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excerto

Tocador de harpa cego - pintura no túmulo de um
escriba egípcio chamado Nakht - cerca de 1411 a.C.
O superior da corporação dos cegos de Tebas era uma personagem imponente, de rosto largo e maxilar
maciço. Após a inundação, quando o rio arrancava os marcos e apagava as marcas de propriedade, a administração recorria a ele e aos seus colegas, em caso de contestação. O chefe dos cegos era a memória da terra; à força de percorrer os campos e as culturas, os seus pés conheciam as suas dimensões exactas.
Encontrava-se a comer figos secos, à sombra da sua vinha, quando escutou os passos que se
aproximavam.
— Vocês são três; um colosso, um homem de altura média e um babuíno. Será o chefe da polícia e o seu famoso colega, o Matador, e o terceiro será...
— O vizir Paser.
— Assunto de Estado, por conseguinte. Que terras tentaram roubar? Não, não digas nada! O meu diagnóstico deve ser completamente objectivo. Qual o sector em causa?
— As ricas aldeias do norte, no limite da província de Coptos.
— Os marinheiros queixam-se muito, na região; os vermes comem as suas colheitas, os hipopótamos pisam-nas, ratos, gafanhotos e pardais devoram o que resta! Mentirosos refinados. As suas terras são excelentes e o ano foi gordo.
— Quem é o especialista desses domínios?
— Eu próprio. Nasci naquela região e aí cresci; os marcos não variam há vinte anos. Não vos ofereço figos nem vinho, pois suponho que tendes pressa.
Na mão, o cego segurava uma bengala cujo cimo tinha a forma de uma cabeça de animal de focinho pontiagudo e longas orelhas; a seu lado, um agrimensor desenrolava uma corda, segundo as indicações.
Nem uma única vez o cego hesitou; indicou com precisão os quatro cantos de cada campo, reencontrou a localização dos marcos e das estátuas de divindades, nomeadamente da cobra-capelo protectora das colheitas, e das esteias de doação reais que delimitavam os domínios de Carnaque. Os escribas anotavam, desenhavam e inventariavam.
Acabada a peritagem, não subsistia qualquer dúvida: o registo de
propriedades havia sido alterado erradamente, e atribuíram-se a Coptos
ricas terras que pertenciam a Carnaque.
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A JUSTIÇA DO VIZIR
Christian Jacq
excerto
Título Original: Le Juge d’Égypte - La Justice du Vizir
Librairie Plon, 1994
Romance
Tradução de Ana Maria Chaves e Helena Canto e Melo
Bertrand Editora, 1997
2.ª Edição
26.Mai.2014
Publicado por
MJA
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