

Orquestra de crianças cegas
RESUMO |
Este artigo apresenta algumas das barreiras atitudinais mais comumente
praticadas
contra os alunos com deficiência na escola. Tais barreiras interferem, e mesmo
impossibilitam a educação desses alunos. Compreendem posturas afetivas e
sociais,
traduzindo-se em discriminação e preconceito. Apresentam-se nas escolas
regulares,
bem como nas especiais. As barreiras atitudinais são perpetuadas na e pela ação
da
escola e só será por meio da educação que se poderá erradicar tais barreiras ou,
pelo
menos, minimizar seus efeitos danosos. Oferece-se um breve esboço de taxonomia
das
barreiras atitudinais. Resgata-se a história de exclusão da pessoa com
deficiência para
explicar a existência de barreiras atitudinais ainda hoje praticadas contra
essas pessoas,
repudiando o uso dessa explicação como justificativa para a manutenção de um
modelo
educacional segregador. Conclui-se que as barreiras atitudinais marginalizam a
pessoa
com deficiência, deterioram-lhe a identidade de pessoa humana e restringem-lhes
as
possibilidades de desenvolvimento e de relação social. Por fim, convida-se a
todos ao
reconhecimento das barreiras atitudinais, a fim de que, pela transformação
individual, se
alcance a transformação do coletivo, tornando a sociedade excludente de hoje
numa
sociedade inclusiva já!
Considerações iniciais
As pessoas com deficiência têm, desde sempre, convivido com a confusão entre
o que realmente são, pessoas humanas, e o que se pensa que elas são:
“deficientes”.
Corrobora para a perpetuação dessa “confusão” a visão social construída
historicamente em torno da deficiência como sinônimo de doença, de dependência,
de
“indivíduos sem valor”, de sofrimento, de objeto de purgação dos males cometidos
por
seus pais, entre outras. Tais visões estereotipadas sempre marginalizaram as
pessoas
com deficiência e, por vezes, nutriram nelas a crença descabida de que são
incapazes.
Com efeito, “não é a distinção física ou sensorial que determina a humanização
ou desumanização do homem. Suas limitações ou ilimitações são determinadas
social e
historicamente” (BIANCHETTI e FREIRE, 2004, p. 66).
Contrário ao sentido da inclusão, o modelo médico da deficiência conduz as
pessoas a confundir a deficiência com doença. De fato, algumas doenças podem
gerar
deficiências; sendo estas, o resultado das doenças e não a doença em si.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (Programa de Ação Mundial para as
Pessoas com Deficiência, 1982) deficiência é toda perda ou anomalia de uma
estrutura
ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. Infelizmente, a confusão que se
faz
entre a deficiência e a doença, bem como o próprio preconceito que se tem da
doença,
tem servido para afastar as pessoas com deficiência da sociedade. No imaginário
social,
a deficiência (principalmente a mental) tem foros de doença, exigindo, portanto,
cuidados clínicos e ações terapêuticas (EDLER CARVALHO, 2000). Esse modelo
clínico sempre serviu como justificativa para ações segregadoras nos mais
diversos
ambientes e situações sociais.
Na escola, microcélula da sociedade, essa realidade não se distancia do contexto
macro. Assim sendo, as leis que exigem a inclusão das pessoas com deficiência
não são
suficientes para que a transformação ocorra ou para que todos alcancem, de fato,
a
igualdade nas oportunidades e no próprio direito. Na verdade, estamos no início
de uma
mudança que implica um esforço de modernização, reestruturação social.
É relevante lembrar que, durante séculos, as pessoas com deficiência foram
chamadas de inválidas, de incapacitadas, defeituosas, deficientes e
excepcionais.
Depois, pessoas deficientes; pessoas portadoras de deficiência; pessoas com
necessidades especiais e pessoas especiais. Mais recentemente, passaram a ser
denominadas de pessoas com deficiência (termo utilizado de 1990 até os dias de
hoje)
(SASSAKI, 2006).
Conferir o valor de “pessoas” àqueles que tinham e têm deficiência foi uma ação
muito relevante para a conquista da cidadania das pessoas com deficiência. E
isso só
ocorreu, segundo Sassaki (2003), em torno de 1981, quando a ONU “atribuiu” o
valor
de pessoas àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direito e dignidade à
maioria dos membros de qualquer sociedade ou país. No Brasil, conferiu-se, pela
primeira vez, o título de Pessoa a um indivíduo com deficiência na Constituição
de
1988.
Não obstante, o status de pessoa, recentemente adquirido, não impediu as pessoas
com
deficiência de continuarem a sofrer com as várias formas de barreiras
atitudinais,
comunicacionais, de acessibilidade, entre outras.
De acordo com Sassaki (2003), em junho de 1994, com a Declaração de
Salamanca, preconizou-se a educação inclusiva. Contudo, nem isso, nem o fato de
se ter
passado a reconhecer os indivíduos com deficiência como pessoas foram
suficientes
para derrubar barreiras atitudinais, as quais dificultam e, mesmo impedem, o
ingresso e
permanência de crianças com deficiência nas escolas.
Assim, e esteados no entendimento de que as barreiras atitudinais alicerçam as
demais, buscamos mostrar, neste artigo, como a manutenção de estigmas e de ações
de
marginalização em relação às pessoas com deficiência estão presentes no
cotidiano da
escola e como se enraízam no ambiente escolar.
As barreiras atitudinais na escola
É emergencial a promoção da Pedagogia contemplando a todos os sujeitos
sociais, e não de uma Pedagogia da pessoa com deficiência. Promover uma
Pedagogia
da deficiência constitui uma das primeiras barreiras atitudinais percebidas no
âmbito da
Educação.
As barreiras atitudinais não são únicas, elas surgem à medida que a sociedade se
transforma. Assim, novos contextos deparam-se com novas barreiras que surgem de
diferentes formas. No passado, contudo, as barreiras atitudinais não eram vistas
como
tais.
Falar, pois, dos estigmas e da marginalização da pessoa com deficiência é
refletir sobre um processo socialmente construído desde a sociedade primitiva
até a
contemporaneidade. Independentemente do período histórico, o homem tende a tomar
como centro de tudo seu próprio grupo de convivência; como conseqüência, o outro
é
pensado, visto/sentido subjetivamente por meio de valores, modelos, definições
pessoais do que é a existência.
Segundo Rocha (1985, p. 8), no plano intelectual, isso pode ser visto como a
dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimento de
estranheza,
medo, hostilidade, etc. O fato é que, no contato com alguém que desestabiliza o
que
internalizamos como normalidade, são misturados fatores intelectuais, racionais,
emocionais e afetivos que, muitas vezes, geram imagens e informações impróprias,
disposições psíquicas ou afetivas em relação à determinada pessoa ou grupo.
Do início da civilização à pós-modernidade, o que mudou é que “a seleção
natural tomou uma nova forma: de seleção natural física, passou a ser uma
seleção
‘natural’ social” (GLAT, 1995, p. 19). Sob essa lâmina, nega-se ao outro até o
mínimo
de independência necessária para falar de si mesmo.
Assim, as pessoas que exercem a função de “cuidador” da pessoa com
deficiência, muitas vezes, a emudecem, decidindo por ela desde a mínima ação
mais
rotineira (como o que vestir, a hora de dormir, etc.) até as mais delicadas, por
envolverem aspectos biológicos, sociais e afetivos (como o acesso à
escolarização, a
vivência da sexualidade, etc.). E isso ocorre até mesmo quando a pessoa com
deficiência atinge a idade adulta. A justificativa para essa ação consiste na
afirmativa de
que se está fazendo o melhor para a pessoa com deficiência – um melhor que, na
maioria dos casos, não lhe permite a vivência como pessoa humana, mas como posse
de
alguém.
Na sociedade primitiva, os homens selecionavam e eram selecionados pelos
grupos quando atendiam aos requisitos de força, agilidade, destreza, raciocínio
rápido,
etc. As pessoas que apresentavam essas habilidades numa escala mais baixa sempre
eram deixadas para trás. Na sociedade atual, o processo é divergente? Ou mais,
na vida
intra-escolar, o processo é distinto ou o olhar dos sujeitos contemporâneos
continua a
categorizar os “bons” e os “fracos”? Essas são questões polêmicas, pois nos
remetem a
vários movimentos ideológicos que permeiam os eventos sociais, dos mais simples
(como pedir uma informação a alguém) aos mais elaborados (como conseguir exercer
uma profissão, sem que as pessoas com deficiência sejam avaliadas, apenas e tão
somente, por sua deficiência).
Em cada época, para cada grupo social, as respostas seriam bem divergentes.
Hoje, buscamos tratar diferentemente as pessoas diferentes para igualá-las em
direito,
ou seja, desejamos uma sociedade inclusiva.
Como alcançar a transformação social se há uma distância entre quem são as
pessoas com deficiência, as imagens que outros sujeitos sociais criam em torno
dessas
pessoas e, para efeito de aceitação social, quem elas deveriam ser? Vistas pela
sociedade
como desviantes, essas pessoas enfrentam impedimentos muito mais difíceis de
lidar do
que a própria deficiência sensorial, física ou intelectual.
Uma deficiência é, muitas vezes, detectável de imediato. Em decorrência dessa
percepção, as pessoas sem deficiência podem apresentar atitudes traduzidas em
curiosidade, crença na inferioridade, fragilidade e dependência da pessoa com
deficiência ou mesmo de repulsa a essa pessoa.
As barreiras atitudinais, porém, nem sempre são intencionais ou percebidas. Por
assim dizer, o maior problema das barreiras atitudinais está em não as
removermos,
assim que são detectadas. Exemplos de algumas dessas barreiras atitudinais são a
utilização de rótulos, de adjetivações, de substantivação da pessoa com
deficiência
como um todo deficiente, entre outras.
Também constituem barreiras atitudinais na escola (ou em outros espaços
sociais) aquelas que se apresentam na forma de:
• Ignorância: desconhecer a potencialidade do aluno com deficiência.
• Medo: ter receio de receber a um aluno com deficiência, ou mesmo a um outro
profissional da Educação que apresente alguma deficiência; temer em “fazer ou
dizer a
coisa errada” em torno de alguém com uma deficiência.
• Rejeição: recusar-se a interagir com a pessoa com deficiência, um aluno,
familiares
deste ou outro operador da educação.
• Percepção de menos-valia: avaliação depreciativa da capacidade, sentimento de
que o aluno com deficiência não poderá ou só poderá em parte.
• Inferioridade: acreditar que o aluno com deficiência não acompanhará os
demais.
Isso é incorrer num grave engano, pois todas as pessoas apresentam ritmos de
aprendizagem diferentes. Assim sendo, ninguém acompanha ninguém; cada um faz seu
percurso singularmente, mesmo a proposta docente sendo coletiva e una.
• Piedade: sentir-se pesaroso e ter atitudes protetoras em relação ao aluno com
deficiência. Estimular a classe a antecipar-se às pessoas com deficiência,
realizando as
atividades por elas, atribuindo-lhes uma pseudo-participação.
• Adoração do herói: considerar um aluno como sendo “especial”, “excepcional” ou
“extraordinário”, simplesmente por superar uma deficiência ou por fazer uma
atividade
escolar qualquer; elogiar, exageradamente a pessoa com deficiência pela mínima
ação
realizada na escola, como se inusitada fosse sua capacidade de viver e interagir
com o
grupo e o ambiente.
• Exaltação do modelo: usar a imagem do estudante com deficiência como modelo
de persistência e coragem diante os demais.
• Percepção de incapacidade intelectual: evitar a matrícula dos alunos com
deficiência na instituição escolar, não deixando que eles demonstrem suas
habilidades e
competências. Achar que ter na sala de aula um aluno com deficiência é um fato
que
atrapalhará o desenvolvimento de toda a turma.
• Efeito de propagação (ou expansão): supor que a deficiência de um aluno afeta
negativamente outros sentidos, habilidades ou traços da personalidade. Por
exemplo,
achar que a pessoa com deficiência auditiva tem também deficiência intelectual.
• Estereótipos: pensar no aluno com deficiência comparando-o com outros com
mesma deficiência, construindo generalizações positivas e/ou negativas sobre as
pessoas
com deficiência.
• Compensação: acreditar que os alunos com deficiência devem ser compensados de
alguma forma; minimizar a intensidade das atividades pedagógicas; achar que os
alunos
com deficiência devem receber vantagens.
• Negação: desconsiderar as deficiências do aluno como dificuldades na
aprendizagem.
• Substantivação da deficiência: referir-se à falta de uma parte ou sentido da
pessoa
como se a parte “faltante” fosse o todo. Ex: o deficiente mental, o cego, o
“perneta”, etc.
Essa barreira faz com que o aluno com deficiência perca sua identidade em
detrimento
da deficiência, fragilizando sua auto-estima e o desejo de aprender e estar na
escola.
• Comparação: comparar os alunos com e sem deficiência, salientando aquilo que o
aluno com deficiência ainda não alcançou em relação ao aluno sem deficiência,
colocando este em posição superior ao primeiro. Na comparação, não se
privilegiam os
ganhos dos alunos, mas ressaltam-se suas “falhas”, “faltas” e “deficiências”.
• Atitude de segregação: acreditar que os alunos com deficiência só poderão
conviver com os de sua mesma faixa etária até um dado momento e que, para sua
escolarização, elas deverão ser encaminhadas à escola especial, com
profissionais
especializados.
• Adjetivação: classificar a pessoa com deficiência como “lenta”, “agressiva”,
“dócil”, “difícil”, “aluno-problema”, “deficiente mental’”, etc. Essa
adjetivação
deteriora a identidade dos alunos.
• Particularização: afirmar, de maneira restritiva, que o aluno com deficiência
está
progredindo à sua maneira, do seu jeito, etc.; achar que uma pessoa com
deficiência só
aprenderá com outra com a mesma deficiência.
• Baixa expectativa: acreditar que os alunos com deficiência devem realizar
apenas
atividades mecânicas, exercícios repetitivos; prever que o aluno com deficiência
não
conseguirá interagir numa sala regular. Muitos professores passam toda a vida
propondo
exercícios de cópia, repetição. Isso não ajuda o aluno a descobrir suas
inteligências,
competências e habilidades múltiplas.
• Generalização: generalizar aspectos positivos ou negativos de um aluno com
deficiência em relação a outro com a mesma deficiência, imaginando que ambos
terão
os mesmos avanços, dificuldades e habilidades no processo educacional.
• Padronização: fazer comentários sobre o desenvolvimento dos alunos,
agrupandoos
em torno da deficiência; conduzir os alunos com deficiência às atividades mais
simples, de baixa habilidade, ajustando os padrões ou, ainda, esperar que um
aluno com
deficiência aprecie a oportunidade de apenas estar na escola (achando que, para
esse
aluno, basta a integração quando, de fato, o que lhe é devido é a inclusão).
• Assistencialismo e superproteção: impedir que os alunos com deficiência
experimentem suas próprias estratégias de aprendizagem, temendo que eles
fracassem;
não deixar que os alunos com deficiência explorem os espaços físicos da escola,
por
medo que se machuquem; não avaliar o aluno pelo seu desenvolvimento, receando
que
ele se sinta frustrado com alguma avaliação menos positiva.
As barreiras atitudinais podem estar baseadas em preconceitos explícitos ou a
eles dar origem. como vimos, elas aparecem em nossa linguagem, tanto quanto em
nossas ações ou omissões.
Logo, muitas ações aparentemente sem importância nutrem, no dia-a-dia, as
barreiras atitudinais; por exemplo, quando se acredita que só as pessoas que têm
amigos, parentes ou mesmo alunos com deficiência é que devem buscar a inclusão.
(Essa idéia, além de fortalecer as barreiras de atitude, constitui um conceito
equivocado
de inclusão, pois o ato de incluir não se refere apenas às pessoas com
deficiência, mas a
todos os grupos vulneráveis, a todas as pessoas, enfim, a toda a sociedade. O
objetivo
não é restringir, mas acolher a singularidade de cada indivíduo. Daí é que
muitos de nós
já estão engajados no processo de transformação social, mesmo porque desejamos
uma
sociedade mais humana).
A suposição do professor de que ter um aluno com deficiência é uma
providência divina para que ele possa praticar o bem e a ética constitui
igualmente uma
barreira atitudinal. Nessa linha, alguns professores manifestam a crença de que
a pior
coisa que pode acontecer a um estudante é nascer com deficiência. Na verdade,
uma das
piores coisas que pode acontecer a um aluno é não ser visto como sujeito social,
pessoa
humana que tem conhecimentos preexistentes, expectativas, sonhos, desejos, etc.
As pessoas não são iguais, logo, as diferenças existentes entre as várias
manifestações de deficiência não podem ser niveladas de uma só maneira,
principalmente, por baixo. Desconsiderar a singularidade de cada aluno é uma
barreira
atitudinal que interfere na aprendizagem do estudante.
Ao professor, cabe ficar alerta para que não estimule essas barreiras ou as
nutra com seu
próprio exemplo, uma vez que muitas outras barreiras atitudinais podem ser
praticadas
na escola. Para evitá-las, é mister que nos atentemos para nosso comportamento e
sentimentos em relação ao aluno com deficiência. As barreiras atitudinais, por
vezes,
estão imbricadas de tal forma que se confundem, confundindo ao professor. Mas
isso
não pode servir de argumento para a manutenção tácita de preconceitos e
discriminações entre os alunos, contra os alunos, ou contra quem quer que seja.
Considerações finais
Identificar as barreiras atitudinais contribuirá para erradicar ou, ao menos,
minimizar o processo de exclusão social, pois, ao tomarmos consciência do que
fazemos, poderemos procurar meios para a transformação coletiva e individual –
desta
dependerá a primeira. Portanto, a escola que se deseja inclusiva deve trabalhar
na
perspectiva de envolver todos na transformação constante do projeto
políticopedagógico
e de cada pessoa como ser social e atuante.
As barreiras atitudinais não são concretas, em essência, na sua definição, no
entanto, materializam-se nas atitudes de cada pessoa. Com efeito, não há como
explicitar todas as suas formas numa lei, mesmo porque não se têm classificados
todos
os tipos de barreiras atitudinais. Esse é um desafio para as pessoas que se
preocupam
com a educação, a sociedade e a inclusão.
Com efeito, a forma de exclusão manifestada nas falas de alguns profissionais
da saúde e da educação, bem como de alguns pais e de estudantes sem deficiência
(por
exemplo, designando um aluno como “especial”, adjetivando-o como “agressivo” e
substantivando-o como o “down”, o “surdo”, o “retardado”, o “doido”, etc.) leva,
como
vimos, o aluno com deficiência a uma situação de segregação, sustentando o
modelo de
educação especial, fortalecendo o preconceito e a marginalização da pessoa com
deficiência no contexto escolar.
Para além dos ambientes das escolas regulares, públicas ou privadas, também
nos ambientes destinados aos alunos rotulados como “especiais” (nas escolas
especiais),
encontramos muitos dos componentes que conservam as barreiras atitudinais.
Sustentando-se em bases científicas, filosóficas, históricas e/ou populares,
essas
“escolas especiais” esteiam-se em preconceitos e/ou barreiras atitudinais que,
no
entendimento dos defensores de tais “escolas especiais”, são apenas ações em
prol do
“melhor para a pessoa com deficiência”.
Esse “melhor para a pessoa com deficiência” contudo, tem sido o principal
argumento usado para justificar ações que, em última instância, são
manifestações
explícitas das muitas barreiras atitudinais que de tão danosas, são abomináveis.
Se as
bases históricas, científicas e filosóficas servem para explicar o porquê das
barreiras
atitudinais hoje vivenciadas, elas não podem, contudo, servir de justificativa
para a
manutenção de tais barreiras.
O argumento de que “sempre foi assim” e “é difícil de mudar” é, portanto,
irrelevante e descabido quando se pretende de fato construir uma escola para
todos; não
esta escola que está aí, mas uma outra escola, justificável pela necessidade de
reconhecermos que “TODOS” não permite exceção.
Já o temor desse reconhecimento e do que ele significa, certamente, explicam o
porquê de tanta resistência para transformar a escola excludente dos dias de
hoje em
uma escola inclusiva para já. E explica simplesmente porque a ação de explicar
significa, nada mais nada menos que interpretar, explanar, dar motivo dos
próprios
atos, tornar inteligível. Justificar consiste em argumentar, provar a veracidade
de algo,
demonstrar a razão dos procedimentos. Logo, há um intercâmbio entre essas duas
ações
no que se refere ao recurso da argumentação. Assim, ao explicarmos uma barreira
atitudinal, damos argumentos que elucidam uma situação que originou determinado
comportamento da sociedade em relação à pessoa com deficiência. Entretanto, esse
comportamento não deve se sustentar (ser justificado) esteado em sua explicação.
Nesse sentido, afirmações do tipo “é compreensível que a sociedade haja dessa
forma”, “sempre foi assim...” ou “os alunos com deficiência não acompanham o
programa” maquiam uma atitude negativa diante da pessoa com deficiência.
Esse tipo de “justificativa”, portanto, nutre a inércia social, o conformismo, o
comodismo, os estereótipos, sustentando a existência das salas especiais, que,
geralmente, focalizam a deficiência em detrimento da essência humana. Logo, não
há
justificativa racional, ética, moral ou científica para a manutenção de alunos
com
deficiência em ambientes segregados, seja em escolas especiais, seja em
ambientes
especiais na escola. No âmbito da educação escolar, há diversas formas de
exclusão –
pelo obstáculo e impedimento ao acesso e ingresso da pessoa com deficiência,
pela
expulsão das que ingressam e são impossibilitadas de permanecer porque
professores,
gestores e pais acreditam que elas devem estar naqueles ambientes
especializados.
“Independentemente do lócus das barreiras, elas devem ser identificadas para
serem enfrentadas, não como obstáculos intransponíveis e sim como desafios aos
quais
nos lançamos com firmeza, com brandura e muita determinação” (EDLER
CARVALHO, 2006, p. 128).
Destarte, convidamos a todos para investigar, nomear as diversas barreiras
atitudinais corporificadas na escola e na sociedade como um todo, a fim de fazer
entender que a inclusão precisa ser um objetivo de cada um. Assim sendo,
pensemos
conjuntamente em como iniciar uma transformação individual para uma
transformação
no coletivo.
A inclusão só será concretizada eficientemente quando cada um de nós
reconhecer as barreiras que nutrimos e buscar minimizá-las, erradicá-las. “A
inclusão é
uma visão, uma estrada a ser viajada, mas uma estrada sem fim, com todos os
tipos de barreiras e obstáculos, alguns dos quais estão em nossas mentes e em
nossos corações”
(MITTLER, 2003, p. 21).
Referências:
-
BIANCHETTI, Lucidio e FREIRE, Ida Mara (orgs). Um olhar sobre a diferença:
Interação, trabalho e cidadania. 6ª ed. São Paulo: Papirus, 2004.
-
EDLER CARVALHO, Rosita. Removendo barreiras para a aprendizagem:
educação inclusiva. 5ª ed. Porto alegre: Mediação, 2006.
-
EDLER CARVALHO, Rosita. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. 4ª ed.
Porto Alegre: Mediação. 2006
GLAT, Rosana. Questões atuais em educação - A integração social dos portadores
de
deficiências: uma reflexão. Rio de Janeiro: Livraria Sette Letras, 1995.
-
MITTER, Peter. Educação inclusiva: Contextos sociais. Porto Alegre: Artmed,
2003.
-
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. 2. ed. São Paulo, 1985. 95
p.
-
SASSAKI, Romeu K. Vida Independente: história, movimento, liderança, conceito,
filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR, 2003.
-
SASSAKI, Romeu K. Inclusão - Construindo uma sociedade para todos. Coleção
Inclusão. Rio de Janeiro: WVA, 1997
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BARREIRAS ATITUDINAIS: OBSTÁCULOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA
autores:
Francisco J. Lima é Doutor em Psicologia (área de psicofísica sensorial), Prof. Adjunto da Universidade Federal de
Pernambuco e coordenador do Centro de Estudos Inclusivos da UFPE.
Fabiana
Tavares dos Santos Silva é Professora de Língua
Portuguesa, especialista em Literatura Infanto-Juvenil, consultora pedagógica na área de
Leiturização (Alfabetização e Letramento).
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