
Joel Geiger, Perkins School for the Blind - fotografia de Nicholas Nixon, 1992
Resumo | O livros táteis illustrados são livros associando texto e imagem em relevo
destinados a crianças deficientes visuais. No âmbito de uma política de inclusão
fortalecida nas últimas duas décadas, estes recursos estão cada vez mais
presentes nas escolas, bibliotecas e centros culturais. Uma história que associa
texto e imagens desenvolve um papel essencial na aquisição de competências
linguísticas e comunicacionais, desperta o prazer da leitura, além de favorecer
momentos de troca entre cegos e videntes. Neste artigo, discutiremos os aspectos
perceptivos e comunicacionais envolvidos na criação de ilustrações táteis para
crianças cegas. Buscaremos destacar as diferenças entre dois modelos
ilustrativos específicos: o modelo mais comum “ilustração visual em relevo” e um
novo modelo proposto que denominamos “ilustração háptica”. A especificidade do
modelo do tipo háptico está no fato de explorar experiências múltiplas de nosso
corpo em contato com os objetos e o meio. Através de exemplos, buscaremos
destacar de que forma estas ilustrações parecem ser mais apropriadas ao contexto
perceptivo das crianças cegas, ao passo que promovem novas práticas inclusivas e
novos meios de troca e interação entre cegos e videntes.
1. Introdução
Vivemos imersos em um mundo visual onde as imagens estão por toda parte: nas
ruas, nas escolas, no cinema, na internet, nas telas dos telefones e nos
tablets. Os videntes aprendem a interpretar estas imagens como signos de um
mundo visível e ao qual foram familiarizados deste criança. Todos os dias, como
explica com clareza Oliver Sacks , « nossos olhos se abrem e se deparam com um
mundo que aprendemos a ver durante toda a nossa vida – pois este mundo não nos
vem pronto, ele é construído constantemente por meio de experiências,
categorizações, memórias e relações » (Sacks, 1999 : 20).
Considerando essa experiência prévia necessária para interpretar as imagens que
nos rodeiam, podemos nos questionar de que modo uma pessoa cega pode ler com as
mãos uma imagem em relevo nos museus, nos manuais escolares ou nos livros
ilustrados. Que significação é atribuída às linhas e formas tocadas? O que é a
representação tátil de um rosto ou de uma paisagem para alguém que nunca viu?
Cabe lembrar que as primeiras tentativas de tornar acessível o universo das
imagens às pessoas cegas datam do século XIX. Estes recursos eram fabricados por
profissionais que trabalhavam nos poucos estabelecimentos de ensino
especializados da época, muitas vezes em um único exemplar. Entre as primeiras
técnicas utilizadas, constam a estampagem em papel (gaufrage em francês) e o uso
de linhas pontilhadas em relevo (Eriksson, 2008). Tratam-se das primeiras
tentativas do que hoje chamamos “imagens táteis”. Tempos depois, outras técnicas
de produção de relevo foram desenvolvidas e atualmente descobertas
revolucionárias como a impressora 3D trazem novas expectativas para este campo.
Hoje, as imagens táteis são utilizadas, sobretudo, em três campos principais:
campo artístico e cultural (reproduções táteis em museus), campo pedagógico e
escolar (mapas em relevo, esquemas gráficos em biologia, em matemática, entre
outros) e, por fim, o campo da literatura infantil (livros ilustrados, álbuns
infantis e abecedários). É para este último campo que orientamos nossa atenção
neste artigo.
As reflexões aqui apresentadas são fruto de uma parceria entre o grupo de
pesquisa Semiótica das Artes e do Design da Universidade Paris 1,
Panthéon-Sorbonne e a editora francesa Les Doigts Qui Rêvent (www.ldqr.org),
especializada na edição de livros em braille com ilustrações para crianças
cegas. Os projetos de pesquisa, iniciados em 2010, buscam avaliar a compreensão
das imagens táteis por crianças cegas, questionando-se sobre como tornar estes
conteúdos mais acessíveis a este público. Nos últimos anos, busca-se refletir
sobre novos métodos de criação e novos modos de ilustrar em respeito aos
princípios do Design Inclusivo, também chamado Design for All ou Design
Universal. O Design Inclusivo trata-se de uma vertente do design criada nos anos
80 nos Estados Unidos junto aos movimentos pelos direitos das pessoas com
deficiência (como o movimento Disabled People’s International, criado em 1981).
Na “Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”
(Nações Unidas, 2006), o Design Inclusivo é definido como “o design de produtos,
ambientes, programas e serviços a serem utilizados por todas as pessoas, na sua
máxima extensão, sem a necessidade de adaptação ou de design especializado”.
Buscando aplicar estes princípios ao campo do livro tátil, a ideia é promover
uma nova forma de ilustrar que se afaste dos padrões visuais para explorar
outras experiências sensoriais compartilhadas por cegos e videntes. O novo
modelo ilustrativo proposto, e cujas bases serão apresentadas a seguir, traz
consigo uma necessária tranformação na maneira de pensar a deficiência: não
considerá-la somente como uma falta ou uma anomalia, mas, ao invés disso,
valorizar suas especificidades, considerando-as como um motor de inovação para
todos (Houriez & al., 2013: 25; Pullin, 2009).
Para compreender os fundamentos deste novo modelo de ilustração tátil, cabe
primeiramente destacar de que modo ele se difere das práticas mais comuns de
adaptação de ilustrações visuais em livros para crianças cegas. Na primeira
parte deste artigo, buscaremos destacar as diferenças entre dois tipos de modelo
ilustrativo: «ilustração visual em relevo » e « ilustração háptica». Nesta
parte, serão também apresentados resultados de pesquisas no campo da psicologia
cognitiva e da semiótica acerca das especificidades da percepção tátil e da
compreensão do desenho por pessoas cegas. Por fim, serão apresentados exemplos
de ilustrações hápticas presentes nos livros da editora Les Doigts Qui Rêvent,
buscando destacar a importância destas enquanto veículo de inclusão e de troca
de experiências.
2. A problemática de criação de imagens táteis para pessoas cegas
A maior parte das imagens táteis são pensadas por videntes que tentam se colocar
no lugar de alguém que não vê, buscando imaginar como os cegos podem “ler” com
as mãos. Fechando os olhos e tentando se desprender por um instante de um mundo
visual, onde encontram-se arraigados seus hábitos perceptivos e
representacionais, eles procuram “fazer de conta”, para ter uma vaga idéia da
experiência de mundo de uma pessoa cega.
Para buscar entender melhor o que acontece nesse processo, propomos ao leitor um
rápido exercício. Obervando a imagem abaixo do Pequeno Príncipe (figura 1),
pedimos que tente responder a seguinte pergunta:
Como tornar esta imagem acessível a uma pessoa cega?

Figura 1 - Imagem visual do Pequeno Príncipe | Descrição da imagem: O personagem do Pequeno Príncipe está em pé ao lado direito
da imagem. A imagem mostra somente uma pequena parte da superfície do planeta
onde ele se encontra. Frente ao personagem, há uma pequena flor. O céu é
mostrado em segundo plano onde encontram-se retratados um sol e uma estrela.
Sempre que este exercicio é proposto em conferências e encontros com educatores,
profissionais e estudantes, a resposta obtida é bastante semelhante. As pessoas
questionadas afirmam que para esta imagem se torne acessivel, é necessario
colocá-la em relevo. Como veremos a seguir, esta solução, embora necessária, só
resolve uma parte do problema: o problema do acesso ao suporte. Poder ter acesso
a algo nem sempre quer dizer acessibilidade. Para ilustrar essa questão,
apresentamos na figura abaixo uma simulação do resultado que pode-se obter pela
produção do relevo desta imagem do Pequeno Príncipe:

Figura 2 - Imagem tátil do Pequeno Príncipe | Descrição da imagem: Trata-se de mesma imagem mostrada anteriormente, onde as
linhas de contorno dos elementos foram disponilizadas ao tato.
As linhas em preto correspondem as linhas de contorno da imagem reproduzidas em
relevo. É incontestável que esta versão tátil do Pequeno Príncipe pode ser
efetivamente “lida” com as mãos, sendo a percepção tátil capaz de distinguir a
forma, o tamanho e a localização das linhas. Mas será que estas formas e linhas
sentidas podem ser identificadas por alguém que nunca viu como representações do
personagem Pequeno Príncipe, do sol ou da estrela?
Diferentes pesquisas foram realizadas para tentar entender o que acontece quando
uma pessoa cega percebe através do tato um objeto representado no espaço
bidimensional. Cabe lembrar que o tato é uma modalidade sensorial que se destaca
das outras modalidades pelo fato de possuir uma dupla função sensorial e de
motricidade (Heller & Gentaz, 2014; Gentaz, 2009; Hatwell, 2003; Hatwell, Streti
& Gentaz, 2000; Lederman & Klatzky, 2000). A psicologia distingue o tato passivo
(o contato imóvel da mão sob uma superfície) do tato ativo - igualmente chamado
“sentido háptico”. O termo háptico introduzido por Révész em 1950 no campo da
psicologia engloba não somente aquilo que sente a pele em contato com uma
superfície mas também todas as informações cinestésicas e proprioceptivas do
corpo durante o movimento de exploração.
No campo da psicologia, um debate se mantém no que se refere ao tipo de
informação que pode ser apreendida pelo sistema háptico e sua diferença com
relação à visão. Enquanto alguns trabalhos salientam os aspectos comuns à visão
e ao tato (abordagem amodal), outros ficam mais focados nas particularidades de
cada sistema sensorial. Como aponta Hatwell (2003), é de ser esperar que cada
abordagem pressuponha práticas educacionais distintas e por vezes completamente
opostas. Esta questão pode ser observada com clareza nos estudos norteando a
compreensão de imagens e desenhos por pessoas cegas. Os estudos que defendem
existir correspondências entre a visão e o tato são mais otimistas com relação à
capacidade das pessoas cegas em compreender conteúdos bidimensionais. Esta é
tese a defendida por Kennedy (2000, 1993), autor dos estudos mais conhecidos
sobre o desenho de pessoas cegas. Apostanto em uma abordagem realista e
externalista da percepção, Kennedy defende que as pessoas cegas podem explorar
tatilmente as bordas e arestas visíveis dos objetos. Segundo o autor, estas
linhas identificadas pelo tato são as mesmas encontradas nos desenhos de
contorno de objetos tangíveis.
Entretando, resultados de testes experimentais de produção e de identificação de
desenho por pessoas cegas, inclusive realizados pelo próprio autor, têm mostrado
que estas pessoas tem dificuldades em compreender as regras de representação dos
objetos no desenho (Valente, 2012; Vinter & Fernandes, 2010; Millar, 1991). A
tese defendida por Kennedy sustentada também por autores como D’Angiulli & Maggi
(2003) e Heller (2006) é que esta dificuldade não se deve a uma limitação do
tato em si, mas sobretudo a um problema de interpretação. A pouca familiaridade
com a representação em duas dimensões abre um grande leque de possibilidades e
as pessoas cegas apresentam dificuldades em identificar somente um objeto em
particular nas formas exploradas. Em pesquisa de doutorado (2012) realizada no
âmbito do projeto pluridisciplinar “Imagem da ponta dos dedos”” (ANR – Agência
Nacional de Pesquisa, França) abordamos estas questões sob o ângulo da semiótica
e da comunicação. Através da análise de produções gráficas de jovens cegos
elaboradas durante o jogo Tactilonary (jogo de desenho tátil, para mais detalhes
consultar: Valente & Darras, 2013; Valente, 2012), este estudo mostrou que as
pessoas cegas desconhecem os códigos de diferenciação e de categorização dos
objetos no desenho. Conclui-se que a capacidade em produzir e compreender
desenhos pressupõe possibilidades perceptivas específicas mas também a
participação do sujeito nos diferentes processos de aprendizagem e de
comunicação gráfica desencadeados na cultura visual.
Outros estudos têm também mostrado que a percepção tátil possui especificidades
com relação à visão. Citemos aqui as pesquisas de Lederman & Klatsky (2000,
1990), cujos resultados experimentais mostram que o sistema háptico reconhece
mais facilmente um objeto pela sua textura, seu peso ou sua temperatura. Para os
autores, as propriedades formais dos objetos configuradas nos conteúdos
bidimensionais parecem ter pouca utilidade para as pessoas cegas. Estas
diferenças entre o mundo perceptivo visual e mundo perceptivo tátil também são
apontadas com clareza nos relatos sobre pessoas cegas que passam a ver após
operações (Gregory & Wallace, 1963; Sacks, 1999). Eles relatos mostram as
dificuldades dos pacientes em se desprender de seus hábitos perceptivos frente a
um mundo estrangeiro de aparências visuais.
A esta altura, já pode-se entender porque a solução de adaptação da imagem do
Pequeno Príncipe mostrada acima resolve somente parte do problema. O conteúdo
foi disponibilizado ao tato, mas as pessoas deficientes visuais somente poderão
compreendê-lo se possuírem as ferrramentas interpretativas necessárias. Esse
tipo de adaptação segue uma lógica que podemos representar metaforicamente
através da imagem abaixo:

Figure 3 - Mão com pequenos olhos na ponta dos dedos
|
Descrição da imagem: imagem de mão aberta de dedos esticados
Imaginar alguém com pequenos olhinhos na ponta dos dedos é algo um tanto quanto
inusitado, não é mesmo? Surpreendentemente, imagens visuais transpostas em
relevo feitas para pessoas cegas com olhos na ponta dos dedos é o que não faltam
hoje em dia em museus e escolas. Tratam-se de simples transposições em relevo do
conteúdo visual original, pressupondo assim que o problema está somente na
materialidade do suporte e que as pessoas cegas seriam capazes de ler estes
desenhos como se elas pudessem “ver” com os mãos. As imagens táteis produzidas
hoje seguem uma lógica preconcebida de ocularização do tato, fazendo com que, no
fim das contas, nada tenham de tátil (De Almeida, Carijó & Kastrup, 2010).
3. O caso dos livros táteis: ilustrações em relevo e illustrações hápticas
Esta mesma tendência de « ocularização do tato » é observada em ilustrações
táteis destinadas às crianças cegas. Dentre as técnicas mais conhecidas de
adaptação neste campo, constam a técnica de termoformagem com plástico a partir
de moldes, as técnicas de reprodução de linhas de contorno e a técnica de
colagem de texturas. Exemplos destas ilustrações são mostrados abaixo:

Figura 4 - Exemplos de ilustrações táteis | Descrição da imagem: Da esquerda para a direita: 1) Ilustração do livro
Kotkäppchen (A história de Chapéuzinho Vermelho), 1990, Grenzelos, Alemanha –
técnica de termoformagem em plástico. 2)Ilustração do livro Ernest et Célestine:
le Patchwork, 1991, Fellings, Bélgica – Imagem original à esquerda e adaptada em
termogravura (linhas de contorno) 3) Ilustração do livro Roi de Misère (Rei de
Miséria), 2001; Les Doigts Qui Rêvent, França – técnica de colagem de texturas
Nos três casos, trata-se de um universo visual traduzido em relevo. Nos dois
primeiros, a imagem visual de origem é simplesmente duplicada em versão tátil e,
no terceiro, as formas são simplesmente « coloridas » com texturas diferentes
(De Almeida, Carijó e Kastrup, 2010).
Como alternativa a este tipo de prática, é possivel desenvolver um novo modelo
ilustrativo que denominamos « háptico ». O sistema perceptivo háptico, como
vimos acima, refere-se às sensações sensoriais e motoras de nosso corpo quando
realizamos ações como subir uma escada, nadar ou andar de bicicleta.
No esquema abaixo são apresentadas duas ilustrações de casa. No modelo 1, à
esquerda, a casa é representada pelo esquema gráfico visual composto por um
quadrado para a parede e um triângulo para o telhado. No caso de uma criança
cega que percebe esta ilustração através do tato, duas situações são possíveis:
ou essa criança já teve uma experiência prévia com desenhos táteis lhe
permitindo interpretar esta imagem como a representação de uma casa (situação
ainda rara hoje em dia) ou, sem qualquer experiência, ela não poderá estabelecer
uma relação entre as formas tocadas e um objeto percebido. Considerando que esta
ilustração da casa faz parte de uma cultura figurativa e de um mundo visível
desconhecido, ela só podera interpretá-la através de códigos visuais aprendidos.
No segundo modelo que chamamos «háptico », a casa é representada através da ação
pertinente de entrar em casa figurado pelo conceito “porta que abre”. Através de
um sistema de interação de abre e fecha acoplado à página do livro e uma
maçaneta, a criança pode efetivamente abrir e fechar a porta. Na extremidade
direita da porta encontram-se pequenos cortes em forma de pontas que, em contato
com a superfície da página, produzem um som específico de porta abrindo. A
grande vantagem desse tipo de ilustração está no fato de retratar uma
experiência da casa que é a mesma para cegos e videntes. Podemos assim esperar
menos diferenças interpretativas nessas duas situações.de leitura.

Figura 5 - Ilustração visual em relevo e ilustração háptica | Descrição da
imagem: tabela com 3 imagens inseridas: uma imagem de casa e 2 imagens da mesma porta
numa está fechada e noutra uma mão a abri-la.
Nas últimas décadas, o setor da literatura infantil tem se destacado pela
emergência de novas propostas buscando romper com os limites dos livros
ilustrados convencionais. Os novos livros « pop-up » ou os livros-jogo convidam
o leitor a novas experiências de leitura por meio de narrativas originais e
interativas (Boulaire, 2012 ; Fouquier, 2012). Este contexto nos parece bastante
propício para a exploração de novas formas de ilustração fundamentadas em
experiências hápticas. Temos a convicção que estas novas ilustrações pensadas
inicialmente no contexto das crianças cegas tem um potencial de inovação no
campo da literatura infantil em geral, uma vez que propõem sistemas de
manipulação e surpresas sensoriais ricas para todas as crianças.
4. Exemplos de ilustrações hápticas presentes nos livros da editora Les Doigts
Qui Rêvent
A editora Les Doigts Qui Rêvent tem explorado essa proposta de figurar
expêriencias hápticas em seus livros. Au pays d’Amandine dine dine (No país de
Amandine dine dine), primeiro livro editado em 1994, já buscava explorar novas
vertentes ilustrativas baseadas em experiências do corpo. Neste livro, a criança
imita passos de ginástica por meio de elásticos e brinca de gangorra no parque.
Outras ilustrações do tipo háptico são encontradas também nos livros recentes
Wa-Wa (i.e. expressão familiar em francês para designar « banheiro ») e Hiver
Magique (Inverno Mágico). No livro Wa-Wa (2012) que trata das primeiras
apreensões das crianças pequenas quando deixam de usar a fralda, a criança pode
ela mesma puxar a descarga através de um cordão acoplado à pagina (ver figura
6). No livro Hiver magique, editado no mesmo ano, a criança pode « caminhar » na
neve pressionando os dedos contra uma textura específica que reproduz de modo
bastante fiel o barulho e a sensação dos pés caminhando sobre a neve:

Figura 6 - Ilustrações dos livros Wa-Wa e Hiver Magique | Descrição da imagem: Em WaWa (à esquerda) a criança puxa a descarga através de
um cordão e em Hiver Magique (à direita) ela pode “caminhar” na neve.
O conceito de percurso e de trajetória através diferentes espaços e paisagens é
uma nova estratégia explorada nos livros da editora. No novo projeto editorial
La chasse à l’ours (Caça ao urso, título original em inglês : We’re going on a
bear hunt), os criadores exploram uma experiência original baseada nesta ideia
de percurso. Uma primeira adaptação tátil deste livro publicado em inglês em sua
versão original foi realizada por Susette Wright da American Printing House for
the Blind (APH). Solène Négrerie, ilustradora da editora Les Doigts Qui Rêvent
trabalhou em uma segunda versão com a ajuda de dois estudantes da Escola
Superior de Arte de Lorraine-Epinal (França). A ideia do projeto é fazer com que
a criança se sinta realmente imersa em paisagens diversas como a floresta, o
campo e a neve. Para isso, se utilizou um botão que desliza através de um
elástico de uma extremidade a outra da página, imitando a trajetória do corpo
através diferentes paisagens.

Figura 7 - Ilustrações do livro La Chasse à l’Ours | Descrição da imagem: Adaptação do livro La Chasse à l’Ours: através de um botão
que desliza de uma extremidade a outra da página, nos encontramos imersos em
ambientes como a floresta ou a neve.
5. Perspectivas futuras
Os novos projetos de pesquisa e desenvolvimento da editora Les Doigts Qui Rêvent
buscam igualmente testar um novo método de criação de ilustrações táteis.
Buscando evitar uma estratégia do tipo « projetiva » (um vidente que se coloca
no lugar de uma pessoa cega), um novo método de criação participativa está em
fase de teste. Tomando como base uma metodologia em Pesquisa-ação e em Design
participativo trata-se de desenvolver oficinas de criação de livros ou
ferramentas educativas multissensorias contando a com participação de pessoas
cegas, professores, designers e artistas.
Um primeiro projeto de criação participativa sobre o tema da história em
quadrinhos teve início em novembro de 2013. Foram realizados 6 encontros de
experimentação multissensorial sobre o tema da história em quadrinhos com um
grupo de 10 adolescentes deficientes visuais. Durante as oficinas, o grupo
coordenado pela pesquisadora e a ilustradora da editora Les Doigts Qui Rêvent
tinha como meta criar uma mala pedagógica multissensorial sobre o tema da
história em quadrinhos para ser futuramente utilizada como recurso de mediação
em bibliotecas. A mala está neste momento em fase de teste (mais informações
sobre este projeto podem ser consultadas no site :
https://accessibibabf.wordpress.com/2014/10/31/un-coffret-multi-sensoriel-sur-la-bande-dessinee-concu-par-et-pour-les-enfants-non-voyants/ ).
Em novembro de 2014, foi iniciado um segundo projeto onde serão realizadas
oficinas de criação participativa de um livro com um novo grupo de crianças
cegas.
As propostas de um novo modelo ilustrativo e de novas opções metodológicas
aplicadas aos projetos da editora Les Doigts Qui Rêvent buscam apontar novos
caminhos e possibilidades para as práticas de adaptação no campo do livro tátil.
Busca-se ir além de uma mera reprodução de padrões visuais propondo uma nova
prática editorial baseada em um princípio de igualdade e de valorização das
múltiplas formas de perceber o mundo.
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ϟ
Dannyelle Valente (2015).
Novas ilustrações hápticas em livros táteis para crianças
cegas.
In C. Mangas, C. Freire & M. Francisco (Orgs.), Inclusão e Acessibilidade
em Ação - Diferentes percursos, um rumo.
Leiria: iACT/IPLeiria,
Artigo 8.
Universidade Paris 1, Panthéon-Sorbonne/ Comunicação decorrente da Conferência
Internacional para a Inclusão - INCLUDiT
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