
Nas cartas, Paulo também afirma que, por vezes, sentiu-se arrebatado para o Paraíso. Tal sensação é atribuída à aura extática, outrora descrita pelo escritor russo
Fíodor Dostoiévski, epiléptico que afirmou que durante os segundos antecedentes
à crise, sentia-se “no céu”:
Que importa que seja doença? Que mal faz que seja
de uma intensidade anormal, se esse fragmento de segundo, recordado e analisado depois, na hora da saúde, assume o valor da síntese da harmonia e beleza, visto proporcionar uma sensação desconhecida e não advinda antes? Um estado de ápice, de reconciliação, de inteireza e de êxtase devocional, fazendo a criatura ascender à mais alta escala da vivência? ... Sim, por este momento se daria toda a vida!
[O Idiota – Dostoiévski].
Curiosidade: Antigamente, na Irlanda, a epilepsia era chamada de "doença de São Paulo".
REFERÊNCIAS: 1. Landsborrough D. St. Paul and temporal lobe epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1987. 2. DOSTOIÉVSKI, Fíodor "O Idiota" Editora José Olympio, 1951 - Rio de Janeiro. 3. Bíblia Sagrada - Tradução de João Ferreira de Almeida.
VII.Oftalmopatia de Graves em "O Juízo Final"
de Michelangelo Buonarroti
O Juízo Final é um fresco pintado na parede do altar da Capela Sistina,
onde Michelangelo Buonarroti (1537-1541) representa o julgamento final
sob inspiração da narrativa bíblica.
O fresco retrata as almas dos mortos
subindo para enfrentar a ira de Deus. Cristo, parte central da obra,
encontra-se ao lado de Maria sobre uma nuvem e age como Juiz dos eleitos
que sobem ao céu à sua direita, enquanto os condenados, sob sua
esquerda, aguardam Caronte e Minos.
Uma figura feminina, localizada à
direita de Cristo, com um turbante na cabeça, tem uma aparência que
sugere a presença de exoftalmia:
A maioria das características
clássicas da oftalmopatia associada à tireoide podem ser nela
reconhecidas: hiperemia conjuntival e palpebral, quemose, edema
periorbital e marcante proptose. Após a última restauração do Juízo
Final na década de noventa, tornou-se visível também a presença de
uma pequena hemorragia no canto inferior do olho direito.
Close de uma mulher (possivelmente Santa Mônica)
com sinais de oftalmopatia associada à hipertireoidismo.
A oftalmopatia associada à tireoide (OAT) é uma doença auto-imune, mais
freqüente no sexo feminino, que afeta os músculos extra-oculares e o
tecido conjuntivo orbital, caracterizando-se por um infiltrado
inflamatório difuso da órbita, bilateral e assimétrico, condicionando
exoftalmia, hiperemia e edema palpebral. Surge associada em 90 % dos
casos a Doença de Graves com hipertiroidismo.
É possível que a abençoada mulher com
proptose ocular seja Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, que por
muitas vezes fora retratada nas artes com um turbante na cabeça e com as
características faciais e o tom de pele sugerindo origem norte-africana.
Sabe-se que a exoftalmia é uma
condição conhecida desde os antigos gregos. Aristóteles e Xenofonte a
descreveu ainda no século V a.C. Há relatos de que no século X
escritores bizantinos já estavam cientes de uma combinação de bócio e
exoftalmia. A partir da análise desta obra é provável supor que também
Michelangelo estava retratando uma mulher com exoftalmia 300 anos antes
da primeira descrição da tireoide associada à oftalmopatia em 1835 por
Robert Graves.
REFERÊNCIAS:
1.BUENO, MA.
"Oftalmopatia na doença de Graves: revisão da literaturae correção de
deformidade iatrogênica". Rev. Bras. Cir. Plást. 2008; 23(3): 220-5.
2.METELLO, J; GONZALEZ,M."OFTALMOPATIA ASSOCIADA À TIROIDE". Acta Méd
Port 2004; 17: 329-334.
3.POZZILLI P (2003) Blessed with exophthalmos in Michelangelo’s Last
judgement. Q J Med 96(9): 688–90.