
O ponto de vista deste artigo é que um trabalho junto a portadores de deficiência visual implica, necessariamente, conhecimento do referencial próprio que o norteia. Nesse sentido, esta
comunicação apresenta-se, aos que lidam com o portador de deficiência visual, como um convite para refletirem sobre os fundamentos da própria ação.
A linha central aqui proposta é que se pense sobre o ato de
educar, retornando às origens do ato de conhecer, isto é, o perceber, perguntando-se sobre as bases do próprio conhecimento:
-
— Como, através dos órgãos dos sentidos, em contacto com as
coisas ao redor, vão-se organizando informações e sendo formadas concepções?
-
— Quais são os caminhos para construção desse mundo em que
cada um habita, no qual age e no qual se inter-relaciona com pessoas e objetos culturais e físicos?
-
— Na falta de um dos órgãos dos sentidos os caminhos seriam
os mesmos?
-
— Como seria o ato de perceber na ausência do sentido da
visão?
-
— Como seria nessa condição o ato de conhecer?
-
Essas perguntas permeiam esta exposição referente à concepção
de deficiência visual, à avaliação e à ação educacional junto ao portador de deficiência visual.
Numa retomada panorâmica, sem aprofundamentos, é aqui apresentado como tem se desenvolvido a educação do portador
de deficiência visual, bem como a formação do professor de Educação Especial. No decorrer dessa exposição, vai-se delineando a proposta de uma perspectiva de ação junto ao
portador de deficiência visual, considerando seu próprio
referencial perceptual. Finalmente, são feitas referências a um
projeto desenvolvido nessa perspectiva, com o propósito de
ilustrar como, na prática, ela tem sido concretizada.
Antes de fazer referência a quaisquer dados, é importante
assinalar que, educacionalmente, os portadores de deficiência
visual são divididos em dois grupos: cegos e portadores de visão
subnormal. Tradicionalmente, a classificação tem sido feita a
partir da acuidade visual: sendo cego aquele que dispõe de
20/200 de visão no melhor olho, após correção; e portador de
visão subnormal, aquele que dispõe de 20/70 de visão nas mesmas condições. Essa delimitação pela acuidade visual tem, porém, para fins educacionais, mostrado ser pouco apropriada,
dando-se preferência àquela referente à eficiência visual. Dessa
forma, neste trabalho, foi adotada a definição sugerida pela
American Foundation for the Blind, na qual criança cega é
aquela "cuja perda de visão indica que pode e deve funcionar
em seu programa educacional, principalmente através do uso
do sistema Braille, de aparelhos de áudio e de equipamento especial, necessário para que alcance seus objetivos educacionais
com eficácia, sem o uso da visão residual. Portadora de visão
subnormal, a que conserva visão limitada, porém útil na aquisição da educação, mas cuja deficiência visual, depois de tratamento necessário, ou correção, ou ambos, reduz o progresso
escolar em extensão tal que necessita de recursos educativos".
Esta definição educacional volta-se, assim, para as possibilidades do aluno. Ao invés de estabelecer precocemente uma delimitação numérica e rígida de seu potencial, focaliza-o primeiramente naquilo que sabe e pode fazer e, posteriormente, naqueles que são seus limites. Implicitamente fica assinalada a
importância de conhecer a criança na sua totalidade, voltando-se antes para o que ela tem em comum com as demais crianças,
para depois focalizar as diferenças existentes entre elas.
Ao preparar-se para um trabalho educacional junto ao portador
de deficiência visual, fica dessa forma sugerido ao educador que
se detenha em perguntas tais como: Qual a definição de deficiência visual que adoto para minha proposta de ação? Quais
são as implicações dessa definição para minha ação?
Pinceladas históricas
A primeira preocupação, no Brasil, com a educação de deficientes, apareceu a 12 de setembro de 1854. O imperador Pedro II
baixou o Decreto Imperial nº, 1.428, criando o Imperial Instituto
de Meninos Cegos — marco inicial da educação de deficientes
visuais no Brasil e América Latina. Após o advento da República esse Instituto passou a denominar-se Benjamin Constant,
única instituição encarregada da educação de deficientes visuais no Brasil até 1926, quando foi inaugurado, em Belo Horizonte, o Instituto São Rafael. Em 1934 o Instituto Benjamin
Constant foi autorizado a ministrar o curso Ginasial, que em
1946 foi equiparado ao Colégio Pedro II.
Em 1927 foi fundado em São Paulo, o Instituto para Cegos
"Padre Chico" (1), que adquiriu personalidade jurídica em 1928,
sendo reconhecido de utilidade pública estadual e federal em
1960 e 1968, respectivamente.Em 1935, é apresentado por Cornélio Ferreira França à Assembléia um projeto de lei com o objetivo de criação do lugar do
professor de primeiras letras para cegos e surdos-mudos.
Em 1945, foi implantado no Instituto de Educação Caetano de
Campos, em São Paulo, o primeiro curso de especialização de
professores, oficializado através do Decreto Lei nº 16.392, de
02/12/1946.Em 1946, foi criada a Fundação para o Livro do Cego no Brasil,
instituição para imprimir livros em caracteres braille — passo
importante para a descentralização da educação especializada.
Em 1947, o Instituto Benjamin Constant e a Fundação Getúlio
Vargas, em regime de cooperação, realizaram o curso de caráter
intensivo destinado à especialização de professores para deficientes visuais. A partir de 1951, foram realizados cursos de
especialização de professores e inspetores para DV, com alunos
de diferentes unidades federativas.
Em 1950, em caráter experimental, foi instalada nas escolas
comuns a la classe braille do Estado de São Paulo. Sua oficialização se deu em 1953, pela Lei nº 2.287, regulamentada
pelo Decreto nº 26.258, de 12/08/56. Nessa mesma década se
admitiu a matrícula do aluno cego no 29 ciclo do curso secundário e o Conselho Nacional de Educação permitiu oficialmente
o ingresso de estudantes cegos em Faculdades de Filosofia.
A freqüência em escolas comuns ampliou-se e não deixou dúvidas quanto à possibilidade de ajustamento social do aluno DV
e em nível satisfatório de seu desempenho de aprendizagem.
Paralelamente à expansão das oportunidades educacionais oferecidas ao portador de deficiência visual, foi se consolidando a
formação de professores especializados.
Conforme assinala Mazzotta (1993) numa revisão histórica da
trajetória paulista, a formação de professores de Educação Especial, nesse estado, ocorreu como especialização de 2º grau,
durante mais de uma década. Iniciando a implantação de cursos regulares, o governo do Estado de São Paulo, a 31 de maio
de 1955, através do Decreto nº 24.606-A, autorizou o funcionamento de um curso de especialização para o ensino de cegos, no
Instituto de Educação Caetano de Campos na cidade de São
Paulo, com a duração de um ano. A mesma autorização permitia que dez professores primários (cinco da capital e cinco do
interior) freqüentassem esse curso, sem prejuízo de vencimentos e demais vantagens de seus cargos. Esta medida assinala o incentivo e apoio governamental à concretização de
condições educacionais para integração educacional e social do
portador de deficiência visual.
Em 1967, em caráter experimental, foi criado no Instituto de
Educação Caetano de Campos um curso de formação de professores de excepcionais, denominado Unidade de Educação
Especial, com duração de dois anos, em período integral, destinado a formar professores das quatro áreas de especialização:
deficientes auditivos, físicos, mentais e visuais. O curso era
composto de aulas teóricas e práticas, seminários e estágios de
observação e atuação.
Após dois anos de funcionamento em caráter experimental, a
Unidade de Educação Especial do Instituto de Educação Caetano de Campos foi instalada por Decreto para "treinamento e
especialização de professores para a educação de excepcionais".
Para os professores de deficientes visuais, foram instaladas
duas classes de recursos para DV, comportando cada uma dez
alunos. Novamente, cabe assinalar a instalação de condições
apropriadas para a formação teórica e prática do professor de
Educação Especial, através de medidas governamentais.
Os cursos de especialização ou aperfeiçoamento de nível de 2º
grau foram extintos pela Deliberação CEE nº 15/71. Em 1972,
funcionaram, nos estabelecimentos oficiais, apenas as turmas
iniciadas em 1971, que concluíam os cursos. Esta Deliberação,
que à primeira vista pode parecer uma interrupção no processo
de estruturação da educação do portador de deficiência visual,
na realidade constituiu um marco, revalorizando a Educação
Especial. A extinção da formação educacional em nível secundário revelou o reconhecimento de que a Educação Especial requer aprofundamento de estudos e um profissional que disponha não só de recursos técnicos, mas de fundamentação teórica para refletir sobre sua ação e ter clareza sobre suas
decisões.Após um intervalo de cinco anos, iniciou-se, no Estado de São
Paulo, a formação de professores para Educação Especial em
nível de 3º grau, incluindo: uma parte comum, constante de disciplinas de formação pedagógica, e uma parte diversificada,
compondo a habilitação em ensino de deficientes visuais, com
disciplinas específicas, ministradas através de aulas teóricas e
estágios supervisionados.
Pinceladas sobre a atual situação educacional
Os dados, expostos a seguir, foram coletados de conversas informais com pessoas ligadas à Educação Especial, em cada um
dos locais referidos e expõem condições da educação do deficiente visual em escolas públicas.
No Estado de São Paulo, a Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP) da Secretaria de Educação, coordena a
Educação Especial nas escolas públicas estaduais.
O acompanhamento aos escolares, deficientes visuais de lº e 2º
graus que freqüentam essas escolas, é feito em salas de recursos (48 na capital e 62 no interior). Os alunos atendidos são
na grande maioria de lº grau, nível I, em menor número de nível II e poucos os de 2º grau.
À professora responsável pela sala de recursos cabe: o assessoramento à professora da classe comum, no atendimento ao aluno DV em sua classe; a transcrição de textos para o braille para
os alunos cegos acompanharem o que é dado pela professora do
ensino comum; a transcrição do braille para a escrita cursiva,
de lições e provas, para que a professora da classe corrija da
mesma forma que o faz com os demais alunos; a complementação de lições que requeiram a utilização de recursos e materiais
específicos.As professoras responsáveis por essas funções, e que ocupam as
vagas das 110 salas de recursos para deficientes visuais no Estado de São Paulo, têm diferentes níveis de formação. Isso revela discordância entre as Regulamentações e Indicações estaduais, particularmente a Deliberação CEE nº 13.173, e o que
ocorre na realidade das escolas.
Conforme assinala Mazzotta (1993), há três habilitações para
o ensino de deficientes visuais (uma na capital, uma em Santos, uma em Marília, instaladas respectivamente em 1983, 1979
e 1977). Essas, sem dúvida, respondem à formação de professores em número suficiente para o preenchimento dessas vagas.
Cabe, pois, perguntar o porquê de isso não ocorrer.
Esta questão fica ainda mais instigante frente a outras infor
mações como as que seguem. Há vagas sendo ocupadas por professores cuja formação é de 2º grau e que dispõem apenas de
informações específicas recebidas em cursos de extensão de 30
horas. Há professores que cursaram apenas o 2o grau e que não
tiveram nenhuma formação específica, aprendendo na prática
do atendimento. O professor especializado, com formação em nível superior e habilitação no ensino de deficientes visuais,
trabalhando nas salas de recursos, recebe a remuneração de
professor nível III, mais 20%. Isto, porém, não é suficiente para
atraí-lo. O que leva professores habilitados em ensino de deficientes visuais a não ingressarem nessa carreira, nas escolas
públicas que oferecem vagas?Para os estudantes universitários, não há qualquer tipo de
atendimento. A CENP é solicitada a intervir por ocasião do exame vestibular, quando o Departamento de Recursos Humanos
da Secretaria de Educação requisita seus serviços para redações em braille ou para transcrições de provas.
Na Bahia, a formação de professores de Educação Especial
ocorre esporadicamente, como "curso adicional" regulamentado
pelo Conselho Federal de Educação. Não há regulamentação alguma quanto à Educação Especial, e os cursos ministrados têm
sido aprovados pelo Conselho Estadual. Os cursos de 720 horas,
com duração de um ano, são oferecidos aos professores que fizeram Magistério em nivel de 28 grau. Esse curso dá-lhes o direito de trabalharem em escolas públicas com deficientes
visuais e recebem como professores nível II mais 20%.
Atualmente, aproximadamente 70 alunos são atendidos em 15
ou 20 escolas públicas estaduais, distribuídas na cidade de
Salvador e outros quatro municípios do interior. Até o presente
ano, o atendimento nessas escolas tem sido feito a alunos até
a 4* série. Instituições particulares, até o ano passado (1993),
ofereciam atendimento a alunos de 29 grau.
As professoras que acompanham os alunos deficientes visuais
o fazem através de ensino itinerante, visitando várias escolas.
Não há atendimento a estudantes universitários deficientes visuais. Estes costumam, quando necessário, recorrer à Biblioteca
Central de Salvador, que conta com uma equipe de copistas e
ledores voluntários.
Em Minas Gerais, a formação de professores de Educação Especial tem sido de nível médio, organizado pelo Instituto para
deficientes visuais São Rafael.
A Faculdade de Ciências e Letras de Belo Horizonte organizou
um Curso de Educação Especial de Pós-Graduação lato sensu
de 360 horas, constando de um tronco comum e uma parte específica sobre as quatro áreas de deficiência. Esta parte
específica foi programada para ser mais flexível, variando o
conteúdo e a abordagem de um curso para outro. Não foi, contudo, viabilizado devido a questões de custos, tendo funcionado
apenas quando o estado ofereceu bolsas de estudos a professores, para cursarem.
O Instituto São Rafael atende a alunos de 1a à 8a série. Aquele
que queira continuar os estudos passa então para a escola
comum, ficando totalmente sob sua responsabilidade encontrar
recursos para isso. E muito esporádico o atendimento a esse
aluno por parte de um professor itinerante do Instituto São
Rafael.
A Prefeitura de Belo Horizonte conta com nove regionais. Em
sete dessas regionais serão instaladas salas de recursos. Duas
dessas ficarão fora desse plano, por contarem já com escolas
especiais. Uma professora polivalente ficará em cada uma dessas salas de recursos para atender a qualquer tipo de portador
de deficiência. Essas professoras receberam para essa função
treinamento de 24 horas.
No Paraná a formação do professor de Educação Especial é feita tanto em nível de 2º grau como de 3º grau. O de 2º grau,
como curso adicional, com a duração de 350 horas, é realizado
no Instituto de Educação do Paraná e equivale ao 4a ano do
Magistério, ficando assim apostilado no diploma. O de 3º grau,
curso de especialização em Educação Especial, tem um núcleo
comum e especializações em áreas de deficiência (ou visual, ou
auditiva, ou mental). Essa especialização é oferecida pela Faculdade Tuiuti e também pela Faculdade Federal do Paraná e
tem duração de 500 a 650 horas.
Os cursos de 2º grau recebem financiamento do estado, através
de verbas ou bolsas.
Os professores que trabalham junto aos deficientes visuais ou
têm o diploma do curso adicional ou do curso de especialização.
Os portadores de deficiência visual freqüentam escolas estaduais e são atendidos pelos professores especializados. Não
foram obtidas informações sobre número de alunos nem de escolas, nem de professores.
O estudante universitário não recebe qualquer tipo de ajuda específica para seus estudos.
No Rio de Janeiro, a formação do professor em Educação Especial é de modo geral de nível secundário. O professor permanece durante um ano trabalhando e tem o prazo de um ano
para fazer um dos cursos de dois meses oferecidos pelo Instituto Benjamin Constant. São cursos de nível técnico como
aprender braille, sorobã, etc. Esse professor é o que atende a
alunos deficientes visuais de 1a a 4a série. O professor de 5a a
8a série é um professor de nível universitário, que não tem
habilitação, mas apenas uma formação básica, sem aprofundamentos no ensino especializado.
O Instituto Benjamin Constant oferece cursos de especialização
de 360 horas para professores que têm curso superior. Não são,
porém, cursos regulares e não são abertos a muitas pessoas.
O atendimento de alunos na cidade do Rio de Janeiro é feito em
escolas públicas municipais e estaduais de 1° grau, em salas de
recursos.
Há 12 salas de recursos para escolas municipais, cada uma deIas atendendo aproximadamente a seis alunos.
A educação municipal atende a um total de 74 crianças no 1.º
grau, sob orientação do Instituto Helena Antipoff.
Não foram obtidos dados referentes a escolas estaduais, nem
aos estudantes universitários.
Frente à divergência entre o que é previsto em lei e o que
ocorre na realidade das escolas, cabe perguntar: Quais as con
dições para viabilizar a integração do portador de deficiência
visual nas escolas públicas? Há verbas para remuneração ade
quada de professores especializados, bem como para instalação
de recursos necessários à complementação educacional do DV?
Quais medidas legais asseguram ao portador de deficiência visual seu direito de receber educação que propicie seu desenvolvimento? Que medidas garantem cumprimento do previsto
em lei?Essas questões, que dizem respeito à política da educação, mais
especificamente à Política da Educação Especial no Brasil,
demarcam os limites da ação educacional e da integração do
portador de deficiência visual.
Nos dois subtítulos seguintes, em que se propõem refletir sobre
as bases de uma proposta educacional e sobre a avaliação do
DV, nas questões levantadas estão implícitas delimitações da
política educacional. É, no entanto, o conhecimento desses limites que poderá propiciar aos responsáveis pela educação do
portador de deficiência visual maior lucidez sobre a situação e
aceitação do desafio de buscar caminhos para ultrapassá-los.
A análise da bibliografia especializada (de livros sobre a educação do deficiente visual, bem como de livros e cartilhas para
uso dos deficientes visuais) revelou que esta tem como base o
referencial perceptual da visão (Masini, 1994). Como conseqüência, em lugar de o programa educacional partir das possibilidades (características próprias do portador de deficiência
visual) parte dos limites (do não dispor ele de visão, ou dispor
apenas de um resíduo visual). Assim, a programação tem sido
guiada pela ausência e se faz sob um referencial de programa
compensatório ou de recuperações.
Como poderia ser diferente disso?
Como se poderia orientar a
educação do portador de deficiência visual?
A definição do rumo a seguir, pelo educador, poderia ter como
passo inicial a retomada do sentido do termo orientação. Em
português, orientação é o mesmo que guia, direção e vem do latim origo-inis que significa fonte, origem. Assim, tomando esse
sentido original, para fazer orientação (propiciar o surgimento
ou nascimento) é indispensável tornar visível o que está nascendo. Para a orientação de um aluno, para deixá-lo nascer e
se revelar em sua própria forma de ser, o professor precisa estar atento à maneira que a criança percebe e explora o que a
cerca, organiza o que apreende, e comunica-se com os outros e
com o meio que a cerca; é a maneira que ele, professor, lida
com tudo que o aluno manifesta. Isto é essencial para a reflexão do educador, quando se fala de orientação do DV; implica
que ele examine se seu trabalho com a criança está levando em
conta o ponto que a diferencia das demais; ou pelo contrário,
desconsidera as características próprias de DV e trabalha com
ela a partir de referencial visual.
Na prática cotidiana, no entanto, não é fácil reconhecer essas
duas alternativas, pois o educador nasceu em e pertence a uma
cultura construída e adquirida através da visão. Como afirmam
Telford e Sawrey (1976), bem como outras pessoas ligadas à
educação, 85% de nosso conhecimento é adquirido visualmente.
Numa pesquisa realizada com DVs, Gottesman (1976), entre
outros dados, mostra: sujeitos cegos, bem ajustados e integrados com seus familiares e com o ambiente, foram na infância
bem aceitos e tratados primeiro como crianças e depois como cegos, realizando rotinas domésticas com seus irmãos. Este autor
e outros pesquisadores e educadores afirmam: a cegueira em si
não causa problemas à criança, se ela for devidamente orientada em seu processo educacional. Os problemas nascem da atitude dos pais videntes em relação à criança cega, de situações
sociais, da inadequação do ensino.
Muitos dos problemas poderiam ser evitados se os educadores,
pais ou professores, tivessem acesso à maneira de o DV perceber e relacionar-se. Seria importante que não perdessem de
vista que, na sua totalidade, essa criança tem mais pontos semelhantes às demais, do que pontos diferentes. Assim, antes de
mais nada, ela precisa de cuidados físicos, de afeição, de segurança e de atendimento.às suas necessidades. O que a torna
diferente dos outros é o fato de não dispor de visão e este é o
ponto básico a ser considerado. Nesse sentido, são apresentados
a seguir alguns itens que poderão auxiliar os educadores a prevenir problemas causados pela cegueira.
-
— Buscar as vias de comunicação que a criança tem com o
mundo, tomadas em dois ângulos: a) para transmitir conhecimentos através de dados que se refiram aos sentidos que ela
dispõe; se as informações forem de um referencial visual, a
criança poderá repeti-las sem elaborá-las, utilizando uma linguagem para a qual ela não dispõe de significados; b) para propiciar condições para que ela explore e compreenda o mundo ao
seu redor, organizando o que aprendeu através dos sentidos de
que dispõe.
-
— Respeitar o tempo que a criança DV necessita para explorar
o mundo. A ausência da visão constitui perda da percepção
mais imediata e globalizante. Assim, é necessário substituir a
coordenação visuomotora pela audiomotora: desenvolver a coordenação motora e a locomoção para ter noção das relações espaciais. A falta de estímulos visuais, que são em maior número
do que os auditivos, faz com que os significados atribuídos através dos sons se dêem muito mais lentamente, necessitando serem acompanhados pelo toque, ou serem produzidos pela própria criança.
-
— Evitar excesso de proteção, pois isso prejudica o desenvolvimento da criança. Do ponto de vista da locomoção, procurar
organizar o ambiente de forma que a criança cega se movimente e explore, sem deparar-se com situações desagradáveis e
frustrantes (como, por exemplo, trombar com móveis, ou derrubar objetos, fora do lugar). Contudo, há dificuldades que
fazem parte do aprendizado e que o educador poderá evitar. A
criança precisa passar por riscos e enfrentá-los, para adquirir
segurança e autonomia. Do ponto de vista da comunicação, a
criança DV precisa ter oportunidade de esforçar-se: precisa
aprender a localizar o que quer e saber solicitá-lo adequadamente, sem que seus desejos sejam antecipados pelos que lidam
com ela.
O educador não pode esquecer-se de que a deficiência visual
constitui uma privação de estímulos e de informações do meio
ambiente. Portanto, sua grande preocupação deverá ser de encontrar os caminhos para o DV ampliar seu contacto com o
mundo que o cerca: de um lado, ampliando sua percepção e
compreensão dos conhecimentos; de outro, intensificando suas
relações e comunicação com os que o cercam.
O que se está reiterando é a necessidade de o professor buscar
uma linha diretriz para seu trabalho, atento a aspectos que o
ajudarão a definir a orientação a ser dada ao processo educacional do DV. Os itens acima citados, referentes a pontos que poderão evitar problemas causados pela deficiência visual, estão
implicitamente trazendo uma preocupação com a atitude do
educador; revelam que o importante não é ter apenas informações e técnicas para lidar com o DV, mas sim desenvolver uma
reflexão sobre a própria ação.
Não se tem a pretensão de dar normas ou apontar soluções para a orientação educacional do DV, mas tão somente fazer um
convite para que se reflita sobre as vias do próprio conhecimento e no que este se diferencia dos que se situam no mundo
sem a visão. A intenção é apenas a de lembrar que utilizando
um referencial impróprio para trabalhar com o DV, corre-se o
risco de simplesmente rotulá-lo, sem contribuir para seu desenvolvimento.
Cabe ao professor a avaliação pedagógica do portador de deficiência visual. Para isso, alguns pontos precisam estar claros,
merecendo destaque os que dizem respeito aos objetivos; à priorização do produto ou do processo; à diferenciação entre avaliação do cego e do portador de visão subnormal.
Objetivos
Para traçar um procedimento de avaliação, o professor precisa
definir seus objetivos e a maneira de poder atingi-los, demarcando se a meta da avaliação é: a de determinar o nível de
funcionamento para planejar um programa educacional apropriado ao DV; ou a de considerar as condições de ele acompanhar um programa de classe comum. No primeiro caso, a avaliação estará voltada para o progresso individual a partir de
objetivos previamente delimitados por um programa de ensino
especial. No segundo caso, estará voltada à comparação das
realizações do indivíduo DV às dos alunos da classe comum.
Nesta situação de aprendizagem junto a pessoas videntes será
necessário também avaliar a capacidade de compreender, interpretar e obedecer instruções dadas a um grupo.
Essas são metas importantes para uma avaliação educacional
completa.
Produto ou processo
Na escola, muitas vezes, o habitual é que se definam os procedimentos. Isso pode ocorrer em vários aspectos da atuação do
professor, entre eles a forma de avaliar o aluno.
Pensar sobre as formas de avaliação adotadas é um recurso para o professor saber sobre as convergências e divergências das
ações que se propõe e as que têm desenvolvido. Poderá ajudá-lo
a refletir sobre sua própria ação, esclarecer para si mesmo se
o que busca com a avaliação é a conformidade das respostas do
aluno ao que é ensinado, ou o conhecimento de como o aluno
elabora as informações dadas. Se suas correções baseiam-se nas
respostas dadas pelo aluno, estará voltado para o produto, avaliando-o a partir de um referencial exterior a ele. Se suas
correções baseiam-se na análise de como o aluno procede para
responder, estará voltado para seu processo, para o próprio referencial dele, seu ato de perceber, seu ato de conhecer.
Ao priorizar uma dessas formas de avaliação, o professor estará
revelando como vivencia sua definição de deficiência visual e os
objetivos de sua ação educativa. No caso da avaliação do portador de deficiência visual esta questão é prioritária, considerando que o professor, como vidente, dispõe de pouca experiência sobre o perceber sem a visão. Assim, para poder programar
sua ação educacional, ele necessita, nesta situação específica,
interrogar-se e descobrir se tem oferecido condições para o que
o portador de deficiência visual tem a dizer-lhe de seus próprios
caminhos para perceber e conhecer.
Avaliação do cego e do portador de visão subnormal
Como afirma Barraga (1983), uma questão que exige atenção
especial é a que diz respeito aos critérios de avaliação do cego
e dos portadores de visão subnormal. Serão diferentes os tipos
de capacidade de aprendizagem do cego e das pessoas que têm
alguma visão residual? Se essas capacidades são diferentes, em
que aspectos diferem e como poderão ser avaliadas? Estas perguntas constituem especificações das que aparecem no item anterior.
Tratando-se do cego ou do portador de visão subnormal, é importante que se investigue:
— como está o processo de aprendizagem, localizando suas facilidades e dificuldades;
— se há dificuldades que provêm de outros fatores e não da deficiência visual, e que requerem parecer de outros especialistas
(psicólogo, neurologista, fonoaudiólogo, etc).
Ao lado disso, no caso do portador de deficiência visual, faz-se
necessária uma abordagem adequada não só do que se refere
a comportamentos e habilidades acadêmicas, como também dos
aspectos funcionais de seus modos de:
-
— realizar as atividades pessoais;
-
— relacionar-se com outras pessoas;
-
— usar seu corpo e seus sentidos;
-
— desempenhar-se na sala de aula;
-
— usar habilidades que lhe permitam participar da sociedade
mais amplamente.
Na seleção dos instrumentos de avaliação (provas, testes, questionários, atividades de execução) para ter claro um quadro de
possibilidades do aluno, em seus aspectos acadêmicos e funcionais, o professor se depara com outras perguntas para sua
reflexão, tais como:
-
— Até onde os instrumentos são adaptações de materiais organizados para avaliar o mundo do vidente?
-
— Que instrumentos permitem avaliar habilidades e comportamentos provenientes de uma organização que não se baseie no
visual?
Quanto mais completa a avaliação mais se terá condições para
uma programação que propicie, desenvolvimento, aprendizagem
e preparo para a integração social do portador de deficiência visual. Nesse sentido, a avaliação vai além das atividades acadêmicas em busca do significado da ação educacional para a integração social do DV, esclarecendo se, e em que aspectos,
propiciam crescimento da autonomia do DV para sua convivência e sobrevivência social.O professor, embora figura central na
avaliação educacional do portador de deficiência visual, necessita do auxílio de outros profissionais. O ponto de partida
para delinear um plano educacional apropriado é, pois, o conjunto de dados sobre o funcionamento do aluno e informações
do oftalmologista, conforme aparecem a seguir.
A obtenção destas informações requer um contacto com o DV
em ambientes familiares, onde ele se sinta mais a vontade para
mostrar o que sabe e o que não sabe. O professor poderá obter
esses dados, observando a criança em situações informais, no
que diz respeito à sua mobilidade em seu ambiente pessoal e no
seu relacionamento cotidiano. Isso pode ser feito em diferentes
situações no ambiente escolar; na sala de refeições; na movimentação pelo prédio escolar; na participação em sala de aula;
no uso de materiais pessoais e escolares; na forma de relacionar-se com pessoas e ambientes.
Informações do exame oftalmológico e optométrico sobre extensão das condições da visão e das partes do olho e visão
afetadas; se a pessoa dispõe de visão residual e se esta é periférica ou central, sobre as condições de a pessoa se esforçar
para enxergar e o cansaço resultante daí (para saber sobre o
material a ser utilizado quanto ao tamanho e tipo a ser usado
pelo professor em sala de aula) e, também, sobre o tempo que
a criança consegue permanecer na atividade.
É importante saber da acuidade visual para perto e para longe,
pois a primeira é utilizada na situação escolar e a segunda re
laciona-se com a possibilidade de locomover-se e relacionar-se
nesse ambiente.
O que dizem esses dados sobre a educação do portador de
deficiência visual?
Essa questão pode ser abordada de diferentes perspectivas.
Optamos por retomar o que se refere à realidade escolar como
pano de fundo para repensar a educação do portador de deficiência visual.
A situação pouco profícua do ensino de deficientes visuais nas
escolas públicas revela a pouca importância a ela atribuída.
Essa falta de atenção pode ser constatada pela: a) absoluta ausência de controle e exigências referentes ao professor que está
trabalhando, pois ocupam o mesmo cargo tanto os que têm habilitação em nível superior, quanto àqueles que nunca receberam formação específica; b) heterogeneidade quanto ao nível de
formação do professor especializado nos diferentes estados, o
que equivale a dizer que qualquer conhecimento é válido para
educar o portador de deficiência visual.
Esses dois itens surgem dos dados sobre a educação do portador
de DV e imbricam, por sua vez, questões ligadas às universidades que oferecem habilitação para o ensino do deficiente visual.
Nesse sentido, são válidas perguntas do tipo "Como se posicionam essas universidades quando professores por elas formados,
no desempenho de suas funções, são equiparados a outros dos
quais nenhuma formação é exigida?" "Essas universidades estão convictas de que seus professores especializados estão habilitados para uma ação educacional que integre social e profissionalmente o portador de deficiência visual?" "O corpo docente
da Habilitação está compromissado com a educação do portador
de deficiência visual e com investigações que ampliem conhecimentos e recursos para sua ação?" "Estas universidades dispõem de estrutura para que o professor na Habilitação se familiarize com recursos imprescindíveis num trabalho junto ao
portador de deficiência visual tais como: punção, reglete, máquina de datilografia braille, socobã, cubaritmo, optacon, lentes
de ampliação, lupas, etc.?". Essas e muitas outras questões dizem respeito a condições básicas que viabilizam a formação de
professores especializados e conseqüentemente a educação do
portador de deficiência visual.
O descaso ou a pouca importância atribuída à Educação Especial e às investigações nessa área, por outro lado, revelam
por parte dos educadores em geral desconhecimentos ou esquecimentos.
O estudo das deficiências tem historicamente constituído a origem dos avanços na compreensão do funcionamento mental e
do desenvolvimento de pessoas normais. Há mais de 100 anos,
em 1861, o médico francês Paul Broca descreveu padrões de dificuldades da fala resultantes de lesões no hemisfério esquerdo
do cérebro, nos quais a articulação e sintaxe da fala estão prejudicadas (ou totalmente ausentes), mas os padrões de compreensão e pensamento apresentam pequeno ou nenhum comprometimento.
Treze anos mais tarde, Carl Wernicka (1874) descreveu outro tipo diferente de afasia, que resulta de lesão em
região posterior do hemisfério esquerdo, no lobo temporal. Nesta afasia, a fala é rápida e fluente, estando a articulação e
sintaxe relativamente não afetadas, mas o conteúdo semântico
está ausente ou bastante prejudicado, tanto na produção do discurso, como na compreensão. Assim, o conhecimento sobre a
sintaxe e semântica da linguagem e a fisiologia do cérebro, relacionada a esses componentes, emergiu do estudo de deficiências da comunicação verbal.
Estudos sobre linguagem de sinais
utilizados por deficientes auditivos mostraram que, como a
linguagem escrita e falada, esta tem uma estrutura sintática e
semântica próprias, ampliando a compreensão sobre a linguagem humana. O conhecimento sobre deficiências ou desvios em
áreas da afetividade e comportamento contribuíram para compreensão do desenvolvimento e características da personalidade
dos seres humanos em geral. Da mesma forma, investigações
sobre as características perceptuais e cognitivas do deficiente
visual deverão ampliar aquilo que se sabe sobre percepção,
cognição e a maneira de o ser humano organizar informações
e agir no mundo que habita. Essas investigações requerem, no
entanto, clareza de objetivos e pessoas habilitadas que estejam
junto ao deficiente visual, interrogando-o e registrando o que
ele tem a dizer. É neste sentido que se impõe a formação de
professores especializados, bem fundamentados e comprometidos com a orientação dos rumos da educação do portador de deficiência visual; com uma avaliação do portador de deficiência
visual que possa mostrá-lo naquilo que ele tem de específico ao
habitar o mundo que percebe, por caminhos até agora desconhecidos para os que dispõe da visão como sentido predominante.
Breve relato de um projeto
Com o propósito de investigar os caminhos perceptuais do portador de deficiência visual, em ações educacionais junto a ele,
foi desenvolvido o projeto resumido a seguir.
Este projeto tem sido desenvolvido na Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo desde 1990, fundamentado na
proposta de Masini (1994), com os seguintes objetivos:
-
— desenvolver possibilidades dos portadores de deficiência
visual no sentido de sua autonomia;
-
— desenvolver atividades da vida diária, de forma criativa e
não repetitiva;
-
— desenvolver habilidades específicas dos portadores de deficiência visual para exercerem atividades ocupacionais remuneradas ou não;
-
— realizar estudos situacionais sobre o desenvolvimento de habilidades de portadores de deficiência visual em atividades cotidianas;
-
— registrar, de forma sistematizada, as condições requeridas
para o desenvolvimento de habilidades de portadores de
deficiência visual para atividades de vida cotidiana (doméstica
ou não);
-
— oferecer subsídios à capacitação de educadores e outros
profissionais que lidam com deficientes visuais.
Esta é uma realização da área de Educação Especial dessa Faculdade, voltada para a prestação de serviços à comunidade. É
uma proposta que coloca o "saber acadêmico" a serviço das demandas dos portadores de deficiência visual e de seus educadores, numa dupla função:
-
— educa funcionalmente cegos e portadores de visão residual,
em situações de vida diária, através de cursos (2);
-
— sistematiza recursos para subsidiar a formação de educadores e outros profissionais que lidam com os portadores de
deficiência visual.
A idéia central desta proposta pode ser resumida no seguinte:
a fonte de informações mais importante para o educador traçar
sua diretriz de ação junto ao educando é saber como ele é (como
percebe, age, pensa, fala, sente). O deficiente visual percebe
através de seu corpo, na sua maneira própria de ter contato
com o mundo que o cerca. Para conhecer o deficiente visual e
seus significados (interesses e conhecimentos) e suas habilidades é necessário acompanhá-lo nesse trajeto percorrido pelo corpo, atento ao referencial perceptual que ele irá revelar e que
não é o da visão. É partindo dos próprios caminhos perceptuais
dos deficientes visuais que o educador oferecerá oportunidades
para eles entrarem em contato com novos objetos, pessoas e situações e assim saber (ou aprender 3) mais de si, do mundo,
conquistando sua autonomia.
Nesses cursos, está-se atento ao fato de que não podendo acompanhar com o olhar a execução da atividade da professora, cada
aluno portador de deficiência visual precisa passar por todas as
etapas da aula.Em Culinária, compartilhando o preparo das receitas, cada atividade desenvolvida (bem como as respectivas explicações da
professora) é mais facilmente assimilada. Os movimentos e gestos dirigidos para a execução dessa tarefa são assim significativos e compreendidos na estrutura das relações e seqüências do
que se faz: as percepções táteis, cinestésicas, auditivas,
olfativas, gustativas entrelaçam-se e complementam-se. Esses
caminhos percorridos pelo corpo nessa situação comum, vão
revelando a forma pela qual aqueles que não dispõem da visão
percebem os utensílios e preparam os alimentos.
Em Artes Plásticas, o grupo de crianças, tanto quanto o de
adultos, tem ilustrado o que de outra forma já foi dito: é
possível contribuir para o desenvolvimento do aluno se se parte
das suas necessidades de vida, solicitando que cada um
contribua sem restrições com a bagagem mental, emocional,
física de que dispõe.No grupo de crianças aproveita-se todas as oportunidades para
o desenvolvimento de suas habilidades e superação de suas dificuldades. Para as crianças deficientes visuais poderem executar de forma independente as atividades da vida diária (locomover-se, nutrir-se, conhecer os locais, manter-se asseada) é
necessário que explorem o ambiente e entrem em contato com
os objetos, pessoas e situações.Para isso, as aulas de artes plásticas não se restringem ao trabalho como modelagem e argila, mas introduzem a criança num
contexto mais amplo, como os itens a seguir ilustram:
-
— aprender a tocar: o próprio corpo, o outro, os objetos;
-
— visitar museus e ambientes culturais;
-
— explorar tipos de argilas para diferentes formas de modelagem;
-
— executar as etapas necessárias à modelagem (conhecer a
embalagem e dimensão da argila, cortar a argila para trabalhar, amassar e tirar as bolhas de ar, modelar com molde e
livremente).
Junto com as outras crianças, passando pelo preparo da argila
até a fase livre de criar e conhecer o que o outro realizou, falando de sua experiência, a criança aprende a conviver, a relacionar-se, a ter disciplina e a acreditar que é capaz de fazer.
Esse projeto tem ilustrado que, através do esforço para realização de algo concreto, responde às necessidades vividas, o ser
humano pode desenvolver-se, adquirir segurança e autonomia.
Este é um dos motivos que assinala a importância e a necessidade de aproveitar as experiências do aluno, oferecendo a ele
oportunidades de ampliá-las e integrá-las. A descoberta do sentido renovador inicia-se pela atuação prática, manual, amplian-
do-se para a artística, teórica, política, etc. E através da elaboração pessoal que o sentido se forma. A origem desse sentido,
anterior a qualquer conhecimento, está na percepção. Por isso,
este trabalho com deficientes visuais funda-se no respeito a
seus caminhos perceptuais e orienta-se por eles.
A segunda fase deste projeto iniciou-se em 1992, através do
curso de atualização para pais e professores de deficientes visuais "Perceber sem Ver — práticas do cotidiano", realizado na
Faculdade de Educação da USP. A partir dos dados da primeira
fase (registrados por escrito e através de fotos), foi organizado
esse curso. Atualmente, baseado nesses registros e na gravação
de vídeos, estão sendo organizadas programações em vídeo para
orientação de professores e pais de deficientes visuais.
Como foi assinalado, os portadores de deficiência visual, para
realizar estudos na universidade, contam apenas com os próprios esforços e de seus familiares.
As universidades de países do Primeiro Mundo dispõem de diferentes recursos para uso de seus estudantes deficientes visuais, tais como: gravação de livros, livros computadorizados
para cegos, livros e manuais em disquetes para impressão em
braille, disquetes com tipos ampliados para os que não podem
ler o tipo de imprensa de tamanho standard. Contam também
com serviços de voluntários que atendem aos portadores de deficiência como ledores voluntários.
As universidades de países que não dispõem dos recursos materiais podem, no entanto, através do serviço de voluntários,
contribuir de forma efetiva para que seus estudantes portadores de deficiência visual disponham de maiores facilidades em
suas atividades acadêmicas.Assim, a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
propõe, em comemoração ao 60º aniversário dessa universidade,
a instalação do Programa de Ledores Voluntários para os
universitários portadores de deficiência visual, do campus da
USP — São Paulo. A instalação do serviço de ledores voluntários ocorrerá na data
de inauguração do Projeto Braille (4).
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1 "Padre Chico" em homenagem ao monsenhor Francisco de Paula Rodrigues.
-
2 Cursos: de Culinária e de Cuidados com o bebê, professora Maria do Carmo Ragozzini; de Artes Plásticas, professor Álvaro Picanço (artista plástico); de Expressão Corporal, professora Leslie Gimenez (de Filosofia e Dança). O projeto contou com a colaboração das seguintes estagiárias: Paulina Mercúrio (aluna da Faculdade de Educação da USP), Adriana Gobersztejn (aluna de Psicologia da Faculdade do Objetivo), Simone Formagio (aluna de Ciências Sociais da
USP).
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3 Aprender é aqui entendido como a capacidade humana de receber, elaborar,
organizar novas informações e, a partir desse conhecimento transformado, agir
de forma diferente do que fazia antes. Aprende-se numa relação com o outro ser
humano e/ou com as coisas ao seu redor.
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4 O Projeto Disque-Braille é um programa de atendimento aos deficientes
visuais, sediado na Biblioteca da Faculdade de Educação, e implantado a partir
de convênio entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Universidade de São
Paulo, para divulgar informações sobre acervos em braille, por telefone. Tendo
assessorado o referido projeto por solicitação da professora doutora Miriam Krasilshik, então diretora da FEUSP, propus o Programa de Ledores Voluntários como complemento de sua execução.
-
BARRAGA, Natalie, C. Avaliação educacional de crianças deficientes da visão. In: ENCONTRO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1. Anais. São Paulo: USP, Faculdade de Educação, 1983.
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BROCA, P. Remarques sur la siège de la faculte du langage articulé. Bulletin de la Societé d'Anthropologie, Paris, 1861.
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WERNICKA, C. Der aphasische Sympromenkomplex. Breslau: Cohen & Weigart, 1874.
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Elcie F. Salzano Masini
é Professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, livre docente em Educação Especial.
fonte: MASINI, Elcie F. Salzano. 'Educação do portador de Deficiência Visual
- as perspectivas do vidente e do nao vidente'. Em Aberto, Brasilia, v.
13, n. 60, p. 61-76, 1993.
23.Jul.2013
publicado
por
MJA
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