|
Teófilo Braga
Lazarillo de
Tormes - Goya,
c.1812
Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um
naco de pão e um bocado de linguiça. O moço pegou no pão e deu-o ao cego para
metê-lo na sacola, e ia comendo a linguiça muito à sorrelfa. O cego,
desconfiado, pelo caminho começa a bradar com o moço:
– Ó grande tratante, cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me
entregaste o pão.
– Pela minha salvação, que não deram senão pão.
– Mas cheira-me a linguiça, refinado larápio!
E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho. O moço era
ladino e disse lá para si que o cego lhas havia de pagar. Quando iam por uns
campos onde estavam uns sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e
grita-lhe:
– Salta, que é rego. O cego vai para saltar e bate com os focinhos no
sobreiro. Grita ele:
– Ó rapaz do diabo! Que te racho.
Diz-lhe ele:
Pois cheira-lhe o pão a linguiça,
E não lhe cheira o sobreiro à cortiça?
FIM
ϟ
Joaquim Teófilo Fernandes Braga (1843-1924) nasceu em Ponta
Delgada e faleceu em Lisboa. Cedo revela queda para a literatura e
publica em 1859 na própria tipografia onde trabalhava o seu livro de
estreia, Folhas Verdes. Em 1861 vai para Coimbra frequentar o curso de
Direito. Por essa altura, colabora em O Instituto e na Revista de
Coimbra, entre outras, opondo-se frontalmente ao ultra-romantismo.
Republicano militante, em 1910 é convidado para presidente do Governo
Provisório, tendo sido mais tarde eleito Presidente da República.
13.Nov.07
Publicado por
MJA
|