

Caleb Plummer e a sua filha
cega - Harold Copping, 1924
-
-
RESUMO O artigo tem como
objetivo compreender a função da afetividade e das práticas
pedagógicas no processo de inclusão do aluno com deficiência
visual. A partir de levantamentos bibliográficos,
constatou-se que a inclusão escolar tem sido muito discutida
nos últimos anos, inclusive em relação ao acesso dos alunos
com deficiência visual em classes regulares de ensino. Está
estabelecido em legislação que é dever do Estado garantir
uma educação de qualidade a todos os alunos. Verificou-se
ainda que a efetivação do processo de inclusão escolar
depende de vários outros aspectos, entre os quais dois
ganham especial destaque, a afetividade, que precisa ser um
elemento marcante na relação entre a diversidade de sujeitos
na escola, mas fundamentalmente entre professores e alunos;
e também as práticas pedagógicas, que são de suma
importância para o processo de ensino-aprendizagem e
desenvolvimento do aluno com deficiência visual.
⁂
O aprofundamento do processo inclusivo na escola, seja em
relação ao aluno com DV ou a qualquer outro, pressupõe
mudanças que vão desde a adaptação da estrutura física da
escola até a modificação de posturas e mentalidades dos
agentes que compõem o contexto escolar. Desse modo, cabe
ressaltar a importância da afetividade no ambiente escolar e
também no desenvolvimento dos alunos.
A palavra afeto, segundo Ferreira (2001, p. 20) significa
“afeição, amizade, amor e objeto de feição”. Boato (2009) e
Carmo (2011) destacam como aspecto central na teoria de
Wallon as emoções no desenvolvimento do indivíduo e na
relação com o meio. Wallon (1995) considera a afetividade
elemento indispensável no desenvolvimento do indivíduo, já
que é por seu intermédio que a pessoa expressa seus desejos
e vontades.
A emoção seria a base do desenvolvimento da inteligência,
já que é o meio de comunicação inicial da criança, através
da qual ela irá comunicar suas necessidades e desejos e,
portanto, estabelecer sua relação com os outros indivíduos.
Mas não se restringe à criança, acompanha o ser humano em
toda a sua vida.
O contexto escolar também é permeado pelas emoções
enquanto “exteriorização da afetividade”, nas palavras de
Wallon (1995, p. 152). A própria prática do professor, na
busca de constituição da aprendizagem por parte dos
educandos, é mediada pela afetividade. Como destacam Codo e
Gazzotti (1999), todo trabalho pressupõe algum nível de
afetividade, porém o caso do professor seria diferente, para
que seu trabalho se realize a relação afetiva necessita se
estabelecer. Como ressaltam os autores:
Através de um contato tácito, onde o professor se propõe
a ensinar e os alunos se dispõem a aprender, uma corrente de
elos de afetividade vai se formando, propiciando uma troca
entre os dois. Motivação, cooperação, boa vontade,
cumprimento das obrigações deixam de ser tarefas árduas para
os alunos. Interesse, criatividade, disposição para
exaustivamente sanar dúvidas, estimulam o professor. Em
outras palavras, o papel do professor acaba estabelecendo um
jogo de sedução, onde ele vai conquistar a atenção e
despertar o interesse do aluno para o conhecimento que ele
está querendo abordar. (CODO e GAZZOTTI, 1999, p. 50).
Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem pressupõe
relações afetivas.
Andersen (2011, p. 12) afirma que o “ser humano é
primordialmente emocional e precisa ser entusiasmado a
aprender. Não é uma simples máquina a ser programada. E esse
entusiasmo precisa ser resultado de uma relação afetiva e
determinada”. Em outros termos, a relação afetiva contribui
para o desenvolvimento do aluno, porém essa relação deve
ocorrer a partir do primeiro contato do aluno com a escola e
com o seu professor.
O aluno com DV, como qualquer outro ser humano, necessita
de boas relações para que possa se sentir amado, querido,
respeitado e, acima de tudo, valorizado. Desse modo, as
relações afetivas no ambiente escolar contribuem para o
crescimento e desenvolvimento desse aluno, que, assim, tem
maiores chances de apresentar bons resultados no seu
aprendizado escolar.
Para Almeida (2008, p. 34) a afetividade consiste numa
terminologia usada para “identificar um domínio funcional
abrangente e, nesse domínio funcional, aparecem diferentes
manifestações; desde as primeiras, basicamente orgânicas,
até as diferenciadas, como as emoções, os sentimentos e as
paixões”.
A afetividade cria laços de amor, amizade e deve ser um
elemento marcante na relação professor-aluno e também nas
relações com todo o corpo docente da escola. A escola
precisa construir uma relação afetiva com os alunos e,
principalmente, o professor, que está diretamente em contato
com os mesmos no cotidiano, precisa fazer do espaço da sala
de aula um lugar favorável a mudanças, a questionamentos e à
inclusão.
É importante levar em consideração que em uma sala de
aula os alunos precisam de relações afetivas para que possam
se desenvolver e, dessa maneira, lidar com as diferenças de
cada indivíduo que nela se encontra. Mahoney (2004, p. 17),
utilizando-se das reflexões de Wallon, considera a
afetividade como responsável [...] pelas emoções, pelos
sentimentos e pela paixão, que são sinalizadores de como o
ser humano é afetado pelo mundo interno e externo. Essa
condição de ser afetado pelo mundo estimula tanto os
movimentos do corpo como a atividade mental. São recursos de
sociabilidade, de comunicação, exercendo atração sobre o
outro com o apoio do ato motor.
Assim, a afetividade está diretamente ligada às emoções
sentidas pelo ser humano, emoções essas que fazem parte de
seu cotidiano, do local em que está inserido. No caso da
escola, a afetividade influencia todo o processo educacional
do aluno e essa relação de afeto está baseada em saber
incluir o outro independente de sua deficiência.
Para Andersen (2011, p. 12-13) “educar é uma tarefa
sublime e não, ao contrário do que muitos dizem, uma tarefa
apenas para quem nasceu para isso”. Desse modo, a educação e
a afetividade são inseparáveis, pois, educar não é
simplesmente ensinar, mas sim criar laços afetivos no
ambiente escolar. Em sala de aula o professor encontra
realidades diversas, por esse motivo, a importância de
conquistar o aluno e de demonstrar a atenção necessária a
cada um deles.
O professor precisa deixar claro a sua presença em sala
de aula e nunca deve esquecerse de nenhum dos seus alunos,
para que eles não se sintam desprezados. Em uma sala de aula
heterogênea cada aluno possui uma história de vida, e com
isso observa-se uma série de fatores que podem influenciar
em sem desenvolvimento escolar (ANDERSEN, 2011).
Fatores como a família, mais especificamente a falta de
afeto dos pais com relação aos seus filhos, interferem
diretamente em seu aprendizado. No caso do aluno com DV, a
família deve estar presente na escola, garantindo que o
aluno se desenvolva e esteja incluso no processo
educacional. Com isso, o papel da afetividade se torna muito
positivo para o aluno com DV.
Amorim (2012, p. 5) destaca que “[...] a família tem a
função de preparar o emocional da criança, principalmente
nos primeiros anos escolares, pois o meio familiar em que a
criança está inserida é o seu primeiro ambiente de
aprendizagem”. O autor deixa clara a importância da família
para o processo de ensino-aprendizagem do aluno.
Freire (2000, p.144) afirma que “a mediação do adulto é a
principal coluna que sustenta o processo de apropriação de
experiência pela criança, pois é ele que organiza o ambiente
onde ela vive, além de ser o responsável pela sua educação”.
Dessa forma, a escola e a família devem trabalhar juntas em
prol do aluno, tornando a afetividade um elemento
imprescindível para a construção de uma educação melhor e
tornando o aluno com DV sujeito de uma educação digna.
Sadalla e Azzi (2004, p. 2) contribuem definindo a
afetividade como “um conjunto de fenômenos [...] que são
expressos sob a forma de emoções, sentimentos e paixões
relacionadas a prazer/dor, satisfação/insatisfação,
agrado/desagrado, alegria/tristeza”. O direcionamento desses
sentimentos tem fortes implicações sobre a pessoa, sendo
fundamental ao seu desenvolvimento e à conformação de sua
personalidade.
Considerando essa perspectiva no ambiente escolar e
fundamentalmente na relação professor-aluno, constata-se que
a ocorrência das relações afetivas contribui para a
construção de pessoas mais humanas e felizes, sendo capazes
de conviver com as diferenças e sabendo incluir o próximo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise do referencial teórico desenvolvida
anteriormente permite o desenvolvimento de algumas
compreensões a respeito das discussões centrais
apresentadas, relativas à inclusão do aluno com deficiência
visual no contexto escolar e à função do afeto e das
práticas pedagógicas.
A concepção de educação parte do princípio de que a
escola é o lugar de todos (BRASIL, 2013). Onde os alunos
devem se desenvolver e aprender de forma coletiva, sendo
cada um atendido de acordo com as suas necessidades
específicas. A Inclusão escolar deve promover aos alunos com
DV melhores condições no ensino e também na estrutura física
da escola com adaptações.
O trabalho com a inclusão necessita ser em conjunto,
sendo realizado com todos os envolvidos nesse processo, ou
seja, pais, alunos e toda a comunidade escolar,
possibilitando o apoio às necessidades dos alunos,
compartilhando e estimulando novos conhecimentos fazendo com
que o aluno se sinta valorizado e amado no ambiente escolar
(BRUNO, 2006).
O processo de socialização dos alunos com relação à
escola precisa ocorrer de forma positiva, onde todos da
equipe educacional estejam empenhados em desenvolver um
trabalho afetuoso adaptando a escola às necessidades do
aluno. A escola precisa propor ações significativas para os
alunos. É muito importante deixar clara a função do
professor no processo de ensino-aprendizagem de alunos com
DV.
O professor vai organizar suas atividades com materiais
necessários para que os alunos possam se desenvolver. Sendo
assim, o educador deve propor atividades prazerosas e
lúdicas, estimulando a interação das crianças com o meio
escolar. Brasil (2001a) afirma que o professor necessita
deixar o aluno experimentar várias situações de
aprendizagem, para que possam compreender o ambiente ao qual
pertencem.
Os alunos com DV são capazes de se desenvolver
pessoalmente e intelectualmente, mas para que isso ocorra é
necessário que seja oferecido a eles oportunidades de
aprendizagem com novas metodologias e recursos didáticos
adaptados a sua deficiência.
Nesse contexto, o aluno passa a perceber e a sentir o
meio em que se encontra inserido, ou seja, o ambiente
escolar (BRASIL, 2001a).
Cabe aos professores o interesse e a dedicação em
pesquisas para proporcionar aos alunos novas formas de
receber os conhecimentos. Dedicação é a palavra certa para
os profissionais da educação que buscam melhorias no ensino
para alunos com DV. Usar a criatividade, confeccionar
materiais adaptados, jogos, brinquedos e outros contribuirão
muito para a aprendizagem do aluno. Brasil (2001 b)
recomenda alguns critérios para a inclusão do aluno com DV
em classe comum, como descritos abaixo:
Critérios para a inclusão de alunos
com deficiência visual em classes comuns
-
A escola se estruture quanto aos recursos humanos,
físicos e materiais;
-
A inclusão aconteça desde a educação infantil;
-
A escola tenha conhecimento da sua forma de
comunicação escrita e a orientação básica no
relacionamento com as pessoas deficientes visuais;
-
A escola organize a classe comum de forma que possa
reduzir o número de alunos da turma;
-
Sua idade cronológica seja compatível com a média do
grupo da classe comum que irá frequentar;
-
A escola comum mantenha um trabalho sistemático.
Fonte: Brasil (2001b).
Diante dos critérios apresentados anteriormente vale
ressaltar a importância dos alunos com DV frequentarem a
classe comum de ensino, pois têm os mesmos direitos que
qualquer outro cidadão. O aluno com DV precisa conhecer e
conviver no mundo das pessoas que enxergam, estando incluso
não apenas na escola, mas também na sociedade.
Entretanto, é importante destacar a relação
professor-aluno no contexto escolar, onde o docente deve
conhecer o seu aluno e compreender as suas principais
necessidades. Nesse momento, a função da afetividade tende a
contribuir para que haja o desenvolvimento, a compreensão, a
confiança, o respeito mútuo e a motivação dos alunos com DV.
Segundo Brasil (2001b), o professor pode facilitar sua
educação por meio de algumas medidas perante o aluno com DV.
Poderia se acrescentar a essas medidas a afetividade como
elemento fundamental para a construção de um espaço repleto
de carinho e respeito, onde o aluno passe a ser
participativo e amado.
Entre as mediadas citadas por Brasil (2001b) vale
destacar as seguintes: aceitar bem o aluno, não fazer
discriminação; preparar os colegas para recebê-lo bem;
relacionar-se bem com o aluno; dizer o nome do aluno
deficiente visual sempre que desejar sua participação;
identificar-se sempre que começar a conversar com o aluno
deficiente visual; solicitar sua opinião na hora das
conversas; fazer o aluno se sentir ativo e participante na
hora das aulas (BRASIL, 2001 b, p.100).
Diante dessas medidas, a afetividade passa a fazer parte
da rotina escolar e o professor a utilizar estratégias
pedagógicas dinâmicas e criativas, demonstrando prazer em
ensinar, em ministrar aulas, estimulando e contribuindo para
o processo de ensino-aprendizagem desses alunos.
A escola como um todo é um espaço onde acontecem as
interações sociais favorecendo a troca de experiências e
opiniões. Contudo, é importante direcionar o olhar à prática
pedagógica do professor, e estar atento ao desenvolvimento
dos alunos com deficiência visual, pois cabe ao professor
oferecer métodos diferenciados a esses alunos. “O método é,
em linhas gerais, um conjunto de técnicas de ensino,
cuidadosamente organizadas com um fim específico” (FREITAS,
2009, p. 15).
Freitas (2009) afirma que a sala de aula deve ser o lugar
com o qual os alunos se identifiquem, circulem livremente e
tenham acesso aos materiais e informações. Nessa
perspectiva, o professor deve ser o principal responsável
pela construção desse espaço educativo, favorecendo a
elaboração de saberes para os alunos com DV.
Para Fernández (2001) o processo de ensino-aprendizagem
envolve vínculos entre quem ensina e quem aprende. Portanto,
existe uma relação de troca entre ambas as partes, ou seja,
entre professor e aluno. O professor deve mediar as relações
afetivas dentro da sala de aula, fazendo com que as crianças
vivenciem o afeto em seu cotidiano escolar.
Construir boas relações no ambiente escolar facilita o
processo de construção do conhecimento e, consequentemente,
da aprendizagem de alunos com DV na escola, o que faz do
afeto uma ferramenta imprescindível para a prática
pedagógica do professor que busca incluir o aluno com DV no
contexto educacional.
CONCLUSÃO
O estudo das obras levantadas permitiu inferir que a
inclusão dos alunos com DV na escola possui importância
fundamental, sendo um fator determinante para o
desenvolvimento desse aluno enquanto sujeito do
processo-ensino aprendizagem. A educação inclusiva implica
na participação de todos os agentes do contexto escolar,
reconhecendo e respeitando as diferenças individuais de cada
aluno.
Contudo, se o compromisso é com o desenvolvimento do
aluno cabe à escola e ao educador se voltar à formação não
apenas de um futuro trabalhador, mas de um cidadão capaz de
lidar com os desafios e dificuldades impostos pelo mundo
atual, munido das ferramentas necessárias para o seu avanço.
Ferramentas essas capazes de realizar um trabalho mais
afetuoso com metodologias diferenciadas de acordo com a
necessidade do aluno.
Isso porque somente partindo da relação afetiva no
ambiente escolar e das práticas pedagógicas inovadoras
desenvolvidas pelo professor, o aluno com DV consegue
construir bons vínculos no contexto educacional, estando
aberto para receber novos conhecimentos se sentindo
valorizado e, acima de tudo, incluso no processo
educacional. (CODO e GAZZOTTI, 1999).
Portanto, essas reflexões citadas nos mostram que a
inclusão do aluno com DV no contexto educacional deve se
realizar em sua plenitude, não sendo apenas uma mera
inserção do aluno a escola, mas sim a sua efetiva integração
no âmbito educacional de forma mais afetuosa e
participativa. Pois a inclusão escolar do aluno com DV
merece um olhar mais cuidadoso e atencioso.
Por fim, para que a inclusão de alunos com DV seja
realmente efetivada faz-se necessário que as escolas sejam
democráticas para atender as necessidades específicas de
seus alunos, sendo assim, a educação ganha uma nova
organização passando a incluir os alunos com DV. Portanto,
propôs-se neste estudo iniciar uma reflexão em nível teórico
acerca das dificuldades encontradas pelos alunos com DV no
contexto escolar.
Entretanto, uma compreensão mais detalha dessa
problemática envolveria a necessidade de desenvolver
pesquisas empíricas voltadas para avaliar as seguintes
questões:
Que medidas as secretarias estaduais e municipais de
educação vem desenvolvendo para incluir o aluno com
deficiência visual na escola? Como as escolas lidam com o
aluno com DV? A afetividade realmente marca as relações no
contexto escolar? Qual a preparação técnica e pedagógica que
os professores recebem para lidar com o aluno com DV? Estes
questionamentos podem funcionar como importantes questões
norteadoras de pesquisas futuras que tenham como propósito
último contribuir para a compreensão da complexa tarefa de
inclusão de alunos com deficiência visual no ensino regular.
FIM
ϟ
Afeto e Inclusão em Contexto Escolar
excerto de: "A INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL EM
CONTEXTO ESCOLAR: AFETO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS"
autora: Larissa Oliveira Mesquita Ribeiro
FIBRA
2017
Δ
|