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Ibn Sina | Avicena
![desenho da anatomia humana de Ibn Sina também conhecido pelo nome latinizado Avicena [980-1037]](http://www.deficienciavisual.pt/IMAGENS/r-sobre_a_visao-Ibn_Sina-anat.png)
desenho da anatomia humana de Ibn Sina, também
conhecido pelo nome latinizado Avicena (980-1037)
SOBRE A VISÃO - o 3.º capítulo do LIVRO DA ALMA de Ibn S∑nå ou
Avicena - trata unicamente da visão, o
último dos sentidos externos. Para estudá-la, Ibn Sina promove um desvio, estabelecendo uma longa discussão a respeito da luz, da cor, do raio e do modo pelo qual o olho
capta o seu sensível próprio. Nesse capítulo Ibn S∑nå discute a natureza da luz, levanta hipóteses a respeito de seu caráter material ou imaterial e analisa o comportamento
da luz na atualização das cores e das coisas vistas no órgão receptor. As respostas por ele encontradas são usadas também para refutar outras doutrinas, apresentadas de
maneira intercalada ao longo do texto.
- Seção 1 — A respeito da luz, do diáfano e da cor
- Seção 2 — A respeito de que a claridade não é corpo, mas uma qualidade que advém nele, e sobre doutrinas e dúvidas quanto à ordem da claridade e do raio
- Seção 3 — A respeito do complemento da contestação das doutrinas inválidas em razão de que a claridade é algo que não é cor manifesta, e discurso a respeito do
translúcido e do cintilante
- Seção 4 — A respeito da reflexão das doutrinas enunciadas sobre as cores e a ocorrência destas
- Seção 5 — A respeito da divergência entre as doutrinas sobre a visão e invalidação das doutrinas corrompidas, de acordo com as coisas que lhe são próprias
- Seção 6 — A respeito da invalidação das doutrinas deles a partir das coisas ditas em suas [próprias] doutrinas
- Seção 7 — A respeito da solução das dúvidas apresentadas, complementação do enunciado sobre as [coisas] vistas que possuem posições distintas, sobre os diáfanos e sobre
os polidos
- Seção 8 — A respeito da causa da visão de uma única coisa [como] duas coisas
- Sobre Ibn Sina
Seção 1 A respeito da luz, do diáfano e da cor Agora,
nos convém falar a respeito da visão. O discurso sobre isso exige o discurso a respeito da luz, do diáfano e da cor; e como se situa a conexão entre o sensivo e o
sensível visual. Falemos primeiramente sobre a luz. Digamos, pois: diz-se “luz”, diz-se “claridade” e diz-se “raio”, parecendo não haver, no campo da linguagem, muitas
disparidades entre eles. Entretanto, necessitamos distingui-los em nossa aplicação, na medida em que, nesse caso, há três significados próximos. Um deles é a qualidade
que a vista percebe no Sol e [no] fogo, sem que se diga se é negrura, brancura, vermelhidão ou alguma [outra] dessas cores. O segundo é aquilo que resplandece dessa
coisa, imaginando-se que recaia sobre os corpos, surgindo, então, a brancura, a negrura e o verdor. O último é aquilo que se imagina que esteja sobre os corpos como se
rutilasse, como se recobrisse as cores deles, e como se fosse algo que deles fluísse. Se isso estiver em um corpo, tendo sido adquirido de outro corpo, [então] chama-se
“brilho” — tal como aquilo que se sente no espelho etc. Agora, se [isso] estiver no corpo que o possui essencialmente, então chama-se “raio”. Por ora, não
necessitaremos do raio e do brilho, mas necessitaremos das duas primeiras classes: uma delas é a luz — que é aquilo que a coisa possui em si mesma — e [a outra é] a
adquirida, que é a claridade. Aquilo que chamamos “luz” é, por exemplo, aquilo que o Sol e o fogo possuem. Este é, pois, o significado de “visto em razão
de si mesmo”. Desse modo, quando algo — tal como o ar e a água — se encontra entre a visão e o corpo portador dessa qualidade [luz], ele [corpo] é necessariamente visto,
sem que haja necessidade de existir aquilo que é necessário para o muro [ser visto]. Para que este seja visto, não basta que a existência do ar e da água — ou daquilo que
se assemelhe a eles — esteja entre ele [muro] e a visão. Pelo contrário, é necessário que haja a coisa que chamamos claridade, prontamente a cobri-lo, de modo que, nessa
hora, ele é visto. Tal claridade é nele [muro] um efeito que se dá a partir de um corpo dotado de luz, quando [aquele] estiver diante deste e houver, entre os dois, um
[outro] corpo — tal como o ar e a água — cuja condição não seja a de eclipsar o efeito do luminoso naquele que recebe a claridade, mas que coopere e não impeça. Em uma
primeira divisão, os corpos são de duas classes: um corpo que não está na citada condição de eclipsar e se denomina “transparente”; e um corpo cuja condição é a de
eclipsar, tal como o muro e a montanha. Dentre aqueles cuja condição é eclipsar, inclui-se aquele cuja condição é ser visto sem que haja necessidade da presença de uma
outra coisa além da existência do intermediário transparente. Este é, pois, o luminoso — tal como o Sol e o fogo e outros similares a eles — não translúcido, mas
eclipsante da percepção do que esteja atrás dele. Ora, pense nas sombras da lanterna a partir de [uma outra] lanterna: a primeira impede a segunda de agir naquilo que há
entre as duas e, dessa maneira, a visão fica impedida de enxergar o que esteja atrás dela. Dentre aqueles há [também] o que necessita da presença de uma outra
coisa — que é a cor —, atributo por meio do qual ele é instaurado [à visão]. Portanto, a luz é uma qualidade da primeira divisão, enquanto é desse modo; e a cor é uma
qualidade da segunda divisão, enquanto é desse [outro] modo. Dessa maneira, o muro nem possibilita ao luminoso clarear algo que esteja atrás dele [muro], nem por si mesmo
é clareado, sendo ele o corpo colorido em potência. Agora, a cor em ato somente advém por causa da claridade. Assim, quando a claridade recai sobre um certo corpo, neste advém a brancura em ato — ou a negrura, ou o verdor
etc. Não que [o corpo] seja negro, escuro, e nada mais. Antes ele é, em potência, colorido — se significarmos por “cor em ato” essa coisa que é brancura, negrura,
vermelhidão, amarelidão, e o que a isso se assemelhe. [Ora], a brancura não é brancura e a vermelhidão não é vermelhidão a não ser pelo aspecto de que são vistos; e eles
não se encontram sob esse aspecto a menos que estejam sendo clareados. Não se [deve] pensar que a brancura, sob o aspecto pelo qual é vista — [assim como] a vermelhidão
etc. —, seja existente em ato nos corpos, [pois,] do contrário, o ar escuro [não] obstaculizaria a visão dela [cor]. Ora, em si mesmo, o ar não é escuro. Somente é escuro
aquilo que é clarificado. Como não há no próprio ar alguma coisa luminosa, não é ele, portanto, que impede a percepção do [corpo] clarificado; e tampouco ele recobriria a
cor se esta fosse existente na coisa. Pensa no teu estado, em uma caverna, na qual todo o ar estivesse na condição daquilo que tu conjecturas ser o “escuro”. Ora,
quando a claridade recaísse em um corpo que estivesse fora [da caverna], posicionado no ar que tu consideras “claro”, tu o verias, sem que o ar escuro, suspenso entre ti
e ele [corpo] te prejudicasse. Antes, nos dois casos, é como se ele [ar escuro], em ti, nada fosse. Quanto à escuridão, este é o caso [no qual] nada é visto, ocorrendo que as qualidades — quando existentes nos corpos que não transparecem — não se tornam clarificadas,
estando, portanto, escuras e em potência. Assim, tu não as vês e, tampouco, vês o ar. Imagine, pois, aquilo que tu imaginas quando fechas teus olhos e os tampa. Ora, tu
imaginas uma escuridão difusa e a vês como se estivesses encerrado em um ar escuro. Todavia, não é assim. Tu não vês um ar escuro por ter os olhos fechados; ou vês o que
vês na escuridão, algo em tuas pálpebras. Isso [significa] apenas que tu não vês! Em suma, a escuridão é a privação da luz, cujo papel é clarificar. A coisa que pode ser
vista [o é] em razão de a claridade ser visível. O que está na claridade é visível, mas o transparente não é visto, em absoluto. Assim, a escuridão está no lugar da
clarificação, e cada uma das duas — quero dizer, os dois casos — está [em um] corpo que não transparece. Desse modo, o corpo cuja condição é a de que sua cor seja vista,
quando não for clarificado, será escuro e, na verdade, não haverá nele uma cor em ato. Nesse caso, não ocorre aquilo que se pensa das cores, [isto é,] que estivessem
recobertas por alguma coisa, pois o ar não recobre, ainda que o escuro estivesse na condição de ser visto, se as cores estivessem em ato. Contudo, se um homem chamar “cores” às diversas aptidões que estão nos corpos — aquelas que, quando clarificadas, uma torna-se aquilo que tu vês [como] brancura e a outra
[como] vermelhidão —, isso seria apenas por equivocidade, pois, na verdade, a brancura é isso que está na condição de ser visto. Não existe [o caso] que haja entre ti e
entre ela um translúcido que transpareça e não seja visto. [Isso] porque o translúcido é tanto translúcido em ato como é translúcido em potência. Para que esteja em ato,
não é necessária uma transformação nele mesmo, mas uma transformação por um outro que não ele, ou por um movimento em um outro que não ele — e este [translúcido] é tal
como a passagem e a abertura. Assim, para estar em ato, ele não necessita de uma coisa em si mesmo; antes, [necessita] da existência daquilo que transpassa e atravessa em
ato. Agora, quanto à transformação que o translúcido em potência necessita para tornar-se translúcido em ato, essa é a transformação do corpo colorido pela clarificação
e [pelo] resultado de sua cor em ato. Quanto ao movimento, [isso é que] o corpo luminoso move-se em direção a ele [corpo] sem haver transformação nele [translúcido]. Tu
já conheceste o fundamento disso naquilo que precedeu. Assim, quando resultar uma dessas duas coisas, o visível se realiza e o tal translúcido converte-se em ato — em
razão da existência de um outro que não ele. Bem, convém que estabeleçamos a coisa [que concerne] a essa realização, salvo que o necessário para nós é postergar as coisas cujas dúvidas — ocorridas naquilo que
falamos — já mencionamos. Com base na resposta a elas, será fácil a validação do que dissemos. Seção 2 A respeito de que a claridade não é corpo, mas uma qualidade que advém nele, e sobre doutrinas e dúvidas quanto à ordem da claridade e do raio
Houve dentre os homens quem pensasse que a claridade proveniente do luminoso — a qual ilumina os corpos — não seria, nestes, uma qualidade, mas corpúsculos que se
desprenderiam do luminoso nas [diversas] direções, concomitantes ao distanciamento imposto por ele [luminoso]. Por meio de seu deslocamento, deslocar-se-iam e recairiam
sobre os corpos, sendo então iluminados por meio deles [corpúsculos]. Houve dentre os homens quem pensasse que essa claridade não possuiria significado algum, sendo
meramente uma manifestação do colorido. Contrariamente, houve dentre os homens quem pensasse que a luz, no Sol, não seria nada além que uma manifestação de sua cor, mas
que ela ultrapassaria a vista. Assim sendo, é necessário que nós, primeiramente, reflitamos sobre o caso dessas doutrinas. Dizemos, pois, que é inadmissível que essa
claridade e [esse] raio — que recaem sobre os corpos, provenientes do Sol e do fogo — sejam corpos portadores dessa qualidade sensível, em razão de que eles ou seriam
translúcidos [ou não]. [Se o fossem,] seria indispensável ou que, devido à sua aglomeração, sua diafaneidade se extinguisse — tal como se dá com as partículas do cristal
que são translúcidas, embora o aglomerado delas não seja translúcido —, ou que sua diafaneidade não se extinguisse. Ora, se fossem [corpos] translúcidos, não se
extinguindo sua diafaneidade, não seriam luminosos — já nos incumbimos da distinção entre o translúcido e o luminoso. Se, pelo aglomerado, voltassem a ser [corpos] não
translúcidos, então a aglomeração delas [partículas] recobriria aquilo que estivesse debaixo deles. E tudo aquilo que fosse aumento do aglomerado, seria aumento do
recobrimento. E [para] a luz — caso ela tivesse um aglomerado [de partículas] —, tudo aquilo que fosse aumento do aglomerado seria aumento da manifestação da cor. O mesmo
se daria caso esses luminosos, na origem, fossem luminosos não translúcidos — tal como o fogo e aquilo que a ele se assemelha. Logo, é evidente que o raio manifestado
pelas cores não é corpo. Ademais, é inadmissível que haja um corpo que se mova, por natureza, em diversas direções. Mais ainda, se houvessem corpos que se
desprendessem do luminoso e fossem ao encontro do clarificado, quando a esfera [celeste] fosse encoberta, forçosamente conviria a eles [corpos]: ou aniquilarem-se, ou transmutarem-se, ou permanecerem
encobridores. Dizer que permaneceriam encobridores seria um abuso, pois isso seria uma coisa forçada. Do mesmo gênero [forçado] seria, em razão do recobrimento,
[considerar] a aniquilação, pois como determinar que, quando um corpo se interpõe entre dois [outros] corpos, um deles foi aniquilado? Quanto à transmutação, far-se-ia
necessário [dizer] aquilo que já dissemos, ou seja, que eles [corpos] são clarificados pelo face a face com o claro e, caso [houvesse] encobrimento, eles se
transmutariam. Ora, se as coisas fossem assim — no que concernisse à necessidade do viajar dos corpos a partir do claro —, então, por que esses corpos não [realizariam]
aquela transmutação por si próprios com o face a face? Agora, quanto às alegações às quais se vinculam os autores [da doutrina] do raio, houve aqueles que disseram que,
sem dúvida, o raio “desce” a partir do Sol e se “conduz” a partir do fogo. Ora, isso é movimento. E não há movimento a não ser o do corpo. Além disso, o raio
deslocar-se-ia por meio do deslocamento do luminoso. Ora, o deslocamento é do corpo. Ainda mais: se o raio encontrasse algo, ele seria refletido, deste [algo] para outro
que não ele. Ora, sem dúvida os reflexos são um movimento corporal. Todas essas analogias estão, pois, deterioradas. Suas premissas não são válidas. Se dizemos que o raio
“desce, sai e penetra”, estas são expressões metafóricas. Não é nada disso! Antes, o raio, no face a face, advém instantaneamente. Em razão de que advém a partir de
algo elevado, estima-se como se caísse, embora, nos moldes em que se apresenta o caso, “incidência” teria prioridade sobre “queda” — pois de modo algum vê-se [o raio] na
trajetória, nem sequer necessita ele de tempo sensível. Desse modo, não se descarta que: ou o argumento para sua descida é a demonstração — nisso me inspiro —, ou o
argumento para isso é o sentido — e nisso eles se fiam. Ora, como o sentido indicaria um movimento de um móvel, sem que seu tempo fosse sentido e sem que ele [móvel]
fosse sentido no meio do percurso? Quanto à exposição [da doutrina] do deslocamento do raio, esta, aliás, não seria mais do que a do deslocamento da sombra, sendo
necessário que a sombra também fosse um corpo a se deslocar. Mas nem uma nem outra são deslocamento; antes, são desaparecimento e reaparecimento. Desse modo,
encontrando-se a correspondência, aquilo aparece. Agora, se um insensato se metesse [a afirmar] que também a sombra se desloca, então seria inevitável ou que ela se
deslocasse [junto] com a claridade, ou que a claridade se deslocasse na frente dela e atrás dela. Caso [a sombra] se deslocasse com a claridade e obscurecesse a
claridade, então admitiríamos [a hipótese de] uma claridade obnubilada pela terra inteira, sem que tivesse deslocamento, somente a sombra obscurecendo-a. Ora, [com isso]
a alegação do deslocamento da claridade já fica arrasada. Agora, se a claridade se deslocasse na frente da escuridão de modo que a escuridão [também] se deslocasse, então
admitiríamos [a hipótese] do luminoso [sendo] interrompido. É conhecido que quando é interrompido, simultaneamente interrompe-se a claridade. Essa [hipótese] suscitaria
[pensar que] a sombra, dotada de movimento, seria causa do rechaço da claridade. Muitos deles poderiam rechaçar a claridade, igualmente, em diversas direções. O luminoso, [sendo] interrompido, nesse
momento o lugar fica escuro, ou [será que] a claridade fugiria da sombra, saltando para trás, voltando para onde a sombra ficasse separada dela? Ora, isso tudo são
delírios! Antes, a sombra não suprime a claridade, nem ela nem a claridade são corpo, embora ambas possuam deslocamento. Agora, este se faz por meio de uma restauração.
Não é que uma coisa una, por definição, se desloque. A reflexão do raio também é linguagem figurada. Assim, é da condição do corpo, quando houver clarificação e ele for
polido, clarificar-se, a partir dele, também um [outro] corpo que esteja frente a frente com ele, sem que haja deslocamento de maneira alguma. Quanto à outra doutrina,
é ela a doutrina que não vê significado nessa claridade, antes a coloca [como sendo] a própria cor quando se manifesta [por] uma manifestação evidenciada. Seus autores
dizem — se levarmos isso em conta — que aquilo que se imagina juntamente com a cor, quanto ao brilho, é decorrente dos [corpos] coloridos. Esse brilho não seria algo no
próprio visto, mas uma coisa que se daria para a visão, proporcionalmente ao que houvesse entre a mais exígua luz e a mais intensa luz. A intensidade da manifestação da
cor seria devida à intensidade do efeito da coisa luminosa. Assim, o clarão que vem da lamparina seria um pouco mais exíguo que o clarão que vem da Lua; e o clarão que
vem da Lua — que é o luar —, um pouco mais exíguo que o clarão que está nas casas clarificadas durante o dia pelo Sol —
ao contrário dos lugares com sombra, que não têm o raio do Sol. Isso [ocorreria] em razão de o luar ser anulado nas sombras das casas com o nascer do Sol, esvanecendo-se;
[fazendo com que] aquilo que é visto nelas [casas] fosse mais forte do que aquilo que se vê no luar. [Tais] homens não acham, de maneira alguma, que na sombra — se
estiver clarificada — haja “brilheidade” e “raiosidade”; [mas] acham que a claridade da lamparina efetuaria um brilho nos corpos. A claridade da Lua faria isso durante a
noite, por causa da proporção da escuridão noturna. Desse modo, a escuridão noturna faria imaginar que esta porção [de claridade] seria um raio brilhante, ao passo que
nada mais seria do que a manifestação daquilo que vem da cor. Aquilo que o Sol possui seria, assim, de um efeito mais forte e mais intenso. Desse modo, dentre o que é estável, quem avistasse algo sobre a muralha branca que não fosse [nem] a cor, nem a brancura, tampouco sua manifestação, chamaria aquela coisa
de raio. Agora, se houvesse uma analogia, a comparar isso com a sombra sobre a muralha, então essa sombra, por causa de uma certa obscuridade, ocultaria aquilo que, da
brancura, seria necessário manifestar-se — como se ela [brancura] se mesclasse de obscuridade, cujo significado não seria outro que não fosse “ocultação” ou aumento de
ocultação; assim como “claridade” não teria outro significado que não fosse “manifestação” ou aumento de manifestação. Ainda dentre aqueles, houve quem sustentasse que a luz do Sol não seria nada mais que a intensidade da manifestação de sua cor. Eles acharam que quando a cor ofusca a
visão, isso seria em razão da sua manifestação, vista [como] brilho e raio, [os quais] ocultariam a cor devido à debilidade da vista, e não em razão do próprio
ocultamento dela [cor] — como se a vista se enfraquecesse com a percepção do resplendor. Dessa maneira, quando aquilo fosse interrompido, a cor seria vista [novamente].
Disseram ainda: “As cores dos animais que cintilam durante a noite não são sentidas de modo algum, ao passo que, durante o dia, eles têm uma cor manifesta, sem haver
cintilação”. Essa cintilação seria por causa da intensidade da manifestação de suas cores — e não por outra coisa —, de modo a serem vistos na escuridão, estando no
limite da força [no] instante em que são vistos na escuridão, ofuscando a vista. Na medida em que a escuridão diminuísse e o Sol brilhasse, sobrepujando a manifestação
[da cintilação], voltaria a manifestação de suas cores. A vista não se embaraçaria por isso porque a vista estaria prontamente munida para o encontro com as
manifestações, intensificadas com o levante do Sol. Houve dentre eles quem dissesse que as coisas não são desse modo. Antes, a luz seria uma coisa, e a cor [outra]
coisa. Contudo, a luz estaria na condição de encobrir a cor que nela estivesse, quando ultrapassasse a [capacidade da] vista. O Sol também possuiria uma cor e, juntamente
com a cor, uma luz. Desse modo, a luz encobriria a cor por meio da cintilação — assim como se dá para a Lua e assim como se dá para a pedra negra polida quando cintila e é vista luminosa, ao passo que sua negrura não é
vista. Eles disseram que isso [cintilação] não seria a claridade, pois a claridade seria a manifestação da cor e não outra [coisa]. Por sua vez, o luminoso não seria a
manifestação da cor, mas outra coisa que, às vezes, ocultaria a cor. Aquelas cintilações durante a noite seriam a manifestação da claridade da [coisa] na escuridão, a
ocultar sua cor. Quando o Sol surgisse, a claridade delas [cintilações] seria sobrepujada e seria ocultada, havendo, [então,] a manifestação de cor dela [coisa]. Convém,
pois, refletirmos [sobre] essa doutrina, juntamente com suas ramificações já mencionadas. Seção 3 A respeito do complemento da
contestação das doutrinas inválidas em razão de que a claridade é algo que não é a cor manifesta, e discurso a respeito do translúcido e
do cintilante Quanto ao tema da manifestação da cor, aí estão compreendidas duas noções. Uma delas é o devenir da cor em ato. A outra é a manifestação para o olho
de uma cor existente em ato por si mesma. A primeira noção dirige-se à ocorrência da cor ou [pela ocorrência] de sua existência [como] cor. A segunda noção dirige-se à
ocorrência da relação da cor, ou [ocorrência] da existência dessa relação. É evidente que essa segunda orientação esteja prejudicada, pois caso se pensasse que a
claridade é a própria relação da cor com a vista, então seria necessário que a claridade fosse uma relação — ou a ocorrência de uma relação — sem que ela [claridade]
tivesse uma existência estruturada em si mesma. Caso se se significasse com isso que ela [claridade] seria o tornar-se da cor, de tal modo que, se houvesse visão, esta
veria a [cor] ou [veria] o seu ser como tal, então, ou ela [claridade] seria a própria cor, ou seria uma noção que ocorreria quando suprimida uma [outra] noção de fora —
tal como a supressão do recobrimento etc. Ora, se ela fosse a própria cor, isso seria a primeira orientação. Agora, se ela fosse uma disposição por meio da qual
acontecesse de ela manifestar [a cor], então a luz não seria cor. Ademais, quanto à primeira noção, é imprescindível que “manifestação” ou significasse a saída da potência ao ato, [caso] em que a coisa não estaria clarificada depois
desse único instante, ou significasse a cor mesma, [caso] em que a expressão “manifestação”, aliás, não teria significado [algum], sendo necessário dizer que a
clarificação seria a cor, ou significasse, ainda, uma disposição vinculada à cor, fosse sempre ou fosse [só] por um momento, de modo que a cor seria algo para a qual ora
aconteceria a claridade, ora aconteceria a obscuridade — nos dois [últimos] casos, a cor seria um existente em ato. Agora, se ela [claridade] fosse a própria relação daquilo que ela manifesta, [então] voltamos à outra doutrina. Se fosse outra coisa, também voltaríamos para aquela. Caso
determinássemos as coisas de tal modo que a própria luz fosse a cor, então seria como se a própria luz fosse a cor quando [esta] estivesse em ato. Logo, seria
imprescindível ou que a luz fosse predicada a toda cor em ato, ou que unicamente a brancura fosse cor e a negrura fosse escuridão — desse modo, seria impossível que o
corpo negro fosse iluminado pela luz. Entretanto, isto não é impossível, pois o negro é iluminado e clareia um outro que não seja ele. Logo, a luz não poderia ser
unicamente a brancura. Ora, se a luz não pode ser unicamente a brancura, mas toda cor, [então] uma parte da luz seria contrária a [outra] parte do que seria luz. Com
efeito, à luz nada se opõe, exceto a escuridão. Aquilo, pois, é contraditório. Além do mais, a noção de que o negro é luminoso, sem dúvida, não é a mesma [noção] de sua
negrura, assim como não é a mesma da brancura. A cor — quero dizer, a natureza de seu gênero — que está na negrura é a própria negrura; e a cor que está na brancura é a
própria brancura, sem lhe ser acidental. Logo, a cor absoluta, genérica, não é a luz. Ainda mais, às vezes a luz ilumina o translúcido como, por exemplo, a água e o
cristal — quando esse está na escuridão e recai sobre ele unicamente a luz que o revela e o faz transparecer. Ora, isso é luz, e não cor. Além do mais, a coisa é
iluminada e colorida [simultaneamente]. Desse modo, tanto a partir dela [coisa] a luz ilumina unicamente outra coisa, tal como o que é iluminado da água e da muralha —
como a partir dela, quando a luz não é forte, [a coisa] é iluminada simultaneamente com a cor, de modo que a água ou a muralha, então iluminadas, avermelham-se ou
amarelam-se. Ora, se a luz fosse manifestação da cor e a escuridão fosse ocultação da cor, então o efeito da cor vermelha naquilo que estivesse em frente a ela [luz],
seria uma vermelhidão, e não um simples brilho. Agora, se tal [luz] fosse manifestação extrema da cor, então por que, quando se intensifica a ação naquilo que está em
frente a ela, a cor se oculta, deslocando-se para cima dela a cor de [uma outra] cor [mais] forte? De acordo com a doutrina daquele homem, seria necessário que a
vermelhidão, o verdor etc. estivessem mesclados igualmente por manifestações e ocultações. Implícito estaria, pois, que se um corpo tivesse [sua] cor manifestada por meio
do raio que recai sobre ele — de acordo com a noção que pensamos —, e que, em seguida, se refletisse a luz de um outro corpo dotado de cor, a cor [deste] não recairia
sobre [aquele] porque seria imprescindível que as partes da cor manifestada por aquele [que foi] clarificado — clareado por um outro que não ele [mesmo] — ou estivessem
unificadas ou estivessem juntas, [mas] distintas [entre si]. Ora, se estivessem unificadas, então elas necessitariam somente da manifestação da cor, branqueando-se — e
não [d]a ocultação da cor avermelhada ou verdejada. [Por outro lado], se [as partes] estivessem juntas [mas] distintas [umas] das outras — de modo que a manifestação da
cor e a ocultação da cor fizessem, ambas, a totalidade desse ocultar e desse manifestar —, então a ocultação da cor teria um efeito no face a face. Todavia, a ocultação
da cor não tem esse efeito. Porventura não se vê que, quando há ocultação de uma cor pura,
aquilo que está no face a face não é afetado do modo pelo qual eles disseram que aquilo seria afetado pela manifestação da cor, caso ela estivesse individualizada?
Disseram também que a cor seria a manifestação da vermelhidão, do verdor etc. enquanto são vermelhidão, verdor [etc.], e que, quando a manifestação da vermelhidão e do
verdor se intensificasse, estes fariam um similar de si mesmos, fazendo-se, então, uma [outra] vermelhidão e um [outro] verdor. Dir-se--ia, pois: [será] que quando
houvesse uma fraca manifestação, a cor se manifestaria naquilo que estivesse em frente a ela — segundo a noção na qual ela é pura luz e nada mais —, agindo tal qual age o
luminoso, caso este tivesse uma cor? Pois bem, caso sua manifestação fosse intensa, ou ela [cor] seria destruída ou seria ocultada pela própria cor. A primeira coisa que
seria necessária é que ela atualizasse um pouco de sua própria cor naquilo [que estivesse em frente a ela] e, em seguida, quando se intensificasse, que agisse naquilo de
modo considerável. Toda a sua ação seria somente ocultar a cor por meio de sua mistura e por meio de sua cor. Ora, mas não é assim! Ao contrário, a primeira coisa [que
acontece] é que a cor se manifesta por uma manifestação intensa, e somente é manifestada a cor que está na aptidão daquilo. Seu ato, estando presente um luminoso, não é
[pois] nem vermelhidão nem verdor. Em seguida retorna, depois disso, quando a manifestação se torna mais forte, incumbindo-se de abolir sua cor, ocultando--a e
revestindo-a de uma outra cor, não em sua constituição nem em sua natureza. Logo, um dos dois atos vem de alguma coisa que não é a outra. A fonte de um dos dois atos
vem a partir da luz — que se for o corpo que não tem cor, mas tem luz, então se atualiza a exemplo do cristal luminoso. O outro ato é da sua cor quando sua manifestação
se intensifica por causa dessa luz, tornando-se sobressalente. Certamente, embora tenhamos dito que a luz não é a manifestação da cor, não nos opomos a que a luz seja
causa da manifestação da cor, e causa de sua mudança.
Dizemos, pois, que a luz é uma parte do conjunto desse visível que chamamos cor. Ela [luz] é algo quando se encontra mesclado à cor em potência, ocorrendo a partir da
fusão das duas, a coisa que é a cor em ato. Assim, se não houver tal aptidão, o clarão e o brilho serão puros. Logo, a luz é como uma parte da coisa que é a cor, uma
fusão nela — tal como a brancura e a negrura têm, ambas, uma certa mescla a partir da qual ocorrem as cores intermediárias. Quanto ao enunciado daquele que também diz
que a luz e a cintilação nada mais são que a manifestação da cor — e depois, [quanto] ao seu enunciado a respeito das coisas cintilantes durante a noite —, eles são
invalidados porque a lamparina e a Lua frequentemente aniquilam a cintilação daquilo, ainda que suas cores estejam manifestadas. Assim, seria necessário que a claridade
da lamparina fosse mais forte que a manifestação da cor, e seria necessário, além do mais, que a cor daquilo que é visto [como] cor manifestada por meio da lamparina não
fosse vista na escuridão. Ora, a coisa não é assim! Afinal, as cores das cintilações também são vistas durante a noite, da
mesma maneira que seus brilhos são vistos. Logo, aquilo que eles disseram não é verdadeiro. Quanto àquele que diz que o Sol e as estrelas possuem cor, e que a luz ocultaria suas cores, parece que a verdade seja que certas coisas possuem, em suas essências, cor.
Assim, quando iluminam, sua iluminação intensifica-se de modo a ofuscar a vista, não se discernindo a cor. Dentre elas [coisas] há as que possuem a luz em lugar da cor. A
luz é a coisa que possuem naturalmente, inerente, não adquirida; ao passo que a substância de certas outras coisas encontra-se mesclada, seja por mesclas compostas de
partes luminosas e de partes das essências das cores tal como o fogo, seja por mesclas de fusões de qualidades tal como possuem Marte e Saturno. Por ora, não nos é
possível julgar coisa alguma a respeito do Sol. Assim sendo, já conhecemos a disposição da luz, a disposição da claridade, a disposição da cor e a disposição do translúcido. A luz é, portanto, uma qualidade cuja
essência é ser perfeição do translúcido como translúcido. É também uma certa qualidade que o visto possui por sua essência, e não por uma causa que não é ele [mesmo]. Não
há dúvida de que o visto, em sua essência, também eclipse a visão daquilo que esteja atrás dele. A claridade é uma qualidade que o corpo não translúcido dela adquire, a
partir do luminoso. Assim, por meio dela [claridade] aperfeiçoa-se o translúcido [como] translúcido em ato. A cor é uma qualidade que se aperfeiçoa por meio da luz. Sua
condição é que o corpo se torne um obstáculo para a ação do luminoso, no que concerne a que aquele corpo interponha-se entre ele e entre o luminoso. Portanto, os corpos
são luminosos, coloridos e translúcidos. Quanto ao corpo, houve dentre os homens quem disse que há o que é visto por meio de uma qualidade em sua essência e que há o
que é visto por meio de uma qualidade de um outro corpo que não ele mesmo. O translúcido foi colocado [como] a última divisão. Inicialmente, quanto à primeira divisão,
colocaram--se prontamente duas [outras] divisões. Uma delas, [inclui] aquilo que é visto no translúcido em razão de sua essência e em sua presença, que é o luminoso. A
segunda delas é o que não é desse modo. Esta [segunda] foi, em seguida, dividida em duas [outras] partes: uma delas é aquilo que, para sua visibilidade, está condicionado
à luz juntamente com a condição do diáfano, que é a cor. A segunda é aquilo que, para sua visibilidade, está condicionado à escuridão juntamente com a condição do diáfano
como, por exemplo, os animais que luzem durante a noite — enquanto luzem como, por exemplo, os pirilampos, alguns pedaços de madeira podre e alguns vermes. Nessa condição
eu já vi um ovo de galinha, um gafanhoto morto e um grilo morto. Essa divisão não é irrecuperável, embora não seja válida. Ora, em razão de sua essência, o luminoso é visto em sua totalidade [tanto] na escuridão [como] na luz. Assim, caso suceda que aquele que vê esteja na luz, a qual
atualiza, ele vê. E caso suceda que ele não esteja nela [luz], também ele vê — como, por exemplo, o fogo que o homem vê igualmente [tanto] na luz — seja luz dele [fogo]
ou a luz de um outro que não seja ele — como o vê na escuridão. Quanto ao Sol, não é possível que o vejamos na escuridão por ele se encontrar no lugar oposto à visão
daquele que vê, quando já preencheu o mundo de luz, não tendo deixado lugar [algum] escuro. Quanto às estrelas, elas são vistas somente na escuridão porque a luz delas é
limitada pela luz do Sol. Elas não iluminam as coisas nem as clareiam, mas não impedem que sejam encontradas. Assim, é possível que haja [estrelas] e, juntamente com
elas, haja escuridão. Dessa maneira, elas são vistas na escuridão, não porque a escuridão seja causa [disso] — pois são essencialmente vistas —; ao contrário, é
necessário saber que certas claridades se sobrepõem a outras, de modo que [estas] não são vistas — tal como a luz do Sol se sobrepõe à luz tênue do fogo e à luz das
estrelas e, por isso, estas não são vistas luminosas ao lado do Sol. Quanto à sua visibilidade, elas não são vistas não em razão da necessidade da escuridão, mas em razão
da necessidade que têm em si próprias de serem luminosas, não obscuras, em relação ao nosso ver. Assim, quando o Sol está ausente, elas se manifestam e ficam visíveis
porque se tornam luminosas em relação ao nosso ver, e em razão da disposição do nosso ver. Algumas vezes, a regra do fogo e da Lua é, por definição, essa [mesma] regra —
ao lado da luz que é mais tênue do que essas. Quanto àquela luz [das estrelas], é necessário que ela, em relação a nós, não seja existente ao lado de uma manifestação do
fogo ou da Lua. Para que apareçam, pois, ou é imperativo que haja obscuridade, ou é imperativo que não haja [luz] ofuscante, de modo que sejam vistas, e que seja possível
à vista apreendê-las. Tu já sabes que as poeiras que estão na atmosfera não são do gênero do que é visto somente quando clarificado na escuridão. Todavia, se um homem
estiver na escuridão, e um raio de Sol recair sobre essas poeiras, é possível que tais poeiras sejam vistas. Mas, se o homem estiver na [frente] do raio, [isso] não é
possível. Isso se dá em razão de uma coisa na vista do homem, e não em razão de uma coisa na luz das poeiras. Desse modo, quando a vista do homem é sobrepujada por muita
luz, ele não as vê, mas se não for sobrepujada, ele as vê. Da mesma maneira, aquelas cintilações durante a noite não são de um outro gênero. Antes, são luminosas e
diferenciam-se não em [sua] natureza toda, mas [só] quanto à fraqueza. Se tal diferença dos luminosos fosse em razão da totalidade da [sua] natureza, então as estrelas
[também] seriam assim. Dessa divisão, não se obteria um resultado favorável, a não ser que se dissesse que certos luminosos são ofuscantes a uns e certos deles são
ofuscados por outros. O significado desse ofuscamento não é um efeito de uns nos outros, antes é [um efeito] no nosso ver — assim como certas coisas duras são mais duras
e outras mais frágeis. Logo, não é necessário dizer que aqueles que cintilam durante a noite sejam uma espécie ou um gênero separado, extrínseco aos coloridos e aos
luminosos. Antes, eles estão no âmbito dos luminosos que são ofuscados [por] aquilo que está acima deles, quanto à iluminação. Nesse caso, portanto, não são vistos
simultaneamente com eles, em razão da debilidade do nosso ver. Antes, nosso ver em relação a eles [que cintilam] somente se fortalece quando predomina a ausência do ofuscamento do
luminoso para o nosso ver. Se eles [autores] tivessem pregado isso, então a divisão teria sido excelente! Mas tal eles não pregaram. Ao invés disso, estimaram que os
luminosos seriam uma camada, os coloridos, [outra] camada, e estes [cintilantes, uma outra] camada.

Diagrama do olho a tinta vermelha e preta. De uma versão
abreviada do Qanun (Cânone) de Ibn Sina por Ibn al-Nafis. c. séc.17 Seção 4 A respeito da reflexão
das doutrinas enunciadas sobre as cores e a ocorrência destas Dentre o que é necessário para terminarmos, está a reflexão de uma outra doutrina sobre a ordem das
cores e da luz. Enquanto não terminarmos com isto, não haverá maneira de indicarmos, pela via da divisão, a validade do que preconizamos a esse respeito. Dizemos, pois:
dentre as doutrinas sobre a ordem das cores, uma é a doutrina de quem acha que a gênese da cor branca vem somente do ar e da luz; e que a gênese da cor negra vem do
contrário disso; e que a ocorrência da cor branca é proveniente do translúcido, quando este se divide em partículas e, em seguida, aglomera-se. Nesse caso, aconteceria
que as superfícies delas [partículas] receberiam a claridade, iluminando-se. Na medida em que seriam translúcidas, umas realizariam a iluminação nas outras; por serem
pequenas, isso se daria nelas como se fosse um contínuo; e porque o diáfano somente seria visto por meio de uma cor de um outro que não ele, então, sua diafaneidade não
seria vista, mas o reflexo da superfície aglomerada [de partículas] seria visto como um contínuo. Dessa maneira, então, ver-se-ia uma totalidade branca. Eles disseram que
seria em razão disso que a espuma da água é branca, pela combinação com o ar; e [que] a neve é branca porque ela seria [constituída] de partículas gélidas translúcidas,
combinadas com o ar e atravessadas pela luz, ao passo que o cristal despedaçado e o vidro despedaçado não transpareceriam, isto é, as superfícies deles estariam, de um
certo modo, contínuas. Deixando-se cada uma de suas partes isolada, estas retornariam, em si mesmas, a serem translúcidas. Quando acontecesse uma fenda no translúcido de
grande dimensão, o branco seria visto no lugar [da fenda].
Disseram ainda: “Quanto à negrura, ela é imaginada em razão da inexistência da fundura e da profundidade do corpo, simultaneamente à [inexistência] da luz e da
diafaneidade”. Dentre eles, houve quem estabeleceu a água [como] a causa da negrura. Disse ele que, em razão disso, quando as coisas são umedecidas, elas tendem à negrura. Disse
que assim seria porque a água faria sair o ar. A diafaneidade desse [ar] não transpareceria nem ele seria atravessado pela luz na superfície, restando, pois, escuro.
Dentre eles houve quem estabeleceu que, na verdade, a negrura seria uma cor, e a base das cores. Ele disse que, em razão disso, é que ela não se descolora. Quanto ao
branco, este seria um acidental do diáfano por [causa] de sua aglomeração e, em razão disso, é que poderia ser tingido. A primeira doutrina sobre a negrura não está longe
de também chegar até esta doutrina, visto que [ambas] estabeleceram que a negrura seria uma essência que, do ponto de vista daquilo que transparece, não transpareceria; e
que [a negrura] seria [a] essência da cor que se reflete a partir dela. Um [outro] grupo disse que cada um dos elementos seria diáfano e que, quando se compusessem, a
brancura ocorreria nas condições já mencionadas. Como aquilo que predominaria [para] a vista seria a superfície plana do diáfano, então a vista seria atingida por ela
[superfície]. A negrura ocorreria quando aquilo que predominasse na vista, a partir do corpo, fossem os ângulos, impedindo a diafaneidade em razão das extremidades que se encontram neles. Desse modo, caso aquilo fosse iluminado, a
luz não atravessaria de uma maneira forte, obscurecendo-se. O que dificulta [aceitar] isso tudo é a parte do enunciado que [afirma] que a brancura é gerada da luz e
que a negrura é uma cor verdadeira. Ora, sabemos que os diáfanos se embranquecem quando [se dá] seu despedaçamento e [sua] combinação com o ar. Igualmente, certos
perfumes e certos preparos de sésamo ficam embranquecidos em razão
da união da diafaneidade que há em suas naturezas com o ar que está retido neles. Sabemos [também] que a negrura não aceita, de modo algum, uma cor tal como a brancura
[a] aceita. É como se a brancura — em razão de sua diafaneidade — fosse um sujeito despojado, apto. O despojamento das qualidades às quais ela é receptiva vem sem
necessidade da supressão de coisa [alguma]; ao passo que aquilo que está ocupado por uma única qualidade não recebe outra exceto com sua [respectiva] supressão. Essa
gente estabeleceu a saída das cores a partir da diafaneidade e da não diafaneidade. Fazendo frente a esse grupo, outros não disseram [que seria], em absoluto, por meio da
diafaneidade, mas acharam que cada um dos corpos seria colorido, não sendo admissível que um corpo existisse sem que tivesse uma cor. Quando a perfuração e as aberturas
vazias fossem abundantes nos corpos, elas seriam atravessadas até o outro lado pelo raio saído do luminoso. O raio da visão também [as] atravessaria, vendo-se o que
estivesse atrás deles [corpos]. Agora, quanto à primeira doutrina, dizemos, pois: pela minha vida! Às vezes, uma cor branca se manifesta a partir do estilhaçamento do
diáfano e de sua combinação com o ar. Ora, mas isto somente se dá em um corpo que não é contínuo, [nem] unificado; melhor, essa cor somente se manifesta no aglomerado de
[suas partes], [mas,] quando está unido e umedecido, sua brancura desaparece. Quando da união e do secamento, o gesso — conforme o que eu penso e [conforme] o que é necessário por aquilo que
ultrapassa minha conjectura — não se embranquece [em] sua brancura unicamente em razão disso, mas porque o cozimento coloca-o de tal modo que, quando é umedecido e seco
em seguida, se embranquece de uma brancura intensa, pela fusão ocorrida nele. O argumento a esse respeito é [o seguinte]: se a ação do fogo no gesso fosse apenas a de facilitar [sua] partição — o facilitar a partição poderia levar à configuração
mencionada como causa da geração da brancura —, então o despedaçamento excessivo que chegasse ao limite da redução das partes faria essa [mesma] ação no gesso, na cal
etc. Então, o que fora preparado pelo despedaçamento e pelo enxágue, quando fosse unido pela água, faria a ação do gesso concernente à brancura. Mas não é assim!
Depois, suponhamos que o gesso fosse gerado de acordo com a forma [já] mencionada, então não seria toda brancura que ocorreria nessas condições, pois, quando se ferve o
ovo, sua brancura translúcida torna-se branca. Não é possível dizer que o fogo a tenha aumentado [por] inconsistência e partição, pois ele [fogo] prontamente a aumentou
[pelo] encorpamento, conforme uma disposição, e não que tenha ocorrido uma “aereidade” que tivesse se combinado com ele [ovo]. Assim, isso [ocorre] primeiramente
porque, durante o cozimento, o branco do ovo torna-se mais pesado, separando-se da aereidade. Segundo, se houvesse uma aereidade que penetrasse sua umidade,
branqueando-o, então haveria coagulação, e não condensação. Tu já soubeste disso antes. [Há,] também, o remédio que a gente artífice toma e denomina leite de virgem,
[feito] do cozimento do litargo no vinagre, até sua dissolução. Depois se decanta até que o vinagre permaneça no limite da diafaneidade e da brancura; é, então, combinado
com água, na qual se cozinha o álcali, decantado no limite da
depuração até que se torne como se fosse uma lágrima. Se houver imperícia nisto, não se completa a fusão das duas que se buscava. Assim, é como se as duas águas fossem
combinadas e, nelas, a solução diáfana do litargo se coagulasse, branqueando-se no limite da brancura, tal como o leite coalhado, secando em seguida. Nesse caso, isso
[tudo] acontece não porque o translúcido teve partição, pois aquele [litargo] estava partido, solvido no vinagre, [mas] não tinha partes transparentes extremamente
pequenas próximas umas das outras [ou] que estivessem justapostas. Ao contrário, se [assim] fosse, inevitavelmente teriam sido aumentadas na água do álcali, partindo-se
sem que, ademais, um ar externo se combinasse com elas, sob aspecto algum. Antes, isso se faz aos moldes da transmutação. Logo, não é toda geração de brancura que se
encontra conforme as condições mencionadas [por eles]. Agora, se a brancura não fosse nada além da luz, e a negrura [não fosse] nada além daquilo que [já] foi dito,
então não haveria composição da brancura e da negrura, a não ser se tomando uma única via. A explicação disso é que a brancura se dirige pouco a pouco até a negrura por
três caminhos. Um deles é o caminho de acinzentar-se, que
é o caminho espontâneo. Assim, quando a conduta for espontânea, ela [brancura] dirige-se ao cinza; depois continuadamente [para o mais escuro] e, depois, permanece assim
até enegrecer. Dessa maneira, se conduz por um caminho [no qual] a negrura como um todo não cessa de se intensificar paulatinamente até incrementar-se. O segundo
caminho é tomado em direção à vermelhidão, depois para o [mais] escuro, depois para a negrura. O terceiro é o caminho tomado em direção ao verdor, depois para o anil,
depois para a negrura. As diferenças desses caminhos somente são admitidas em razão das diferentes possibilidades de combinação das cores intermediárias. Aliás, se não
houvesse nada mais que a brancura e a negrura, e o fundamento do branco não fosse nada além que a luz, algumas dessas direções seriam impossíveis. A composição da
brancura e da negrura só seria possível quando tomada por um único caminho, sem que as diferenças sobreviessem, a não ser as incidências que estivessem de acordo com a
diminuição e a intensificação delas, e nada mais. [Nesse caso] não haveria diversos caminhos, pois, se houvesse diversos caminhos, então seria necessário que houvesse uma
mescla que não viesse [nem] da brancura, [nem] da negrura, somado a que a mescla viesse de um visível; e [ainda] que não houvesse nas coisas algo que se pensasse ser
visível e não fosse nem negrura, nem brancura, nem um composto das duas, exceto a luz — para aquele que coloca a luz como algo que não é nenhuma das duas [cores]. Ora, é
falsa a doutrina dele, abstendo-se da transmutação das cores nos diversos caminhos. Se tal transmutação é possível, então é necessário que haja um terceiro visível que
esteja fora dos domínios da brancura e da negrura. [Na doutrina dele] não haveria perspectiva que esse terceiro visto fosse existente, salvo se a luz fosse estabelecida
como não sendo a cor, sendo possível, nesse caso, que as cores fossem combinadas. Assim, quando a brancura e a negrura se combinassem em uma [cor] só, o caminho seria
aquele caminho do acinzentar-se. Agora, se a negrura fosse combinada com a luz, então seria como, por exemplo, a nuvem que é iluminada pelo Sol [ou], por exemplo, a
fumaça negra que se combina com o fogo. Se a negrura fosse preponderante, haveria vermelhidão; se a negrura fosse sobrepujada, haveria amarelidão, prevalecendo, nesse
caso, uma brancura iluminada. Depois, se houvesse lá uma amarelidão combinada com uma negrura que não estivesse iluminada em suas partes, ocorreria o verdor — em suma,
quando o negro estivesse mais ocultado e o luminoso mais manifesto. A vermelhidão seria o inverso. Depois, se a negrura fosse preponderante de início, haveria um
[vermelho-]escuro. Se a negrura fosse preponderante secundariamente, haveria um roxeado — não há nome para esta, quando intensa. Se isto fosse combinado [com] uma
brancura, haveria um cinza-escuro, esverdeado. Se fosse combinado com a cor roxeada, com a negrura e com um pouco de vermelhidão, haveria anil. Se fosse combinado com
vermelhidão e anil, ter-se-ia púrpura. Com isso, pois, é possível sintetizar as cores por igual, ou por meio da fusão dos corpos, ou pela fusão das
qualidades. Mas, se isso só se fizesse por meio da combinação dos corpos — já se sabe que, de modo algum, a luz se tinge de negro pelo reflexo de um corpo negro —,
então seria necessário que as cores verdes e vermelhas somente refletissem, de si, a brancura, e não refletissem coisa [alguma] das partes negras, particularmente quando
fossem tênues, fragmentadas. Com efeito, caso se dissesse que “às vezes, as vemos refletidas pela combinação”, a resposta seria que isso [se dá] porque a combinação torna
necessária a ação e a paixão, tornando necessária, por causa disso, a fusão das qualidades de modo equivalente, faça-a a arte ou a natureza. De um lado, a natureza tem o
poder da fusão que esteja ao modo da transmutação, ao passo que a arte não tem poder sobre isso; antes, tem o poder de união. Assim, por vezes, a natureza torna
necessária essa transmutação. A natureza tem o poder de atenuar a fusão que esteja aos moldes da combinação, diminuindo as partes, ao passo que a arte é debilitada para
tal investigação. Não se findam as veredas da natureza quanto à divisão e à relação de potência e ato. À arte não é possível fazer sair ao ato o conjunto daquilo que
esteja latente. Com isso, fica claro que, na verdade, a brancura não é, nas coisas, luz. Não nos opomos a que o ar tenha um efeito na ordem do branqueamento, mas não do jeito que eles disseram. Antes, [isso] é pelo evento da fusão branqueadora. Em razão
disso, não [podemos] dizer que a brancura do sésamo esteja, toda ela, de acordo com o ponto de vista que eles preconizaram, mas [o é] por fusão. Com efeito, o ar torna
necessária uma cor branca não somente consoante à combinação, mas também em conformidade à alteração. Se a doutrina deles fosse válida, então seria possível conseguir —
por meio da coisa branca e da colorida, e por meio da intensificação e da diminuição — [fazer com] que sua aglomeração chegasse a transparecer, ou [a algo] que disso se
aproximasse. Isso, porém, é algo que não se dá. Agora, quanto ao enunciado deles que o negro é não receptivo a uma outra cor, ou eles quiseram dizer com isso “aos
moldes da transmutação” ou “aos moldes do tingimento”. Se eles quiseram dizer “aos moldes da transmutação”, então mentiram. Dentre aqueles que os acusam de mentira, eis a
juventude e os cabelos brancos. Se quiseram dizer “aos moldes do tingimento”, então isso seria caso de contiguidade, e não caso de qualidade. Ora, não está longe [que se
diga] que a coisa enegrecida somente seria enegrecida se nela houvesse uma força penetrante, aderida, constritora, assim combinando, penetrando e inerindo. E que aquilo
que é existente na coisa branca seria contrário àquilo que está em sua natureza [da coisa enegrecida]. Assim, não lhe seria possível cobrir o negro, penetrá-lo e inerir
nele — apesar de que isso também não é algo impossível pois, quando se usam expedientes como, por exemplo, o alvaiade e outros, de maneira que [a coisa] seja mergulhada e dissolvida, o negro tinge-se de branco.
Quanto à segunda doutrina, ela é aquela doutrina cujo enunciado somente se sustenta quando o vácuo for suposto como existente. Isso porque seria imprescindível que
os poros, mencionados por eles, ou fossem plenos de um corpo, ou fossem vazios. Ora, se fossem plenos de um corpo, então ou esse corpo seria transparente sem ter poros,
ou ele também teria poros e, sem dúvida, chegar-se-ia ou a um diáfano que não tivesse poros — e isso é o oposto do enunciado deles —, ou ao vácuo. Logo, a doutrina deles
exigiria a existência do vácuo, embora o vácuo seja inexistente. Além disso, disseram ainda que não convém imaginar a diafaneidade para todos os poros. Antes, seria
necessário que os poros estivessem em posições retas, sem ziguezaguearem, de modo que os raios penetrassem neles conforme a retitude. Bem, façamos, então, uma bola de
gelo. Melhor, de cristal. Melhor ainda, de corindo branco translúcido. Ora, esses poros que estivessem nela [bola] seriam translúcidos, retos. O corte deles seria assim
[reto] em comprimento. Será, então, que também estariam assim em largura? Será que estariam assim em diâmetro? Ou em qualquer [outra] direção que tu estabelecesses?
Afinal, como retas penetrariam retas? Ora, de qualquer ponto de vista que tu os pensasse, eles não fariam zigue-zague? Portanto, está no âmbito do necessário que
acontecesse, para certas direções, [ou] uma oposição à retitude e uma obstrução das partes que não possuíssem poros no alinhamento das linhas retas que tu estimasses
saídas do olho, ou que todo corpo fosse vácuo. Ora, isso é um absurdo, pois seria necessário que quando variassem para ti as condições da bola — quanto a se buscar ver
através dela —, variasse necessariamente sua diafaneidade. Depois, como seria o caso de um corpo no qual houvesse tantos poros e orifícios que ocultassem sua cor de modo
que tu o verias como se ele não tivesse cor — ao passo que ele tem em si mesmo uma cor? E [como] sua cor não cobriria algo que estivesse grudado atrás dele [corpo], mas,
na verdade, faria chegar aquilo que estivesse atrás dele? Ora, se ocorresse o cobrimento, então seria como se ocorresse algo que não [ocorresse] pois, sem dúvida, a
perfuração que estivesse nele seria muito mais numerosa do que a plenitude que estivesse nele. Assim, como seria possível que ela [bola] retivesse o corindo sendo toda
[cheia] de fissuras? Ora, se ocorresse a um homem [fazer] no corindo três ou quatro orifícios, atingindo-o em seguida com pouca força, ela se trincaria e se quebraria. Logo, essa doutrina também é absurda! Portanto, as cores são existentes, mas a existência delas não são [as] luzes, tampouco as luzes são manifestações delas [cores]. Ao mesmo tempo, [as cores] não são aquilo
que são em ato, por um outro que não sejam as luzes, [pelas quais] o transparente também existe. Eis a exposição para aquela finalidade à qual nos propuséramos. Resta-nos
[agora] informar a disposição do ver e como ele é, anexando a isso a verificação de como as luzes se realizam no transparente. Seção 5
A respeito da divergência entre as doutrinas sobre a visão e invalidação das doutrinas corrompidas, de acordo com as coisas que lhe são próprias Dizemos que,
nesse âmbito, são notórias três doutrinas — se bem que cada doutrina se ramifique. Uma delas é a doutrina de quem acha que raios lineares sairiam da vista, sob o formato
de um cone, cuja extremidade estaria voltada [para] o olho, e sua base, [para] o visto; e que a percepção mais precisa seria a flecha
proveniente deles [raios]; e que “ver a coisa” [nada mais seria que] o deslocamento da flecha para o interior dela [coisa]. Dentre elas, há a doutrina de quem [também] acha que o raio poderia sair da vista sob um [certo] formato, salvo que, devido à sua multiplicidade, não chegaria a encontrar
o ponto médio da esfera celeste — a não ser [que fosse] por meio de um prolongamento, [o que] tornaria necessário o prolongamento da vista — mas que ele, quando saísse,
conectar-se-ia ao ar luminoso, tornando este um órgão para si, percebendo por seu intermédio. Dentre elas, há a doutrina de quem acha que, assim como os sensíveis em
geral não são percebidos em razão de haver algo que se estenda sobre eles, [vindo] dos sentidos — projetado na direção deles, contínuo a eles, ou enviado [por] um
mensageiro até eles —, do mesmo modo a visão não se dá, de modo algum, porque um raio sairia da vista, encontrando-se, assim, com o visto, mas porque a forma do visto
chega até a visão, por meio da condução do diáfano até ela. Os dois primeiros grupos chegaram a argumentar, dizendo: “Só é possível que os sensíveis cheguem aos
sentidos em geral porque estes estão aptos a percebê-los por meio do contato, tal como o tato, tal como o paladar, tal como o olfato — que busca trazer os odores para
perto, por meio da aspiração, a fim de encontrá-los e ser afetado por eles — e tal como o som, que se complementa por meio da agitação [do ar], em direção ao ouvido”.
Depois, [disseram]: “Na visão isso não é possível, porque o visível está dissociado [do órgão que sente]. É em razão disso que não é visto [aquilo que] está em sua
proximidade, tampouco é admissível que se deslocasse até ela [vista] um acidente existente em um corpo visível — isto é, sua cor e sua figura —, pois os acidentes não se
transportam. Assim, quando a forma [do visível] for esta, então é adequado que a faculdade da sensibilidade seja transferida até o lugar do sensível, a fim de
encontrá-lo. Ora, seria um absurdo que a faculdade fosse transportada, senão por meio de um corpo que a porte. Tal corpo não é outro que um sutil, do gênero do raio e do
pneuma e, por isso, chamamo-lo ‘raio’. É em razão da existência de um corpo semelhante a esse [sutil], no olho, que o homem prontamente vê, no estado da escuridão, uma
claridade desprender-se de seus dois olhos, brilhando sobre seu nariz ou sobre alguma coisa próxima que está diante dele. Além disso, quando o homem, pela manhã, é
incitado pela surpresa de seu despertar a esfregar seus olhos, ele entrevê raios diante de seus olhos. E mais, a úvea ocular de um dos dois olhos fica cheia [de raios]
quando se está com o outro [olho] fechado — e também no [caso] de se fixar o olhar [de modo] excessivo. Sem dúvida, então, um corpo com tal atributo [sutil] está
difundido por eles [olhos]”. Em seguida [porém], o segundo grupo repudiou que houvesse um corpo — por exemplo, o olho — capaz de conectar, a partir do raio, uma reta
única entre a vista e as estrelas fixas, sem mencionar linhas que alcançassem aquilo que se vê do universo. Particularmente, [afirmaram] que aquilo que delas [estrelas]
se vê, somente o é [por] uma conexão contínua, por igual, sendo necessário, pois, que aquilo, por meio do que se vê, fosse contínuo. Também repudiaram que um tal raio
saído [do olho] se movesse em um tempo não sensível, [por meio de] um movimento que partisse do olho em direção às [estrelas] fixas. Disseram, ainda, que seria necessário
haver uma relação de duas distâncias entre o tempo do teu movimento em direção a alguma coisa — havendo entre ti e ela dois côvados — e o tempo do movimento em direção às
estrelas fixas, sendo necessário que aparecesse uma diferença entre os dois tempos. Por vezes, até mesmo os autores da terceira doutrina usaram esses argumentos contra os
autores do raio linear, desconhecendo que isso está prejudicado. Isso porque é possível supor um tempo não sensível curto, ou mais de um tempo não sensível curto, resultando o
movimento que o raio teria em direção às fixas. Além disso, é possível dividir esse tempo ao infinito, podendo-se encontrar, aí, uma ou algumas partes cuja relação seja
uma relação da distância curta com a distância longa. Desse modo, os dois tempos, entre os quais há o intervalo, ambos, seriam não sensíveis, curtos. Contudo, os
autores dos raios possuem um argumento cuja solução é, no mínimo, penosa. Trata-se do enunciado de que os espelhos comprovam a existência desses raios e seus reflexos.
Isso [por]que é indispensável que chegue à vista, ou a forma do espelho — já tendo chegado a este a forma visível, reproduzida, [feito] um espectro — ou
que, digamos, o raio sai, encontra-se com o espelho e, depois, a partir deste, vai ao encontro daquilo sobre o que se reflete, de acordo com um ângulo próprio. Ora, na
medida em que o primeiro enunciado é falso, resta o segundo enunciado. No que concerne evidenciar a falsidade do primeiro enunciado, está que se aquela forma fosse como um espectro no espelho, então, sem dúvida que, por definição, far-se-ia
espectro em algum [lugar] da superfície dele [espelho]. Desse modo, quando os reflexos da luz e da cor chegassem simultaneamente ao diáfano — sem [que este] fosse
portador dos dois primeiros —, então aquilo que chegasse somente seria reproduzido em uma única área, sendo visto, por definição, de maneira diferente [conforme] as
posições dos observadores. Ora, o espectro que estaria no espelho não se encontra nessas condições, antes se desloca por ele [espelho] com o deslocamento do observador.
Caso se deslocasse apenas, e tão somente, por meio do deslocamento do visível, não haveria problemas. Quanto ao seu deslocamento [do espectro] por meio do deslocamento do observador, o argumento [usado] para isso, pois, foi que, na verdade, não seria o caso de a forma
[visível] fazer-se espectro em um lugar, mas que, quando o observador se deslocasse, deslocar-se-ia a linha incidida que, refletindo-se para o visível, faria um ângulo
próprio. Desse modo, ele [observador] veria, por meio dessa linha, o visível, em sua definição, e veria [também] uma outra parte do espelho, imaginando que ele [visível]
estivesse em uma outra parte do espelho e, assim, [o visível] não cessaria de se deslocar. Disseram [também]: “No que concerne a argumentar pela validade disto está
que, às vezes, imprime-se no observador que o homem possui um espectro visível, refletindo-se a partir dele para a vista de um outro observador, de modo que este segundo
observador o vê, ao passo que o dono da pupila na qual foi reproduzido o espectro não o vê aos moldes da imaginação. Ora, se isso tivesse uma verdade de impressão no observador dele [segundo], então seria necessário — de acordo com a
doutrina dos autores do raio — que ambos tivessem a mesma percepção dela [impressão], pois está [na doutrina] deles que a verdade da percepção é um espectro reproduzir-se
no observador. Assim, todo aquele que [tivesse] um espectro reproduzido em seu observador a veria”. Disseram [ainda]: “A esse respeito, julgamos e declaramos que o
observador, no espelho, imagina ver sua forma no espelho, mas não é assim. Antes, quando o raio encontra o espelho, então ele [raio] é percebido, retornando refletido, e
encontra, assim, a forma do observador, que então o percebe [raio]. Desse modo, se [o observador]
vê o espelho e a si mesmo em um único alinhamento, da saída da linha radial, ele imagina que uma das duas esteja na outra”. Disseram [também]: “O argumento a respeito
de que aquilo não é impresso no espelho consiste em que o visível é visto no espelho — enquanto não se duvida que ele [visível] não esteja na superfície do espelho —,
[mas] apenas como se ele [visível] fosse a réplica nela [superfície] e distanciado dela. Quanto a essa distância, é indispensável ou que ela fosse uma distância que
estivesse no fundo do espelho — se bem que o espelho não possui tal profundidade — ou, ainda, que não estivesse. Se o espelho possuísse tal profundidade, ele estaria
incluído naquele [caso] do espectro que se faria em seu interior. Ora, resta, pois, que aquela distância fosse uma distância na direção oposta à da sua profundidade,
sendo que a coisa só é percebida por meio dessa distância do espelho, sem que seu espectro tenha sido impresso no espelho”. Pois bem, a primeira coisa que [se torna] imperativa para nós é invalidarmos as duas primeiras doutrinas, estabelecendo a validade da nossa, que é a terceira. Em seguida,
retornaremos a esse embaraço, solucionando-o. Dizemos que é forçoso que a coisa que saísse da visão ou seria alguma coisa com estrutura de essência — dotada de posição
sendo, então, uma substância corpórea —, ou seria alguma coisa que não possuiria uma estrutura em sua essência, mas apenas estaria estruturada pela coisa diáfana, a qual
está entre a vista e o visto. Agora, dessa coisa, por exemplo, não é forçoso que se diga que ela, na verdade, fosse saída da vista, mas é necessário dizer que seria uma
paixão que o ar teria em relação à vista; e o ar, por meio dessa paixão, [seria] um auxílio no [ato] de ver. E isso sob dois aspectos: ou aos moldes de um auxílio [como]
intermediário, ou aos moldes de um auxílio [como] órgão. Antes do início em detalhe, porém, deixe-me sentenciar um preceito universal: o ver não se dá, de modo algum,
por meio de uma transmutação do ar em um estado no qual auxiliasse a visão. Isso porque esse estado, sem dúvida alguma, é uma configuração [existente] no ar, não no sentido de uma relação [que] levasse em conta um
observador à exclusão de [um outro] observador. Não nos opomos à existência dessa distinção, antes dizemos que ela é inevitável, [assim como] é inevitável que ocorra uma
relação do ar com o observador, quando este observa, [pois,] por meio dessa relação, dá-se o ver. Opomo-nos apenas à existência de um estado e de uma configuração
permanentes no próprio ar e [em] sua essência, que tornassem o ar, por meio delas, possuidor de uma qualidade ou de um atributo em si mesmo — na medida em que não se
conserva nem se encontra [existente] quando dissociada do agente que lá está. Porque tal configuração, por exemplo, ele [ar] não a tem comparativamente a uma vista à
exclusão de [outra] vista, antes ela é existente para ele em todas as coisas, tal como o branco não é um branco comparativamente a uma coisa à exclusão de [outra] coisa.
Antes, é branco em sua essência, e branco em todas as coisas, ainda que não permaneça branco com a supressão da causa que branqueia. Ademais, seria indispensável ou que aquela configuração [do ar] recebesse a intensidade e o enfraquecimento [da visão], estando, portanto, mais fraca [ou] mais forte, ou
então que estivesse sob um único padrão. Ora, se estivesse sob um único padrão, então seria inevitável ou que a causa que a necessitasse recebesse o mais intenso e o mais
insuficiente, ou que não [os] recebesse. Ora, se fosse da natureza da causa receber o mais intenso e o mais insuficiente, e essa natureza fosse uma causa por si mesma,
então seria necessário que se seguisse a ela o efeito na recepção do mais intenso e do mais insuficiente. Ora, conta-se como absurdo — caso sua força e sua fraqueza fossem algo na natureza da coisa como causa — que o fraco realizasse a ação que o forte, ele próprio,
realizaria. Assim, a partir disso, seria necessário que, quando as faculdades da visão, agentes, no ar, fossem muitas e se espremessem, aquele estado e [aquela]
configuração no ar ocorressem [de modo] mais forte, e que as faculdades da visão fossem, na alteração do ar rumo àquela configuração, mais intensas do que fracas na
visão. Particularmente, porque isso é do âmbito das faculdades e das disposições [que estão] na faculdade, e não de um âmbito no qual o mais intenso e o mais fraco fossem
recebidos. A potência delas não é — como mencionamos — comparando-se uma visão à exclusão de [outra] visão, mas é por si mesma, tal como dissemos. [Do contrário], seria
necessário que aqueles que tivessem visão fraca, quando se reunissem, vissem [de modo] mais forte e, quando se separassem, vissem [de modo] mais fraco; e que aquele de
vista fraca, quando se pusesse ao lado daquele de vista forte, visse [com] mais intensidade — isso, na medida em que o ar fosse se transformando naquela configuração, de
modo que a transmutação fosse mais intensa por meio da reunião de diversas causas e das faculdades. Assim, a execução e o auxílio dele [ar], em razão da forma, no ver,
seriam mais fortes, embora a própria fraqueza da visão aumentasse a deficiência, nesse caso. Ora, a reunião de dois fracos não se conta tal como o efeito de um fraco
único, assim como a disposição do ver, naquele que tem a visão fraca, não é a mesma no ar turvo e no ar puro, porque, quando o fraco encontra um auxílio de fora, sem
dúvida se dá uma ação mais forte. Além do mais, observamos que uma concomitância daquele que tem a vista fraca com os de visão mais forte — ou uma reunião de vários que
têm a vista fraca — não lhes acrescenta coisa alguma quanto ao seu ver. Logo, é evidente que a premissa é falsa. Retornemos, agora, para o detalhamento do qual havíamos
nos separado. Dizemos, pois: forçoso é, nesse ponto, que o ar ou seja um órgão ou seja um intermediário. Caso fosse um órgão, então, ou ele seria sensitivo, ou seria
condutor. Ora, é um absurdo que alguém diga que o ar, então transmutado, seja sensitivo, de modo a sentir as estrelas e conduzir o que delas sentiu até a vista. Além do
mais, nem tudo que vemos é tocado pelo ar. Afinal, podemos ver as estrelas fixas, e o ar não as toca. Agora, o mais repugnante para nós seria dizermos que as esferas
celestes que estão no centro também sofreriam [ação] oriunda da nossa vista, tornando-se um órgão para ela —
tal como o ar tornar-se-ia um órgão para ela. Ora, isso é algo que um [homem] inteligente não aceita como resultado — ou [então] dizermos que a luz seria um corpo
disseminado no ar e na esfera celeste, unificada por meio da nossa visão, tornando--se, para esta, um órgão. Afinal, se fizermos uma concessão a esta repugnância, seria
necessário que não víssemos a totalidade do corpo das estrelas, reconhecendo, ainda, uma outra falsidade, qual seja, a de que há poros na esfera celeste, e que seus poros
não totalizariam mais da metade do corpo delas, sendo necessário, pois, que fosse vista apenas uma parte das estrelas observadas, e não se visse [outra] parte. Além do mais, quão forte [deveria] ser a faculdade de nossa visão para converter inteiramente o ar e as luzes dispersas nos corpos das esferas — na alegação deles — em
uma faculdade sensitiva, ou em qualquer [outra] faculdade que quiséssemos! Ademais, o ar e a luz não estão em continuidade para uma vista à exclusão de [outra] vista. Por
que, ambos, trariam aquilo que é sentido para uma vista à exclusão de [outra] vista? Pois, se fosse da condição da vista que vê incidir em poros do visível, de modo que,
nesse caso, o ar conduzisse aquilo que sentisse até ela [vista], então o sentir do ar não seria uma causa para a realização dos sensíveis na alma, antes a incidência da
vista perante o visto seria segundo uma relação [na qual], entre os dois, estaria interposto o ar. Ora, se o ar sentisse por si mesmo e também conduzisse [a sensação],
então qual seria nossa incumbência perante o seu “sentir por si mesmo”? Melhor, o proveito dessa condução do visível para nós é somente que “nós sentimos”. Além do mais,
não nos interessa que o ar sinta por si mesmo ou não sinta por si mesmo, a não ser — Oh! meu Deus! — que fosse colocado que o sentir dele fosse o nosso sentir e, assim, a
esfera celeste e o ar, ambos, sentiram por nós! Agora, no [caso] de não se colocar [o ar como] aquele órgão, mas um intermediário que primeiramente tivesse sofrido [a ação] da vista, depois completasse seu ser [como]
intermediário — seria conveniente que se pensasse de qual paixão ele sofreria para conduzir, recebendo da vista uma força de vida, que é um elemento simples — e isto é
impossível — ou se seria tornado, por meio da vista, um translúcido em ato. Ora, o Sol é mais forte e mais capaz do que a visão para torná-lo [ar] translúcido em ato.
Ah!, soubesse eu o que a vista faz com tal ar… pois, se a vista o aquecesse, então seria necessário que, quando estivesse frio, o ar obstruísse a visão; [se] o esfriasse,
então seria necessário que, quando estivesse aquecido, [o ar] obstruísse o ver — e assim por diante, no caso do resto dos contrários. Dessa maneira, para todos os
contrários, por meio dos quais o ar se transformasse, haveria causas — que não a visão —, [as quais] se sobreviessem, igualmente [haveria] a necessidade da alteração da
visão; e se sobreviessem os contrários delas [causas], não prescindiriam da alteração da visão — ou pode [até] ser que não ocorresse a diafaneidade nem uma [outra]
qualidade essencial contrária das conhecidas, mas ocorresse, por meio delas [causas], uma propriedade [ainda] não formulada. Ora, como os autores dessa doutrina
conhecem-na [propriedade]? E de onde ela vem? Quanto a nós, já antecipamos uma premissa universal que impede igualmente todas essas transmutações, seja concernente a uma
[só] propriedade ou — por meio delas [transmutações] — a uma [outra] natureza, formulada ou não formulada. Depois disso, conjecturemos, pois, que quando o ar for
translúcido em ato, e as cores forem cores em ato, e a vista for sã, não se necessita da existência de outra coisa para o resultado da visão. Estabeleçamos, agora, que aquilo que saísse [da vista] fosse uma substância corpórea, radial, tal como se inclinou a maior parte deles. Nesse caso, dizemos que
inevitavelmente haveria quatro situações: ou que [aquilo] seria contínuo a tudo que é visto e inseparável daquele que vê; ou seria contínuo a tudo que é visto, mas
separado daquele que vê; ou seria contínuo a uma parte do visível à exclusão de outra, qualquer que fosse sua situação com aquele que vê; ou seria extrínseco ao visível e
desconectado daquele que vê. Quanto à primeira divisão, ela é muito absurda! Quero dizer, que um corpo contínuo saísse da vista, ocupando a metade do universo e encontrando os corpos celestes.
Depois, como se ao se recobrir a pálpebra, ele [corpo] retornasse a ela [vista] e, em seguida, ao abri-la, saísse um outro similar a ele. Ou como se, ao se recobrir [a
pálpebra], tudo retornasse a ela [vista] e, em seguida, como se, ao abri-la novamente, um outro [corpo] saísse de lá, até que houvesse uma interrupção, na medida em que
se resolvesse ter os olhos fechados. Além do mais, como é que não se veria a coisa distante, em sua figura e [em] seu tamanho, se a visibilidade se desse por meio de sua
chegada [da figura] a ela [vista], e [por] seu contato com ela? Afinal, ao se perceber, inteiramente por meio do contato, o tamanho tem prioridade sobre a cor — pois o
raio, por vezes, fragmenta-se e oscila, e a cor é vista como se estivesse sendo vista [em um]a combinação de cor[es]. Nesse caso, então, a magnitude seria vista como se
fosse [um]a combinação de porções. A combinação de porções corpóreas seria inconstante — como se fosse uma combinação de uma porção corpórea e de coisa alguma ou de [um]
não corpo não subtraído de seu tamanho total — e [de nada] serviria o ângulo presente na vista. Essa [posição] somente é proveitosa para os autores dos espectros, na
medida em que eles dizem que o espectro sobrevém no corte que está situado no cone — cuja extremidade está no interior — concebido na superfície cristalina. Assim, se o
ângulo fosse aumentado porque a coisa estivesse mais próxima, então o corte seria maior e o espectro que nele estivesse seria maior. Se o ângulo fosse diminuído, porque a
coisa estaria distante, então o corte seria menor e o espectro que nele estivesse seria menor. Agora, quanto à doutrina de quem estabelece que o visto é tangenciável por
meio do órgão, para que serviria, então, aquele ângulo? Em relação à segunda divisão, é mais manifesto que ela seja remota e impossível, pois, se aquele [corpo] saído
[da vista] se separasse daquele que vê, e se colocasse rumo às duas guardiãs da Ursa Menor e as tocasse, sem que houvesse continuidade entre ele e aquele que vê —
considerando que aquele que vê sentisse enquanto ele [mesmo] sentisse —, então seria como se alguém dissesse que aquele que toca pudesse tocar [com] uma mão amputada! É como se fosse conduzido ao corpo da serpente
aquilo que fosse tocado por sua cauda amputada, separada dela, permanecendo nela [cauda] o sentido. A menos que se dissesse que ela [cauda] alterou o intermediário e este
tivesse levado uma mensagem àquele que vê. Desse modo, o ar seria, simultaneamente, condutor e transmutado — mas sobre isso já falamos o suficiente. Agora, se [aquilo
que saísse da vista] fosse contínuo [apenas a] uma parte do visto, seria necessário que este não fosse visto por inteiro, antes, [apenas] aquilo que fosse encontrado, e
nada mais. Ora, se o ar fosse colocado [como] transmutado em sua natureza e tornado, junto com aquilo [que saísse], como se fossem uma coisa só, então, o que dizer da
esfera celeste, quando a vemos? [Poder-se-ia] mostrar que a esfera celeste também se transmutaria na natureza daquele raio saído [da vista], tornando-se dotada de
sensibilidade, em conjunto com ele, como se fossem uma só coisa? De modo a encontrarem-se com o planeta Saturno, em sua totalidade, vendo-o? E o planeta Júpiter e os astros grandes em geral? Ora, isso está manifestamente degenerado, proscrito. Além do mais, nos pronunciamos a respeito da corrupção dessa
transmutação [na]quilo que já dissemos. Agora, quando dizem: “O ar diáfano não está unificado por meio dele [raio] em uma só coisa, mas é transmutado em uma natureza
condutora, e aquilo que o raio encontra é percebido pelo raio, e aquilo que não é encontrado tem sua forma conduzida até ele pelo ar, por meio de uma transmutação que
acontece”, então a primeira réplica a isso é [a seguinte]: por que o ar não se transmuta desde a pupila como um todo, conduzindo até ela, caso estivesse na situação de
condução? Assim, não seria necessário que um corpo saísse [da vista]. Quanto à segunda [réplica], é que já nos incumbimos da explicação do absurdo dessas transmutações.
Quanto à terceira, dado que seria necessário que o ar intermediário entre duas linhas saídas [da vista] conduzisse para cada linha, aquilo que conduziria para a outra,
então, por fim, aquilo que fora conduzido a partir da totalidade do ar interposto às linhas para a totalidade do raio — [isto é,] a forma do sensível —, [o seria por]
duas vezes ou [por] muitas vezes sendo necessário, então, que o sensível fosse visto [por] duas vezes ou [por] muitas vezes, particularmente se [as coisas] fossem como em
certas doutrinas das pessoas [que dizem] que as linhas não perceberiam por si mesmas, mas o ar conduziria [os sensíveis] até elas. Ademais, se a condução em direção até a
pupila se fizesse a partir do todo — quero dizer das retas e do ar simultaneamente —, então o ar seria um condutor para os espectros, de acordo com o que disse o primeiro
mestre. Quem conhece
que não há vácuo, e que os corpos das esferas celestes são compactos, sem fendas nem rupturas, conhece que isso seja um disparate, que não é possível. É impossível que
aquilo saísse [da vista] e penetrasse no interior delas [esferas]. Melhor, como é que aquele raio penetraria na água, se nela não há vácuo? De modo que encontrasse toda a
terra contígua que estivesse abaixo dela, vendo-a? E o volume da água? Não aumentaria em virtude de que se combinou a ela [algo] dele [raio]? Se lá houvesse um vácuo,
então, de quanto [deveria] ser a dimensão daquela fenda de vacuidade que estaria na água, concomitante ao peso da água, à sua queda na fenda e à sua ocupação nela? [Se
assim fosse], ver-se-ia que toda a água — ou a maior parte dela ou a metade — [teria] fenda, de modo que seria possível que aquilo que saísse [da vista] penetrasse em
direção a tudo o que estivesse no fundo da água, encontrando-o, tocando-o, sem se deslocar da vista, pois, se fosse deslocado, isso seria ainda mais bizarro! Agora, se
um enunciador dissesse: “Ora, vemos uma coisa mínima penetrar em bastante água, de modo que a domina por completo, tal como um pouco de açafrão tinge muita água”, então,
diríamos que o tingimento de bastante água por meio de um pouco de açafrão [faz-se] inevitavelmente de duas maneiras: ou o tingimento que ocorre na água é inexistente,
exceto nas partes do açafrão, e as partes da água mesclam-se a elas; ou as partes da água transformam-se também, elas próprias, em tintura, tal
como se transformam em calor, frio e odor sem que uma substância a tenha penetrado. [Em suma], ou haveria uma transmutação, verdadeiramente, em tintura, ou haveria uma
transmutação imaginária em tintura. Quero dizer por “imaginária” aquilo que se dá com a silhueta de algo que se encontra na superfície da água, sem estar diante da vista;
ou como quando se imagina que a água esteja da cor de seu vaso; e isso é algo que [se dá] com frequência e de modo generalizado, o aspecto integral da água sendo visto
por meio desse tingimento, que nela é mínimo. Agora, se esse tingimento estivesse submetido à outra divisão, então não haveria utilidade de essa circunstância
acontecer, visto que a água já teria se transformado ou se feito espectro, pois a tintura mínima a teria penetrado por inteiro — às vezes, uma porção excessiva é
transformada a partir do mínimo de uma porção bastante potente. Em suma, se a disposição do ar em sua transmutação a partir dos raios fosse [d]essa [mesma] disposição,
aconteceria aquilo que precedentemente censuramos. Caso os raios fossem muito numerosos, seria necessário que o ar fosse incrementado [por] uma transmutação útil ao ver. E se [sua disposição] fosse apenas
pelas vias da condução, excluindo-se a transmutação, a natureza do ar seria condutora dos espectros para os receptores, conduzindo-as, também, para as vistas. Agora, se
[o ar] não fosse submetido à segunda divisão, mas fosse pelas vias da primeira divisão, então não nos seria possível duvidar que a água tivesse se
fragmentado por entre as partes do açafrão, e que o açafrão tivesse se fragmentado por entre as partes da água — se bem que as partes da água, sem dúvida, seriam em maior
volume do que as partes do açafrão. Entre cada duas partes das partes do açafrão, ininterruptas, haveria água potável, pura, e essa água potável, pura, na maior parte dos
lugares estaria entre as partes do açafrão, sendo em maior quantidade que as partes do açafrão, de maneira que a relação das partes [de um] com as partes [da outra] —
tomando-se uma pela outra — seria tal como a relação do todo com o todo. Ora, se fosse assim, as porções das partes do açafrão seriam exíguas e não seria admissível que
dominassem integralmente a água, não sendo cabível, pois, que a água se tingisse inteiramente. Assim, essa perspectiva é falsa, pois, [nesse caso], a água somente seria vista tingida por inteiro em razão de uma das duas coisas [seguintes]. Ou porque cada uma das
partes da água e das partes do açafrão seriam de tal pequenez, de modo que a sensibilidade não as apreenderia discernidas — e isso não impediria que uma das duas fosse
muito mais numerosa do que a outra, visto que o corpo se divide ao infinito, sendo possível que uma parte da água, que é mil [vezes] o dobro de uma parte do açafrão,
fosse concomitante ao que se refere à pequenez, não sendo percebida [de modo] separado. Dessa maneira, seria penoso para a vista discernir entre as partes do açafrão e as
partes da água, vendo, a partir das duas, um tingimento só, por inteiro, algo entre o vermelho e o transparente. Bem, esta é uma perspectiva. Ou, então, porque as partes
sensíveis do açafrão não estariam de acordo com posições alinhadas, equidistantes. Melhor, a partir de qualquer arranjo entre duas partes sobre uma parte de água,
resultando o sensível da porção, se outras partes do alto que recaíssem n[esses] lugares, [ou] se elevassem, receberiam uma superfície juntamente com a primeira. Desse
modo, algumas delas [partes] seriam vistas porque estariam na superfície mais alta e as outras [porque] as silhuetas terminariam por ser uma tintura só, na medida em que
a água conduziria cada uma das cores, em razão de sua diafaneidade. Dessa maneira, um todo contínuo, em uma só superfície, seria visto, imaginando-se que houvesse
dominado [toda a] água. Mas não é [isso]. Nesse enunciado, verifica-se [apenas] a rarefação que é vista, quanto ao tingimento, no diluído, que não tem firmeza; e a abundância que é vista na consistência da
profundidade, embora a relação [entre] elas seja semelhante[, isto é,] a relação do açafrão que estivesse no diluído, com o diluído, seria como a relação do açafrão que
estivesse no fundo, com o fundo. De acordo com essas duas perspectivas, seria possível [pensar] que o pouco dominaria o muito, enquanto, na verdade, o pouco não domina o
muito por meio da quantidade, mas é possível que, por meio da qualidade, aparente isso. Agora, quanto a terem colocado que aquilo que saísse [da vista] penetraria no ar — [tendo] pouca influência e não sendo contínuo ao visto — [e que,] em seguida, o ar
distante conduziria até ele [visto] e conduziria para aquele que vê, [diríamos]: ora, se o ar conduzisse até ele, em virtude de sua diafaneidade e nada mais, sem
transmutação, então por que não conduziria para a pupila? Assim, isso bastaria para [tirar] a incumbência da saída do pneuma em direção ao ar, expondo-o a danos. E, se
fosse por meio da transmutação, então, dir-se--ia a esse respeito aquilo que já se disse. Além do mais, por que ele [ar] não seria transmutado desde a pupila, sem
necessidade do pneuma? Seção 6 A respeito da invalidação das doutrinas deles a partir das coisas ditas em suas [próprias] doutrinas
Ocupemo-nos agora, então, em enumerar alguns absurdos que os acompanham, levando em conta as suas posições. Nisso inclui-se a posição deles a respeito de que as partes
saídas da vista refletir-se-iam de uns corpos para outros corpos. Assim, quando elas vissem um corpo, refletir-se-iam dele para um [outro] corpo, vendo aquele e vendo
este outro corpo para o qual teriam sido refletidas. Por exemplo, uma vez que elas tivessem chegado ao espelho, veriam o espelho; e depois, uma vez que fossem refletidas
do espelho, para um outro corpo, veriam esse [corpo] também, simultaneamente. Desse modo, [de] uma só coisa veriam duas coisas, simultaneamente, fazendo imaginar que uma
das duas coisas fosse vista na outra. Contra a posição deles decorrem as seguintes deliberações: entre elas está que a reflexão de tal raio [ou] seria a partir do duro, ou a partir do polido, ou a partir da
reunião de ambos — embora tal reflexo inclua-se naquilo que eles acham que pode se dar a partir de um polido que não seja duro, tal como a água. Assim, a dureza não seria
a [única] condição, restando que a causa disso fosse o polido. Ora, se a causa disso for o polido, então é inevitável ou que bastasse para isto que houvesse, casualmente,
qualquer superfície polida, ou, então, seria necessário haver partes polidas contínuas na superfície. Assim, se a condição for a da segunda divisão, não seria possível que [o raio] fosse refletido pela água, visto que, segundo eles, não há continuidade para tal
superfície, em razão da grande quantidade de poros que eles garantem que estejam nela — causa pela qual seria possível ver inteiramente aquilo que está por trás dela
[água]. Agora, se a continuidade não for condição [da superfície], então seria necessário que esse reflexo se encontrasse a partir de todos os corpos, ainda que fossem
ásperos, visto que a causa da aspereza é o ângulo, ou aquilo que se assemelha ao ângulo, que se aprofunda devido ao convexo. Ora, seria inevitável que em todo aquele que
possuísse um ângulo houvesse uma superfície na qual não houvesse ângulo, sendo, então, polida. Do contrário, os ângulos iriam ao infinito, ou a divisão da superfície
chegaria [a ter] partes sem superfícies. Ora, ambas são um absurdo! Portanto, todo corpo teria a superfície sintetizada a partir de superfícies polidas, sendo necessário
que a partir de cada superfície houvesse reflexo ou, então, que se dissesse duas [outras] coisas: uma delas que os raios não seriam refletidos a partir das superfícies
pequenas, e a segunda, que superfícies em posições diferentes refletiriam os raios, a partir de si, em direções distintas, dispersando, assim, o refletido, sem [que este]
atingisse coisa [alguma] em razão da ausência de agregação. Quanto à primeira divisão, ela é falsa. É notório [o argumento deles] de que, se um corpo saísse da vista de
modo a se prolongar instantaneamente até chegar ao centro da esfera do universo, ele estaria, durante o sair, no limite da pequenez e da dispersão das partes; e que, ao
se refletir, cada pequena parte de si e cada extremo de uma ínfima linha de si somente se cruzariam, sem dúvida, [com] uma parte igual às dele [mesmo], refletindo-se a
partir desta e, nisto, não seria útil, nem inútil, aquilo que estivesse atrás dele [raio], podendo ocorrer que, se a superfície polida que ele encontrou fosse menor que
ele, ela não o refletisse. Entretanto, quando consideramos [tal argumento] segundo nossa [posição], não achamos que essa noção seja a causa e a condição que impediriam
os reflexos nas coisas existentes, porque às vezes sucede que haja uma coisa áspera — [e] sabemos indubitavelmente que as partes dela que possuem superfícies polidas têm
uma certa medida, sem dúvida, maior que a medida das extremidades dos raios saídos [da vista] e, ainda assim, não têm [os raios] refletidos por elas [superfícies]. Isto
é, por exemplo, como o vidro triturado, o sal moído e o cristal moído, dos quais sabemos que as partes de suas superfícies são polidas e não estão no limite da pequenez,
de modo que são menores que as partes dos raios saídos [da vista] e. quando se reúnem [as partes], o raio não é refletido a partir delas, tampouco a partir de coisas
maiores que isso, também. Além disso, seria remoto admitir que os corpos terrestres compactos fossem divididos em partes menores que as partes que se admitem para o corpo
radial dividido, de tal modo que se encontrasse uma parte do [corpo] compacto menor que sua similar, dividida do sutil. Além do mais, se a causa do reflexo proveniente do polido fosse [devido] à inexistência da abertura, havendo, nesse caso, um estímulo por trás dele, então isso seria um
existente que pertenceria ao áspero. Agora, se fosse [o caso] de não haver aquilo que estimulasse por detrás dele, nem haver a inexistência de abertura, então não seria
necessário que [o raio] fosse refletido a partir de coisa [alguma]. Afinal, o corpo não possui, por natureza, movimentos diversos; antes, [move-se] por meio da coerção. Tu sabes que se o luminoso tiver [o raio] inclinado por natureza, ele não será desviado a não ser que seja pela coerção. Além do mais, o polido não faz parte das
configurações agentes nos corpos, alterando a natureza daquilo que o encontre; tampouco ele faz parte das forças de repulsão de coisa [alguma] dos corpos, de modo a
coagir os corpos a se distanciarem dela. Se o polido fosse a causa do distanciamento de corpo a corpo, então ele distanciaria aquilo que estivesse entre ambos, fosse qual fosse o lugar de contato, sendo
necessário que a visão refletida a partir do espelho, que o raio saído [da vista] que o tocasse fosse traçado sobre ele [espelho], e não apenas, e tão somente, quando
encontrasse o [espelho] pela extremidade. Agora, se a causa da reflexão fosse o estímulo do que estivesse por trás ou o ricochete — tal como acontece com a bola —, seria
necessário que [o raio] fosse refletido a partir de tudo que fosse duro e sem aberturas, ainda que não fosse polido. Quanto ao que está conforme à doutrina dos autores
dos espectros, haveria um modo [possível], visto que eles estabeleceram que o polido seria a causa para a condução do espectro, e que todo polido, grande ou pequeno,
seria, assim, causa para a condução de um espectro qualquer. Entretanto, os espectros conduzidos a partir das superfícies pequenas seriam menores do que aquilo que a
vista poderia discernir, não sendo, pois, sentidos. Com efeito, no corpo áspero, mesclar-se-iam a escuridão com a claridade e, assim, todo fundo ficaria escuro e toda
saliência seria muito pequena para conduzir um espectro que pudesse ser discernido pelo sentido. Se ele [áspero] fosse contínuo, isso não aconteceria. Quanto aos autores
dos reflexos, tal pequenez não traria dificuldades para eles, em vista da ausência do reflexo proveniente dele [corpo]. Agora, quanto a[os que] não colocaram a pequenez como causa, mas a dispersão, temos que tal dispersão também seria encontrada nos espelhos, afigurados [a certas] figuras.
Os raios seriam, então, refletidos a partir dele [espelho] até chegar ao meio da esfera do universo — com tudo aquilo que se conhece sobre a ciência dos espelhos. Seria
possível que o reflexo proveniente do áspero — visto que ele dispersa o raio — não atingisse aquilo que aqueles espelhos atingissem, mas que talvez as linhas que fossem
provenientes dele [áspero] se aglomerassem em um único ponto. Bem, esta é uma das deliberações. A segunda deliberação consiste [no seguinte]: como é que em um instante [o raio] seria refletido pela água e [em outro] instante a atravessaria por baixo dela? — e do
mesmo modo com o cristal. Ora, seria necessário que, ao incluir uma das duas coisas, a outra fosse subtraída; ou, então, que o visível que estivesse embaixo da água não
fosse visto satisfatoriamente, mas que, dele, se enxergassem pontos dissociados no sentido, sem uma forma perfeita; ou, então, que aquilo que fosse refletido por ela
[água] não fosse enxergado completamente, mas que disso fossem enxergados pontos dissociados no sentido, sem uma forma perfeita, ainda que a visão de uma das duas fosse
mais completa que a visão da outra, em razão do que fosse mais insuficiente. Ora, mas a coisa não é assim! A terceira deliberação é [sobre o raio] que é refletido por alguma coisa, separando-se dela e chegando a outra [coisa] que não ela; e que, em seguida, as duas formas
seriam vistas, ambas, simultaneamente. [Nesse caso,] seria indispensável ou que a separação do raio refletido não fizesse necessário que a forma do sensível fosse
proveniente do raio, ou que o fizesse necessário. Ora, se fosse [o caso] de não tornar necessário, então como é que não vemos aquilo que está distanciado dele [espelho]
já que o raio teria se separado? Ora, não [re]conhecemos aí uma causa, a não ser que o raio tenha mudado [e] incidido em um outro [lugar]. Agora, se a separação fizesse
necessária a proveniência daquela forma a partir dele, então como é que em um único instante vemos o espelho e a forma [sensível] simultaneamente? Ora, se aquilo que
fosse estruturado sobre o espelho, a partir do raio, visse a forma do espelho e [visse] aquilo que deste se dissipasse na direção de uma outra coisa, ele veria a forma
dessa coisa. Desse modo, estaria prontamente alocada, em cada um dos dois vistos, uma parte do raio, sendo necessário, portanto, que não [pudessem] ver simultaneamente;
do mesmo modo que o raio que incidisse sobre Zayd e o raio incidido simultaneamente sobre ‘Amr — em uma única abertura de olho — não tornariam necessário que se
imaginasse que aquilo que fosse visto de Zayd fosse misturado àquilo que fosse visto de ‘Amr. Agora, caso fosse dito que a causa disso seria que esse raio
conduzira a forma pela trilha daquela linha até a alma — então uma única linha conduziria ambas simultaneamente —, e que isso que tivesse sido conduzido de uma única
linha seria visto individualmente no lugar, diga-se, quanto à primeira, que sua doutrina já foi invalidada, ao se recusar que a linha saída [da vista] fosse aquela que vê
o exterior; antes, ela é condutora. Agora, quanto à segunda, nada impede que uma segunda linha saísse e encontrasse a linha refletida, dando continuidade a ela. Agora, se
[o raio] fosse conduzido somente por meio da continuidade em que estivessem as linhas, e que, depois, a faculdade que está no olho sentisse — e não aquilo que saísse [da
vista] —, então, nesse caso, seria necessário que a coisa fosse vista a partir das duas linhas, simultaneamente. Desse modo, a forma seria vista juntamente com a forma do
espelho e juntamente com outra, que não essa forma, sendo necessário que, por vezes, ocorresse de a coisa ser vista dobrado, não por causa da visão, mas em razão da
continuidade de diversas linhas visuais em uma linha única. Mas isso é algo que não se dá, não ocorre, pois não nos é possível ver a coisa no espelho e vê-la em si mesma,
a não ser que ela esteja diante da vista; pois se não estiver diante [dela], então será vista apenas, e tão somente, no espelho. Que sejam, pois, segundo o fundamento deles: A, o ponto da visão, e B, o lugar do espelho; e que seja uma linha AB saída da vista, refletida depois para um corpo em C. E
façamos sair uma outra linha AD cortando a linha BC em E, continuando-a para além.

Eu digo, pois: de acordo com os fundamentos deles, seria necessário que o espectro D fosse visto simultaneamente ao espectro C e B e que o espectro de C fosse visto a
partir das extremidades E e B e das linhas AE e BA. Isso porque as partes dessas linhas saídas das vistas ou seriam contínuas, ou seriam contíguas. Ora, se fossem
contínuas, e algumas delas estivessem na condição — tal como supuséramos — de receber a impressão das outras, quando estas lhes fossem contínuas, de modo a conduzirem [a
impressão] até a pupila; e que a impressão se desse no conjunto do próprio corpo, e não sobre o lado de uma das suas superfícies, e que essa condução não fosse nem
arbitrária nem artificial, mas natural, então, quando o paciente encontrasse o agente — o qual age por meio do encontro —, o resultado necessário é que ele [paciente]
sofresse [a ação] a partir dele [agente]. Afinal, a regra quanto à saída para o ato das predisposições naturais, que estão nas substâncias das coisas, consiste em que a natureza da predisposição
seja existente na essência do paciente — e não por causa de alguma coisa proveniente da natureza do agente —, e que a coisa a partir da qual vem o ato seja existente na
essência do agente, não se encontrando [nada] similar no paciente. Assim, quando resultar isso, a saída para o ato somente será iniciada na medida em que um deles chegue
ao outro.
Assim, quando o agente chega ao paciente — estando eliminados os intermediários e naquele estiver a potência da ação e neste estiver a potência da paixão —, a ação e a
paixão entre os dois será necessariamente gerada por natureza, qualquer que seja o modo da conexão, não havendo significado algum para o ângulo gerado por meio [dessa]
disposição, nem para a ausência da abertura, [tampouco] a supressão do diáfano no espelho teria efeito. Pois tanto faz que a abertura fosse suprimida — e com ela a
continuidade das linhas — ou que não o fosse, e com isso [permanecesse] a continuidade das linhas, pois ao agente é necessário agir e, ao paciente, é necessário padecer.
Agora, se o espectro e a impressão, por exemplo, não estivessem no corpo radial, ele próprio prolongado, mas em sua superfície ou [em um] ponto que estivesse em seu final
e seu término, sem estar na direção daquela linha, de tal modo que, a partir dessa direção, essa linha seria contínua, padecendo a partir dele — melhor, enquanto [fosse]
um não prolongamento daquela linha —, então seria necessário que aquilo que estivesse entre o começo da linha e o seu final não padecesse, mas que o espectro incidisse
instantaneamente da superfície tocada em direção à segunda superfície, sem que houvesse paixão das partes do meio; e isso seria um absurdo, porque o contínuo não
teria uma interceptação em ato, ou, então, seria necessário que a chegada se fizesse de acordo com a linha reta, não se conduzindo conforme o ângulo de modo algum, visto
que o ponto do ângulo possui acidentes apartados da retitude. Ora, isso se conta entre aquilo que não se [deve] dizer. A partir disso, fica claro, portanto, que a paixão da linha EA a partir da linha CE é tal como a paixão da linha BA a partir da linha EB; melhor, é prioritária e mais
provável. Seria necessário, pois, que o espectro C fosse conduzido a partir de cada uma das linhas EA, BA; e seria necessário, portanto, que, nesse caso, C fosse visto
não como uma coisa única, mas [como] duas coisas. Além disso, seria necessário que o espectro D fosse conduzido junto com o espectro C, ao passo que eles estabelecem que
o espectro B é conduzido junto com o espectro C. Assim, seria necessário que os três espectros fossem vistos concomitantemente. Ora, tudo isso é inconsistente! De
acordo com essa relação, se elas [linhas] estivessem em contato, e se toda parte delas recebesse a impressão por meio do conjunto de seu corpo, seria necessário, pelo
contato, o ato e o efeito naquilo que estivesse diante de si. Agora, se [a impressão] fosse apenas na superfície oposta ao visto, não seria admissível — em alguma
coisa dos ângulos que estivessem colocados fora dessa superfície — que o visível fosse conduzido a partir delas [linhas] até a vista. Agora, se nos fosse perguntado: “O que pensais vós de tornar necessário que se coloque a condução desse espectro, conforme a retitude ou conforme uma certa configuração
ocorrente para algumas vistas, que tiverem contato com ela à exclusão de outras?”. Diríamos, então, que, na verdade, não enunciamos, de modo algum, que o ar é condutor,
como um receptor de algo proveniente dos traços e dos espectros de alguma coisa, portando-o para [outra] coisa. Antes, enunciamos que é da condição do claro conduzir o
espectro dela [coisa] para diante dela [vista], caso não haja entre as duas um obstáculo, que é o colorido — melhor, sendo o intermediário entre as duas o diáfano. Agora,
se o intermediário fosse primordialmente receptor, depois condutor, ele conduziria para todas as vistas quaisquer que fossem suas posições, do mesmo modo que o calor se
conduz para todos os contatos, quaisquer que sejam suas posições. Ademais, das coisas que é necessário investigar nesse campo, uma é que frequentemente vemos o espectro e o possuidor do espectro simultaneamente e em um único instante, e
vemos ambos discernidos, quero dizer: vemos no espelho um espectro de alguma coisa e vemos também ela mesma [a coisa] ao lado, e isto simultaneamente. Mas pode ser que
isso ocorresse por causa de duas linhas do raio, uma das quais atingisse [a coisa] pela retitude e a outra conforme o ângulo de reflexo. Na medida em que as duas
incidências, na coisa, são duas, e que, sob esse aspecto, aquilo que vemos são dois, então o resultado, agora, é o seguinte: será isto possível ou não será possível? Dizemos, pois, que se duas partes incidem sobre o visível, [isso] não torna necessário que uma [coisa] seja vista [como] duas. Segundo eles, quanto mais as partes do raio
se reúnem sobre o visível e se aglomeram, mais intensa, verossímil, é a sua percepção, e mais distante do número de erros. Os adversários aprovaram isto, embora não
tenham tornado necessário que, quando um único raio visse uma coisa isoladamente, esta fosse única, pois, se incidisse sobre ela um outro raio, contínuo [ao primeiro], a
vista, por causa disso, seria levada ao erro; visto que não seria possível que uma só coisa fosse tocada por dois raios simultaneamente, nem dois raios originais, nem
dois raios sendo um original e [o outro] refletido. Segundo o que eles acham, o raio é um corpo — porque o corpo não penetra no [outro] corpo, antes se admite que um raio
incida sobre [outro] raio. Se nos conduzirmos por esse caminho, o ver não seria, em nenhum dos dois [casos], tal como a via do tato — melhor, que uma das duas [coisas]
tocasse e a outra recebesse dela —, e seria a mesma coisa que os dois raios extremos lineares saídos estivessem conforme a retitude, ou [apenas] um dos dois, enquanto o
outro estivesse ao lado do reflexo. Portanto, se nesse caso houvesse uma causa, a incidência de dois raios sobre uma única [coisa] não seria absoluta, mas condicional,
isto é: um dos dois raios incidiria sobre ela, isoladamente, enquanto o segundo raio também incidiria, simultaneamente, sobre outra [coisa] que não ela. Mas essa classe é
invalidada por meio de dois espelhos colocados frente a frente. Ora, os raios não se separam daquele modo, em dois. Antes, cada uma das ramificações de um raio incide
totalmente sobre os dois [espelhos] e, ainda assim, a vista vê, instantaneamente, cada espelho e seu espectro, ao passo que os dois raios não se separam. Logo, é
inadmissível que um raio conduza um espectro e outra [coisa] que não esse espectro. Assim, cada uma das duas [vistas] percebe o que a outra percebe, e o percebido é um
só. Afinal, é necessário que a percepção e a condução não sejam duas [coisas]; ao contrário, é necessário que a forma de cada espelho seja conduzida à vista uma vez, sem
ser repetida. Se ela [forma] se refletisse por causa do reflexo, e houvesse para isso um modo e um pretexto justificado, então seríamos generosos em reconhecê-los. Assim,
não é necessário que incida repetição após repetição. E que ideia é essa de que cada um dos dois espelhos conduziria a partir de si tantos espectros, de modo que um só
espelho fosse visto por tantas vezes: uma vez, visto em si mesmo como ele é, e [outras] muitas e tantas vezes seus espectros? Ora, se disséssemos que o raio, uma vez refletido deste [primeiro] espelho para outro, veria o outro neste espelho e, depois, refletido uma outra vez para o primeiro,
veria o primeiro naquele outro, então, ao ser refletido uma outra vez, por que não veria tal como viu na primeira vez? A não ser que dissessem que o primeiro viu por uma
parte, e o outro, o viu por outra parte. Ora, se as partes fossem condutoras, tu não verias, pois elas não conduziriam outras coisas, mas, por definição, aquele espectro. E as diferenças entre suas incidências
sobre ela [coisa], depois que, por definição, seu modo de existir fosse único, não tornaria necessário que houvesse diferenças na visão — já esclarecemos isso também. Do
[ponto de vista] deles, as partes refletidas seriam divididas sobre o visto, a partir do qual seriam refletidas [outras] partes. Ora, seria necessário, então, que a forma
dele [visto] fosse modificada e, ainda assim, sua modificação não implicaria que houvesse um aumento quanto ao número daquilo que fosse percebido primeiramente e
secundariamente, pois o que é conduzido a partir da forma é único. Agora, se fosse o caso de as partes verem por si mesmas, deveria se dar aquilo que dissemos quanto à interdição da visão do espectro naquilo a que se direciona o reflexo,
a partir daquela [outra] pela qual o espectro é refletido; e que, além do mais, não seria necessário que os espectros, apequenados, fossem vistos pelo [que fosse]
minúsculo. Pode ser que eles dissessem que, se a distância do raio fosse replicada, ele se esticaria, e veria cada vez menor. A primeira [visão] da segunda seriam, então,
separadas quanto à pequenez. Com efeito, seria necessário, primeiramente, que as linhas radiais, quando se aglomerassem, não ficassem como uma linha única, mais grossa e
mais forte do que a primeira. Ao contrário, que as linhas permanecessem desviadas, colocadas umas ao lado das outras, [com] as [suas] estruturadas conservadas, sem se
unificarem. Bem, esse preceito é bizarro! E ainda isto: em razão do apequenamento pelo distanciamento inconstante, devido ao número de ângulos, eles [autores] não
chegariam a encontrar aquilo que se encontra no distanciamento retilíneo. Além disso, o que diriam quanto à determinação desse visível? Pois, se, com empenho, se
multiplicasse por muitas vezes a área implicada entre as reflexões, com isso não se veria a pequenez. Por exemplo: se a visão se refletisse do espelho A para o espelho B,
então a forma B seria vista no espelho A. Depois, [se] a visão fosse refletida do espelho B em direção ao espelho A, então a forma de A seria vista no espelho B. Depois,
[se] a visão fosse refletida do espelho A para o espelho B, então a forma B seria vista, e depois, do mesmo modo, a forma A seria vista no espelho B.

[Se] a distância entre as duas fosse de dois palmos, seria necessário que aquilo que o raio atravessasse em sua distância sinuosa entre o olho e um dos espelhos fosse de
oito palmos. E, se distanciássemos o espelho B de sua posição em dez palmos acima disso, não veríamos a [forma] devido à pequenez. Por outro lado, o que é bizarro naquilo
que [deles] mencionaremos deve-se à separação da forma apreendida da coisa em sua essência: apreendida por meio do reflexo [ou] apreendida por meio de dois reflexos e,
isso tudo, na visão, estaria separado. Mas as duas formas apreendidas são, ambas, a partir de uma única matéria, em um único receptor. Ora, no que se separam as duas,
visto que as formas se separam, ou pelas definições e intenções, ou nos receptores? A intenção das duas formas é una, o portador principal delas é uno, e o receptor
secundário de ambas é uno. É necessário, portanto, que não sejam duas. Agora, de acordo com nossa doutrina, esse horror é inconsequente na medida em que as duas formas são apreendidas a partir de dois receptores: um deles é o portador
principal de ambas e o secundário é o corpo polido que recebe o espectro das duas, por um modo específico de recepção, sendo agente para a forma de ambas, no olho, por um
modo específico de ação. Além disso, o que é bizarro na coisa do “raio após raio” é que, se a coisa for como dissemos — de que o segundo raio não implica o atravessamento do primeiro, mas toca-o
de fora — , então, como é que o raio refletido tocaria e veria o visível? Pois ele somente toca aquilo que o recebe, a partir daquilo que o tocou precedentemente. Assim,
se [aquele] visse o que viu este, como a paixão proveniente daquele, e como uma recepção daquilo que recebeu por causa da conexão com ele, a condição da paixão conforme o
ângulo determinado seria invalidada. Além disso, aquele somente perceberia o que o primeiro percebeu, numericamente nada além disso, seja lá de que modo fosse. E, se cada
[raio] tocasse algo das partes da coisa que não fosse aquilo que o outro tocasse, então nenhum dos dois estaria no máximo da percepção, nem se perceberiam ambos como uma
coisa una. Seção 7 A respeito da solução das dúvidas apresentadas, complementação do enunciado sobre as [coisas] vistas que
possuem posições distintas, sobre os diáfanos e sobre os polidos Que solucionemos agora, então, as dúvidas mencionadas. Quanto àquilo a que eles estiveram ligados,
inclui-se que a proximidade impediria o ver, e que o deslocamento das cores e das figuras a partir de suas matérias seria impossível. Bem, isso só seria válido, no caso deles, caso se dissesse que o ver — ou alguma [outra] coisa dos
sentires — se desse apenas por meio da extração da forma a partir da matéria, de tal modo que se apreendesse a própria forma da matéria, com o seu deslocamento para a
faculdade sensorial. Mas isso é algo que não foi dito por nenhum [deles]. Ao contrário, eles disseram que isso se daria pela via da paixão, [mas] não que a paixão fosse o
paciente decorrendo da potência do agente ou de uma qualidade sua, antes recebendo dele [agente] um similar a ela [potência], ou um gênero distinto dela. Nós dizemos
que a vista recebe em si mesma, a partir do visto, uma forma que está em conformidade com a forma que está nele [visto], e não a forma em sua concretude. É isso que
também é sentido por meio da aproximação como, por exemplo, o cheirado e o tocado. Assim, o sensivo não arrebata aquela forma [da coisa]. Antes, nele [sensivo] se encontra um similar da forma [da coisa].
Por outro lado, dentre as coisas, há isto a partir do que se chega à paixão ao modo do encontro; e dentre elas há aquilo que, quando encontrado, aparta--se deste algo
necessário para ele imprimir sua marca — que neste tema seria a necessidade que o raio teria de se conectar à forma visível, para que o detentor da forma projetasse um
espectro a partir de sua [própria] forma, distinto dela, [mas] adequado, para que víssemos, a partir de seu encontro [com a vista], seu espectro confirmado; na medida em
que a luz fosse intensa sobre ele, de modo a tingir, com seu tingimento, aquilo que estivesse diante de si. Assim, sua condução seria assegurada quando aquilo que
estivesse à sua frente fosse um receptor para tal, ainda que fosse por intermédio, também, de um espelho — mas com a necessidade de que o visível estivesse iluminado. É
certo, também, que ele [raio] necessitaria de um intermediário — que é a diafaneidade —, que seria como o instrumento a auxiliá-lo nisto, mas a dimensão dele [visto]
deveria ter um limite determinado, sem que o menor [dos limites] estivesse posto nela [dimensão]. No que concerne ao argumento em favor de que aquele que percebe
apreenderia um espectro do percebido, está que a forma do visível permanece na imaginação, de modo que ela a imagina quando quer. Com efeito, tu acharias, então, que essa
[forma] imaginada seria a própria forma da coisa, prontamente deslocada para a imaginação, [como] abstração total da coisa a partir de sua forma. Mas ela [imaginada] é
algo distinto disso, [embora] proporcional a ela [coisa]. Além do mais, a permanência da forma do Sol no olho — durando longamente quando tu olhaste para ele e depois te
distanciaste dele — te indica que o olho teve a recepção do espectro. Do mesmo modo que se imagina que a gota que cai seja uma linha, e que o ponto movido circularmente,
com rapidez, seja um círculo. Ora, não é possível a ti imaginar e ver isso, a não ser que seja visto um certo prolongamento. E não é possível ver um prolongamento de um
ponto movido sem um tempo, e nem sem imaginar a coisa em dois lugares [diferentes]. Logo, é necessário que o ser da gota esteja em cima, depois embaixo, e que seu
prolongamento esteja no que está entre isso. O ser do ponto[, por sua vez, deve] estar de acordo com a extremidade da distância na qual ele gira até a outra extremidade,
e seu prolongamento [deve] estar no que está entre isso, concebido em ti. Entretanto, isso não se dá de acordo com um único instante. É necessário, então, que o espectro
precedente seja armazenado, permanecendo, ainda, quando [outro] o sucedeu. Depois, o sentir agrega [a gota precedente] à posterior, unindo ambas [em um] prolongamento,
tal como um sensível. Isso ocorre porque a forma da gota — ou do ponto — passa a ficar estável, embora já houvesse se dissipado, não tendo nenhum contorno que tu
houvesses suposto, nem permanecendo nele por [mais] tempo. Agora, quanto ao que mencionaram a respeito da ordem da claridade que se imagina evidenciar-se na frente no
olho, a causa do erro deles quanto a isso é que, na doutrina deles, isso dar-se-ia somente sob um único aspecto, de modo que conjecturaram ser inadmissível que o olho
possuísse alguma coisa em sua substância, uma luz, tal como as coisas cintilantes, mencionadas por nós anteriormente. Ora, quando há escuridão, [o olho] cintila e ilumina
aquilo que está diante dele, em virtude de uma qualidade que impressiona [a escuridão], [mas] não em razão de alguma coisa que se desprende dele. Da mesma maneira, não
foi admissível [para eles] que a fricção e o toque por vezes produzissem tênues raios de fogo na escuridão, tal como sobrevém no toque do dorso do gato e no passar a mão seguidamente sobre a almofada e a barba, na escuridão.
Ora, às vezes é manifesto a ti que não está afastada [a possibilidade] de que a pupila, ela própria, esteja incluída naquilo que cintila e ilumina à noite, [com] seu raio
indo ao encontro daquilo que estiver diante dela. Os olhos de muitos animais estão nessa condição, como, por exemplo, o olho do leão e o da serpente. Com efeito, sendo
assim, é possível que a escuridão seja clareada. É em razão disso que muitos animais veem no escuro, em virtude de eles iluminarem a coisa, por meio de uma claridade que
flui de seus olhos; e em razão de uma potência que há em seus olhos. Agora, quanto ao dito de que a pupila fica plena quando a outra se fecha, ora, quem é que nega que no nervo oco [não] há um corpo sutil — chamado pneuma visual —, veículo
da faculdade visual, que se move, às vezes, internalizado, fugidio; e, às vezes, exteriorizado, focal. Assim, quando um dos dois olhos é fechado, naturalmente [o
pneuma] abandona a ociosidade e a escuridão, inclinando-se para o outro olho, visto que a abertura nos dois [olhos] é comum, de acordo com o que disso conhecem os autores
da cirurgia. Ora, quando alguma coisa fica plena de [outra] coisa, não é necessário, para isso, que
esteja na natureza daquele que preenche ser projetado e exteriorizado, seguindo pela Terra, viajando pelas regiões do mundo! Agora, quanto ao dito do espelho — e a
questão deles decorre, no geral, do que está contido nisso, [ou seja,] que a forma sensível seria impressa no espelho —, contrariamente a isso, as respostas possíveis de
serem dadas são três: uma resposta é tal como [foi] construída por uma conhecida doutrina, de que a forma não se imprime no espelho segundo a configuração pela qual as
formas materiais são impressas em suas matérias, de tal modo que nela [configuração] não se reúnem os contrários, ao passo que aquela forma [e seu contrário] imprime-se,
inteiramente, por todo o espelho. Bem, não haveria mal algum que nele [espelho] estejam reunidos, simultaneamente, um espectro de brancura e um de negrura porque ambos,
nele, não estariam por via qualitativa, mas tal como se dá no inteligível. Com efeito, os intelectos inteligem a negrura e a brancura sem divergir, e sem separação. Além
disso, só se realiza na visão aquilo que está em relação entre as três — isto é, o visto, o espelho e aquele que vê. Mas não sobrevém a relação do todo com cada parte do
espelho; antes, uma parte dele conduziria a brancura assinalada, e uma outra parte conduziria a negrura assinalada, delimitando-se, entre as duas, uma definição na visão.
Assim, do conjunto da condução e da delimitação resultaria, quanto à forma, um similar do visto na vista. Mas essa resposta faz parte do que eu não digo, tampouco do que
reconheço. Com efeito, nem sequer compreendo como a forma estaria impressa em um corpo material sem ser existente nele, e [como] o corpo poderia estar vazio dela [forma],
na medida em que ela estivesse impressa nele? E como o corpo seria não vazio dela, na medida em que ela não fosse vista nele? Melhor, a forma que ele possui é vista,
junto com a circunstância disso que, também, é vista. Ou, então, como seria vazio em relação a uma situação à exclusão de [outra] situação? Ora, isso são divagações, e
preciosismo remoto. Em tal preciosismo, inclui-se que eles não estabeleceram que a figura tivesse uma impressão nele [corpo], colocando que a figura é indeterminada. Em
tal preciosismo, inclui-se terem colocado que a forma da negrura estaria em um corpo, sem que tal corpo possuísse tal negrura e, ainda, admitiram a reunião da brancura
nele [corpo], em um único instante. Colocaram a forma da negrura, não a
negrura; e a forma da brancura, não a brancura. Por seu turno, quanto ao dito do intelecto e do inteligível, invoquemo-lo a seu tempo. Agora, quanto às outras duas
respostas por meio das quais se pode responder [a eles], uma delas é enfática quanto à [questão do espelho], enquanto a outra é aproximada. Quanto à enfática, ou bem se
diz primeiramente que se houvesse algo que tornasse necessário que uma coisa agisse sobre outra coisa, não seria necessário, nesse caso, que aquela que fosse necessitada
pela [primeira], tal como o espelho e o diáfano, padecesse do princípio como, por exemplo, a paixão, por meio da qual padecem os três — ora, [se assim fosse,]
achar-se--ia que, quando a espada provocasse uma dor, sentiria ela uma dor, e que quando se ficasse contente pelo presente, ele [próprio] se contentasse; ou bem se diz
secundariamente que, fora de dúvida, não é evidente por si mesmo, tampouco manifesto, que todo corpo agente deva encontrar o tangível. É certo que isso seja existente por
indução para a maioria dos corpos, não havendo forçosamente [, porém,] necessidade de que toda ação e paixão seja de encontro e contato. Antes, é admissível que haja ações de umas coisas sobre [outras] coisas sem encontro, da mesma maneira como é admissível que aquilo que não é corpo aja no corpo, sem
encontro; tal como o criador, o intelecto e a alma. Ora, não há nada de novo [em dizer] que um corpo age sobre [outro] corpo sem que haja o encontro [deles]. Afinal, os
corpos agem [tanto] por meio do encontro [como] os corpos agem sem ser por meio do encontro. Não é possível a alguém estabelecer uma demonstração sobre a impossibilidade
disto, tampouco de que não seria possível que houvesse, entre os dois corpos, uma relação e uma posição, admitindo-se que um dos dois influenciasse o outro sem encontro.
Somente restaria, nesse caso, um tipo de espanto, como se acontecesse de todos os corpos — de modo parecido em situação inversa — agirem, apenas, por meio de uns sobre os
outros, e, quando acontecesse de se observar um agente agir por meio do encontro, houvesse um espanto por isso, tal como se espanta, agora, de haver uma influência sem
encontro. Ora, não sendo isto um absurdo para a primeira inteligência — cuja validade de nossa doutrina demonstra e torna-a necessária, e que não há, de modo algum, uma
demonstração que a destrua —, dizemos, então, que a condição do corpo luminoso, por sua essência, e do clarificado colorido é agir sobre o corpo que esteja à sua frente,
se ele for receptivo ao espectro — [tal como é] a recepção da vista —, havendo, entre os dois, um corpo que não tenha cor para influenciar — isto é, uma forma tal como
sua [própria] forma —, sem que aja no intermediário coisa [alguma], visto que este é um não receptor, na medida em que é diáfano. Ora, sendo isto não evidente por si mesmo, nem havendo, de modo algum, estabelecimento de uma demonstração de que um corpo não age no que lhe esteja à frente por meio de
um intermediário — embora isso seja admitido quanto à primeira inteligência e explicitado por meio de uma demonstração da qualidade da percepção —, então aquilo não seria
um absurdo. Do mesmo modo que não é um absurdo que, em lugar de um único intermediário, haja dois intermediários — o intermediário e um outro intermediário —, e em lugar
de [uma única] situação e posição, haja duas situações e duas posições — a situação e a posição mencionadas, juntamente com outra posição e [outra] situação. Desse
modo, em lugar daquele intermediário como um todo, [poderia] haver um intermediário colorido, polido, juntamente com o diáfano; e, em lugar da situação do face a face com
aquele luminoso e clareado, haveria uma situação de face a face com tal [corpo] polido — o qual teria a situação e o lugar, já mencionados, juntamente com o luminoso, o
clarificado e o visível. Assim, estaria na condição desse corpo polido agir, em tudo aquilo que fosse receptivo — com seu próprio face a face —, estando o face a face
inteiro na diafaneidade. Mas, se um polido fosse seguido de [outro] polido, ao infinito, e, depois de estarem em uma posição definida, agissem, isto seria como se fosse
sua forma, sem que agisse no polido, de modo algum. Ora, o diáfano e o polido são duas coisas, havendo necessidade de ambas para que uma coisa aja em outra coisa, sem que
essa ação, por definição, esteja nas duas. Com efeito, sendo assim, [se] acontecesse de a imagem do polido e a imagem da outra coisa aparecerem simultaneamente para a
vista, e fossem vistas simultaneamente em uma única parte do observador, pensar-se-ia que a imagem estivesse sendo vista no polido, contrariamente ao que eles disseram a
respeito dos raios. Agora, quanto ao caminho mais fácil a esse respeito, é que não é necessário que cada coisa, sobre cada coisa, tenha uma afecção semelhante a si mesma, embora seja
admissível que também tenha uma afecção semelhante a si mesma. Lo-go, é admissível que o luminoso e o clarificado afetem o ar [por] uma certa afecção. Essa afecção não é
tal como o espectro que se faz por meio da forma do luminoso e do clarificado, mas que se marca nele [ar] uma afecção não percebida pelo sentido visual, ou por qualquer
um dos outros sentidos. De maneira análoga, é admissível que o polido seja afetado por uma certa impressão, ou por meio do intermediário diáfano ou sem [qualquer]
intermediário e que, depois, o diáfano — ou o polido — afetem o órgão da visão. Uma afecção daquele [tipo] de afecção que fosse tal qual uma forma que, precipuamente,
afetasse cada um dos dois. Assim, cada um dos dois que fossem afetados seriam marcados por uma afecção diferente daquela que estivesse nele — quero dizer, [diferente]
daquele que produz a afecção —, e o visível influenciaria o diáfano ou o polido, e o diáfano ou o polido influenciariam a vista. Coisas assim são muito frequentes, quero dizer, que uma coisa afete [outra] coisa [por meio] de uma afecção diferente de sua natureza [e], em seguida, esta afete outra
coisa, [algo] similar à natureza da primeira como, por exemplo, o movimento. Assim, este produz uma quentura em um corpo de alguma coisa, aquecendo a coisa, depois tal
quentura produz um movimento distinto numericamente do primeiro movimento, mas semelhante a ele quanto à espécie. Às vezes, pode-se observar isto no espelho, a partir do
qual são refletidas a luz e a cor para uma parede, de modo a se fixarem na parede, sem se deslocarem conforme os lugares do observador, nem estarem fixados no espelho, de
modo algum. Quanto a tal fixado, é sabido que ele é levado até a parede pelo caminho do espelho. Mas, se é visto no espelho, não é visto [como] fixado nele. Assim, o
espelho marca uma afecção tal como uma certa qualidade que marca nele uma afecção, [mas] não parecida com uma qualidade de fixação. A disposição da visão é desse modo.
Agora, [passemos] ao dito do desvio [do raio] na água. Os autores do raio disseram que, quando o raio incide sobre ela, primeiramente ele se estende e se fragmenta,
tomando mais de um lugar; depois penetra, vendo-a [água] junto com muito daquilo que esteja diante dele [raio]. Agora, quanto aos autores dos espectros, alguns deles
haviam dito que a causa disso é que uma parte daquilo que estivesse no face a face conduzirira como se fosse uma abertura no face a face e, outra parte, como se fosse um
espelho. Não se estaria longe de conjecturar que o conjunto conduziria como se fosse um espelho e o espelho de dentro fosse diferente do espelho de fora. O mais
excelente dos antigos exegetas disse que, quando acontece de a visão deixar escapar [a chance] de uma consideração intensa da coisa, ela a vê mais distante, e a visão se
dissipa em razão dessa sua consideração, ampliando o espectro dela [coisa]. É possível atestar tal enunciado por meio de que a coisa que é costumeiramente
vista de uma certa distância, segundo uma certa medida, quando é imaginada mais distante de onde ela está — mas que sua medida não é vista [como] a dimensão que se
imaginaria daquela distância, mas maior do que ela; como se ela estivesse verdadeiramente próxima, ela é vista com uma medida maior do que a medida que seria verificada
segundo aquela distância —, então, ela é imaginada maior do que o estipulado. Aliás, quanto a isso, uma análise melhor requer a perspicácia do investigador com vistas
aos fundamentos, na medida em que [estes] não se ocultem dele, para que, nisso, surja a verdade. Além do mais, esta dúvida não concerne a particularizar sua implicação,
[ou seja,] excluindo uma parte da outra. Ora, se a fragmentação da qual falam os autores da fragmentação fosse em razão de um fundamento, então, por que [o raio] permaneceria segundo sua [própria] disposição, e não voltaria outra vez?
Seria [ele] igual, portanto, [à] natureza do raio que penetra segundo a retitude? Ora, se isso fosse impossível quanto ao raio que penetra na direção dela [água], então
por que não acontece de ele ter um aumento de fragmentação em razão de sua profundidade, quando ele encontrou [a água] e, em seguida, a coisa aumentou de profundidade? E
por que seu prolongamento não é aumentado [de modo] uniforme? Ora, a analogia obrigaria a que [isso] se produzisse nele por meio de um prolongamento contínuo, sem que ele
se estendesse. Em suma, é certo o que diz o primeiro mestre: na medida em que o visível se estende da amplitude ao exíguo, então, o conjunto de um e de outro auxilia mais
na verificação de sua forma do que [dizer] que aquele que enxerga é saído do olho, espalhando-se na amplitude. Nesse ponto, cabe ligar isso ao caso que dissemos, a respeito das posições do visível, daquele que vê, da luz e do espelho. Dizemos, pois, que às vezes acontece de o
luminoso, o visível e aquele que vê estarem em um único diáfano; e, às vezes, acontece de o luminoso e o visível estarem em diáfanos [distintos], entre os quais há
superfícies. Assim, se ocorresse de a posição da superfície estar em oposição ao que estivesse entre aquele que vê e o luminoso, [sendo] o agente da clarificação, então essa
superfície não seria vista, do mesmo modo que [não se vê] a superfície da esfera celeste e do ar. Agora, se a superfície fosse extrínseca a isso, tal como a superfície da
água, e nós estivéssemos no ar e o luminoso não estivesse naquela oposição [mencionada], então a luz, vinda do luminoso, seria refletida a partir daquela superfície para
a vista, e seria vista discernida. Bem, tu já conheces aquilo que queremos dizer com “reflexo”. Agora, se estivesse [a luz] no interior da superfície, a partir da qual
o visível fosse refletido, aquilo que lá estivesse a faria ver, na medida em que fosse
diáfano, e a faria ver, na medida em que fosse um espelho. E o espelho que estivesse lá corresponderia àquilo que estaria em oposição ao visível, caso se mantivesse
desvelado para aquele que vê, desde que recoberto [e] que o espelho fosse a intersecção da linha saída da vista com a perpendicular saída do visível que estivesse na
água, sendo seu espectro conduzido a partir dela [intersecção] conforme a retitude. Ora, se tu lançares um anel na bacia, de modo que ele não seja visto e, depois,
enchê-la com água, tu o verás. Agora, se o visível for extrínseco a um diáfano intermediário, distinto do diáfano no qual estivessem aquele que vê e o luminoso, então o
diáfano intermediário o faria ver. Se não for assim, mas for sob o aspecto daquele que vê, então a superfície daquele diáfano não o faria ver, a não ser que uma cor
alheia [à sua] fosse colocada por alguma coisa localizada daquele lado, de modo que [o visível] seria visto tal como se vê um dos dois lados de uma bola de cristal.
Seção 8 A respeito da causa da visão de uma única coisa [como] duas coisas Que falemos, então, a respeito da causa da visão de uma única coisa como se fossem duas coisas, pois aqui é [o] lugar [dessa] análise, na medida em que a isto se
vincularam, também, os autores dos raios. Disseram eles que, quando a visão se dá por meio de algo saído da vista que encontra o visível e, em seguida, ocorre de sua
posição fragmentar-se na vista, então, se faz necessário que uma única coisa seja vista, sem dúvida, como se fossem duas coisas separadas, vendo-se, pois, dobrado.
Eles não sabem que isso, na verdade, os vincula ao horror. Isso porque, se a visão se desse por meio do contato das extremidades dos raios — já reunidos na vista —, seria
necessário ver como se toda disposição fosse única, sem que houvesse prejuízo pela fragmentação das extremidades dos raios fragmentados. Ao contrário, a verdade é que o
espectro do visto é conduzido por intermédio do diáfano até o membro receptor pronto para isso, polido [e] iluminado, sem que, de modo algum, a substância do diáfano
receba [o espectro] tomado como aquela forma; antes isso advém consoante ao face a face, sem ser em um tempo. O espectro do visto é o primeiro que se imprime, [mas]
somente se imprime no humor cristalino, embora, na verdade, a visão não se dê nele, pois, do contrário, uma única coisa seria vista [como] duas coisas, na medida em que
há, nos dois cristalinos, dois espectros — do mesmo modo que, quando se toca com duas mãos, há dois toques. Entretanto, esse espectro é conduzido nos dois nervos ocos até
[o lugar] de encontro deles dois, sob o formato da cruz — os dois são nervos cuja disposição já explicamos a ti quando falamos da anatomia. Do mesmo modo que, na estimativa, a partir da forma exterior se estende um cone que se ajusta para que seu ângulo incida por trás da
superfície do cristalino, assim também o espectro que está no cristalino é conduzido pelo intermediário — o pneuma condutor que está nos dois nervos — para o [lugar] de
encontro dos dois, sob o aspecto de um cone. Lá se encontram e são bloqueados, unificando-se a partir de ambos uma forma de um espectro único, na parte do pneuma que
possui a faculdade daquele que vê. Depois, o que está atrás disso é um pneuma condutor do visível, [o qual] não é percebido uma outra vez, pois, do contrário, haveria outra vez uma descentralização da
percepção, em razão da descentralização dos dois nervos. Esse condutor é da substância daquele que vê e penetra no pneuma espalhado no espaço anterior do cérebro,
imprimindo-se, e a forma é vista uma outra vez naquele pneuma portador da faculdade do sentido comum. Assim, o sentido comum recebe aquela forma, o que é a perfeição do
ver. Com efeito, a faculdade da visão é outra que não o sentido comum, embora seja emanada dele. Ele é um regente para ela porque a faculdade que vê, vê, mas não escuta,
nem cheira, nem toca, nem degusta, ao passo que a faculdade do sentido comum vê, escuta, cheira, toca e degusta conforme aquilo que tu saberás. Em seguida, a faculdade
que é o sentido comum conduz a forma até uma parte do pneuma contígua a uma parte do pneuma portador [da forma], imprimindo tal forma naquela [parte], armazenando-a aí,
na faculdade formativa que é a faculdade imaginante — tal como tu o saberás. Assim, esta recebe aquela forma e a conserva. Pois o sentido
comum é um receptor para a forma, e não um conservador, ao passo que a faculdade imaginante é uma conservadora para o que aquela [outra] recebeu. A causa disso é que o
pneuma no qual está o sentido comum apenas estabiliza a forma impressa tomada de fora enquanto durar a relação — já mencionada — entre ela e o visível, conservado [por]
pouco tempo. Assim, quando o visível estiver ausente, a forma é descartada dele e não se estabiliza [por] um tempo que fosse mensurável. Agora, quanto ao pneuma no qual está a imaginação, certamente a forma se fixa nele, mesmo se [o visível] for distanciado por um momento considerável — conforme aquilo
que, em breve, te será elucidado. Agora, quando a forma estiver no sentido comum, ela será, nele, verdadeiramente sentida, de modo que se for impressa nele uma forma
enganosa — quanto à existência —, ele a sente, tal como acontece com as biliares. Agora, se [a forma] estiver na imaginação, ela será imaginada, e não sentida. Em
seguida, essa forma que está na imaginação passa para o ventrículo posterior — se assim o quiser a faculdade estimativa — e o verme abre aquilo que está entre os dois
membros, denominados lóbulos do verme. A [forma] chega, por meio do pneuma portador, até a faculdade estimativa — [isto é] por intermédio do pneuma portador da
faculdade imaginativa, que, nos homens, chama--se cogitativa. Desse modo, a forma que está na imaginação imprime-se no pneuma da faculdade estimativa. E a faculdade
imaginativa é uma servidora para a estimativa, [enquanto] conduz até ela aquilo que está na imaginação, salvo que isso não se estabiliza em ato na faculdade que estima;
antes, enquanto o caminho for fluido, os dois pneumas se encontrarem e as duas faculdades estiverem uma diante da outra. Assim, aquela forma é anulada na faculdade que
estima quando aquela [forma] se afastar desta [faculdade]. O argumento em favor da validade desse enunciado é que o resultado dessa forma na estimativa é distinto de seu resultado na imaginação, [pois] que a imaginação é como um
guardador, embora a forma que está nela não é sempre imaginada em ato para a alma, pois do contrário seria necessário que imaginássemos, simultaneamente, inúmeras formas,
não importa quais fossem as formas que estivessem na imaginação — e também que essas formas estivessem na imaginação não aos moldes daquilo que está em potência, pois
senão seria necessário que elas voltassem por meio do sentido externo uma outra vez, ou melhor, que elas fossem armazenadas nele. A estimativa, pela mediação da
cogitativa ou da imaginativa, apresenta [a forma] à alma, e nela [estimativa] termina a condução da forma sensível. Quanto à memória, ela é em razão de uma outra coisa,
como mencionaremos depois. Desse modo, é necessário que esses fundamentos estejam presentes em ti. Que voltemos, então, para nosso propósito dizendo que a causa da visão de uma coisa única [como] duas são quatro causas. Uma delas é a torção do órgão condutor — quanto
ao espectro que está no cristalino no [lugar] de encontro dos dois nervos — que não conduz, assim, os dois espectros para um único lugar. Antes, cada um chega a uma parte
do pneuma visual que está localizado lá, de acordo com [sua] definição, visto que as duas linhas dos dois espectros não penetram na condição que convenha à adjacência do
[lugar] de encontro dos dois nervos. É por isso que é necessário que todo espectro que passa pelo cristalino seja impresso em uma imagem consoante à [sua] definição, em
uma parte do pneuma visual segundo [essa] definição. Assim, dar-se-á como se ambos fossem duas imagens a partir de duas coisas separadas no exterior, visto que as duas
linhas saídas de ambos até o centro dos dois cristalinos, e penetrando nos dois nervos, não estariam unidas. Por essa causa, então, se veem, frequentemente, as coisas
[como] separadas. Agora, a segunda causa é movimento do pneuma visual e sua agitação à direita e à esquerda, de modo que a parte perceptiva se adianta até seu centro — que lhe é delineado
naturalmente —, tomando a direção dos dois cristalinos, absorvido, agitado e convulsionado. Desse modo, delineiam-se nele o espectro e a imagem, antes de atravessarem os
dois cones, vendo-se, assim, dois espectros. Isso é como, por exemplo, o espectro delineado a partir do Sol uma única vez na água inerte e plácida, e delineada tracejando
repetidas vezes na [água] agitada. Isso se dá porque o ângulo resultante entre a linha da vista em direção à agua e a linha do Sol em direção à agua — a partir da qual
ocorre o ver a coisa de acordo com o caminho da condução do espelho — não se mantém único. Ao contrário, a agitação vai de encontro a ele em [vários] lugares. Assim,
aquele ângulo é multiplicado, e os espectros se imprimem mais de uma vez. A terceira causa procede da convulsão do movimento para frente e para trás do pneuma interno que está atrás da intersecção [dos dois nervos], de modo que ele tenha dois
movimentos em duas direções contrárias: um movimento em direção ao sentido comum e um movimento em direção ao [lugar] de encontro dos dois nervos. A forma sensível seria,
assim, conduzida até ele uma outra vez, antes que fosse apagado aquilo que fora conduzido em direção ao sentido comum, como se [o pneuma] tivesse conduzido a forma em
direção ao sentido co-mum e viesse a partir dela uma parte que recebesse aquilo que a faculdade visual conduziu — e isso é devido à velocidade do movimento. Por exemplo:
já tendo sido delineada uma forma no pneuma condutor, então, ele a transporta até o sentido comum; entretanto, o que foi delineado [necessita de] um tempo de estabilidade
até que seja deixado de lado. Assim, quando o primeiro receptor do pneuma dissipou-se de seu centro em razão da convulsão de seu movimento, uma outra parte vem atrás dele
e recebe o que ele recebeu antes de que [aquilo] que foi proveniente do primeiro fosse deixado de lado. Desse modo, em razão da convulsão, o pneuma divide-se em uma parte
anterior, que está no alinhamento do visível — pois ele percebeu-o, depois [o visível] desapareceu sem que a forma tenha deixado instantaneamente aquele [pneuma], mas
permaneceu lá —, e em uma outra parte, também receptora da forma, por meio do resultado no alinhamento semelhante àquele no qual a forma foi percebida, vindo em seguida à
primeira parte [do pneuma]. Ora, a causa [disso] é a convulsão. Sendo assim, em cada uma das duas [partes] resulta uma forma visivel, na medida em que a primeira
[impressão] não fora ainda deixada de lado [nem] na primeira parte receptora que conduz em direção ao sentido comum, nem naquela que conduz em direção a ele para uma
segunda impressão. A distinção entre essa categoria e a categoria anterior é que esse movimento de convulsão se faz para frente e para trás, ao passo que aquele se faz à direita e à
esquerda. Um exemplo desta causa é aquilo que se vê como se fossem duas coisas, a partir do rápido movimento da coisa para dois lados, na medida em que, antes que sua
forma tenha sido deixada de lado do sentido comum quando está de um lado, a visão a vê no outro lado. Assim, a percepção disso, quanto aos dois lados, é simultânea. É o
mesmo que acontece quando tu giras um ponto dotado de cor como se fosse alguma coisa circular e tu vês uma linha circular; ou, então, quando tu o alongas rapidamente
segundo a retitude e tu vês uma linha reta. Parelho a isto é o movimento da vertigem. Assim, quando acontece uma causa dentre as causas escritas nos livros de
medicina, então, o pneuma que está no ventrículo anterior do cérebro é movido circularmente
e a faculdade visual conduz uma forma sensível em direção àquilo que lá está, sendo que a parte do pneuma receptor não se estabiliza em seu lugar; antes ela se desloca e
a sucede uma outra parte que recebe aquela forma depois da [primeira] recepção e antes que esta tenha sido deixada de lado. É o mesmo que acontece com o círculo,
imaginando-se que as [coisas] enxergadas giram e mudam — de acordo com aquele que vê —, ao passo que é somente aquele que vê que gira e muda diante do que é enxergado.
Mas quando o receptor está estável e a coisa vista move-se rapidamente, sem dúvida alguma seu espectro interno é deslocado de uma parte do receptor para uma outra parte.
Ora, se o espectro propriamente dito ficasse estável naquela parte, então a relação do receptor com o recebido seria única, estável. Agora, se acontecesse de o portador
do espectro ser deslocado de seu lugar, então, sem dúvida alguma, o espectro seria deslocado, e sua relação com o corpo que estivesse no exterior iria variar. Logo,
aconteceria o [mesmo] que acontece quando a coisa que está no exterior se desloca. Além do mais, aquele que observa a água de curso revolto imagina que é ele próprio o detentor [do movimento], inclinando-se a partir de uma [certa] direção, e caindo lá.
A causa disso é que ele imagina que todas as coisas se inclinam na direção contrária à inclinação da água. Assim, o vigor do movimento precipitado em razão da velocidade
da separação faz estimar que a separação procede dos dois lados simultaneamente. A causa é o deslocamento do espectro no receptor, apesar de sua estabilidade estar, por
um certo tempo, em toda parte que tu suponhas. É preciso saber que junto a essas causas há uma outra causa, material, que as ajuda. Isso porque a substância do pneuma é uma substância que está no limite da sutilidade
e no limite da velocidade para assentir à recepção do movimento, de modo que, quando ocorre uma causa nela que precipita o deslocamento do espectro de uma parte a outra
parte, segue-se que a substância do pneuma move-se por um certo movimento — ainda que raramente — no alinhamento daquela parte. A causa disso é que, por natureza, cada
faculdade — dentre as faculdades percebedoras — é estimulada na direção de seu percebido, de modo a estar ao ponto de sentir prazer por meio dele. Quando ela é estimulada
na direção dele, aquele que a porta inclina-se na direção dele [percebido] ou inclina--se ela [mesma], por meio daquele que a porta, na direção dele. É por essa razão
que, por natureza, o pneuma visual é forçado como um todo em direção à luz, e contraído a partir da escuridão. Assim, quando o espectro se inclina na direção de uma parte
do pneuma à exclusão de outra parte, é como se a faculdade, por meio de seu órgão, fosse forçada na direção da inclinação do espectro. Desse modo, o órgão assente a ele,
seguindo a direção que a faculdade busca, ocorrendo no pneuma uma agitação em direção àquele lado em razão de sua sutilidade e de sua velocidade para receber a afecção,
como se estivesse subordinado ao movimento do espectro. Por causa disso, quando o homem observa longamente uma coisa que gira, ele imagina que as demais coisas giram.
Isso se dá porque, no pneuma, ocorre um movimento circular em razão de ele estar subordinado ao deslocamento do espectro. O mesmo acontece quando [um homem] observa
longamente uma coisa com movimento veloz retilíneo, ocorrendo no pneuma um movimento reto em oposição àquela direção, na medida em que a direção do movimento da coisa é
contrária à direção do movimento do espectro. Nesse momento, pois, todas as coisas são vistas em deslocamento contrário àquela direção, pois os espectros não estavam
estáveis. Agora, a quarta causa é a convulsão do movimento que acontece na cavidade ocular, pois a membrana ocular facilita o movimento em um feitio que, de acordo com a
retitude, dilata e retrai a cavidade, ora para fora, ora para dentro — ou em uma [outra] direção. Assim, ao se lançar para fora, acontece em seguida uma compressão,
dilatando-se a cavidade e, ao se lançar para dentro, acontece em seguida uma contração que retrai a cavidade. Assim, quando sobrevém a retração da cavidade, vê-se a coisa
maior — ou, [se] houver dilatação, vê-se menor —, caso ocorrer de inclinar-se para um lado, vê-se [a coisa] em um outro lugar. Assim, dá-se como se o que foi enxergado em
primeiro lugar fosse distinto daquilo que foi enxergado em segundo lugar — particularmente se uma outra forma já houvesse sido reproduzida, antes de a primeira forma ter
sido deixada de lado. Agora, para aquele que dissesse: “Por que a forma não é estabilizada [como] única, apesar do deslocamento do receptor, tal como a forma da luz
permanece única apesar do deslocamento do receptor? Seria o caso de que, quando o receptor deixasse o face a face, a forma seria apagada dele, ocorrendo naquilo que se
estruturasse em seu lugar? Então, por que não haveria duas formas? Por que não haveria duas visões nem uma continuidade de uma linha a partir de um ponto, nem se veriam
as coisas girando?”, nós diríamos, então: não está descartado que seja da condição do pneuma, que possui o sentido comum, apenas registrar a forma no face a face, e nada
mais — embora não a registre [por] uma longa duração depois do face a face. Assim, ele a registra não do mesmo modo que o registro do que é clarificado por meio da luz —
[isto é,] da luz que desaparece de repente —, nem do mesmo modo que o registro da pedra da escultura, que permanece por uma longa duração; antes, [seu registro] está
entre [um] e [outro]. O seu abandonar a forma, depois do face a face, é por uma causa que fortifica e ajuda [apenas] por um certo tempo. [Isso] em razão das causas que
encontramos mencionadas — quanto ao que enfraquece seu movimento e quanto ao que retorna à sua natureza —, lá onde falamos a respeito de [algo] semelhante. Com base nisso
se sabe que a recepção das imagens vistas pelo pneuma interno não é como a recepção do espectro simples, que cessa com o cessar do face a face. Aliás, convém que os sentidos sejam aqueles conhecidos e que a natureza não passe de um escalão animal para um escalão acima desse, ou realize tudo o que está naquele
escalão. Assim, com base nisso, é necessário que o conjunto dos sentidos seja aquilo que foi concluído em nós. Agora, quem teve a aspiração de explicar isso por meio de
um silogismo necessário, então foi prontamente consagrado à divagação: tudo o que foi dito a esse respeito é improvável — eu não compreendi isso [como] uma concepção
demonstrada, enquanto um outro, que não eu, compreendeu. Com efeito, procura conhecer isto que não é o nosso discurso. Estamos mencionando os sentidos isolados e os
sensíveis isolados, ao passo que lá [se trata] dos sentidos comuns e dos sensíveis comuns. Falemos, então, primeiramente a respeito dos sensíveis comuns. Dizemos,
pois, que os nossos sentidos sentem, às vezes, outras coisas juntamente com aquilo que sentem e que, se estivessem isoladas, sozinhas, não seriam sentidas. Essas coisas
são as dimensões, as posições, os números, os movimentos, os repousos, as figuras, a proximidade, o distanciamento, a continuidade e outros mais que estejam incluídos
nisso. Agora, eles não sentem isso apenas por acidente, porque o sensível por acidente é aquilo que não é sentido verdadeiramente. Ao contrário, ele se vincula àquilo que
verdadeiramente é sentido como, por exemplo, nossa visão do pai de ‘Omar e do pai de åalid.
Ora, o sensível é a figura e a cor, embora aconteça que isso esteja vinculado a algo relativo. Dizemos, pois: sentimos isso que é relativo, mas [verdadeiramente] de modo algum nós o sentimos. Não há em nossas almas uma imagem, tampouco uma descrição do pai de
åalid, como pai de åalid, sendo essa descrição ou essa imagem adquirida pelo sentido de alguma maneira. Quanto à figura e ao número etc., nós não os sentimos
isoladamente, mas sua descrição e sua imagem estão implicadas na imagem daquilo que é sentido e daquilo que é percebido — que ou é cor, ou calor, ou frio, por exemplo —,
de modo que as descrições e as reproduções também estariam impedidas sem aquelas [qualidades]. Não ocorre de a coisa ser reproduzida — percebida em razão de uma coisa na
outra, por intermédio de algo — e ser, na verdade, distinta daquela que, lá, foi reproduzida. Pois, muitas das coisas que são verdadeiramente, e não são por acidente, se
dão pelas intermediárias. E uma vez que a percepção desses sensíveis comuns é possível por meio desses sentidos, não se necessita de outro sensivo. Melhor, uma vez que a percepção deles não é
possível sem um intermediário, é impossível que haja para eles um sensivo isolado. Desse modo, a visão percebe a grandeza, a figura, o número, a posição, o movimento e o
repouso por intermédio da cor — e parece que a percepção do movimento e do repouso esteja misturada com uma outra faculdade da sensibilidade; agora, o tato, na maior
parte das coisas, apreende isso tudo por intermédio da dureza ou da molície —, embora apreenda, às vezes, por meio do calor e do frio. O paladar, por sua vez, percebe a
grandeza na medida em que ele degusta um sabor abundante e difuso; e percebe o número, pois ele encontra numerosos sabores nos corpos. Quanto ao movimento, ao repouso e à
figura, ele chega ao ponto de também percebê-los, embora fracamente, com a ajuda do tato. Quanto ao olfato, ele chega ao ponto de não perceber a grandeza, a figura, o
movimento e o repouso [senão por] uma percepção reproduzida no olfato. Contudo, ele percebe o número, na medida em que este é reproduzido no odor. Entretanto, a alma
percebe isso por meio de um tipo de silogismo ou estimação porque ela sabe que aquilo que teve seu odor interrompido subitamente já desapareceu, e que aquilo cujo odor
permanece, está estável. Agora, a audição certamente não percebe a grandeza, embora o ouvido, às vezes, tenha indicado à alma [algo] a respeito dela, uma indicação
impermanente quanto à duração. Isso é sob o aspecto de que ela relaciona, às vezes, os sons maiores aos corpos maiores — embora frequentemente ele seja proveniente das
pequenas coisas, e vice-versa. Contudo, às vezes, ela percebe o número e percebe o movimento e o repouso em razão do que acontece quanto à estabilidade ou evanescência,
sendo que o seu tornar-se a essa diversidade é quanto à limitação como, por exemplo, uma [certa] distância. No entanto, essa percepção do conjunto daquilo que a alma
percebe, percebe-o em razão do hábito. Às vezes, é possível que ela escute o som a partir daquilo que está em repouso, de acordo com a configuração do som que é escutado
a partir daquilo que está em movimento; e [escute] a partir daquilo que está em movimento, de acordo com a configuração que escuta a partir do que está em repouso. Assim,
não [devemos] nos fundamentar nessa indicação, tampouco requerê-la [como] necessária; antes, ela ocorre para a maior parte das coisas. Quanto à figura, o ouvido não a
percebe, exceto a figura do som, e não a figura do corpo. Agora, quanto àquilo que é escutado a partir do côncavo, oriundo de sua concavidade, é algo que acontece para a
alma, e a alma conhece isso aos moldes da indicação e da reflexão vindas do hábito a respeito disso. Parece que a disposição da visão em muitas coisas daquilo que ela
percebe também é essa disposição, salvo que a percepção da visão percebe as coisas de modo mais manifesto. São estes os sensíveis chamados “comuns”, visto que, às
vezes, um certo número dos sentidos associa-se a eles. Agora, o número é como se fosse o primordial a ser chamado “comum”, pois todos os sentidos estão associados a ele.
Alguns homens chegaram a conjecturar que esses sensíveis comuns possuiriam um sensivo existente no animal ao qual eles estivessem associados, e por meio dos quais eles
perceberiam. Ora, mas não é assim. Tu sabes que, aquilo que é percebido por meio da cor, se não houver cor, não é percebido. E aquilo que é percebido pelo tato, se não
houver tato, não é percebido. Caso fosse possível perceber algo disso sem ser por meio do intermediário de uma qualidade — que é o primeiro percebido por qualquer desses
sentidos —, então isso seria possível. Agora, como é impossível que haja em nós a percepção disso, a não ser por um intermediário percebido por um sentido conhecido, ou
[por] uma indicação sem a intermediação do sensivo, então não há para eles, seja lá de que modo for,
um sensivo comum. FIM
![Abu Ali al-Husayn ibn Abd Allah ibn Sina [980-1037]](http://www.deficienciavisual.pt/IMAGENS/r-sobre_a_visao-IbnSina.jpg)
IBN
SINA médico e filósofo persa - nasceu em Bukhara em 980 e morreu em Hamadan em 1037.
Ficou conhecido no Ocidente como AVICENA. Além da profissão de médico, exerceu funções administrativas como
vizir do príncipe šams Al-Dawlah. Deixou uma extensa obra (enumeram-se 276 títulos), que inclui alguns dos
livros mais influentes, tanto no Oriente como no Ocidente. Entre estes merecem destaque o CÂNONE e a enciclopédia Al-šifa’ - A CURA - verdadeira mina de conhecimentos para os pensadores do mesmo período.
O Cânone da Medicina completado em 1025, era constituído por 14 volumes e foi uma das bases do ensino médico na Europa latina, do século XII ao XVI. Tornou-se um dos
pilares da teoria e da prática médicas, tratando a existência de doenças contagiosas e sexualmente transmissíveis e introduzindo o conceito de quarentena como meio de
limitar a difusão de infeções.
Ibn Sina | Avicena é universalmente reconhecido como o primeiro médico a documentar com precisão a anatomia do olho humano e a descrição de infeções oculares, assim como a
descrição de sintomas de diabetes, dos mecanismos do coração e da função da válvula.
ϟ excerto do:
Livro da Alma
Ibn Sina / Avicena
tradução do árabe, introdução, notas e glossário: Miguel Attie Filho
prefácio: Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento
São Paulo: Editora Globo - 1ª edição, 2010
18.Mar.2015
Publicado por
MJA
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