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 Sobre a Deficiência Visual


As Cores de Monet

A. Cauderlier

Monet - Les coquelicots à Argenteuil, 1873
Les coquelicots à Argenteuil, 1873

O Impressionismo surgiu na pintura francesa, no século XIX. O nome do movimento deriva da obra Impressão, Nascer do Sol (1872), de Claude Monet. Tudo começou com um grupo de jovens pintores que rompeu com as regras da pintura vigentes até então. Os autores impressionistas deixaram de se preocupar com os preceitos do Realismo ou da Academia ou em obterem um retrato fiel da realidade.

A luz e o movimento utilizando pinceladas soltas tornam-se o principal elemento da pintura, sendo que, geralmente, as telas eram pintadas ao ar livre para que o pintor pudesse capturar melhor as variações de cores da natureza. Deixaram de misturar as tintas na tela, a fim de obter diferentes cores. Passaram a utilizar pinceladas de cores puras, que colocadas uma ao lado da outra, são misturadas pelos olhos do observador, durante o processo de formação da imagem. A cor "desenha" ela própria o motivo sem recorrer à linha.

No início de sua carreira, Monet usa cores sombrias, como acontece no "Coin d'atelier". A sua pintura evoca a escola realista dominada por Courbet.


Monet - Coin d'atelier, 1861
Coin d'atelier, 1861


A partir de 1860, Monet abandona as cores escuras e trabalha com uma paleta limitada  a cores puras e claras.
 

Resultado de imagem para Impression, Soleil levant, 1872
Impression, Soleil Levant - Claude Monet, 1872


Em 1905 Monet escreve, em resposta a uma pergunta do seu "marchand": "Em suma, uso branco prata, amarelo cádmio, vermelhão, garança escuro, azul cobalto, verde esmeralda. E é tudo."

Uma análise das tintas permitiu identificar as cores e os diluentes: óleo de papoila e óleo de linhaça. A primeira, que seca mais lentamente e amarelece menos, encontra-se, por exemplo, em alguns empastelamentos brancos.


A questão do negro

O negro puro é raro entre os impressionistas. Monet muitas vezes obtém um negrume aparente através da combinação de várias cores vivas: azuis, verdes e vermelhos. Ele elimina quase completamente o negro de sua pintura, mesmo nas sombras, como nas sombras arroxeadas de "Bateaux de plaisance à Argenteuil".


Bateaux de plaisance à Argenteuil. 1875
Bateaux de plaisance à Argenteuil - Monet, 1875


Este preconceito contra o uso do negro era tão forte, que à sua morte, Georges Clemenceau, seu amigo, arrancou o pano preto que devia cobrir o féretro no caminho da casa para a igreja, gritando: "Não, negro para Monet, não!" E substituiu-o por um tecido com as cores das flores que o pintor amava.


Cores vistas por olhos doentes

Em 1908, aos 68 anos, Monet apresenta cataratas em ambos os olhos, e começa a perder a visão.  Os primeiros sinais destas cataratas encontram-se nas pinturas de Veneza em 1908.

 

Monet - Le Grand Canal et Santa Maria della Salute, 1908
Le Grand Canal et Santa Maria della Salute - Monet, 1908


Dá-se o nome de cataratas à progressiva opacidade do cristalino, que filtra as cores. À medida que a catarata progride, os brancos amarelecem, os verdes amarelo-verde e os vermelhos tornam-se alaranjados. Os azuis e os violetas desaparecem face aos vermelhos e aos amarelos. Os pormenores desvanecem-se e os contornos diluem-se, tornando-se fluidos.

Apesar da sua visão de cores se deteriorar, Monet continua a trabalhar. O pintor escolhe as tintas pelas etiquetas dos tubos e pela ordem imutável por que as dispõe na sua paleta.

 


Nymphéas - Claude Monet, 1916
 

"A minha falta de visão significa que vejo tudo como que através de uma névoa", escreve ele. "Contudo, o que vejo é muito belo, e é o que eu gostaria de ser capaz de representar".

Monet tem o hábito de pintar o que realmente vê. Pouco a pouco, nos seus quadros, começam a acentuar-se os vermelhos e os amarelos. Os pormenores diluem-se. Os azuis tendem a desaparecer.

Alguns quadros que representam o mesmo motivo permitem perceber os efeitos das cataratas em Monet. Por exemplo, "Le Bassin aux Nymphéas" de 1897" e Le Pont Japonais à Giverny" pintado em 1923. À medida que a catarata do seu melhor olho se torna madura, os contornos tornam-se cada vez mais imprecisos e os detalhes desaparecem. Monet já não vê as cores frias, e os azuis e os roxos desaparecem em favor dos vermelhos.

 

Monet - Le Bassin aux Nymphéas, 1897-99   Monet - Le Pont Japonais, 1923
Le Bassin aux Nymphéas, 1899 (à esquerda sem catarata)
Le Pont Japonais, 1923 (à direita com catarata)


Em 1911, Monet escreve a um amigo: "Há três dias, constatei, com horror, que já não via nada do olho direito."

Em 1914, começa a pintar - sem efeito de perspectiva - provavelmente porque a visão binocular, que dá a sensação de relevo, estará já bastante comprometida. A sua percepção da cor está igualmente falseada.

"Eu já não via as cores com a mesma intensidade", escreveu ele mais tarde. " Os vermelhos tinham perdido o brilho, as rosas estavam insípidos, as cores intermédias e os tons frios escapavam-me."

Ao longo dos anos que se seguiram, o olho esquerdo de Monet perde gradualmente a acuidade visual. No verão de 1922, a sua visão era tão má (visão quase nula no olho direito e 1/10 no esquerdo) que teve de parar de pintar. Está quase cego.


A decisão de ser operado

Por fim, acaba por ceder à pressão do seu grande amigo Georges Clemenceau, e consente em deixar-se operar a um olho. Vai ser operado em Janeiro de 1923, na clínica de Neuilly, pelo Dr. Coutela, que descreve assim a operação:

“Procedi, à direita, à extracção da catarata (extra-capsular) com aspiração da massa, tão completa quanto possível. À noite, a câmara anterior estava reformada: foi para mim um enorme alívio."
 

Claude monet após a cirurgia
Claude Monet após a cirurgia, em 1923
 

Graças à cirurgia e ao uso de óculos especiais, Monet recupera o uso do olho direito. A lente correctora é tingida de verde para lhe rectificar a visão das cores. Mas as cirurgias deixaram sequelas: perturbação da visão de cores, visão dupla e distorção de imagens. Recusa a operação à catarata do olho esquerdo.


Claude Monet após a operação

Monet recomeça a pintar a partir de 1923. "La maison vue du jardin aux roses" mostra como funciona a sua visão. Nesta série, Monet tanto pinta com o olho que apresenta catarata - tudo é vermelho e o céu é amarelo - como pinta com o olho que fora operado - tudo é azul ou cores frias.

 

Monet - La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924    Monet - La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924
La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924 ― olho com catarata ―
 
Monet - La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924    Monet - La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924
La maison vue du jardin aux roses, 1922-1924 ― olho operado ―
 

Período pós-cirurgia

Com o oftalmologista Jacques Mawas, que o visita em Giverny, em 1924, desabafa:

"Eu vejo o azul, já não vejo o vermelho, já não vejo o amarelo; isso incomoda-me  terrivelmente, porque sei que essas cores existem; sei que na minha paleta há vermelho, amarelo, há um verde especial, há um certo violeta; e eu já não os vejo como os via antes, e contudo recordo-me muito bem das cores que elas produziam."

Quando Mawas lhe pergunta “Mas como sabe que está a pintar com azul? responde: "Pelas bisnagas de tinta que escolho.”

 


Monet no seu segundo estúdio em Ginevrey, com o Duque de Trevise, 1920

 

Apesar deste handicap, Claude Monet continuou a pintar até 1926, poucos meses antes da sua morte.

A essência revolucionária do Impressionismo, em que a tela deixa de ser um mero reflexo fotográfico da paisagem e passa a ser uma experiência plástica, leva a que hoje em dia se considere que os últimos quadros de Monet vão anunciar a chegada do surrealismo e do abstracto.

 

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fontes:
Wikipédia
Les Couleurs de Monet 
in Vie et oeuvre de Claude Monet - A. Cauderlier
tradução: Maria José Alegre, 2013

 


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Jun.2010
Publicado por MJA