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Homem cego com Piano Amarelo numTempo Analógico - Charles Riley (2017)
O traçado da letra cursiva ia se esmaecendo a cada dia, enquanto os olhos
apertados tentavam a todo custo distinguir o contraste da escrita no caderno.
Óculos muito grossos, nariz colado ao livro e a voz abafada pela proximidade do
papel era uma situação comum durante as leituras em voz alta. Sentar na primeira
fileira e levantar do lugar a todo tempo para olhar de perto o texto da lousa
era também parte da rotina na sala de aula, com a qual eu já me habituara. Um
outro hábito que acabou se desenvolvendo, ora mais, ora menos incentivado pelos
professores, foi o de sentar em dupla com um colega, para que ele ditasse a
matéria ou prestasse algum auxílio extra. Isso era também muito bom, por
permitir conversinhas corriqueiras, quase sempre interrompidas pelas
admoestações dos mestres, que se impacientavam com o burburinho e com a
ocasional falta de atenção dos alunos.
Durante o recreio, ia ficando mais e mais difícil participar das brincadeiras
com bola, do futebol e de outros jogos. Ao mesmo tempo, era importante ir
adquirindo o necessário fair play para conviver com as brincadeiras, apelidos e
implicâncias dos colegas, algumas vezes inocentes, outras vezes temperada com a
pseudo-crueldade das crianças e a dos adolescentes. Cegueta, caolho, quatro
olhos eram os nomes mais comuns. Tapinhas na nuca, cutucões e dedos nas lentes
dos óculos, todos sem autoria definida, eram práticas infringidas contra o meu
sossego, mas com as quais eu já me habituara, ora levando na esportiva, ora
partindo para a violência física. Nesse último caso, normalmente levava a pior,
mas saía gratificado pelo meu sentido de justiça e pela sensação de não me ter
deixado humilhar. As adversidades do cotidiano não me incomodavam tanto. Eu
possuía uma auto estima equilibrada, reforçada pela educação que recebia de meus
pais, que sempre me encorajaram a ser confiante e independente. Só vim a sentir
pela primeira vez o gosto amargo do preconceito, quando soube que uma garota me
recusara, explicitamente em razão de minha deficiência visual, que eu sabia
estar se agravando.
A dificuldade para ler agora era tremenda. Nem as grossas
lentes me garantiam mais o tênue contorno das letras, que desapareceram quase
por completo, dos livros, do caderno, da lousa. Havia, pois, chegado o momento
que eu tanto quisera adiar, o de começar a aprender o Braille. Nesse caso, o
preconceito era todinho meu. Julgava que o Braille fosse coisa de cego e que,
portanto, definitivamente, não era para mim. Mas, no íntimo, sempre soube que,
como portador de glaucoma congênito, mais cedo ou mais tarde eu perderia a minha
preciosa visão, que mesmo não sendo lá essas coisas, continuava a ser, para mim,
tão preciosa.
Fonte de equilíbrio físico e porque não dizer também mental minha
visão me permitia enxergar o azul do céu, o branco das nuvens, o contorno das
árvores e das montanhas. Distinguia as cores e o formato dos objetos, mas nunca
dispensava o tato, a audição e o olfato, para me auxiliar no reconhecimento de
seus detalhes. Já com os meus quinze anos de idade, não mais saía às ruas
desacompanhado, como antes. Assim, além do Braille, havia chegado a hora de
aprender também locomoção e mobilidade, em miúdos, aprender a usar a temida
bengala branca, símbolo máximo da cegueira, o qual eu não fazia nenhuma questão
de ostentar, recusando-me terminantemente a freqüentar o Instituto dos Cegos .
Ocorre que, por essa ocasião, eu manifestara um grande interesse pela música.
Como muitos adolescentes dotados de sensibilidade artística, queria de toda
maneira aprender a tocar violão e a cantar, inspirado pelos ídolos da MPB e do
rock and roll. Arranjaram-me então um professor, o melhor da cidade, que me
ensinaria a dedilhar as cordas do instrumento e a criar acordes encantadores.
Nos dias que antecederam o da minha primeira aula, mal consegui dormir, tamanha
era a minha expectativa e entusiasmo. Na hora marcada, sentado na sala de
visitas da casa do professor, juntamente com meu pai, aguardava ansioso pelo
término da aula de outro aluno e de onde estávamos, ouviam-se nitidamente
límpidos arpejos e solos de violões que tocavam em dueto, aumentando assim o meu
entusiasmo. Quando os acordes cessaram, irromperam na sala um senhor e um jovem,
ambos de violão em punho. Ao ser apresentado a mim, o jovem me disse que eu era
um garoto de sorte, por ter, a essas alturas do ano, conseguido uma vaga para
estudar com um dos melhores professores de violão do país, e que eu não perdesse
essa magnífica oportunidade. Despedindo-se de todos, o jovem saiu, fechando a
porta atrás de si. Um frio percorreu então a minha espinha, ao me dar conta de
que meu professor, aquele considerado um dos melhores do país, era um senhor de
uns sessenta e poucos anos, completamente cego! Na verdade, o primeiro cego de
carne e osso que eu conhecera.
No primeiro dia, conversamos muito, sobre o violão, mas também sobre outros
temas: a deficiência visual, como é viver sem enxergar, uma de minhas maiores
angústias à época; trocamos impressões com a liberdade de quem compartilha a
mesma experiência do não ver. Um, homem maduro, absolutamente realizado,
tranqüilo com a vida e com a sua deficiência e a sua profissão; o outro,
adolescente, ainda mal tateando os seus caminhos , cheio de expectativas para o
futuro, de ansiedades, medos e inseguranças. Éramos, assim, o mestre e o
aprendiz, ou por outra, um guru e seu novo discípulo. Pois bem, esse professor,
a música, a minha vontade de aprender, meus pais que espertamente armaram toda
aquela situação, acabaram sendo os grandes responsáveis pela minha iniciação no
universo tiflológico e, especificamente, no das soluções educacionais
direcionadas ao atendimento das necessidades de estudantes com deficiência
visual.
Fazendo-se passar por desavisado, meu velho professor perguntou-me inicialmente
se eu teria condições visuais de ler partituras escritas no sistema comum, em
tinta. Depois, de ouvir a minha resposta um tanto desapontada, sorrindo, colocou
em minhas mãos um livro muito grosso todo marcado com pequenos furinhos formando
linhas em alto relevo e me disse que ali estavam todos os exercícios e as
músicas que eu deveria estudar no primeiro semestre de aulas.
Era a primeira vez na vida que eu manuseava um livro escrito em Braille,
embora eu já conhecesse vagamente o sistema, de tanto ouvir falar nele,
principalmente durante o último ano. Sabia que era um sistema de leitura e
escrita para cegos, criado por um francês chamado
Louis Braille, em 1825, e que a leitura era feita com a ponta
dos dedos. Fora isso, eu não sabia mais nada. Então, habilmente, o professor
incitou a minha curiosidade sobre o assunto, dizendo-me que quando Louis Braille
criou o seu sistema, ele tinha exatamente a minha idade, quinze anos, e que
todas as letras e todos os símbolos, incluindo os da matemática e os da música,
eram formados da combinação de apenas seis pontos e que esses pontos permitiam
sessenta e três diferentes combinações. Quis saber como a escrita era produzida
e ele me mostrou uma prancheta de madeira onde se acoplava uma espécie de régua
metálica, que abrigava as matrizes dos pontos , chamada reglete. Mostrou-me em
seguida um pequeno instrumento pontiagudo parecido com um prego envolto em um
suporte anatômico feito de madeira ou de plástico, chamado punção, que servia
para furar o papel, o qual deveria ficar preso entre as duas partes da reglete.
Explicou-me que o papel deveria ser um pouco mais grosso do que o comum
(gramatura 40 kilos, por exemplo) para que o relevo do Braille não se apagasse
facilmente.
Depois mostrou-me uma máquina de escrever com apenas seis teclas,
uma para cada ponto do Braille, e uma barra de espaço para separar palavras. Era
a máquina Perkins de datilografia em Braille. Assim, sem perceber, eu estava
tendo ali, com meu professor de violão, a minha primeira aula de Braille, contra
a qual eu tanto resistira durante um ano. Perguntei a ele se os livros eram
escritos com aquela máquina, se eles teriam de ser feitos um a um à mão. Ele riu
e me contou que havia impressoras específicas capazes de produzir uma grande
quantidade de material Braille em tempo reduzido. Eu, sério ouvia tudo
atentamente. Continuando a conversa, o professor tomou um papel, colocou-o na
reglete e escreveu meu nome; tirou o papel e me deu para que, com a ponta do
indicador direito, eu sentisse pela primeira vez, o relevo do meu nome gravado
em Braille. Confesso que nessa hora me bateu uma emoção diferente, ao sentir que
aquela primeira palavra, de tão forte significado, estava me reabrindo as portas
para o mundo da leitura, o qual eu já julgava perdido.
Percebendo meu interesse, o professor resolveu avançar mais e propôs que eu
experimentasse escrever, inicialmente apenas furando todos os seis pontos de
cada célula Braille da primeira linha da reglete. Explicou-me que cada uma das
quatro linhas da reglete era composta de aproximadamente vinte e oito
quadradinhos chamados células Braille e que cada uma dessas células abrigava os
seis pontos, a partir da combinação dos quais, as letras eram formadas. Fez-me
sentir com os dedos, cada uma das quatro linhas e me disse que a reglete se
encaixaria na prancheta, em diferentes alturas. Desse modo, deslocando-a para
baixo até o fim da prancheta, podia-se utilizar toda a superfície de uma folha
do tipo ofício.
A minha primeira surpresa foi saber que eu deveria começar a furar os
quadradinhos, da direita para a esquerda, contrariamente à escrita convencional,
que se faz da esquerda para a direita. A razão era simples: como o Braille é uma
escrita em alto relevo, ao furar o papel com a punção, imprime-se um ponto em
alto relevo no verso do papel. Logo, a escrita Braille, quando produzida na
reglete, obedece a uma lógica de espelho, isto é, invertida em relação ao modo
de se ler. Assim, para ler o que foi escrito, o escrevente deve tirar a folha da
reglete e virá-la do outro lado, para só então escorregar os dedos pelas linhas.
Lembrou-me que a leitura se fazia normalmente, da esquerda para a direita. O
professor gostava de dar explicações detalhadas. Então, começou a me falar sobre
a ordem dos pontos, de um a seis. Na escrita, o ponto um seria, assim, o
primeiro no alto da célula, à direita, depois dele, o ponto dois seria logo em
baixo do ponto um e o ponto três seria bem abaixo do ponto dois. Completava-se
assim a coluna da direita da célula. Nessa lógica, o ponto quatro era o primeiro
do alto da coluna da esquerda, da mesma célula, e assim por diante até completar
os seis pontos, isto é, o preenchimento de todo aquele quadradinho.
Ao premir os pontos no papel, segurando ainda desajeitadamente a punção e
acompanhando a sua ponta com o indicador da mão esquerda, conforme o professor
havia orientado, a fim de facilitar o direcionamento daquele interessante
instrumento de escrita, completei o preenchimento de toda a primeira linha.
Tirei o papel da reglete e então o virei para observar com a ponta dos dedos o
resultado daquela experiência: uma carreira de quadradinhos impressos em alto
relevo, os quais, ao meu tato, contrastavam magnificamente com a lisura e a
maciez do papel.
- É isso - me disse o professor. Para os videntes, as letras se formam a partir
de seu contraste em cores com o fundo onde estão impressas. Já para nós, o
contraste se dá por meio de pontos palpáveis. O filósofo francês Denis Diderot,
que viveu no século XVIII, foi o primeiro a refletir sobre a percepção dos
cegos. Inclusive, sua obra
A Carta Sobre Os Cegos para Uso dos que Vêem, um
clássico da filosofia da época, foi o pontapé inicial para a criação de uma
pedagogia voltada para as necessidades especiais das pessoas com deficiência
visual. Ele foi quem deu a sustentação filosófica para
Valentin Hauy, o primeiro
a criar uma escola para cegos, e mais tarde para a própria invenção do
maravilhoso sistema de Louis Braille.
Depois de me incentivar dizendo que eu levava jeito para aprender, levantou-se
de um supetão, bateu uma estridente palma e num tom animado e resoluto disse que
nós já estávamos falando demais e que era necessário um pouco de música. Apanhou
o violão e começou a dedilhar a esmo. Eu, sem dizer nada, observava tudo
extasiado. Agora, meu filho, ouça isto disse-me ele num tom compenetrado.
Pigarreou levemente e, por alguns segundos, fez-se naquela sala um silêncio
sacral, o qual aos poucos começou a ser preenchido pela mais bela melodia que
até então eu já ouvira. Durante pouco mais de dois minutos, aquele som angelical
ocupou cada canto da sala, fazendo vibrar, através de meus tímpanos embevecidos,
cada molécula de meu corpo. Ao acabar, disse ele após mais um átimo de silêncio:
- Isto é Villa-Lobos, meu filho, Villa-Lobos. Toquei para você a
Mazurka Choro,
que é o primeiro movimento da Suíte Popular Brasileira, composta entre 1908 e
1923. Sabe, Villa-Lobos foi um compositor genial. Sua obra para violão solo é,
com toda certeza, a maior contribuição para o repertório desse instrumento no
século XX. É verdade! Todos os grandes violonistas clássicos, tanto brasileiros
como estrangeiros, no mundo inteiro, já se debruçaram sobre as obras desse
mestre. Apesar de seu imenso talento para executar vários instrumentos,
Villa-Lobos, como todo bom brasileiro, possuía um amor especial pelo violão. Um
dia, se você quiser, meu filho, e se dedicar para isso, você também poderá tocar
as suas obras. Para a nossa felicidade, a maior parte delas está disponível em
Braille. Basta você querer. Assim, quanto mais cedo você aprender o Braille,
mais progressos irá fazer com a música.
A essas alturas eu era puro entusiasmo. Já estava até mesmo sentindo uma espécie
de orgulho de minha deficiência. Tinha esquecido por completo qualquer vestígio
de temor ou preconceito contra o universo dos deficientes visuais. Tudo o que eu
queria era aprender o Braille e o que mais fosse necessário para que eu pudesse
ser igual àquele culto e talentoso professor. Na mesma semana, eu, que era
resistente, já estava freqüentando o instituto dos cegos e descobrindo lá um
mundo inteiramente novo, mas estranhamente familiar para mim. Passei então a
dividir o meu tempo da seguinte forma: Na parte da manhã, continuava o meu curso
na escola regular, onde cursava o primeiro ano do ensino médio, e à tarde ia
para o instituto aprender o Braille, aprender a fazer contas com o soroban (uma
espécie de ábaco muito utilizado pelos cegos), tomar aulas de locomoção e
mobilidade, além de canto e violão, é claro. Lá, conheci muitos rapazes e moças
de minha idade, com diferentes graus de perda visual, por meio dos quais acabei
aprendendo muito sobre a vida cotidiana das pessoas sem visão. Ganhei novos
amigos e aprendi muito também sobre as minhas próprias possibilidades. Sentia
como se eu estivesse me reconciliando com uma parte de mim que havia ficado meio
de lado no meu processo de amadurecimento.
Em menos de um ano já podia perceber os efeitos positivos que aqueles novos
aprendizados começaram a fazer na minha vida em geral, e especialmente na minha
vida escolar. A escola onde eu cursava o ensino médio era uma escola pública
estadual que contava com uma sala de recursos, onde professores especializados
auxiliavam os alunos deficientes visuais transcrevendo provas e exercícios para
o Braille, gravando textos em fitas cassete e o que mais fosse necessário para
que nós pudéssemos acompanhar normalmente os trabalhos escolares. Parecia
incrível, mas além de mim, havia também mais outros cinco alunos deficientes
visuais freqüentando a sala de recursos. Enfim, eu não estava sozinho e isso era
extremamente reconfortante.
Avancei rápido nas lições de Braille. Minha professora era uma senhora cega
muito paciente, mas também enérgica quando necessário. O primeiro exercício que
ela me deu para fazer foi o de preencher uma folha inteira com os seis pontos
das células Braille, tal qual meu professor de violão havia me ensinado em nosso
primeiro encontro. Esse exercício servia para que eu automatizasse a posição de
cada um dos seis pontos e ao mesmo tempo praticasse o gesto de furar o papel com
a punção.

Em seguida, passei ao aprendizado da chamada primeira linha do
alfabeto Braille, isto é, as dez primeiras letras do alfabeto comum, que em
Braille se escrevem utilizando apenas os pontos 1, 2, 4 e 5, deixando de fora os
pontos 3 e 6. Desse modo, a letra A é formada apenas pelo ponto 1; a letra B,
pelos pontos 1 e 2; o C, pelos pontos 1 e 4; o D, pelos pontos 1, 4 e 5; o E,
pelos pontos 1 e 5; o F, 1, 2 e 4; o G, pelos pontos 1, 2, 4 e 5; o H, pelos 1,
2 e 5; o I, pelos pontos 2 e 4; e, finalmente o J, é formado pelos pontos 2, 4 e
5.
Aprendi que esses sinais também servem para representar os algarismos de 1 a 0,
na mesma ordem do alfabeto, ou seja, com os sinais correspondentes às letras de
A a J, bastando para isso colocar na frente um sinal indicador de algarismo,
representado pelos pontos 3, 4, 5 e 6. Após dominar bem a escrita e a leitura
dessa primeira linha, comecei o aprendizado da chamada segunda linha, para cuja
formação das letras, basta acrescentar o ponto 3 em cada símbolo da primeira
linha. Desse modo, representam-se as próximas dez letras do alfabeto, da letra K
à letra T. O passo seguinte é aprender a terceira linha, em que a formação dos
símbolos se dá acrescentando-se à primeira linha, o ponto 6, sem se utilizar o
ponto 3. a partir daí, começamos a perceber que as letras acentuadas têm um
símbolo próprio diferente do das letras acentuadas. Assim, o a (ponto 1) mais o
ponto 6 forma um Â; o B (pontos 1 e 2) mais o ponto 6 vira Ê; o C (pontos 1 e 4)
vira ì; o H (pontos 1, 2 e 5) vira ü; o I (pontos 2 e 4) vira õ); e o J (pontos
2, 4 e 5) vira W. Existem também os sinais da quarta linha, onde se acrescentam
aos da primeira linha, os pontos 3 e 6: A (ponto 1) mais pontos 3 e 6, forma a
letra U; o B (pontos 1 e 2) mais os pontos 3 e 6, é igual ao V; o C (pontos1 e
4) mais pontos 3 e 6) forma o X; o D (pontos 1, 4 e 5) mais 3 e 6, é igual ao Y;
o E (pontos 2 e 4) mais 3 e 6, é igual ao Z; o F (pontos 1, 2 e 4) mais 3 e 6, é
igual ao Ç; o G (pontos 1, 2, 4e 5), mais 3 e 6, forma o É. É interessante notar
que essa letra se forma com o preenchimento de todos os seis pontos da célula.
Continuando, a letra H (pontos 1, 2 e 5) mais os pontos 3 e 6, formam o Á; o I
(pontos 2 e 4) mais os pontos 3 e 6, formam o è; por fim, o J (pontos 2, 4 e 5)
mais os pontos 3 e 6, formam o Ú. Existem ainda os sinais da quinta linha,
formados somente pela combinação dos pontos 2, 3, 5 e 6. Entretanto, essa quinta
linha forma apenas sinais gráficos como ponto final, vírgula, ponto de
interrogação etc.
Freqüentando o Instituto dos Cegos, aos poucos fui descobrindo que o Braille não
se resumia ao alfabeto. Era muito mais complexo do que isso. As sessenta e três
combinações possíveis entre seus seis pontos faziam que um mesmo sinal, uma
mesma combinação de pontos, formasse símbolos diferentes, reconhecíveis conforme
o contexto em que apareciam. Assim, os pontos 1 e 5 podiam significar, por
exemplo, a letra E, ou o algarismo 5 ou uma nota ré em tempo de colcheia. Fui
assim descobrindo a cada dia a riqueza desse maravilhoso sistema de leitura e
escrita, que é o sistema Braille e fui também me apaixonando por ele, na medida
em que tinha cada vez mais acesso a leituras diversas. Os progressos na escola
aumentaram e o resultado disso tudo foi que, inspirado naquele meu professor de
violão e também em outros, acabei tornando-me também, não um virtuose do violão,
embora a música até hoje me acompanhe, mas um professor, dedicado a possibilitar
que outros tantos alunos com deficiência visual possam ter acesso ao mundo da
leitura e da informação, utilizando o Braille como uma das estratégias mais
eficazes para se atingir esse fim.
FIM
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Braille - Aprendendo com Paixão
por Flávio Couto e Silva de Oliveira - Historiador, Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais e foi Coordenador Especial de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência, do Governo do estado de Minas Gerais – Brasil (2003-2010).
Texto dedicado à memória do Professor Valter Alves, do Instituto São Rafael, Belo
Horizonte M. G. - Brasil
30 Março, 2009
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